Se me fosse dado passar uma tarde diante do Mont Saint Michel, ditosos e abençoados seriam para mim esses momentos. Ali me agradaria estar, ora contemplando e analisando o mosteiro, ora pensando em temas elevados que teriam com ele uma certa afinidade, sentindo sempre o calor de sua presença como ponto de referência para o voo variegado da cogitação de alguém que descansa. Por onde enveredariam essas análises e reflexões?
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O Mont Saint Michel é um conjunto de aspectos, uma unidade na variedade, que simboliza de modo muito eloquente determinados valores sobrenaturais, bem como certos movimentos e qualidades da alma humana. Esse simbolismo é mais bem compreendido se considerada a relação entre os diversos elementos que compõem o cenário.
Primeiro, o mar e a elevação rochosa. Para se medir a importância do mar nesse panorama, basta imaginarmos que, depois da praia, não houvesse mais o oceano, mas começasse a se alastrar ali uma megalópole contem porânea. Como tudo mudaria e perderia sua beleza tão singular!
Pelo contrário, como esse conjunto lucra e se enriquece com a presença do mar e seus diversos movimentos! Ora ele vem meio caprichoso, “boudeur”, fazendo um pouco de fronda, inunda a praia, enche todos os espaços em volta do monte e acaba por se chocar contra os rochedos que ele mesmo talhou, e com os quais construiu uma espécie de muralha natural para conter seu próprio ímpeto. Ora ele se aproxima manso e se retira, deixando seu cartão de visitas nas franjas da areia. Ora são ondas que vêm e vão, lambendo a praia em todas as direções, como se o mar inteiro estivesse se espreguiçando e olhando para o mosteiro que, sobranceiro, do alto o observa.
E nisso temos a expressão de um estado de alma. Pois uma das formas de admirar o Mont Saint Michel seria a de alguém que, morando em frente a ele, ao acordar de manhã, e enquanto se espreguiça, de sua janela o contempla.
A admiração comporta essa atitude de espírito. Considerando o mar, poderíamos ainda ver seus diferentes movimentos se acercando ou não do mosteiro, admirá-lo a distâncias diversas, como um símbolo dos movimentos — legitimamente vários — da apetência humana.
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Há, depois, a extensa faixa de solo arenoso que aparece junto ao monte, quando as águas refluem e dele se afastam. A pergunta que nos vem à mente é esta: seria mais bonito que o mar tocasse continuamente no mosteiro, e nunca deixasse à vista esse pedaço de terreno?
Certamente, não. Porque, nesse conjunto, a grande praia tem seu papel. Em determinados momentos, ela permite ao mosteiro conter o mar à distância, e como que dominar em torno de si uma periferia, tendo a seus pés areias submissas e rasas.
E nesse aspecto do Mont Saint Michel encontramos também analogia com outro estado de alma do homem, quando este exerce alguma função de mando e senhorio.
Por sua vez, o rochedo lucra bastante em ser único dentro de uma praia lisa e imensa. Parece-me inegável que sua beleza ficaria diminuída se houvesse quinze morros como ele, encostados uns nos outros, formando uma espécie de cordilheira que avançaria para o mar. O fato de ser único quase nos faz esquecer de sua altura. Pois quem está cercado de areia por todos os lados, tem todas as alturas. Ele, nessa planície, não é um anônimo: é supremo.
Ele é ele, envolto por elementos rasos, dominando-os só por si. Muito mais do que sua altura, vale sua unicidade. A esta característica do Mont Saint Michel correspondem também algumas disposições da alma humana.
De fato, há coisas que ela admira quando são únicas e não vêm acompanhadas de outras igualmente belas. Por exemplo, uma joia constituída apenas de uma fina corrente de platina, da qual pende um brilhante grande e claríssimo, posta sobre um fundo de veludo negro, pode ser mais esplêndida do que uma outra emoldurada por cem pedras preciosas. Às vezes é mais bonito ostentar essa valiosa companhia, outras vezes é apresentando-se como único. São estados do belo, que equivalem a estados do espírito humano: ora cada um de nós lucra sendo visto no seu contexto, ora considerado na sua unicidade.
E para alçarmos logo o supremo voo dessas comparações, digamos que esse aspecto do Mont Saint Michel é uma pequena imagem do por onde o próprio Deus é único. Essa é uma rocha firme e alta, no meio de areias e praias movediças, como Deus é eterno e supremo no meio do movediço das coisas que Ele criou.
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O rochedo e a vegetação. Destruamos esta e veremos como a aparência daquele fica prejudicada. Porque é agradável vislumbrar algum aspecto do mosteiro a perder-se na mata cerrada, a qual imaginamos fresca, coberta de sombras, e talvez umedecida por duas ou três fontes que, nascidas do alto, por ela correm num suave e apaziguante murmúrio…
Sem dúvida, é interessante ver o edifício como que se desfazendo em sombras e mistérios. Tanto ou mais bonito é vê-lo claro, altivo, agarrando-se ao rochedo que lhe serve de alicerce e dominando-o; é contemplá-lo na elegância de suas linhas que avançam para o céu, e na solidez de suas pedras que resistem e se afirmam diante dos elementos adversos.
É bela a alma humana quando, com franqueza, proclama sua personalidade, se exprime e se define. É igualmente bela quando, com discrição, conserva alguma coisa consigo, exclusivamente sua. Ter seus mistérios e suas explicações, ter suas proclamações mas também suas intimidades, constitui um jogo de aspectos muito nobre para o espírito humano. Então, não será algo em nós que aprecia sua própria penumbra, e se deleita em olhar para o Mont Saint Michel? E não será algo em nós, sedento de proclamar-se, de afirmar-se e de ser uma fortaleza, que se identifica com esse monte que assim se declara à luz do sol?
Sim, em todo homem se encontram essas várias disposições. Temos, em nossa alma, facetas que gostariam de se mostrar inteiras, sem véus; temos zonas delicadas que confiamos a poucos; e outras que, embora façam parte de nossa riqueza, nem nós conhecemos e tão-só as pressentimos, pois são vistas apenas por Deus.
Resultado, a alma humana encontra na variedade do Mont Saint Michel uma expressão de si mesma, uma semelhança e uma alegria.
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O mosteiro, mais bem um conglomerado de prédios distintos, tem algo de fortaleza, algo de residência e algo de igreja. Ombreando-se por entre as irregularidades do morro, as casas de uma pequena aldeia se eclipsam à sombra do grande e proeminente edifício religioso. No interior deste, um claustro que exprime ordenação e sabedoria extraordinárias, nascidas da piedade medieval, filha ela mesma da ordem e da sapiência da Igreja Católica. Imaginemos a vida entre essas paredes sagradas: monges estudando em magníficas bibliotecas ou cantando o Ofício na igreja; um que se acha recolhido em sua cela, desenhando lindas iluminuras num pergaminho, enquanto outro na oficina entalha um bonito capitel para uma coluna ainda desprovida de ornatos.
Depois, na periferia das construções, há espaços para a luta e a guerra. Confundindo-se com as rochas, erguem-se como que muralhas nas quais podemos figurar monges-cruzados resistindo e expulsando, passo a passo, os invasores que debalde intentam conquistar a fortaleza inexpugnável.
Como tudo se encaixa bem no Mont Saint Michel! Síntese de oração, de estudo, de recolhimento, de arte e de luta. Unicidade que encontra sua máxima expressão na torre do campanário, forte, desafiante, inamovível, como se fora um pesa-papéis colocado sobre papéis diferentes, como quem diz: “O vento não os faz esvoaçar nem os tira daqui!” No alto dessa torre, uma flecha.
No cimo da flecha, a estátua do Arcanjo, que parece proclamar: “A síntese, a correlação de todos esses aspectos é tão vária e tão imensa que se perde nas nuvens, abisma-se no céu!”
E então poderíamos dizer que, no seu conjunto, o Mont Saint Michel é um magnífico símbolo do Sapiencial e Imaculado Coração de Maria, Rainha dos Doutores, Rainha dos Profetas, Rainha dos Mártires e dos Guerreiros, Rainha de todos os Santos.
Mais. Símbolo d’Aquele que veremos face a face na bem-aventurança eterna, no seu vulto inteiro, embora não na totalidade de cada uma das suas perfeições: Deus Nosso Senhor, infinitamente claro e infinitamente misterioso, pelos séculos dos séculos. Amém!
Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 18 (Setembro de 1999)