Harmonia, equilíbrio e elegância feita de leveza são as características ressaltadas por Dr. Plinio, ao comentar um dos mais célebres castelos do Loire.
Creio que o verdadeiro modo de projetar Chenonceaux numa tela, seria o seguinte: não fazer uma longa “statio”(1) olhando para a foto dele, porque todas as emoções desgastam — sabemos bem disso —, mas correr uma cortina e, de repente, levantá-la.
Assim, haveria um primeiro inebriamento e uma espécie de entusiasmo — palavra de origem grega, que significa “estar cheio de Deus” —, uma sensação de algo extraordinário e maravilhoso!
Vejamos qual a razão do feérico que esse castelo apresenta. Imaginemos que ao invés desse rio, houvesse junto dele uma estrada poeirenta, por onde transitassem carroças e automóveis, teríamos a sensação de que o edifício perderia, pelo menos, cinqüenta por cento de sua beleza.
Além de ser muito bonita e elegante, a construção explora particularmente o seguinte princípio: todas as coisas que se refletem na água ganham em pulcritude.
Embora a teoria grega dos quatro elementos não possua nenhum valor científico, ela, por assim dizer, tem um significado sensitivo: de fato, para se tocar e ver há quatro elementos: o ar, a terra, o fogo e a água.
Dentre os quatro elementos, a água tem algo de especial: tudo quanto se “debruça” sobre ela, reflete, e tudo quanto nela se reflete toma um caráter de beleza celeste. Uma beleza quase irreal, de sonho, de mundo das maravilhas, para dizer tudo numa palavra só, de paraíso perdido.
Tem-se uma sensação paradisíaca vendo as águas do rio Cher correrem, tão plácidas, cristalinas, marcadas pelo azul do céu, e a imagem do castelo que nelas se reflete. Percebe-se que a sua maior beleza provém da ideia de construí-lo sobre uma ponte, de maneira tal que ele, por assim dizer, está como um cisne na superfície da água.
Pode-se dizer que é um castelo-cisne. Está “flutuando” com leveza, parece uma fantasia, algo de irreal, um sonho…
Imaginemos numa bonita noite de luar, o castelo todo iluminado, as janelas abertas, e em seu interior havendo uma festa. Os risos, a música, os perfumes, os luzir das lâmpadas refletindo no rio que corre, transmitem a sensação de uma espécie de nau na qual se leva uma vida de elevação, de requinte, de distinção, de nobreza, de grande classe; em suma, uma vida totalmente diferente da contemporânea.
Se há algo contrário a um arranha-céus “moloch”, a uma construção escarrapachada, ao cimento armado, é exatamente esse castelo, que parece não ter base e flutuar.
Vemos quanta harmonia o espírito francês introduziu nesse conjunto, composto de três elementos distintos.
O primeiro é a ponte, sobre a qual foi construído. Há uma parte maciça, que contrasta com outra muito leve; se apenas existisse a primeira, o edifício perderia a graça. A parte mais “leve” ainda é medieval, como se nota pelas torrezinhas agudas. Trata-se de um período de transição entre a Renascença e a Idade Média; as pequenas torres que flanqueiam o castelo dão ideia de uma velha fortificação.
Percebe-se o contraste entre os arcos diáfanos leves de um lado, e a base pesada onde se tem a impressão de que passa uma água que sai das masmorras e banha prisioneiros causando-lhes tormentos, devido à umidade, com lagartixas, rãs, mofo; é uma espécie de reino tenebroso. As janelinhas da parte inferior parecem dar acesso a horríveis porões ou cárceres.
Esse misto de firmeza e estabilidade com a delicadeza, forma um contraste harmônico de qualidades opostas que acentuam o encanto que há no castelo.
A chaminé tem um papel extraordinário; é uma espécie de ponto final vivo e agudo para dar a entender que o altaneiro castelo acabou. Imaginemo-lo sem ela…
Chenonceaux se prolonga por uma ponte levadiça que conduz à outra margem. E, como uma espécie de último eco do castelo, um torreão, que deve ser o resto de uma velha fortaleza medieval, sólido, atarracado, grande e levando a sensação de estabilidade ao último ponto.
Então, estabilidade máxima, estabilidade média, leveza diáfana.
São os três elementos sucessivos que dão encanto ao castelo e explicam sua beleza.
Imaginemos que não houvesse essa torre, faltaria algo que é imponderável. Ficaria leve demais, sem graça.
Aqui se percebe o espírito de medida do francês. Todo mundo costuma dizer que esse espírito consiste na simetria. Na verdade, porém, a simetria é apenas um dos modos pelos quais os franceses externam sua capacidade de medida. Nesse castelo vemos outro aspecto da medida: leveza e estabilidade.
Há ainda outro contraste: junto à parte, que bem pode ser uma masmorra ou um arquivo, encontra-se um jardim esplêndido. É um quadrilátero com desenhos em vegetação, lindíssimos e grama esmeraldina própria da Europa.
Depois de uma interrupção se vê, mais ao longe, outro jardim, penteado de tal maneira que não poderia a natureza ser mais arranjada e governada do que está ali. Em compensação, do outro lado existem os encantos de uma arborização puramente silvestre.
Suponhamos que nesses locais não houvesse mato, mas grama. Perder-se-ia o panorama. Quer dizer, tudo que parece espontâneo foi estudado com uma sagacidade extraordinária para um efeito de conjunto. Porém, com uma tal perfeição que a noção de harmonia nasce sem que a maior parte das pessoas saiba dizer de onde ela surgiu.
O bonito da harmonia está em que não se consiga precisar exatamente no que ela consiste. E é preciso muita atenção e explicitação para se definir onde a harmonia se encontra.
Nesse castelo há uma sinfonia de harmonia feita de um conjunto de coisas que produzem um primeiro entusiasmo; mas depois resistem a uma demorada visão, porque sua análise satisfaz o espírito.
Não é uma sensação irracional, mas sim de acordo com a razão, repentinamente satisfeita por algo de ótimo e que repercute nos sentidos.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 2/1/1969).
1) Período preparatório