Cultivar e promover o ornato como sendo uma expressão da infinita beleza do Criador é, segundo Dr. Plinio, valioso serviço que se presta ao próprio Deus. Em suas várias formas, o adorno torna a vida terrena mais suportável; é o verniz que “enfeita as condições por vezes árduas da existência humana exilada do paraíso”.
Não será exagero afirmar que, em diversos aspectos do mundo contemporâneo, a beleza do ornato cedeu lugar à insipidez do prático.
Elementos da “doçura de viver”
Nesse sentido, surpreendeu-me a objeção que ouvi, certa vez, contra os sabores dos cremes dentais. Por trivial que seja o exemplo, vem a propósito para ilustrar nosso assunto. Com efeito, censurava o objetante o fato de os produtores de dentifrícios introduzirem elementos variados para torná-los mais agradáveis. “Pura demagogia”, dizia ele, “pois bastaria que o creme tivesse as propriedades indispensáveis para limpar os dentes e precavê-los contra as cáries. A mistura de sabores visa unicamente explorar a sensibilidade degustativa das pessoas, levando-as a usar mais do que o necessário e, em conseqüência, aumentar a venda de seus produtos. Isso é uma fraude.”
Objeção, como disse, surpreendente, pois a maioria das pessoas, ao escovar seus dentes, não se pergunta porque a pasta é agradável e lhe deixa o hálito saudável. Se fosse o contrário, sim, estranhariam.
Penso eu que, no fundo, essa questão e outras semelhantes se relacionam com o que se chama em francês “la douceur de vivre” — a doçura de viver.
Apóstolos do ornato, apóstolos de Deus
Em última análise, se um fabricante de pasta de dente encontrasse um meio de torná-la mais saborosa, agiria bem, independente do lucro comercial, aliás legítimo, que o produto lhe granjeasse. Porque há um feitio de almas chamadas pela Providência a fazer parte dos servidores do ornato. Elas se comprazem em ornar a existência humana e até são capazes de fazer sacrifícios pessoais para ver a vida adornada enquanto adornada.
Essa atitude tem sua mais alta razão de ser, se entendemos o ornato como uma expressão de algo que reflete a Deus. Duas quantidades que refletem uma terceira, refletem-se entre si. Ora, o ornato reflete uma coisa; esta reflete a Deus; logo, o ornato reflete a Deus. Portanto, ser um apóstolo do ornato é ser um apóstolo de Deus. Uma ilação, a meu ver, irretorquível.
Polidez no trato social, antegozo do convívio no Céu
Isso que se diz de uma simples pasta de dente aplica-se a outros e superiores aspectos da vida humana. Por exemplo, à polidez nas conversas e no trato social. Sem dúvida alguma, estes se tornam mais agradáveis e belos com a polidez.
Quem ama a Deus, ama as manifestações do ornato no convívio dos homens, considerando-o inserido na ordem desejada pelo Criador. Assim, uma pessoa de influência que introduza nos costumes sociais de seu ambiente mais uma forma de ser amável, de fato está servindo a Deus.
Alguém poderia, com acerto, observar que a gentileza no trato entre os homens é uma decorrência da virtude da caridade que devemos praticar uns em relação aos outros. Não há dúvida. Porém, não se pode omitir que é também ornato, que deve ser amado enquanto tal. Mais ainda. A polidez é ornato da caridade, e torna a vida social agradavelmente suportável, embeleza-a e a faz se assemelhar ao relacionamento dos bem-aventurados entre si e com Deus, no Céu. É, portanto, nesta Terra, um antegozo do convívio no Paraíso.
Importância capital do ornato na vida
Vemos, por esses breves conceitos, como o ornato é de imensa importância para o homem enriquecer seu espírito e crescer no seu amor a Deus.
O ornato realça a beleza das coisas, assim como o verniz salienta a nobreza e a qualidade de uma madeira. Tomemos um móvel de mogno, por exemplo. Na sua aparência rústica, ele terá uma riqueza pouco ou indefinidamente notada. Recebe uma demão de verniz, e sua prestigiosa feição confere categoria ao ambiente.
Assim é o ornato, verniz do “pulchrum”, do belo, que enfeita as condições por vezes árduas da existência humana exilada do Éden. O enfeite ornamental, a arte decorativa, são, nesse sentido, elementos fundamentais da vida neste mundo.
Nosso Senhor Jesus Cristo, o ornato da criação
Para concluirmos essas considerações, poderíamos nos voltar para a divina figura de Nosso Senhor Jesus Cristo, ornamental por excelência, o ornato da criação.
Quem lograsse fazer uma análise psicológica d’Ele, deduziria uma série de princípios de estética e de ornamento que abrangeriam toda a ordem do universo. Por exemplo, a Sagrada Face: é um compêndio da insondável beleza de Nosso Senhor e, portanto, do “pulchrum” de tudo quanto foi criado.
E para atingirmos um píncaro de reflexões no qual seria difícil de se manter, pensemos na Transfiguração do Divino Mestre no alto do Tabor, a sua “esplendorização”, a manifestação do que havia n’Ele de belo, de bom e de verdadeiro, o apogeu da expressão do ornato revelado aos homens. É dizer tudo. v
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 17/2/1989)
Revista Dr Plinio 128 (Novembro de 2008)