Uma carinhosa prece de São Bernardo de Claraval a Maria dá a Dr. Plinio ocasião para voltar a um tema predileto para esses dois varões: a bondade inestimável da Mãe de Deus para com os homens e a confiança sem limites que nEla devemos ter.
Inigualável cantor das glórias de Maria Santíssima, São Bernardo compôs tocantes e piedosas orações dirigidas a Ela. Entre outras, uma que me apraz comentar, porque repassada de sentido e admirável sob todos os pontos de vista. Ei-la:
Ó doce Virgem Maria, minha augusta soberana, minha amável Senhora, minha Mãe amorosíssima! Ó doce Virgem, coloquei em Vós toda a minha esperança e não serei confundido. Doce Virgem Maria, eu creio tão firmemente que do alto do Céu Vós velais dia e noite sobre mim e sobre aqueles que esperam em Vós; estou tão intimamente convencido de que jamais pode faltar nada quando se espera tudo de Vós, que resolvi viver daqui para o futuro sem nenhuma apreensão, e me descarregar inteiramente sobre Vós em todas as minhas iniquidades.
Doce Virgem Maria, Vós me estabelecestes na mais inabalável confiança. Mil vezes obrigado por uma graça tão preciosa! Ficarei daqui por diante em paz sob vosso coração tão puro. Não pensarei mais senão em Vos amar, em Vos obedecer, enquanto Vós gerireis, Vós mesma, minha boa Mãe, os meus mais caros interesses.
Ó doce Virgem Maria, que entre os filhos dos homens, uns esperem sua felicidade de sua riqueza, outros a procurem em seus talentos; que outros se apoiem sobre a inocência de sua vida ou sobre o rigor de sua penitência, ou sobre o fervor de suas orações, ou sobre o grande número de suas boas obras. Por mim, ó Mãe, eu esperarei só em Vós, só em Vós depois de Deus. E todo o fundamento de minha esperança será minha confiança mesmo em vossa bondade materna.
Doce Virgem Maria, os maus poderão me roubar a reputação e o pouco de bem que possuo. As doenças poderão me tirar as forças e a faculdade exterior de Vos servir. Eu poderei mesmo, infelizmente, minha terna Mãe, perder vossas boas graças pelo pecado. Mas minha amorosa confiança em vossas maternais bondades, esta jamais eu perderei. Eu a conservarei, essa confiança inabalável, até o meu último suspiro.
Todos os esforços do inferno não ma roubarão. Eu morrerei repetindo mil vezes vosso nome bendito e fazendo repousar sobre vosso Imaculado Coração toda a minha esperança.
E por que estou eu tão firmemente seguro de esperar sempre em Vós, se não é porque Vós me ensinastes, Vós mesma, ó doce Virgem, que Vós sois toda misericórdia e que não sois senão misericórdia?
Estou, portanto, seguro, ó boa e amorosa Mãe, de que Vos invocarei sempre e estou seguro de que Vós me consolareis. Eu Vos agradecerei sempre porque Vós sempre me aliviareis. Eu Vos servirei sempre porque Vós sempre me ajudareis. Eu Vos amarei sempre porque Vós sempre me amareis. Eu obterei tudo de Vós porque vosso amor, sempre generoso, irá além de minha esperança.
Sim, é de Vós só, ó doce Virgem, que, apesar de minhas faltas, eu espero o único bem que desejo, o meu Jesus, no tempo e na eternidade. É de Vós só, porque Vós é que meu Divino Salvador escolheu para me dispensar todos os favores, para me conduzir seguramente até Ele. Sim, é de Vós, Mãe, que, depois de ter aprendido a participar das humilhações e sofrimentos de vosso Divino Filho, espero ser introduzido na glória e nas delícias, para O louvar e bendizer, junto a Vós e convosco, nos séculos dos séculos. Assim seja.
Eis a minha maior confiança e toda a razão da minha esperança. “Ecce mea maxima fiducia et tota ratio spei meae”.
Confiança sem limites em Nossa Senhora
A oração é verdadeiramente maravilhosa, e possui as características da eloquência de São Bernardo. Quer dizer, uma prece com misto de humildade e de arrojo, de ternura e de fogo, de doçura e varonilidade, difícil de encontrar reunidas nas expressões de um só homem.
De um lado, a ternura para com Nossa Senhora chega ao último limite a que se pode chegar. Sobretudo, chega ao ápice a persuasão da ternura d’Ela para conosco.
Mas, de outro lado, no modo de cantar o carinho d’Ela, nada há de efeminado, nada há de indigno de um varão. Pelo contrário, existe uma espécie de audácia, de arrojo encorajado e estimulado por essa ternura, que faz da oração uma obra-prima, porque reúne a suavidade própria à uma pomba e o voo extraordinário da águia.
Em sua prece, o Santo penetra diretamente no Coração Imaculado de Maria. E com uma liberdade, um desembaraço ousaria dizer, com uma familiaridade cheios de veneração, mas de intimidade, que verdadeiramente nos espanta.
Ele fala da virtude da confiança, e mostra no que esta consiste. Depois, determina as razões dessa virtude. Para São Bernardo, a confiança consiste fundamentalmente em saber que Nossa Senhora é toda ternura, e n’Ela não há severidade. E como é essa a disposição d’Ela em relação a todos os homens, torna-se lógico, forçoso, inevitável que cada homem conhecedor disso deposite em Maria uma confiança sem limites. O autor da oração estabelece essa confiança em duas gamas: primeiro, quanto à vida terrena; em segundo lugar, quanto à vida eterna.
São Bernardo exprime sua certeza de que Nossa Senhora vai gerir os interesses dele nesta existência, e interesses terrenos propriamente ditos. É verdade que ele era religioso e não tinha preocupações materiais, pois eram todas atendidas no mosteiro. Porém, ele compôs essa oração para ser rezada por qualquer fiel, e não apenas pelos monges. Então se entende que nós, nos nossos interesses terrenos, naquilo que eles têm de legítimo, de santificante, devemos confiar em Nossa Senhora.
No auge das provações, confiança ainda maior
Mais. Devemos pedir que Ela faça por nós aquilo que não somos capazes de fazer.
Sabemos todos que a Providência tem desígnios insondáveis, e que pode, portanto, querer nos sujeitar de um momento para outro a sofrimentos que não prevemos. Sabemos também que a Providência quer, genericamente, daqueles a quem Ela ama, que passem por muitas provações. Nós sabemos, portanto, que nesta vida temos de sofrer. Sem embargo disso, por um movimento interno da graça, por um certo senso das proporções, etc., nós vemos que, em relação a outros interesses terrenos, muito provavelmente a Providência não quer que se percam e sejam imolados. Estes interesses nós devemos entregar aos maternais cuidados de Nossa Senhora. Ela velará por eles, os apoiará, os protegerá, de tal maneira que não precisamos nos deixar tomar de ansiedades, nem de torcidas, nem de sofreguidões.
Mas, no pior das nossas angústias e das nossas preocupações, devemos nos lembrar daquilo que diz o Pe. Saint Laurent no seu “Livro da Confiança”: quando a tormenta tenha chegado ao auge, é hora de preparar o incenso e todo o necessário para cantar o Magnificat, porque nesse momento Nossa Senhora intervirá e nos salvará. Quer dizer, essa é uma confiança inabalável. E confiança que cresce de ponto quando não se trata apenas de nossos interesses terrenos individuais, mas das questões de apostolado. A Santíssima Virgem deseja que procuremos o maior bem para as almas, e multiplica seu infalível socorro para que nossa missão evangelizadora seja coroada de sucesso. E mesmo quando nossos problemas apostólicos pareçam por demais complicados e comprometidos, devemos ter inteira certeza de que Ela tudo resolverá. Numa palavra, como Medianeira onipotente junto a Deus, Nossa Senhora nos alcança a solução para todas as nossas dificuldades, sejam grandes ou pequenas, corriqueiras ou imensas.
Se desconfiarmos de Nossa Senhora, tudo se perde
Essa verdade se aplica ainda mais à nossa vida espiritual. Nossa Senhora chama cada um de nós para a santidade. Se Ela assim nos atrai, não interromperá a obra que iniciou e nos conduzirá, se soubermos confiar, até o extremo da perfeição a que fomos convidados. Alguém dirá: “Dr. Plinio, belas palavras… Na realidade, elas são vácuas e não correspondem a nada, porque se eu pecar, estou criando obstáculos à ação de Nossa Senhora. E se procedo dessa maneira, não posso supor que Ela vá me santificar. Quer dizer, o senhor está afirmando algo muito bonito, mas vazio, sem consistência. É uma quimera.” A resposta está na própria oração composta por São Bernardo. Ainda que tenhamos a dor enorme de ter ofendido a Nossa Senhora, ainda que tenhamos o pesar de A ter ofendido gravemente, é preciso continuar a confiar n’Ela. Porque se desconfiarmos de Maria, então está tudo perdido. A porta do Céu é Ela. E se, pela nossa falta de confiança, fecharmos essa porta, nós mesmos nos condenamos.
Pelo contrário, se continuarmos a confiar n’Ela contra toda confiança, Nossa Senhora pelo menos receberá de nós essa forma de glória, que é a do pecador que continua a confiar n’Ela. É a homenagem da confiança daquele que A ofendeu e, nesse sentido, uma categoria de louvor que nenhum justo Lhe poderá dar.
Então, esperemos contra toda esperança, mesmo dentro das dificuldades e da buraqueira da nossa vida espiritual. É o que São Bernardo recomenda intensamente, fazendo-nos recordar aquela palavra de São Francisco Xavier, que o pior do pecado ainda o mais horroroso não é tanto a falta em si, mas o fato de o pecador, depois da queda, perder a confiança em Deus. Porque enquanto confia, o caminho permanece aberto. Tudo é possível.
Na hora da morte, a suprema proteção de Maria
Após falar dos interesses nesta vida, São Bernardo se refere aos da vida eterna. E manifesta este pensamento admirável: quando chegar a hora da morte dele, espera que a sua confiança seja tal que morra com o seu coração recostado sobre o Imaculado Coração de Maria.
É expressão, naturalmente, simbólica, mas revestida de um imenso valor, porque revela uma esperança muito grande em que Nossa Senhora, na hora da morte, nos ajude de modo particularíssimo. Que Ela diminua os horrores desse transe, e nos dê até uma passagem cheia dos sentimentos da presença d’Ela, se isso for para a sua maior glória e bem de nossa alma. E se, pelos superiores desígnios de Deus, devamos falecer em meio a grande aridez, tenhamos completa confiança de que Nossa Senhora fará redundar essa derradeira provação em maior benefício para nós. Ela se valerá desse sofrimento para abreviar nosso Purgatório, para salvar muitas outras almas, e para, afinal, nos levar ao mais alto do Céu, bem junto ao seu trono de Rainha e de Mãe indizivelmente amorosa.
Plinio Corrêa de Oliveira