Incansável e maternal proteção

Nossa Senhora está presente na ininterrupta luta que cada homem trava contra seus defeitos, para adquirir maiores virtudes. E ainda que não nos lembremos d’Ela, Maria intercede por nós no alto do Céu, com uma misericórdia que nenhuma forma de pecado pode esgotar.

Nossa Senhora não é um refúgio apenas para os que tenham cometido faltas leves, mas também para os autores de pecados de gravidade inimaginável e para os culpados das ingratidões inconcebíveis. Pois é próprio da grandeza da Mãe de Deus, na qual tudo é admirável e extraordinário, ser um imenso e perfeito refúgio.

Desde que o pecador se volte para Ela, a Virgem Santíssima cheia de bondade o protege, concede-lhe toda espécie de perdão, limpa-lhe a alma, dá-lhe forças para praticar a virtude e o transforma de filho pródigo em homem bom e fiel.

Plinio Corrêa de Oliveira – (Revista Dr Plinio 32 -Novembro de 2000)

Elevação e coerência

No espírito de quem a analisa, a “Escadaria Dourada da Catedral de Burgos” produz uma primeira impressão tão intensa, e apresenta uma ideia tão diversa de como se poderia imaginá-la, que o  observador sente a necessidade de pôr um pouco em ordem as considerações que ela lhe sugere.

Uma das belas gravuras que a retratam (p. 35) me faz pensar que ela é, em seu gênero, a escada. Ao construir esses sucessivos lances de degraus, o artista empreendeu uma verdadeira epopeia,  compondo uma maravilha de ordenação arquitetônica. Essa gravura poderia ter como título: “Elevação e coerência”, pois tais são os valores que a Escadaria Dourada exprime de modo extraordinário.

A elevação se manifesta, por exemplo, na disposição das janelas cegas e das portas ao longo de um muro muito alto, formando uma linha perpendicular tão ascendente que, para a limitação do  campo visual de quem a observa, ela como que se perde numa região superior, digamos o “céu” da atenção humana.

Essa linha vertical fica assegurada por uma obra-prima de equilíbrio, composta de dois elementos. Em primeiro lugar, as janelas cegas atenuam o que a parede talvez tivesse de muito pesado, ou  de muito liso e enfadonho. E depois, a força e o vigor da porta, que parece sustentar o bem-proporcionado de todo o conjunto. A nota de coerência, por sua vez, surge no “moucharabié”, todo ele feito de harmonias correlatas, que dão ideia de lógica, estabilidade e coesão. O teto, o corpo e a base, amparados por uma maravilhosa peanha — verdadeira obra de arte, com seus lavores que  parecem rendas de pedra — formam uma linda e suave harmonia.

Como harmônicas são também as duas extremidades simétricas, confinando ambas com as rampas laterais. Esse “moucharabié” assim concebido é rico em sugestões que se desdobram, como se  fossem grandes leques de conseqüências, que acabam se fechando no mesmo ponto de onde partiram. Quer dizer, as harmonias brotam dele e para ele voltam, como de um rio sairiam dois afluentes os quais, chegados a um extremo, começam a retornar para a via essencial. E nisso temos então realçada a nota de coerência.

Depois, como ponto terminal da escada, uma magnífica manifestação de certeza. Quando se esperaria que fosse morrer de modo comum e trivial, ela como que ressurge e se estende em  movimentos diversos. O seu fecho, com os dois braços ou corrimões, é uma espécie de afirmação fundamental, é a última conseqüência, segura e proclamativa. É o ápice da harmonia: a leveza e a força, o compacto e o filigranesco extraordinários! E o hierático. As figuras dos dragões parecem pensar e dizer: “Isto é assim mesmo, e nós atacamos quem o negar!” Dir-se-ia a robustez e a  vigilância a serviço da elevação e da coerência…

Por outro lado, o mesmo “moucharabié” dá a ideia de enquadrar algo mais delicado e mais interno. Ele tem seu segredo. É como que um sacrário. Sua porta, esguia e linda como peça arquitetônica, ladeada por figuras esculpidas que lhe constituem magnífica moldura, parece abrir para um corredor profundo, que se perde além. É o senso do mistério, presente em tantas e tão esplendorosas obras de arte.

Alguém poderia me dizer: “Mas, Dr. Plinio, essa é a porta da rua!”

Pouco importa. Para o olho humano, a arquitetura comporta também essas simbologias. E, a meu ver, mais uma vez temos aqui um superior exemplo de coerência e elevação, magnificamente  expressas no conjunto desse “moucharabié”.

A gravura retrata um aspecto muito bonito, que é a pequena vida de todos os dias ao pé do monumento. Então são duas mulheres, meio latinas, meio mouras, que se dirigem para os degraus; é um homem cheio de vitalidade e decisão, subindo a escada, ou um casal que por ali passeia e conversa calmamente. São dois fidalgos, compondo a cena com a riqueza de seus trajes e o luzir de suas espadas; é um fiel que se aproxima da pia de água benta, enquanto uma mulher ao mesmo tempo reza e descansa, observando outro grupo de pessoas que trocam idéias junto à imponente  escadaria.

Esta visão nos conduz aos adornos do monumento, igualmente belos. Vale notar que toda a ornamentação visa ao gracioso, e compensa o que o grandioso teria por demais de severo. Não se vê aí  um enfeite o qual, exceção feita dos dragões, não seja tão ameno que quase convide ao sorriso. Há, por exemplo, uma espécie de concha, soberba, cuja singeleza de linhas compensa o que ela tem   de extremamente trabalhado. É a graça suavizando a severidade da grandeza…

Uma última consideração. Dir-se-ia que essa construção, na qual se misturam estilos da Renascença e aspectos mouriscos, é o contrário do gótico. Entretanto, as ogivas da parede lateral se  harmonizam de tal maneira com o conjunto da escada que são indispensáveis para compor o quadro.

De fato, embora as decorações e os desenhos sofram influências renascentistas e árabes, o espírito inspirador dessa obra de arte ainda é o gótico. A nota ogival é a que nela predomina. O “moucharabié”, por exemplo, poder-se-ia chamar “variações dentro de uma ogiva”. Além do mais, o fator coerência de que acima falávamos,  presente em todo o conjunto, é também muito próprio  da arte ogival e, portanto, gótica. Como lhe é igualmente própria, na decoração, uma certa leveza, a mesma que se acha difusa nesse monumento. Assim, encontramos o casamento do gótico com a  Escadaria Dourada. Obra que reputo uma verdadeira magnificência!

Nossas obrigações para com a Cruz

Na seqüência de seus comentários ao opúsculo escrito por São Luís Maria Grignion de Montfort, Dr. Plinio ressalta esta grave advertência do santo: quem quiser ser um autêntico Amigo da Cruz, deve fugir do mundanismo que o conduzirá por um caminho de perdição, oposto ao da perfeição e santidade para o qual foi chamado.

 

São Luís Grignion de Montfort assim continua a sua Carta:

Sois por vossas ações, meus queridos Amigos da Cruz, aquilo que o vosso grande nome significa? Ou pelo menos tendes vontade e desejo autênticos de assim vos tornardes com a graça de Deus, à sombra da Cruz do calvário e de Nossa Senhora da Piedade? Entrastes no verdadeiro caminho da vida (Pr 6, 23; 10, 17; Jr 21, 8) , que é o caminho estreito e espinhoso do Calvário? Não estareis, sem pensar nisso, no caminho largo do mundo, que é a via da perdição? Sabeis que existe um caminho que parece ao homem reto e seguro, e que conduz à morte (Pr 14, 12)?

Justificadas apreensões de um Santo

Nestas perguntas transparece intensamente o espírito de São Luís Grignion. Quer dizer, de um lado ele toma em consideração os Amigos da Cruz como pessoas eleitas por Deus para um alto chamado. De outro lado, porém, ergue-se diante delas a malícia do século, e à vista das condições em que estas pessoas vivem, São Luís manifesta suas  apreensões. Donde formular questões como esta: “sois verdadeiros Amigos da Cruz?”

Ou seja, fácil é alguém tomar o nome de Amigo da Cruz, mas igual facilidade há para deixar de sê-lo. Portanto, trata-se de uma preocupação cujo fundamento é evidente. Então, insiste: “Pelo menos tendes verdadeiro desejo e vontade de assim vos tornardes com a graça de Deus”, etc.?

A formulação empregada por ele é muito apropriada e fina, porque um verdadeiro Amigo da Cruz é alguém que, em primeiro lugar, está em ordem com seus deveres para com a Santa Cruz. Mas também é aquele que possui ao menos um desejo autêntico de estar em ordem a esses deveres. Poderá ter suas faltas, suas fraquezas, mas almeja atingir a plenitude de entrega própria ao seu chamado. Este será considerado igualmente um verdadeiro Amigo da Cruz.

Dois graus de amor à Cruz

Percebe-se aqui dois graus de amor à Cruz, assim como pode haver dois graus de perfeição religiosa no cumprimento de uma vocação.

Antes de tudo, tal perfeição é a inteira conformidade do membro de uma ordem com sua respectiva regra. Contudo, pode dar-se o caso de que algum religioso, ainda neófito, não tenha alcançado essa conformidade; ou, por desventura, terá retrocedido na sua trajetória rumo àquela perfeição. Mas, se ele demonstrar o desejo de se tornar um verdadeiro religioso e de adquirir um elevado grau de observância, ele ainda se achará no seu lugar próprio dentro da ordem. Quer dizer, há para com ele, da parte de Deus e dos seus superiores, uma atitude de misericórdia, de compaixão, e até de compreensão, a par das graves exigências que a regra lhe impõe.

O mesmo se aplica ao Amigo da Cruz. Há aquele que se entregou por completo ao amor e ao serviço da Cruz para com ela se identificar; e há aquele que, por lacunas espirituais, ainda não alcançou essa plenitude de devoção, mas a deseja atingir. Então, olhando para estes últimos, São Luís Grignion escreve: “Não estareis, sem pensar, no caminho largo do mundo, o caminho da perdição? Sabeis bem que existe uma via que parece reta e segura, e na realidade conduz à morte?”

A expressão “sem pensar”  é curiosa,  e insinua bem o que poderia ser uma culpa inconsciente do Amigo da Cruz. Ora, o caminho do mundo é tão agradável, e o homem de tal maneira se habitua ao que lhe compraz, que ele por irreflexão acaba cometendo uma falta. Esta, embora não seja inteiramente consciente — e, portanto, não reúna as condições próprias ao pecado mortal — é um passo em falso. E a sucessão de faltas e concessões inconscientes, acabam desviando a pessoa para longe do caminho verdadeiro. Daí a nota da prudência pastoral, da vigilância de São Luís de Montfort em relação a esses Amigos da Cruz.

Censura aos que cedem à concupiscência do mundo

Continua ele:

Distinguis bem a voz de Deus e de sua graça, da voz do mundo e da natureza? Escutais a voz de Deus, nosso Pai, que depois de ter dado a sua tríplice maldição a todos que seguem as concupiscências do mundo: Ai, ai, ai dos habitantes da Terra (Ap 8, 13), grita‑vos amorosamente, estendendo‑vos os braços: separai‑vos, meu povo (Nb 16, 21). Separai‑vos, meu povo escolhido, queridos Amigos da Cruz de meu Filho, separai‑vos dos mundanos, malditos por minha majestade, excomungados por meu Filho (Jo 17, 9), e condenados por meu Espírito Santo (Jo 16, 8-11).

Importa compreender bem a razão dessas fortes censuras, dessa maldição tão pesada sobre o mundanismo.

Lembremo-nos de que, na linguagem da vida espiritual, o apego e o amor desregrado às coisas do mundo é, ao lado do demônio e da carne, uma das concupiscências que inclinam o homem para o pecado e o afastam de Deus. Portanto, o mundanismo assim entendido sempre foi algo ruim, ao qual o católico desejoso de alcançar a santidade deve combater.

No tempo de São Luís Grignion, o mundanismo ainda se revestia de uma aparência elevada e nobre, característica do Ancien Régime prévio à Revolução Francesa, mas que preparou largamente a irrupção desta no cenário europeu. Se tomarmos gravuras que representam burgueses dos séculos XVI e XVII, veremos que são ainda pessoas sérias, compassadas, dignas. Não era uma burguesia mundana, e tinha conservado toda aquela circunspeção dos antigos tempos. Pelo contrário, considere-se um burguês das vésperas da Revolução Francesa, e já não se o distingue mais do nobre, não só porque os trajes se igualaram, mas também por causa da atitude. Nivelaram-se. E o mundanismo revolucionário que impregnava as cortes, irradiou-se para as outras camadas da sociedade, putrefazendo-a por completo.

Em nossos dias, podemos dizer que o mundanismo se multiplicou pelo mundanismo, e as suas seduções, atiçadas por obra do demônio, são ainda mais perniciosas. Donde as censuras de São Luís Grignion conservarem toda a sua atualidade, e são perfeitamente aplicáveis aos que se entregam ao mundo, pois estes romperam com as amarras que os uniam a Deus Nosso Senhor.

Se desejamos ser autênticos Amigos da Cruz, devemos limpar nossas almas de qualquer laivo de mundanismo, de qualquer apego ao que há de frívolo, de laicista e de fundamentalmente contrário à sabedoria, nos costumes do mundo.

Contagiabilidade da virtude contra o vício

Continua São Luís Grignion:

Tomai cuidado para não vos sentardes em sua cadeira toda empestada, não sigais os seus conselhos, nem mesmo pareis em seu caminho (Sl 1, 1).

Essa cadeira toda empestada de que fala São Luís é uma referência ao Salmo 1, onde o salmista exclama: “Feliz o homem que (…) não se assenta entre os escarnecedores”, ou, segundo outras traduções, “que não toma assento na cátedra de corrupção dos pecadores”. Esta última expressão me parece ainda mais vigorosa. Quer dizer, trata-se da cadeira de onde o pecador ensina o pecado e, de certa forma, é a própria sede do pecado, na qual este se instala e aí faz luzir sua “glória”.

Fugi da grande e infame Babilônia (Is 48, 20; Jr 50, 8), não escuteis outra voz e não sigais outras pegadas senão as de meu Filho bem-amado, que vos dei por vosso caminho, vossa verdade, vossa vida (Jo 14, 6), e vosso modelo (Mt 17, 5).

Vemos aqui uma espécie de demolição ardente, levada a cabo por São Luís Grignion, contra toda a sedução exercida pela sociedade frívola do seu tempo. Ele queria os Amigos da Cruz afastados desse mundanismo.

Por outro lado, é também interessante notar que no meio dessa sociedade frívola surgiram outros movimentos de autêntica piedade católica, que reagiram a seu modo contra a decadência generalizada do ambiente em que viviam. Creio que tal reação se deve ao princípio da contagiabilidade da virtude, considerado por nós em exposição anterior. Ou seja, na ordem sobrenatural há reversibilidades, reciprocidades, interações pelas quais uma virtude séria e profunda praticada de um lado repercute no outro. Assim, havendo na Vandeia ou na Bretanha daquela época, muitos genuínos Amigos da Cruz, efetivamente separados do mundo, ainda que não conhecessem os Amigos da Cruz de Versailles, aqueles reforçavam a possibilidade de perseverança, de santificação e de vitória destes últimos no meio dos deleites e das delícias da corte mundana.

O exemplo de Maria Teresa d’Áustria

Recordo-me, a esse propósito, da figura da grande imperatriz Maria Teresa d’Áustria. Não se tratava de uma santa, mas era uma boa senhora católica, com o padrão mínimo de algo do qual a santidade é a expressão mais elevada. E ao considerar muitos aspectos de sua rica personalidade, poderemos ver quanta retidão, compostura, destreza, e quanta dignidade assentada sobre o trono, em meio a uma corte que, se não era a primeira, era das mais importantes do mundo, a do Sacro Império Romano Alemão.

Creio que essa situação só se tornava possível por esse trabalho de subestrutura da virtude que se contagiava entre os bons de lugares diferentes. E em seguida notava-se a recíproca: a Cruz levantada no mais alto degrau da corte, repercutia sobre todo o país e nas camadas profundas da população, gerando novos Amigos da Cruz. Esses são os grandes mecanismos por onde o amor de Deus se afirma, se multiplica e conquista as almas.

Abraçar a Cruz em união com o Divino Redentor

Prossegue São Luís Grignion:

Não escutais esse amável Jesus que, carregando sua cruz, vos conclama: vinde após Mim (Mt 4, 19), o que me segue não anda nas trevas (Jo 8, 12); tende confiança, Eu venci o mundo (Jo, 16, 33)?

Conforme o ensinamento de todos os grandes autores, São Luís Grignion acrescenta que a Cruz só é suportável quando carregada em união com Nosso Senhor. A Cruz concebida esquematicamente, apenas de modo teórico, aterroriza o homem e este foge dela. O único modo de a Cruz ser atraente, é considerar Aquele que nela se acha pregado e d’Ele receber as forças necessárias para aceitá‑la.

É palavra do próprio Jesus: “Quando Eu for elevado, atrairei a mim todas as criaturas”. Ou seja, o Divino Crucificado é o verdadeiro encanto da Cruz, o que realmente atrai as almas para ela. E não apenas atrai, como lhes concede as graças e o vigor indispensáveis para carregá-la. Com os olhos fitos n’Ele, pensando no seu Sagrado Coração e no precioso Sangue que por nós derramou, na sua agonia e morte, é que adquirimos forças para segui-Lo.

E não nos esqueçamos de que essas graças e essas forças nos são concedidas por intermédio de Maria Santíssima, a Medianeira Universal, que se encontrava aos pés da Cruz, com seu Coração Imaculado transpassado e coroado de espinhos.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 17/6/1967)

Revista Dr Plinio 116 (Novembro de 2007)

 

Súplica da despretensão e do enlevo

Ó Maria, Esposa Imaculada do Espírito Santo, dai-me a graça de ver os imponderáveis da Criação, de me enlevar por eles, e de ser impelido por um amor desinteressado à contemplação das perfeições que a alma humana possui pela natureza e pela graça.

Fazei-me subir dessa consideração à da natureza angélica e puramente espiritual, e, por fim, à de vosso Divino Filho que, na sua humanidade santíssima, é o ápice e a síntese de toda a Criação.

Fazei-me, em seguida, por um voo ainda mais possante de despretensão e de enlevo, fixar a minha mente na consideração da própria essência divina, da qual toda a Criação é imagem ou semelhança, de maneira que, analisando depois as criaturas, possa antegozar o Céu, preparando-me desse modo para entrar nele e Vos louvar por toda a eternidade. Amém.

 

Mãe de misericórdia

A invocação de Nossa Senhora das Graças quer dizer que Ela tem em suas mãos todas as graças, porque é a depositária de todos os tesouros de Deus. Mas também significa Nossa Senhora dadivosa, misericordiosa, que tem as mãos abertas para mostrar que Ela quer dar tudo.

Ela é a Mãe de misericórdia, que deseja tocar todas as almas, inundá-las de benefícios, encher o mundo inteiro das manifestações soberanas e celestes de sua bondade e de seu poder.

 

Plinio Corrêa de Oliveira – Revista Dr Plinio 176 (Novembro de 2012)

(Extraído de conferência de 26/11/1970)

 

 

Nossa Senhora das Graças

Santa Catarina Labouré encontrou Nossa Senhora no presbitério, sentada numa cadeira que até hoje se pode venerar na capela da Rue du Bac. E chegou a falar com Ela, apoiando seus cotovelos nos joelhos de Maria Santíssima!

O que deve ter restado na alma de Santa Catarina durante a vida inteira, por aquilo que ela viu, nem sei dizer. Mas certamente Nossa Senhora comunicou-lhe uma grandeza de alma e uma obediência cada vez maior.

Quando ela era agraciada, nas sucessivas visões, Santa Catarina Labouré ficava mais obediente. Cada vez mais ela compreendia aquele universo de santidade que havia no Coração da Mãe de Deus e, portanto, lhe ficava mais claro o absurdo de desobedecer à Santíssima Virgem.

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 176 (Novembro de 2012) – (Extraído de conferência de 25/3/1995)

Mãe da Divina Graça

Como esse título diz tudo! Nossa Senhora é a dispensadora de todos os dons e favores celestiais. As graças de Deus constituem inexaurível tesouro, confiado por Ele à sua Mãe Santíssima. Ela é, portanto, a tesoureira das riquezas de Deus.

Por outro lado, Ela é a Mãe dos que necessitam dessas preciosas dádivas. Assim, o título de “Mater divinæ gratiæ” exprime, de modo magnífico, a função maternal de Nossa Senhora em relação aos  homens. Nessa invocação sentimos o quanto Ela é nossa Mãe, e Mãe na ordem da graça, tendo para conosco solicitudes e bondades inimagináveis!

Plinio Corrêa de Oliveira – Revista Dr Plinio 20 (Novembro de 1999)

A consagração a Nossa Senhora. Como praticá-la?

Será que todo católico tem a obrigação de fazer apostolado? Se tiver, no que consiste tal apostolado em nossos dias? Terá um papel especial, a tal respeito, o leigo consagrado a Nossa Senhora? Como pode um homem ou uma senhora, um jovem ou uma jovem, tornar efetiva no próprio meio em que vive a consagração a Maria? 

Muitos leitores de “Dr. Plinio” já tiveram a oportunidade incomparável de se consagrar a Nossa Senhora, segundo o célebre método de São Luís Maria Grignion de Montfort. E muitos outros terão o desejo de o fazer. Para todos estes, as questões acima enunciadas têm uma importância capital. Dr. Plinio tratou delas há 40 anos, numa conferência para um congresso da Ordem Terceira do Carmo. Vejamos a seguir suas palavras.

A característica do apostolado dos leigos consiste em desenvolver-se no século, em agir no seio da sociedade civil, para promover a salvação das almas por todos os meios lícitos, inclusive pela impregnação do espírito da Igreja em todos os valores próprios à esfera temporal.

Não se trata, portanto, para nós, de evitar as coisas do século enquanto tais; não se trata, para nós, de fugir para uma Tebaida ou para o recesso sagrado de uma Ordem estritamente contemplativa, nem sequer de viver a vida conventual numa Ordem consagrada ao apostolado externo. Trata-se, para nós, isto sim, de estarmos dentro do século e de ordenarmos para Deus os valores do século, que foram criados para Ele e dos quais se deve exigir que Lhe deem glória. Trata-se de comunicar a esses valores o seu verdadeiro caráter cristão.

Ora, a consagração a Nossa Senhora consiste em o homem dar-se a Ela. E, já que ele pode realizar em si de algum modo as virtudes que nEla refulgem, dar-se à Mãe de Deus é para o homem procurar imitá-La e também servi-La. O conhecimento de Nossa Senhora, a admiração por Nossa Senhora, a imitação e o serviço de Nossa Senhora são os elementos integrantes desta completa consagração a Nossa Senhora que nós queremos verdadeiramente realizar.

Mas daí nós passamos a uma pergunta: qual a influência exercida pelas condições peculiares à vida no século, no modo de vivermos nossa consagração? A vida no século deve ser tal que os mesmos princípios de beleza universal, que revertem, em última análise, em princípios de moralidade e santidade universal, se reflitam não só nas almas, mas em tudo aquilo que cerca o homem.

Por uma misteriosa afinidade, as formas, os sons, as cores, os perfumes podem exprimir estados de espírito do homem. É necessário, pois, que reflitam estados de espírito virtuosos para a formação dos ambientes em que o homem encontre os recursos necessários para a sua santificação, imagens de Deus que lhe falem aos sentidos, lhe deem o atrativo da virtude e o estimulem por essa forma a conhecer, a ter apetência daquela beleza incriada de Deus, que ele só verá face a face na glória dos Céus.

Organizar uma ordem temporal que assim forme as almas e as convide para o Céu, eis uma alta missão dos leigos vivendo no século.

Construir a cultura e a civilização cristãs

A essa altura podemos nos perguntar a nós mesmos: então, no nosso século em que consiste o serviço de Nossa Senhora? Consiste em salvar as almas por todos os modos lícitos, dentre os quais queremos acentuar este: tomar todas as coisas, ordená-las dentro desse espírito e construir a cultura e a civilização cristãs. Pois que uma e outra, sob certo aspecto, não são senão a disposição das coisas de maneira que elas sejam nesta vida o reflexo de Deus e orientem as almas para a vida eterna.

Estar consagrado a Nossa Senhora e servi-La é sustentar, é promover e defender contra os seus adversários, a cultura e a civilização cristãs, comparáveis àquela pérola preciosa que o homem deve procurar vendendo todas as coisas que tenha; cultura e civilização que são aquela paz na terra  prometida aos homens de boa vontade pelos Anjos de Belém, a única paz que os homens de boa vontade podem ter na terra: a paz de Cristo no reinado de Maria.

No serviço de Maria temos um adversário a enfrentar e um patrimônio a defender Para que compreendamos bem como servir a Nossa Senhora em nosso século, é preciso que tenhamos bem em consideração as circunstâncias peculiares a este. Vivemos em nossos dias em um processo revolucionário que, tendo começado com o protestantismo e o humanismo no século XVI, alcançou um triunfo universal pela Revolução Francesa, no século XVIII, e pela extensão dos princípios desta ao mundo inteiro, no século XIX. Esse processo chega agora aos extremos de si mesmo na afirmação do comunismo. Nós estamos, portanto, no clímax de uma longa série de apostasias.

Nisto está a marca dominante dos acontecimentos de nossos dias, e das circunstâncias dentro das quais a Igreja age, vive e luta atualmente. Em outras épocas a Igreja também tem tido adversários a enfrentar.

Nunca, talvez (e neste sentido são tão numerosas as citações pontifícias que eu me dispenso de as lembrar aqui), teve ela que enfrentar uma tão profunda investida, que a ataque com tal furor em todos os pontos de sua doutrina, de seus costumes, de suas instituições e de suas leis. Nunca seus inimigos mostraram tanta coerência, tanta unidade de objetivos e tanto rancor, quanto em nossos  vias.

Assim, e seja qual for o ângulo do qual vejamos o panorama hodierno, é preciso que coloquemos no centro de toda a nossa perspectiva esse fenômeno: a investida multissecular das forças do mal,
chegada hoje a seu paroxismo.

Vivemos dentro de um processo revolucionário que mina e corrói uma realidade gloriosa, luminosa, e entretanto agonizante, isto é, a Civilização Cristã.

Temos, portanto, um inimigo a atacar e um patrimônio a defender. O patrimônio é todo o imenso e inapreciável tesouro de tradições desses vinte séculos de Civilização Cristã que tivemos atrás de nós. Patrimônio este que não deve ser considerado como um valor estático, mas ao qual, pelo contrário,  cada século foi dando o seu contributo. Também nós, pela nossa fidelidade e pela nossa luta, acrescemos este glorioso acervo. Em face de nós está essa Revolução, que é justamente o contrário de tudo o que amamos. Nós a devemos atacar em todas as suas manifestações.

Assim se explica um dos aspectos essenciais de todo apostolado realmente adequado a nossos dias. Tal aspecto merece uma explanação conveniente, para que compreendamos bem o que vem a ser “in concreto”, e em sua plenitude, a perseverança na consagração a Nossa Senhora em nossos dias.

Como deve o católico ser um homem de seu tempo.

Com efeito, costuma-se dizer que o católico deve ser um homem de seu tempo, que deve ter a vista  aberta para todos os progressos, que deve ser um homem que se acomoda tanto quanto possível às circunstâncias da época em que vive.

Ninguém poderia dizer que, em si mesmas, essas expressões são falsas. Mas devemos saber distinguir  uma aceitação inteligente e cheia de discernimento das condições da época, de uma aceitação
simplória, impensada, fraca, tíbia, que abrange não só o que as condições da época têm de bom, mas o que o espírito da Revolução instilou veladamente até em muitas das boas condições da nossa época.

De modo que há aceitação, e há ser homem do tempo. E é exatamente a linha divisória entre uma coisa e outra que deve ser por nós marcada com todo o cuidado. Em que sentido um católico pode e deve ser homem do seu tempo? Toda época costuma diferenciar-se da anterior por se ver nesta alguns defeitos que lhe ferem a atenção e que deseja corrigir.

Mas, ao mesmo tempo, acontece que muitas vezes uma época dissente de outra anterior porque  discrepa também das qualidades desta. Em relação ao passado próximo de que nós provimos, nós não queremos, não devemos e não podemos aceitar tudo, mas rejeitar até certos elementos com cuidado.

A época passada apreciava, por exemplo, a oratória florida, farfalhante, verbosa e torrencial, que se manifestava em todas as ocasiões possíveis. Um aniversário, uma formatura, um casamento, o
regresso de uma longa viagem, tudo era ocasião para um discurso. E tais discursos eram tão padronizados, que já havia manuais que continham peças oratórias de circunstância para o moço que se forma em Direito, por exemplo. Essas peças podiam ser repetidas em todo o Brasil, desde o Amazonas até o Rio Grande do Sul, em Portugal e nas Colônias.

Evidentemente, para nós que achamos que o tipo do homem romântico que nos antecedeu era pouco eficiente, tinha o espírito povoado de sonhos vácuos e uma imaginação em fogo, que ele nem primava pela lógica, nem pelo desejo de traduzir em fatos concretos aquilo com que sonhava, para nós toda essa abundância de discursos se patenteia supérflua. Os poucos discursos que se fazem hoje devem ser rápidos, em uma linguagem menos convencional, menos hirta, em uma linguagem viva e não em uma linguagem morta.

Segundo os cânones do romantismo passado, por exemplo, o gosto pela tristeza era um tributo  essencial do espírito. Um moço, segundo o estilo em voga, deveria ser doente e infeliz, deveria exalar a sua infelicidade e a sua doença numa guitarra, deveria trocar a noite pelo dia, deveria ser um daqueles sonhadores de garoa e de orgias, tão típicas da velha Faculdade de Direito.

A nós hoje, nos parece que tudo isso está errado. Sem falar na orgia, parece-nos que essa glorificação da melancolia, esse amor à doença, essa mania de se sentir triste são antinaturais e ridículas.

O passado deve ser corrigido com discernimento 

Nenhuma época do passado pode ou deve ser intocada. É sempre possível, por um movimento  verdadeiramente progressivo, abolir defeitos e melhorar qualidades.

Mas isto não basta. É preciso também que nós nos lembremos de que muitas das transformações  instituídas no presente não representam um trabalho inteligente para depurar e fazer progredir as
tradições que recebemos, mas, pelo contrário, constituem um esforço de destruição clara ou de falseamento sub-reptício dos valores da Civilização Cristã.

Segundo palavras do Exmo. Mons. Dell’Acqua, antigo Substituto da Secretaria de Estado da Santa Sé, que falava com a responsabilidade de seu cargo, o mundo contemporâneo, por efeito do laicismo, perdeu quase completamente o senso cristão da vida.

Chamo a atenção para estas últimas palavras. Ora, sabemos que um homem não fica sem senso nenhum. Se ele perde o senso cristão, substitui-o o espírito anticristão. Portanto, quase todos quantos existem hoje estão marcados, em escala maior ou menor, pelo senso anticristão da vida. Somos, infelizmente, filhos de nosso tempo e estamos todos expostos ao risco de trazer em nós, insuspeitadas, muitas das infiltrações desse senso anticristão da vida.

Como são freqüentes em torno de nós as pessoas que supõem que têm verdadeiro espírito católico,  porque recebem uma ou outra vez os sacramentos e praticam alguns atos de piedade! Entretanto, os seus modos de pensar, de sentir e de agir são marcados por um espírito oposto ao da Igreja. Até  mesmo entre as pessoas piedosas dá-se, em escala menor embora, o mesmo fato.

Nessas condições, há razão para sentirmos uma verdadeira desconfiança até de nós mesmos. E devemos, com suma diligência e um grande temor, nos dedicar à tarefa de distinguir em nossa época aquilo que há de bem e de mal.

Obriga-nos a tal o santo receio de renunciar a alguma coisa daquele depósito de tradições católicas,  que recebemos de nossos maiores, e que devemos transmitir aos pósteros não só intacto, mas  té  acrescido.

Está bem corrigir judiciosamente o passado. Mas modificá-lo sem esse discernimento, levianamente, a todo propósito e às vezes pelo simples gosto da modificação, eis o que não se deve de modo algum fazer. Não se pode imaginar algo mais contrário à verdadeira consagração a Nossa Senhora do que esta falta de cuidado no proteger a tradição cristã. Porquanto, se o católico se entrega sem critério nem reservas ao século, ele serve a dois senhores.

Assim, embora repudiando formalmente a ideia de que devemos conservar imóvel o passado, afirmamos que nunca na história da Civilização Cristã foi tão difícil a alguém fazer esta discriminação  entre os valores verdadeiros do passado e aquilo que nele deve ser retificado em nossa época.

Nossa consagração a Nossa Senhora é realizada em nossos dias pela recondução das almas e de todos os valores da sociedade temporal para darem glória a Deus dentro das sendas da Civilização Cristã, tendo em Deus a sua causa exemplar, dentro de um rumo que, se é um rumo de verdadeiro progresso,  é por isso mesmo e nisso mesmo, um rumo indicado pelos princípios magníficos da Tradição Cristã.

Plinio Corrêa de Oliveira (Reprodução não integral, e adaptada, da matéria publicada em “O Mensageiro Carmelitano” de 15/5/1959)

 

Revista Dr Plinio 8 (Novembro de 1998)

Confiança em Maria

Minha Mãe, Rainha do Céu e da Terra, dai-me a graça de nunca me sentir longe de Vós. Porque Vós, Senhora, estais sempre próxima, e quem a Vós reze afincadamente tudo obtém. Convencei-me, ó Mãe, de que Vós estais ao alcance não de mãos que se estiram, mas de mãos que se põem juntas para rezar, rezar, rezar seriamente.

“Nunca se ouviu dizer que alguém que recorresse a vossa proteção ou reclamasse vosso socorro fosse por Vós desamparado”. Minha Mãe, fazei-me compreender que, se “nunca se ouviu dizer”, não serei eu o primeiro a não ser atendido. Assim, pois, régia Senhora, fazei que sempre me volte para Vós com confiança.

Assim seja.

Plinio Corrêa de Oliveira

Apelo ao píncaro de santidade

No dia 1º de novembro a Igreja celebra a festa de Todos os Santos, com a qual procura, ao mesmo tempo, louvar aqueles que já se encontram no Céu e impetrar sua intercessão em favor dos que ainda peregrinam neste mundo.

Com efeito, juntos a Maria Santíssima e aos coros angélicos, os bem-aventurados merecem o nosso culto e nos auxiliam, com suas preces, a alcançarmos nós mesmos a santidade para a qual fomos chamados. Um convite que, como sempre assinalou Dr. Plinio, não é privilégio de poucos, mas se estende a todos os homens. E esse anelo à perfeição se mostrará tanto mais necessário e intenso, quanto mais obstáculos lhe erga o mundo.

Em artigo intitulado “O primado da Santidade”, assim nos exortava Dr. Plinio:

“Tenho para mim como indiscutível que, se em nossa época materializada e devassa, surgisse novamente um São Francisco de Assis, sua personalidade se imporia à admiração universal de um modo muito mais definitivo e rápido do que em qualquer época passada.

“É certo que a virtuosa Idade Média, profundamente imbuída de espírito católico, estava muito mais apta a compreender devidamente o grande estigmatizado de Assis. Convém, no entanto, ponderar que, dado o próprio espírito católico e sua geral disseminação em todas as classes sociais, a sede de virtude, parcialmente saciada em cada indivíduo, era muito menos veemente do que nos dias desoladores em que vivemos.

“O homem — disse certo escritor pagão — é um anjo decaído. E, por mais que nele imperem os vícios e defeitos da decadência, há sempre no seu coração, consciente ou inconsciente, uma grande nostalgia do Céu.

“Se se perscrutar cuidadosamente qualquer coração humano, seja ele o de um santo, o de um sábio, o de um ignorante ou o de um detento de penitenciária, notar-se-á sempre a existência de sentimentos mais ou menos profundos, que anseiam por um grande ideal de pureza e de santidade.

“Enquanto viveu a civilização cristã, a vida era uma série de altruísmos que colaboravam para a felicidade coletiva. Repudiado o Catolicismo como lei suprema das relações entre homens e povos, a vida passou a ser uma série de egoísmos que se combatem. Daí o ‘homo homini lupus’ [o homem é o lobo do homem]. (…)

“Por mais que o homem desça abaixo de si mesmo, sempre será sensível à influência irresistível da santidade, que lhe aplacará as paixões e lhe serenará a tirania dos vícios, como a música de Orfeu domava as feras.” (Extraído do “Legionário” nº 96, de 21/4/1934).

Continuamente fiel ao seu pensamento, como nos é dado acompanhar nas páginas desta revista, outra coisa não se vê em Dr. Plinio que um apelo constante a que, pela misericordiosa intercessão de Maria e dos santos, alcancemos cada um de nós o píncaro da santidade.

 

Plinio Corrêa de Oliveira