Igreja perfeita e alegria do mundo inteiro

Feita de cristal, a Sainte-Chapelle é o auge da beleza, da proporção, da união, da unção régia e da gravidade divina. A Catedral de Notre-Dame, entretanto, é o monumento que melhor exprime o espírito francês no seu equilíbrio perfeito. Outrora quiseram demoli-la: eis o sintoma da decadência extrema da sociedade.

 

A Sainte-Chapelle, capela mandada construir por São Luís IX para abrigar um dos espinhos da coroa de Nosso Senhor Jesus Cristo, está encastoada no “Palais de Justice” do tempo de São Luís – o qual foi destruído quase completamente – e exprime, a meu ver, o apogeu do sorriso francês.

Capela feita de cristal

É uma capela a respeito da qual posso dizer que não conheço coisa mais piedosa do que ela. É admirável. Exprime a alma de quem reza como se deve rezar, focalizando seu espírito em Deus e procurando falar com Ele com a confiança filial, a veneração sem nome, a adoração excelsa.

É uma capela feita de cristal! Ela tem umas colunas esguias que se levantam até ao teto, separando um vitral de outro. Mas entre vitral e vitral só há essas colunas muito delgadas, muito finas.

Essa obra-prima se manifesta quando os vitrais estão bem iluminados em dias de sol. Ali não se espelha só a alma que está rezando, mas há algo que nos fala de Deus enquanto atendendo a nossa oração. De maneira que temos a impressão de estarmos falando e que nossa voz encontra naqueles cristais uma certa receptividade, como se a voz batesse numa concha de bronze ou de cristal e de lá voasse, saindo depurada e mais bela, para cima.

Tem-se a impressão de que do alto vem a resposta, ao mesmo tempo divina, infinita, grandiosa, mas maternalmente tocada não sei de que modo, meio miúda para estar na pequena proporção do homem, que não tem medo que Deus tonitrue com ele. Pode-se dizer que o fiel reza sorrindo e que Deus sorri quando fala com ele. É um encontro de dois sorrisos, flores de seriedade, de meditação, de Fé, de graça que se encontram e se fundem num certo ponto do ar. Esse é o verdadeiro encontro da alma com Deus quando reza olhando para aqueles cristais.

Isso é o auge da beleza, da proporção, da união, mas não basta o sorriso, por mais que ele seja excelente, piedoso. Não é uma atitude que abranja o conjunto de nossas relações com Deus, nem das expressões do universo criado por Ele.

Unção régia, gravidade divina, seriedade majestosa

Deus criou coisas lindas que produzem muitas vezes sorriso. Quem vê um beija-flor passando de flor em flor e sugando o mel não pode deixar de sorrir. Mas se ele pensa que está quite com Deus a propósito do beija-flor porque sorriu enternecido, não compreendeu. O sorriso é uma das fases do pensamento humano, mas de fato este voa mais alto, é mais sério, mais profundo. O sorriso é um dos aspectos panorâmicos do nosso itinerário para o Absoluto, mas não é a razão do nosso olhar para a coisa.

Por esse motivo, a própria Sainte-Chapelle tem uma unção régia, uma gravidade divina, uma seriedade majestosa e composta, dentro da qual o sorriso é um aspecto. Por mais que se glorifique esse aspecto, ele não deixa de ser colateral que não pode ser transformado no principal. Pelo contrário, é uma espécie de momento em que Deus faz o homem descansar um pouco. Não é descansar d’Ele, mas é mostrar n’Ele e nas suas criaturas aspectos feitos para aliviar o homem neste vale de lágrimas.

Por exemplo, os esquilos. A conduta deles, como parecem compreender as brincadeiras que fazemos e quase brincar conosco! Vê-se que esse animalzinho foi feito por Deus para que uma alma se deleitasse, sorrisse, mas depois subisse ainda mais alto e pensasse: “Como Deus é grande. Entretanto, na grandeza d’Ele cabe tanta bondade que, ao dar aos homens todas essas magnificências, ainda deixou uma ‘caixa de bombons’ para os homens se deliciarem. Essa ‘caixa de bombons’ é o conjunto de coisas encantadoras da Criação, das quais o homem pode usar de vez em quando.”

Uma das melhores expressões de Nossa Senhora

Há um monumento que exprima o espírito francês no seu equilíbrio, na sua plenitude, onde o sorriso está presente como elemento colateral, mas não é a nota dominante?

Esse monumento – a meu ver, perfeito – é a Catedral de Notre-Dame de Paris, a propósito da qual me lembro das palavras da Escritura sobre Jerusalém, chamando-a de cidade perfeita, a alegria do mundo inteiro (cf. Lm 2, 15). Parece-me que Notre-Dame é a igreja perfeita e a alegria do mundo inteiro.

Ela sorri? É evidente. Ela é séria? É evidente. Ela é heroica? É evidente. Ela é materna? É evidente. Ela é mimosa? É evidente. Ela é imponente? É evidente. Não há o que ela não tenha de um modo discretamente evidente.

Há certos monumentos que a mim me desagradam porque têm um ar de quem diz: “Olhe, aqui estou eu!” Tem-se a vontade de responder: “E eu com isso?” A Catedral de Notre-Dame não é assim, ela está presente em Paris como uma mãe visitando o seu filho. Enquanto está ali, é a rainha da casa, para ela se voltam as atenções, é o centro de todos os carinhos, de todas as venerações, de todos os respeitos, mas não tira o lugar a ninguém, não empurra ninguém com os cotovelos, não olha ninguém de cima para baixo; ela apenas diz: “Eu sou a mãe.” Essa nota materna que deve ter feito pulsar o coração de tantos Cruzados define bem a igreja de Notre-Dame.

Eu venero e quero tanto essa igreja que na orla dos castigos previstos em Fátima, se Nossa Senhora me permitir, pedirei a Ela: “Minha Mãe, castigai quem e como quiserdes. Não castigueis a Igreja de Notre-Dame, porque ela é uma das melhores expressões de Vós mesma nesta terra de pecado.”

Termômetro da extrema decadência da sociedade

Nas vésperas da Revolução, a França chegara a tal decadência que o Conselho de Estado, sob a presidência do Rei, tinha assinado uma resolução para demolir a Catedral de Notre-Dame como igreja antiquada, não correspondendo mais aos anseios estéticos dos tempos novos, para ser construído em seu lugar um templo grego inspirado nos templos da antiguidade pagã.

Por aí vemos, num lance só, a que extremos chegara a decadência daquela sociedade. Os homens eram tão revolucionários que os nobres, cujas cabeças a Revolução cortou, queriam derrubar a Catedral de Notre-Dame, essa igreja medieval que todos os povos da Terra querem contemplar quando vão a Paris, símbolo perfeito da Contra-Revolução, para substituir por um templo que representava perfeitamente a Revolução daquele tempo. Seria a implantação dos restos do paganismo – derrubado, escangalhado, rejeitado, pisado aos pés pelos séculos – que deveria ser restaurado em Paris. Compreende-se a desordem, o caos e a decadência da França que isso representava.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 31/10/1994)
Revista Dr Plinio 260 (Novembro de 2019)

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