Il Gesù

Edificada em frente à Sede Generalíssima da Companhia de Jesus, a igreja “Il Gesù” é riquíssima em formas e cores. Contemplemos alguns de seus detalhes em companhia de Dr. Plinio.

 

Ao contemplar a famosa Igreja do Gesù, em Roma, dada a propensão que tenho pelas cores, a primeira coisa que me ocorreria seria analisar os mármores que lá estão colocados.

Altar forrado de belos mármores

Em um dos altares laterais, onde está o corpo de Santo Inácio, nota-se a distinção entre duas coisas. No altar propriamente dito, sobretudo nas duas colunas de mármore que se encontram de cada lado da imagem do santo. Cada uma delas é peça monolítica, uma pedra só de baixo até em cima. E esse mármore dá a nota dominante de todo o colorido.

Logo depois dessas colunas há uma faixa de mármore por onde as colunas das extremidades, de certo modo, se encostam à parede. E é um salpicado, um misto da cor de noz com o branco, preparando a transição para o branco total.

Depois existe um grande quadrilátero, dentro do qual se nota uma cor parecida com a das colunas; há uma transição que prepara a passagem para o marrom-claro absoluto, através do branco também absoluto. É uma coisa muito bem feita, um jogo de cores entre o marrom e branco muito bem calculado, que se repetem no próprio altar.

Harmonia entre cores e formas

Em cima do arco que serve de dossel para a imagem de Santo Inácio de Loyola, encontram-se alguns anjinhos. E mais acima algumas figuras brancas, são anjos também; e bem acima, a Santíssima Trindade: a glória de Deus, eterna, imutável e absoluta.

O jogo de cores e as formas são muito agradáveis de olhar. Todas as formas são muito definidas, proporcionadas, e fazem do altar uma obra de arte.

O altar é a glorificação de Santo Inácio de Loyola. Mas contém um pensamento sério: por mais elevado que Santo Inácio tenha sido, infinitamente acima dele, portanto em uma outra ordem de coisas, por assim dizer, além do altar, está Deus Nosso Senhor. Deus, ótimo, máximo, que brilha no mais alto da glória. Abaixo d’Ele está um santo, com os braços abertos em uma espécie de êxtase, olhando para o Céu, quer dizer, com o pensamento dele todo voltado para o Criador: Deus e seu servidor.

Vejam a diferença que há entre o servidor de Deus, o santo canonizado pela Igreja, de um lado, e, de outro lado, um simples fiel que reza ajoelhado junto à mesa de Comunhão, à grade que está colocada abaixo do altar. Observem a hierarquia das coisas. A Igreja militante, tendo acima de si a Igreja gloriosa, a qual está toda voltada para Deus e absorta na consideração e na contemplação d’Ele. Um santo é um cidadão, um membro eminente da Igreja gloriosa.

O gesto de Santo Inácio é exclamativo, como quem está em um êxtase e todo absorvido na contemplação do esplendor de Deus, de um lado; de outro lado, nota-se que é um gesto muito harmonioso, muito digno, que não tem nada de demagógico.

Seriedade do altar renascentista

Trata-se de uma peça caracteristicamente renascentista; apesar disso tem uma seriedade que não chega a ser de nenhum modo a seriedade sublime do gótico, mas é uma seriedade real. Os próprios anjinhos não são como os de Bernini; é tudo sério, pensado, bem ordenado, articulado. É o espírito de Santo Inácio de Loyola.

Se este fosse o altar-mor de uma grande igreja, nós diríamos: “Que igreja!” Mas, esse é um altar lateral…

Madonna della Strada

Entre o altar de Santo Inácio e o altar-mor, venera-se a imagem da “Madonna della Strada”.

Alguém dirá: “Mas não é esquisito que haja um altar entre o de Santo Inácio e o altar-mor? Não se compreenderia melhor que ele estivesse bem junto ao altar-mor?” Onde está Nossa Senhora todo mundo recua. E uma imagem da Santíssima Virgem não pode figurar depois da imagem de um santo. A imagem miraculosa de “Madonna della Strada” é muito venerada por todos que vão ao Gesù.

É realmente uma muito bonita imagem, muito expressiva, séria, como muito sério é também o Menino Jesus. Nossa Senhora dá vagamente a impressão de ter os trajes de uma imperatriz bizantina; a imagem é um tanto orientalizante.  E o Menino Jesus está todo vestido, cheio de pudor, diferente dessa mania de apresentar o Divino Infante nu, ou quase nu, como se Nossa Senhora fosse uma Mãe despreocupada e indolente, que não tivesse vontade nem disposição de cobrir o corpo de seu Menino.

O altar de São Francisco Xavier

Em frente ao altar dedicado a Santo Inácio há outro em honra de São Francisco Xavier, o grande apóstolo das nações de raça amarela, que evangelizou uma boa parte do Japão, e morreu numa ilha entre o Japão e a China, olhando para a China, com vontade de chegar lá e de evangelizar aquela nação.

Ele era súdito de Santo Inácio, por quem foi convertido. Mas ele era um tão grande apóstolo que mereceu ser colocado em frente a Santo Inácio, embora do lado esquerdo de quem entra na igreja. Lá está o braço incorrupto de São Francisco Xavier, encastoado em um relicário que muito vagamente toma a forma de um braço com a mão na extremidade. Eu chamo a atenção dos presentes para o lacerado da mão, como também para os dedos, que são finos, delicados, exprimindo assim um feitio de alma especialmente delicado.

Tomem em consideração que São Francisco Xavier foi um grande professor da Universidade de Paris, antes de se tornar jesuíta. Todos os dias em que dava aula, ele encontrava um seu conterrâneo, baixo, de olhos como dois sóis, coruscantes, penetrantes, pobre, malvestido, que se aproximava dele enquanto os alunos lhe prestavam homenagem. São Francisco Xavier era tão homenageado como professor que frequentemente, quando terminava a aula, os alunos — que naquele tempo usavam capas — punham suas capas no chão para que ele ao sair pisasse sobre elas. E Santo Inácio esperava a São Francisco Xavier do lado de fora da porta e perguntava: “Francisco, de que serve isto tudo se perderes a tua própria alma?” Aquilo foi tocando a alma de São Francisco, o qual afinal se converteu e pertenceu ao primeiro grupinho de jesuítas. Depois foi o imenso apóstolo do Oriente, tendo também trabalhado na Índia.

Comungando na Igreja do Gesù 

Para encerrar, eu gostaria de narrar um fato que se deu comigo.

Fui comungar, certa vez, na Igreja do Gesù.

Ao ajoelhar-me junto à mesa de comunhão notei que ela era magnífica, toda incrustada com figuras geométricas, de mármores das mais diversas cores — aliás, sabe-se que a Itália é a terra dos lindos mármores.

Quando me dei conta, eu estava tentado a ficar prestando atenção nos mármores em vez de prestar atenção no Autor dos mármores, que Se dignava entrar dentro deste peito do qual Ele também é o Autor. Precisei fazer um solavanco violento para que o esplendor da mesa de Comunhão não afastasse o meu espírito da consideração d’Aquele que é o esplendor subsistente, em relação ao Qual todo o resto não é senão imagem ou semelhança.  v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 4/8/1979 e 11/11/1988)

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