Cristo Rei

Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei, a quem devemos obedecer, conhecendo a sua vontade e executando o que Ele nos manda com amorosa e pormenorizada exatidão. Para isto, devemos pedir a graça de Deus pela oração, pela prática dos Sacramentos, por nossas boas obras, pela vida interior.

Em outros termos, sejamos bons católicos; sendo-o, seremos necessariamente apóstolos; e sendo apóstolos, seremos necessariamente soldados de Cristo Rei.

Medianeira de todas as graças

Nossa Senhora é a Medianeira de todas as graças. Portanto, todas as súplicas que vão a Deus passam por Ela. De tal maneira que se todos os Santos do Céu pedirem algo em união com Maria Santíssima, são atendidos; mas se Nossa Senhora não suplicasse com eles, não seriam acolhidos. Entretanto, a Santíssima Virgem pedindo sozinha é atendida.

É pela intercessão d’Ela que todas as preces chegam e se tornam agradáveis a Deus, como também todas as graças concedidas pelo Criador chegam até nós por meio d’Ela.

Maria é, pois, o canal por onde todas as preces sobem a Deus e todas as graças descem para os homens.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/10/1971)

Meditação e apostolado

A civilização contemporânea, por força da vida trepidante imposta pelos meios de diversão excitantes, mantém o homem numa perpétua agitação e fixa constantemente sua atenção sobre fatos novos, não raras vezes sensacionais, de uma atualidade candente, porém logo depois substituídos por outros, numa sucessão atordoante.

Habituado a ocupar-se por esta forma, o homem contemporâneo sofre frequentemente de uma superexcitação dos sentidos e da imaginação, e de uma atrofia da razão. Molesta-o fixar longamente a atenção sobre um mesmo objeto. A reflexão calma, lúcida, prolongada parece-lhe fastidiosa. Fixar a atenção, refletir são operações que implicam na primazia da inteligência sobre os sentidos. E nós vivemos do contrário: do domínio dos sentidos sobre a inteligência.

Por dissipação, entendem os autores espirituais precisamente este defeito. A alma considera constantemente o mundo, e nunca entra em si mesma, nunca analisa seu próprio interior. Considerando o mundo exterior, ela o faz de modo superficial, contentando-se apenas com as aparências e não penetrando jamais na realidade profunda das coisas, nem remontando delas para um plano de cogitações mais elevado.

O hábito da meditação consiste exatamente no contrário. O homem é capaz de isolar-se, privar seus sentidos da embriaguez contínua das impressões, das sensações e vibrações, desviar sua atenção do que é externo, passageiro, superficial, para isolar-se na calma de algum recanto e pensar.

A meditação especificamente religiosa, como no-la apresenta a Santa Igreja, tem um fim bem definido: considerar as verdades cujo conjunto constitui a Doutrina Católica, vendo a si mesmo e ao mundo exterior com ordem a essas verdades.

Toda a vida espiritual depende da graça de Deus e da colaboração da vontade humana. Ora, na meditação é Deus que, pela graça, vai esclarecendo a inteligência e dando vigor à vontade para o conhecimento e a prática do bem. É, pois, um ato de intimidade da alma com o Divino Espírito Santo, que transcende a simples meditação natural e a eleva à categoria de um dos atos mais augustos da vida humana.

Esta meditação sobrenatural, disse-lo expressamente Nosso Senhor (cf. Mt 11, 25), não é privativa dos homens de ciência. A história dos Santos prova que muitas vezes as meditações mais profundas foram feitas por pessoas muito ignorantes no sentido humano da palavra, mas cheias de virtude e de amor de Deus.

E o apostolado? Não se diria que a meditação inutiliza o homem para a ação? O que é melhor: rezar ou agir?

A pergunta equivaleria, no terreno espiritual, a esta outra no terreno material: o que deve fazer o homem, comer ou beber? Evidentemente, é preciso comer e beber, rezar e agir.

A meditação bem feita traz, por consequência, o espírito de apostolado. Os próprios religiosos contemplativos não escapam a esta regra, pois fazem apostolado, e do melhor. E se um contemplativo não tem zelo pela salvação das almas, pode-se dizer que sua contemplação é mal feita.

Meditar é exercitar-se no amor a Deus e ao próximo. Como pode alguém ter esse amor e ser indiferente a que a glória de Deus seja conspurcada a todo momento pelo pecado, e a todo instante as almas exponham a sua salvação?

Na realidade, ser apóstolo supõe, antes e acima de tudo, meditação. Pois um apostolado sem amor de Deus e do próximo não tem sentido nem consistência, é mera agitação(*).

 

Plinio Corrêa de Oliveira

(*) Excertos da conferência realizada na sessão solene de encerramento do 1° Congresso das Ordens Carmelitanas do Brasil em 30/10/1952, e publicada em Mensageiro do Carmelo, novembro-dezembro de 1952, p. 267-269.

Meu filho, ânimo!

Consolar não é apenas enxugar o pranto de quem chora; é muito mais do que isso. É dar força, dar ânimo, e dar decisão.

Nossa Senhora é a consoladora dos aflitos.

O homem que fica aflito, facilmente se acabrunha exageradamente, perdendo a coragem e se entregando. Nossa Senhora o consola dizendo: “Meu filho, ânimo! Eu te concedo forças para lutar. Enfrenta o adversário, pois tudo é reparável. No céu serão pagos os teus sofrimentos e lá tu serás recompensado, em glória, por tudo quanto tiveres carregado nos ombros. Agora, coragem e para frente!”

Isso é propriamente a consolação, quer dizer, uma fortificação. Nossa Senhora dá isso aos aflitos, àqueles que estão precisando de forças para lutar.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 5/9/70)

Revista Dr Plinio 140 (Novembro de 2009)

Na vossa luz veremos a luz

Ó minha Mãe, Medianeira de todas as graças, na vossa luz veremos a luz. Mãe, antes ficar cego do que deixar de ver vossa luz, porque vê-la é viver. Na sua claridade contemplaremos todas as luzes; e sem ela, nenhuma luz refulge. Não considerarei vida os momentos em que ela não brilhar; e eu, da vida, não quererei ter mais nada do que a mente banhada por essa luz.

Ó luz!, eu vos seguirei custe o que custar: pelos vales, montes, desertos e ilhas; pelas torturas, pelos abandonos e olvidos; pelas perseguições e tentações, pelos infortúnios, pelas alegrias e triunfos.  Eu vos seguirei de tal maneira que, mesmo no fastígio da glória, não me incomodarei com ela, porque só me preocuparei convosco.

Eu vos vi, e até o Céu não desejarei outra coisa,  porque, uma vez, vos contemplei!

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 80 (Novembro de 2004)

Viver em Maria

Conhecer e admirar as excelsas virtudes de Nossa Senhora, tendo-A continuamente em vista como nossa Mãe e misericordiosa advogada, é o meio de penetrarmos nesse “paraíso de Deus” e “jardim fechado” da Trindade — como nos ensina São Luís Grignion de Montfort no Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, aqui comentado por Dr. Plinio.

 

Na parte final de sua obra, São Luís Grignion enumera algumas práticas piedosas, interiores e exteriores, que o devoto de Nossa Senhora deveria cultivar para se unir ainda mais a Ela. Segundo o autor, seriam meios pelos quais podemos “viver em Maria” e “fazer todas as ações por, com e em Maria”.

Aquela em quem o Altíssimo colocou sua glória suprema

Leiamos São Luís:

O Espírito Santo, pela boca dos Santos Padres, chama também a Santíssima Virgem: 1º, a porta oriental, por onde o sumo sacerdote Jesus Cristo entra e vem ao mundo (cf. Ez 44, 2‑3); por ela entrou da primeira vez, e por ela virá da segunda; 2º, O santuário da Divindade, o reclinatório da Santíssima Trindade, o trono de Deus, a cidade de Deus, o altar de Deus, o templo de Deus, o mundo de Deus. Todos estes diferentes epítetos e louvores são verdadeiros em relação às diversas maravilhas e graças que o Altíssimo realizou em Maria. Oh! que riqueza! que glória! que prazer! que felicidade poder entrar e habitar em Maria, em quem o Altíssimo colocou o trono de sua glória suprema!

Mas quão difícil é a pecadores, como somos, alcançar a permissão e a capacidade e a luz para entrar em lugar tão alto e tão santo, guardado não por um querubim, como o antigo paraíso terrestre, mas pelo próprio Espírito Santo, que dele se tornou o Senhor absoluto e do qual diz: “Hortus conclusus soror mea sponsa, hortus conclusus, fons signatus” (Cant 4, 12). Maria é fechada; Maria é selada; os miseráveis filhos de Adão e Eva, expulsos do paraíso terrestre, só têm acesso a este outro paraíso por uma graça especial do Espírito Santo, a qual devem merecer (Tratado, nºs 262 e 263).

Ter sempre em vista as grandezas de Maria

Conforme se depreende da interpretação desses tópicos, a alma que considera as maravilhas operadas por Deus em Nossa Senhora, percebe que Ela se assemelha a uma catedral, um santuário fechado, um jardim no qual somente se pode ingressar com a ajuda do dom divino.

Que significa, pois, entrar em Nossa Senhora?

Penso eu que se trata, exatamente, de ter continuamente em vista essas grandezas incomparáveis de Maria, inclusive as grandezas inconcebíveis e imensuráveis de sua misericórdia, em primeiro lugar. Segundo, em agir como alguém que se sabe filho d’Ela e que procura desenvolver sua vida espiritual em função dessas grandezas da Mãe de Deus e nossa.

Mas, diz São Luís Grignion, essas riquezas são tais que um homem, com suas cogitações conspurcadas pelo pecado original e suas faltas atuais, não é capaz de se elevar à altura delas. Então, acrescenta o autor, para isso importa que tenhamos o auxílio de uma graça especial do Espírito Santo, a graça da escravidão de amor à Santíssima Virgem, pela qual a entrada nesse jardim magnífico nos é franqueada.

Maravilha insondável que preenche os espaços entre Ela e o fiel

Outro ponto a se considerar é como devemos desenvolver nossa vida espiritual em função dessas grandezas de Nossa Senhora.

Antes de tudo, como já se disse, nutrir uma entusiasmada admiração pelas perfeições de Maria Santíssima, procurando avivá-las na alma através de leituras de livros que no-las apresentam, e de modo eminente o próprio Tratado escrito por São Luís Grignion de Montfort.

Tendo noção dessas grandezas, nunca se dirigir a Nossa Senhora a não ser com um sumo respeito, uma suma veneração e uma suma confiança. Como a uma criatura super-excelsa, altíssima, a mais alta de todas as criaturas abaixo de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas, porque a mais alta, também a mais benigna, a mais condescendente, a mais afável, a que mais desce até nós. Com efeito, sua grandeza é tal que preenche todos os espaços entre Ela e o resto da criação, tornando-A inteiramente acessível, amável, misericordiosa e condescendente para conosco. Ela é a mais disposta a perdoar, a mais disposta a atender, a que não se zanga nem se irrita nunca, a que nos quer sempre, por motivos elevadíssimos e invariáveis.

Estreita intimidade materna

Então, procuremos desenvolver nossa vida espiritual em função dessas verdades. Tenhamos a certeza de que, ao nos voltarmos para Nossa Senhora, estaremos levantando nossos olhos para  muito alto, como quem contempla um horizonte longínquo, mas, ao mesmo tempo, admiramos o que há de mais próximo a nós. Porque nada, em toda a Criação, nos é mais chegado do que Maria, que nos envolve com uma intimidade materna da qual só não se pode dizer que é infinita.

Em virtude desse vínculo estreitíssimo, a alma amará não apenas a grandeza de Nossa Senhora, mas tudo quanto dela é reflexo na criação: os monumentos que têm autêntica magnitude artística e cultural; o fulgor de um brilhante que lembra a pureza imaculada da Virgem; a coragem de um herói porque evoca a Rainha vitoriosa sobre o demônio, enfim, tudo quanto há de belo no mundo, espiritual ou material, tende a reforçar os laços de admiração e amor de uma alma com a Mãe de Deus.

Afetos inimagináveis

Contudo, a consideração dessas grandezas pode produzir na alma do devoto de Nossa Senhora um compreensível sentimento da própria pequenez: “Minha Mãe, sois tão formosa e admirável! E eu, quão pobre e miserável!”

Não nos deixemos abater por esse pensamento, e nos lembremos do vínculo maior estabelecido entre a misericórdia materna d’Ela e cada um de seus filhos: “Apesar de tudo, tenho uma mãe que do alto do Céu olha com bondade e tristeza para minhas lacunas e que deseja me corrigir. Se eu pudesse Lhe falar e vê-La no momento em que considera meus pecados, eu me desfaria de ternura e pesar. Pois eu veria que Ela, embora não sendo complacente com minhas faltas, olha-me com um afeto tão imenso que não posso medir”.

Trata-se de um afeto superior a todos os carinhos humanos aos quais estamos acostumados, porque procede do fato de Ela conhecer o próprio amor de Deus em relação a cada um de nós. Por assim dizer, Ela nos ama como nos ama o Criador, com um afeto que participa do amor que Ela mesma tem a Deus. Ou seja, um amor estável, profundo, completo. Por isso, Maria nos quer com uma benevolência que nenhuma infidelidade pode cansar nem fazer cessar. Nada é capaz de extinguir a vontade d’Ela de nos fazer bem. Pelo contrário, não deseja senão nos favorecer com benefícios maiores, com favores exuberantes.

Tenhamos sempre presente essa noção da misericórdia de Nossa Senhora, durante todo o dia, nos momentos de alegria e de tristeza, de fidelidade ou de miséria, e saberemos como esperar, resistir, lutar. Assim se vive em Maria. Assim se habita nesse palácio maravilhoso, nesse jardim fechado. É ter Maria Santíssima continuamente, desse modo, presente diante de nós.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 16/6/1972)

Revista Dr Plinio 128 (Novembro de 2018)

Inteira e filial confiança em Nossa Senhora

Pedimos-vos, ó Mãe, que do alto do Céu desçam sobre nós, vossos filhos, as bênçãos maternais nascidas de vosso inesgotável afeto.

Como os discípulos de Emaús rogaram ao Divino Redentor, nós Vos pedimos que essas bênçãos “permaneçam conosco”, “porque se faz noite” sobre o mundo.

A cada instante, a cada angústia, a cada necessidade, ajudem-nos elas a manter a mais inteira e filial confiança em Vós.

Plinio Corrêa de Oliveira

Sacrário de Nosso Senhor

Nossa Senhora é o sacrário onde está Nosso Senhor Jesus Cristo e o santuário de dentro do qual todas as graças se difundem para o gênero humano. Devemos rezar a Jesus enquanto vivendo em Maria porque Ele quer ser invocado dentro do seu templo, que é a Santíssima Virgem. Peçamos que Ele viva em nós como vive n’Ela.

Jesus Cristo viver em nós significa termos o espírito da santidade d’Ele, que é o espírito da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Portanto, o espírito contrarrevolucionário, expressão mais característica do espírito da Santa Igreja. Eis o que devemos pedir a Jesus, por meio de Nossa Senhora, enquanto vivendo n’Ela.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/5/1966)
Revista Dr Plinio 260 (Novembro de 2019)

São Leão Magno

Sabendo da presença de hereges em solo pontifício, São Leão Magno empreendeu amplos esforços para combatê-los. Instituiu um tribunal em Roma — presidindo pessoalmente a muitas sessões —, com a finalidade de julgar as doutrinas heréticas. Proferiu sermões advertindo o povo, exortou a todos que denunciassem os praticantes das heresias.

Quando na Espanha rebentou a heresia priscilianista, São Leão prestou o devido apoio a São Turíbio, Bispo de Astorga, impulsionando os chefes de Estado a condenarem tal heresia, pois esta não era só a ruína da Igreja, mas também da ordem temporal.

São Leão Magno procedeu não somente com a autoridade de um Papa, mas, sobretudo, com a autoridade de um santo.

Os valores por ele defendidos de maneira heroica, foram confirmados por um impressionante prodígio: a grandiosa aparição de São Pedro nos céus, enfrentando Átila às portas de Roma. São Leão fazia assim retroceder o rei dos hunos. Um grande milagre da História da Igreja.

Utilizando-se da infalibilidade, a Igreja declarou heroica a prática de todas as virtudes por São Leão Magno.

Peçamos a ele que, quando raiar a aurora do Reino de Maria, as virtudes por ele praticadas.

 

Plinio Corrêa de Oliveira – Revista Dr Plinio 140 (Novembro de 2009)

Harmonioso cântico de matizes

A Sainte Chapelle (Santa Capela), mandada construir pelo rei São Luís de França, é um desses tesouros da arte católica, inspirado por uma Fé tão rica e tão florescente, que sempre encontramos  algo de novo a se dizer e se comentar a respeito dela.

Por exemplo, acerca de seus magníficos vitrais.  Quando os conheci, tive a impressão de estar ouvindo um fabuloso coro cantando, no qual cada vitral era uma voz, e que entoava uma melodia  entendida de maneira peculiar por mim, assim como era compreendido de modo diverso pelas diferentes almas que o “escutavam”. E como é o próprio da interlocução, deram-me oportunidade de  discernir, no meu interior, mil virtualidades, anseios, sedes que eu tinha e que só percebi no momento de “beber a água”, ou seja, “ao ouvir” aquele cântico feérico dos vitrais da Sainte Chapelle.

Supérfluo dizer que me encantaram ao ponto do indizível. A partir desse momento, ao pé da letra, vários espaços de minha alma começaram a viver. Que lembranças guardo do que eles me diziam  com suas “vozes” que não emitiam sons, mas fabulosos coloridos? Eu não imaginava que daquelas cores — digamos, de um azul, de um vermelho, de um verde, etc. — fosse possível obter tantos matizes, finos, suaves, fazendo aparecer o que essas cores têm de mais delicado, sem se transformarem em cor-de-rosa, azul claro ou verde-água triviais que por aí existem.

Por outro lado, desmentiam para mim uma ideia primitiva, segundo a qual essas cores muito delicadas só eram obteníveis com matérias-primas raras e com elas apenas se podiam pintar  superfícies pequenas, deteriorando-se logo. E que, portanto, havia um irremediável divórcio entre a grandeza e aquela forma de delicadeza matizada que estava lá.

Ora, diante de mim reluziam vitrais enormes, apresentando matizes de extrema suavidade, sem serem homogêneos, com uma agradável variedade de tons dentro de cada painel. E então este  instantâneo da delicadeza fixada, tornada grandeza, e o débil que se apresenta rei, deu-me a impressão de uma vitória da alma justa, de uma vitória de tudo quanto é frágil, reto, inocente, sobre o  que é ruim, uma impressão de fato extraordinária, que produziu no meu espírito um “tressaillement” de contentamento.

Agora, num misto de análise artística e psicológica, notei também que esses matizes que assim se ostentavam não venciam com a arrogância de um “boxeur” que derruba o adversário, põe o pé em cima dele e depois acena para a platéia.

Nada disso. Essa delicadeza de matizes vencia com uma espécie de dignidade, com folga tal que ela não sentia sequer a necessidade de esmagar o adversário. Este não se encontrava estirado ao  solo: estava eliminado do panorama. Assim, criava-se a ideia de um mundo onde, desde o começo, só ele, vitral, existira. Algo parecido com aquela Sabedoria que, no princípio dos séculos,  brincava com todas as coisas…

Percebi que na delicadeza de cores daqueles vitrais havia a candura e a como que inexperiência do virginal, aliada à estabilidade e à dignidade da experiência de uma matriarca no auge mais dourado de sua vida, na plena lucidez e no pleno conhecimento das realidades da nossa existência terrena.

Ainda nessa linha de impressões, imaginando que cada vitral era como que alguém que tivesse a alma construída daquele jeito, imaginando que esses “alguéns” do mundo dos possíveis foram  sonhados pela Idade Média e tiveram começos de realização em milhares de almas, então eu pensava em São Luís, nos artistas dele que edificaram essa maravilha da arte católica, na multidão de súditos que amavam seu monarca santo e admiravam nele as suas semelhanças com o Rei dos Reis, Nosso Senhor Jesus Cristo. Eu pensava nisso e entendia ainda melhor o que foi a época áurea da Cristandade.

Essa é a análise dos matizes. Agora, a impressão que tive do conjunto de todos os vitrais foi a de uma harmonia constituindo uma espécie de figura não-expressa, ideal, de um vitral arqui-delicado,  de um vitral perfeito contendo em si todas as cores arqui-suaves naquele estado que acabei de descrever. Trazendo consigo a noção de que essa delicadeza assim apresentada — longe de ser inimiga dos tons mais fortes, na linha dos estados de alma como na linha das cores e na dos sons — fazia pensar no desfile sem fim de todos os coloridos possíveis, mesmo os mais antitéticos, em todos os estados de espírito possíveis, mesmo os mais diversos, dentro daquela harmonia. E dessas impressões se desprende, afinal, uma ideia de perfeição enquanto perfeição, de harmonia enquanto  harmonia, de santidade enquanto santidade — portanto, de verdade enquanto verdade, e de beleza enquanto beleza — reluzindo neste píncaro da montanha da delicadeza, a partir do qual se percebe  toda a cordilheira dos sentimentos opostos e afins que constituem o espírito indizivelmente rico da Igreja Católica.

Plinio Corrêa de Oliveira – Revista Dr Plinio 44 (Novembro de 2001)