Nossa Senhora das Graças

A invocação de Nossa Senhora das Graças quer dizer que Ela tem em suas mãos todas as graças, porque é a depositária de todos os tesouros de Deus. Mas também significa Nossa Senhora dadivosa, misericordiosa, que tem as mãos abertas para mostrar que Ela quer dar tudo.

Ela é a Mãe de misericórdia, que deseja tocar todas as almas, inundá-las de benefícios, encher o mundo inteiro das manifestações soberanas e celestes de sua bondade e de seu poder.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 26/11/1970)

Mãe da Divina Graça e da perseverança

Estreitamente unido a Maria Santíssima por meio da escravidão de amor, segundo o método de São Luís Grignion de Montfort, tinha Dr. Plinio grande devoção à invocação “Mater Divinæ Gratiæ” — Mãe da Divina Graça —, neste mês comemorada na festa da Medalha Milagrosa.

Sobre a efígie impressa na Medalha, cuja confecção foi pedida pela própria Mãe de Deus, abaixo reproduzimos um profundo comentário de Dr. Plinio(1), relacionando-a à Contra-Revolução, à realeza de Maria e à graça da perseverança que deve ser almejada por cada um dos filhos da Santa Igreja: Nós temos, numa das faces da medalha, Nossa Senhora pondo os pés sobre o mundo, na afirmação de sua realeza sobre toda a Terra. É exatamente essa a doutrina da realeza de Nossa Senhora que vem lembrada em Fátima e afirmada com uma vitória sobre a Revolução.

Ela calca também uma serpente, o que está inteiramente coerente, concludente, porque desse lado está escrito: “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós”.

Quer dizer, é a Imaculada Conceição. Mas não é pura e simplesmente a Imaculada Conceição, porque há aqui um atributo que não se encontra nas imagens da Imaculada Conceição como tal: Nossa Senhora está com as mãos abertas em sinal de aquiescência, de atendimento, e de suas mãos partem fachos luminosos imensos, simbolizando as graças e os favores que pelas mãos d’Ela — quer dizer, pela ação e por meio d’Ela — descem sobre o mundo.

Essas graças são concedidas para a conversão dos pecadores, dos hereges, mas também para o castigo dos irredutíveis e proteção daqueles que se mantiveram fiéis até o fim. São graças para a perseverança dos fiéis. Tudo isso sai das mãos de Nossa Senhora como de um manancial.

Ela está afável, risonha, acolhedora, para todos aqueles que tendo em vista esse conjunto de fatos, de símbolos, de atributos, de noções, se dirigem confiantes a Ela, pedindo as graças de que precisam.

Vamos pedir a Nossa Senhora que pelas graças da Medalha Milagrosa, Ela apresse o dia de sua vitória, de um lado. E de outro lado, também nos ajude a sermos fiéis durante todas as tormentas que se aproximam. Porque devemos nos lembrar bem disso: a perseverança é uma graça inestimável. Do que adianta ter virtudes, se depois cair no pecado?

Essa perseverança não é fruto de nossas qualidades pessoais, mas da graça que se trata de pedir humildemente, de implorar com insistência, e à qual se trata de corresponder. Portanto, precisamos pedir as graças que nos assegurem a perseverança.

Essa invocação de Nossa Senhora das Graças — ou de Nossa Senhora da Medalha Milagrosa — é particularmente eficiente na luta contra o poder das trevas, que tanto e tanto nós devemos conduzir nos dias de hoje.

 

Plinio Corrêa de Oliveira – Revista Dr Plinio 212 (Novembro de 2015)

1) Conferência de 27/11/1964.

Incansável e maternal proteção

Nossa Senhora está presente na ininterrupta luta que cada homem trava contra seus defeitos, para adquirir maiores virtudes. E ainda que não nos lembremos d’Ela, Maria intercede por nós no alto do Céu, com uma misericórdia que nenhuma forma de pecado pode esgotar.

Nossa Senhora não é um refúgio apenas os que tenham cometido faltas leves, mas também para os autores de pecados de gravidade inimaginável e para os culpados das ingratidões inconcebíveis. Pois é próprio da grandeza da Mãe de Deus, na qual tudo é admirável e extraordinário, ser um imenso e perfeito refúgio. Desde que o pecador se volte para Ela, a Virgem Santíssima cheia de bondade o protege, concede-lhe toda espécie de perdão, limpa-lhe a alma, dá-lhe forças para praticar a virtude e o transforma de filho pródigo em homem bom e fiel.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Excelsas benevolências da Mãe da Divina Graça

Embora não seja ainda dogma definido pelo supremo Magistério da Igreja, grande parte dos católicos aceita como verdade que Maria Santíssima é a medianeira universal de todas as graças. Dr. Plinio estava convencido disto, e o comentou com fervor diversas vezes, como na conferência que o leitor agora poderá acompanhar.

 

A invocação de Nossa Senhora das Graças, cuja a festa se prende à aparição da Santíssima Virgem a Santa Catarina Labouré, em 27 de Novembro de 1830, muito fala às nossas almas de filhos devotos d’Ela, porém não diz tudo. Já o titulo de “Mãe da Divina Graças”, rezado na Ladainha Lauretana, exprime de modo extraordinário a augusta prerrogativa de Mãe enquanto medianeira e dispensadora universal dos dons de Deus.

Significados da palavra “graça”

Para melhor compreendermos e amarmos esse atributo de Nossa Senhora, todo voltado a nosso favor, devemos antes analisar os dois sentidos da palavra “graça” na linguagem católica.

Numa primeira acepção, ela quer dizer favor.

Por exemplo, se alguém sofre de uma doença, suplica ao Céu a cura e a obtém, pode afirmar: “Recebi uma graça”. É um favor que pediu e no qual foi atendido.

Outra pessoa se encontrará em grave apuro econômico, precisando de auxílio para financiar urgentes necessidades de sua família, e roga a Nossa Senhora que lhe dê a oportunidade de ganhar o dinheiro indispensável. A ocasião se apresenta, ele alcança a soma desejada e resolve seus problemas. Foi uma graça, um favor que lhe foi proporcionado pela Divina Providência.

Há contudo, um sentido muito mais elevado da palavra “graça”. Refere-se a uma dádiva tão imensa, tão suprema, que é a graça por excelência. O que vem a ser?

Na sua infinita misericórdia, e sempre a rogos de Nossa Senhora, Deus concede a todas as almas uma força espiritual que é uma participação na própria vida incriada d’Ele. Essa poderosa assistência divina é a graça santificante, que Ele infunde nas almas no momento do batismo, e que pode ser enriquecida pelo homem ao longo da vida, mediante reiterados atos de virtude, a freqüência aos Sacramentos, etc.

Recebendo essa participação na própria vida de Deus, a criatura humana é favorecida por um vigor, uma elevação e uma coragem de alma que caracterizam os santos e santas, beatos e beatas que, em grande quantidade, reluzem no firmamento da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Se procedêssemos a um recenseamento de quantos bem-aventurados existem no Céu, tomando apenas em consideração o calendário litúrgico, o resultado já seria de milhares. Na verdade, porém, o número de santos é muito maior do que o registrado nas hagiografias.

Com efeito, por santo deve-se entender não só aquele que a Igreja proclamou como tal, elevando-o à honra dos  altares, mas também todas as almas que, embora desconhecidas, praticaram em vida a perfeição heroica.

Passaram pelo mundo de maneira humilde e apagada, não deixaram vestígios pelas veredas da terra. Contudo, ao chegar ao Céu, brilham com luz extraordinária, porque observaram  a  virtude de um modo igualmente extraordinário.

Esses santos serão por todos conhecidos no dia do Juízo Final, e muitos deles nos aparecerão como estrelas de primeiríssima grandeza. Talvez surpreendidos pela formosura de algum deles, perguntemos ao nosso Anjo da Guarda:

Mas, aquele admirável que está lá, quem é?

Ah,  aquele?  Foi   um   lixeiro   na   Terra. Porém, teve tanta resignação carregando o lixo, desempenhou tão bem sua missão de limpar  a cidade em que trabalhava, era tão atencioso para com as pessoas com quem tinha de tratar, e de tal maneira fazia isto só por amor de Deus, que toda vez que punha uma carreta de lixo no caminhão da limpeza era como se acendesse uma estrela no Céu. Ou seja, colecionava méritos para a eternidade…

Outro terá sido um homem cheio de poder, riquezas, talentos e posições, recebendo a todo momento elogios e referências às suas grandes qualidades, e a todo instante exposto à tentação do orgulho e da vanglória. Era-lhe fácil tornar-se ébrio de tanto entusiasmo por sua pessoa e posição, Assim, se era preciso debelar uma peste que assolava certa região de seu país, ele mandava procurar os melhores médicos, conhecedores das melhores técnicas, a fim de que combatessem com toda a rapidez possível aquele mal. Era um homem, enfim, possante em idéias e realizações, mas, sobretudo, em amor de Deus e em caridade fraterna. Virtuoso, ele passou por esta terra sem sujar-se com enlevos e comprazimentos consigo mesmo, faleceu santamente e subiu para o Céu como uma estrela. E ali refulgirá por toda a eternidade.

Dr. Plinio, num momento de distensão, durante uma reunião de trabalho feita sob o celestial olhar de Nossa Senhora das Graças

Como um enxerto da vida divina no homem

Todos esses santos, canonizados ou não, todas essas vitórias do espírito sobre a carne, da virtude sobre o pecado, todos os atos meritórios que qualquer fiel pratica, são frutos desta participação criada na vida incriada de Deus, ou seja, da graça. Uma participação altíssima, que poderia ser comparada, vagamente, a um enxerto.

Tome-se uma árvore comum, na qual é enxertada a muda de uma outra árvore que dá frutos preciosíssimos. Quando chegar a hora da frutificação, esses valiosos rebentos nascerão na árvore que recebeu o enxerto. Assim também é a graça, um como que enxerto da vida incriada de Deus em cada um de nós. Se lhe correspondemos, ela frutifica em nós, elevando-nos a inimagináveis alturas.

todavia compreendeu que o homem nada possui do que se orgulhar: tudo o que lhe pertenceu, recebeu de Deus e se destinava a servir a seu Eterno Benfeitor. Se não tivessem sido empregados em vista deste fim supremo, seus dotes e tesouros não teriam valido coisa alguma. Por isso, aceitando essa verdade, ele nunca consentiu num movimento de presunção e de amor-próprio, levando toda a sua existência na mais perfeita humildade e no desprendimento dos bens terrenos. Santificou-se.

Um terceiro foi, digamos, um governante magnífico. À passagem dele, as multidões se desatavam em cânticos e entusiasmos por suas realizações e seus triunfos. Ele venceu batalhas nas quais lutou pelo bem, pela justiça; construiu cidades, socorreu populações castigadas por inundações, epidemias, e as mais diversas catástrofes. A isto era levado não só pelo fato de ser o chefe da nação, com meios de fazê-lo, mas também porque o movia um intenso amor ao próximo e uma grande sabedoria.

A santidade, fruto da correspondência à graça

Essa correspondência à graça significa praticar a virtude, significa evitar a todo custo o pecado. Não deve nos preocupar, neste mundo, se somos muita ou pouca coisa. O único que importa é saber se cumprimos ou não os Mandamentos de Deus, e os desígnios d’Ele a nosso respeito.

Ainda há alguns anos, a Igreja inteira celebrou a glorificação de mais uma heroína da Fé: Santa Ana Maria Taigi. Quem foi ela? Uma distinta senhora, conceituada na sociedade em que viveu, generosa nas esmolas que distribuía? Não. Foi uma cozinheira, uma modesta doméstica no palácio dos príncipes Colona de Roma, no século XIX. Desempenhou de modo perfeito as suas humildes funções, trabalhou incentivada por um ardente amor a Deus, e teve uma vida semeada de dificuldades e sofrimentos pois ninguém vai para o Céu sem padecer santamente suportados. Carregou de modo admirável a sua cruz, tornou-se santa e hoje está na bem-aventurança eterna. Uma simples cozinheira, diante de cuja alma, se lhes fosse dado contemplá-la, se poriam de joelhos os maiores potentados da terra…

Tal é o valor e tais são os frutos de nossa correspondência à graça divina.

O excelso papel de Nossa Senhora das Graças

E aqui se faz notória a gloriosa prerrogativa de Nossa Senhora que hoje recordamos.

Como acima entendida, a graça é um imensíssimo favor de Deus que nos é outorgado a todos, desde o momento do batismo, e que não nos é negado ao longo de nossa existência inteira. Até o derradeiro instante do homem, na hora de ele exalar seu último suspiro, a graça o acompanha, o convida, chama e atrai. Mesmo no fundo dos piores pecados, ainda lhe é dado ouvir o solícito apelo da graça, incitando-o à conversão.

Ora, a recepção desse grandíssimo favor e nossa correspondência a ele, não nos é possível sem que nos venha pelas maternais e misericordiosas mãos de Maria.

Ela é a Mãe da Divina Graça, porque Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, fonte, princípio e autor de toda graça. Além disso, por disposição da Providência, Ela é também a dispensadora dos dons e favores celestiais, cuja totalidade constitui inexaurível tesouro que Deus confiou à gerência d’Ela. Nossa Senhora é, portanto, a tesoureira das riquezas divinas.

Esse magnífico predicado mariano nos faz desfrutar, junto a Deus, de uma privilegiada posição. Pois temos a interceder por nós, continuamente, aos pés d’Ele Aquela que detém a chave de todas as graças, Aquela que é a onipotência suplicante e sempre nos obtém aquilo que, por nossos próprios méritos, jamais alcançaríamos. O valor de Nossa Senhora é tal que todas as nossas orações feitas por meio d’Ela são atendidas, de modo particular as preces e os pedidos que se referem à nossa santificação.

Por outro lado, Ela é especialmente Mãe dos que necessitam das preciosas dádivas do Céu. Mãe dos que pugnam sob o estandarte da fé, Mãe dos que se debatem contra as tentações, Mãe dos miseráveis, Mãe dos pecadores, Mãe dos desamparados, Mãe daqueles que quase perderam a esperança da salvação eterna e para todos, sem exceção, obtém Ela o poderoso auxílio dos dons de Deus.

Essa é Nossa Senhora das Graças, essa é a Mãe da Divina Graça, que tem para com cada um de seus filhos solicitudes e bondades inimagináveis!         

 

Plinio Corrêa de Oliveira – Revista Dr Plinio 32 (Novembro de 2000)

“Celestialização” da vida temporal

A verdadeira arte deve buscar o maravilhoso de modo crescente. Sua missão consiste em retraçar, tanto quanto possível, um ambiente em torno do homem de maneira a ele ter o caminho indicado e ser levado para o Céu. A Revolução faz exatamente o contrário.

 

Uma nova perspectiva sob a qual se poderia considerar o tema “graça” seria a seguinte:

Métodos para representar o maravilhoso

Imaginemos que houvesse um lugar onde os Anjos baixassem visivelmente e estivessem algum tempo ali louvando a Deus, e depois fossem embora. Por exemplo, o lugar onde apareceu o Anjo na Cova da Iria. Ali tem bênção, é indiscutível. Ora, a alma humana foi feita para sentir coisas desse tipo por toda a eternidade; e o nosso estado normal de batizados é nos encontrarmos em presença de realidades que tenham esse quilate. É o nosso ponto de repouso final.

Isso significa que, tanto quanto possível, a missão da arte consiste em retraçar esse ambiente em torno do homem, de maneira a ele ter o caminho indicado e ser levado para o Céu. Enquanto o papel da Revolução consiste, evidentemente, no contrário.

Assim, não há maravilhoso que baste para uma arte verdadeira. Entretanto, é preciso fazer distinção de duas coisas. Uma é o maravilhoso enquanto representado através de coisas materiais, por exemplo um quadro qualquer de uma cena medieval de cruzados partindo para guerra. E outra seria uma pintura de Anjos, feita por Fra Angelico, que se serve das coisas materiais para representar o puro espírito em estado de graça. E onde o tema quase direto não é a matéria, mas a graça. Aqueles quadros de Fra Angelico representam indiscutivelmente uma tentativa de servir-se da tinta para representar o maravilhoso. E representam mesmo. É diferente de representá-lo através de uma catedral. Porém, ambos os métodos devem ser utilizados.

A dimensão celeste da Cristandade

Como seria o homem formado completamente num ambiente assim? Como seriam as relações dele? O conhecimento disso nos daria ideia da sociedade constituída por ele.

Isso nenhum tratado de Direito Natural diz, porque de fato escapa a essa matéria. Entretanto, deveria haver obras que abordassem este assunto às quais um tratado de Direito Natural fizesse referência. Porque a mera ordem natural, no que diz respeito ao homem, não existe. Portanto, ou a Cristandade tem uma dimensão celeste, e consequentemente muito superior ao que se imagina, ou ela não atingiu seu fim. Então, a meta é a “celestialização” da vida temporal, sem deixar de ser temporal.

Pode-se dizer que, até certo ponto, monarquias antigas realizaram coisas desse gênero de algum modo, muito palidamente, mas não ousavam quase chegar até lá. Digamos, por exemplo, o quarto de dormir de Maria Antonieta. Aqueles tecidos maravilhosos eram feitos para dar à sociedade terrena o aspecto mais bonito possível, mas não tinham a intenção de “celestializá-la”. Se houvesse esta intenção, não sei até onde iria!

A meu ver, ao espetáculo do horror do demônio que se prepara para vir e se mostrar, nós teríamos que saber opor o espetáculo admirável de Nossa Senhora que prepara o seu Reino!

Uma maravilha que ofuscaria Veneza

É indiscutível que Deus fez certas obras, a rogos de Maria Santíssima, que “celestializam” um tanto mais do que os homens imaginaram. Veneza é uma delas.

Poderia ter havido ali um Fra Angelico que jogasse com os reflexos de água sobre um monumento, uma escultura, pintura ou um mosaico colocados diretamente à beira d’água. Vê-se que a ideia não passou pela cabeça dos artistas. Também os que construíram aqueles palácios estavam pensando em tudo, menos nisso.

Por exemplo, um edifício que poderia ter ficado à beira d’água é a Catedral de Orvieto. Aquilo imaginado em Veneza, e colocado numa ilha, ficaria maravilhoso! Sobretudo se houvesse em alguns pontos uns braços de ferro bonitos, trabalhados, para pôr archotes durante a noite. Podia ficar muito bonito. Vou dizer mais: tornar-se-ia tão bonito que quase ofuscaria Veneza! O resto ficaria pouca coisa em função disso.

Há certos gêneros de maravilhas que estão para além da Terra. São paradisíacos.

A arquitetura francesa, por mais bonita que seja, não fica bem no meio das águas como em Veneza. Lembro-me da lamentação da Condessa Anna de Noailles(1): “C’est trop de beauté! – É beleza demais.”

Está na missão da ordem material criada ser um espelho da ordem espiritual. Entende-se por aí aquela expressão de São Paulo, que afirma: “De fato, as perfeições invisíveis de Deus são percebidas pelo intelecto através de suas obras, desde a criação do mundo” (cf. Rm 1, 20). Portanto, de tudo o que nossa alma tem desejo de ver, enquanto espiritual, se souber ler as coisas da Terra, ela tira as devidas conclusões. Eis a razão pela qual estou analisando continuamente todas as coisas.  v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 13/7/1990)

 

1) Poetisa e romancista francesa (*1876 – †1933).

 

Razão de nossa perseverança

Se é verdade que devemos sempre invocar o maternal auxílio da Santíssima Virgem, com maior razão cumpre fazê-lo em vistas à nossa perseverança final. Conforme a súplica que repetimos amiúde na Ave-Maria, peçamos a Ela interceda por nós, pobres pecadores, na hora de nossa morte, e nos conceda a graça de sermos fiéis no último momento de nossa existência. Ninguém sabe como são as batalhas interiores, as tentações derradeiras que afligem uma alma prestes a se separar do corpo. Nesta ocasião, nada pode nos valer mais do que o socorro da Mãe de misericórdia, a razão de nossa perseverança em meio aos graves perigos espirituais que corremos. E ela o é, sobretudo, no último.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 16/2/1971)

Arautos e escravos de Maria

Saudando um grupo de jovens que se haviam consagrado à Santíssima Virgem como escravos de amor, segundo o método de São Luís Maria Grignion de Montfort, Dr. Plinio, chamando-os de “arautos de Nossa Senhora”, os incentiva a ir por toda a Terra, cheios de confiança, proclamar as grandezas da Rainha do Universo.

 

Caríssimos arautos de Nossa Senhora! Vós sabeis, sem dúvida, que os arautos eram aqueles que os reis antigos mandavam a todos os lugares para proclamarem as suas ordens. Naqueles tempos não havia imprensa, nem rádio, nem televisão, e os monarcas, para comunicarem suas ordens, precisavam enviar homens especializados para isso.

Símbolo, porta-voz e transmissor das ordens do rei

Esses homens chegavam aos lugares principais das cidades, montando corcéis fogosos, trajando um hábito especial, e às vezes tocavam algum instrumento para avisar à cidadezinha adormecida que eles lá estavam. Todo mundo deixava as suas ocupações, a rotina tranquila e um pouco sonolenta da vida de todos os dias, para ouvir as ordens e as novidades que o arauto transmitiria.

Ele traria notícias de guerra ou de paz? Viria anunciando um nascimento ou uma morte na família real? Comunicaria um decreto lançado pelo rei, uma anistia ou uma condenação feita por um tribunal em nome do monarca?

Sem dúvida, ele vinha transmitir as vontades do rei, e por isso o arauto era objeto de grande respeito por toda parte por onde passava. Ele era o porta-voz do monarca, que transmitia suas ordens, como que um embaixador e símbolo do rei. Então, símbolo, porta-voz e transmissor das ordens: esses eram os aspectos principais da função de arauto.

O nome “arautos de Nossa Senhora” não é um título qualquer. Nenhum homem sério usa uma designação para dizer algo superficial, mas para significar alguma coisa que tenha sentido e importância. E se, há pouco, fostes chamados, a plenos pulmões, “arautos!”, ou este termo tem uma aplicação ao vosso caso, ou então as palavras não significam mais nada.

A preocupação do arauto não é a de evitar a morte, mas de cumprir sua missão

Ora, a verdade é a verdade, o bem é o bem, o belo é o belo, o erro é o erro, o mal é o mal, e a hediondez é a hediondez. Os campos estão separados e os arautos de Nossa Senhora vão pelo mundo afora para anunciar os direitos d’Ela, proclamar a vontade de Deus que se exprime através da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, da qual vós sois não porta-vozes, mas filhos, que conheceis, amais e venerais os ensinamentos dela, e por causa disso os difundis por toda parte por onde ides.

É lindo ser arauto, realmente! Mas eu vos pergunto o que é mais bonito: ser arauto durante o dia, na hora em que todo mundo está acordado, em que o arauto é cercado de homenagens; ou é ser arauto durante a noite?

Noite negra, espessa, cheia de nuvens, onde não brilham nem sequer as estrelas; tem-se a impressão de que a Lua deixou de existir, do Sol nem se fala, a natureza parece toda ela dominada pelas trevas. Numa circunstância assim, atravessando obscuridades cheias de ciladas, de perigos, de incertezas, galopa um homem com coragem: este homem é o arauto.

Se, por ventura, surgirem inimigos, ele tem uma espada bem temperada, um braço forte e, sobretudo, uma Fé fecunda, e combate! Se ele morrer, como no caso de Roland, aparece São Miguel para ajudá-lo a ir para o Céu. A preocupação dele não é a de não morrer, mas de cumprir sua missão.

O arauto chega ao seu destino; é noite, todo mundo está adormecido. Ele toca a sua corneta, faz soar o sino da igreja, mas a população não se levanta. Entretanto, ele campeia de tal maneira em grandes e heroicas cavalgadas pela cidade, que alguns acabam acordando: assoma-se a uma janela um velho de carapuça na cabeça para olhar o que está acontecendo lá fora; depois, acorda a mulher, os filhos…: “É o rei que mandou um arauto, vamos ouvir o que ele diz!” Dali a pouco todos vêm, e é proclamada a vontade do rei.

Em meio às trevas do campo, o arauto abandona a cidade rumo a outros lugares. Ele desperta, coliga, faz com que as vontades se ordenem para cumprimento dos desígnios do rei.

O arauto proclama a aurora do Reino de Maria

Eis vossa missão nesse mundo que se encontra na meia-noite do pecado, nessas trevas densas onde quase tudo é corrupção, imoralidade, terror. Vós percorrereis, como arautos, as ruas, as praças e os ambientes que vós frequentais, para dizer:

“Ouvi a grande nova! Os filhos de Nossa Senhora vão se multiplicando pelo mundo. Acabou-se a época em que apenas o vício tinha coragem de existir. Fugi trevas, o sol do Reino de Maria está começando a se levantar! Por toda parte Maria Santíssima está suscitando seus filhos que A aclamam bem-aventurada! Esses filhos têm cânticos de Fé, de pureza, de coragem, de esperança e de alegria. Chegou a hora em que eles se multiplicam pelo mundo, e tu, impiedade maldita, prepara-te para fugir!”

Esta é a razão de serdes arautos de Nossa Senhora. E para que transmitais bem o pensamento d’Ela, as pulsações de seu Coração materno e imaculado — ordenado, nos dizem as Escrituras, “como um exército em ordem de batalha”1 —; para este efeito vós, bem unidos a Ela, acabais de vos consagrar como escravos de amor à Sabedoria Eterna e Encarnada, pelas mãos de Maria.

Ir para a frente, lutando contra o inimigo externo e o interno.

O que quer dizer “escravos de amor”? São aqueles que não se fizeram escravos por medo, por imposição, mas livremente; consideraram o que a Igreja ensina a respeito da Santíssima Virgem e, ajoelhados diante de uma imagem d’Ela, disseram:

“Minha Mãe, Vós sois tão admirável, medianeira tão certa, tão direta e tão necessária por vontade de Deus, junto a Nosso Senhor Jesus Cristo, que eu dobro os meus joelhos. E, por ser batizado, já estou consagrado a vosso Divino Filho, mas ratifico hoje, em vossas mãos, esta consagração. Ficai com tudo quanto é meu, minha Mãe, tomai conta de minha inteligência, de minha vontade, de minha sensibilidade, para que minha inteligência, robustecida e esclarecida nas vias da Fé, creia em Vós com toda a força; minha vontade, que concorre para o ato de Fé, seja firme e decidida; para que, nos momentos de dificuldades, eu tenha força e vá para a frente, quer seja diante do inimigo externo que caçoa de minha pureza e de minha Fé, ao qual enfrento com serenidade, quer seja o inimigo interno — muitas vezes mais perigoso — e que me oferece os seus presentes imundos.”

A verdadeira vida é viver e morrer por Nossa Senhora, para que Ela tome nosso ser e o santifique, dando-lhe dons, glórias e graças que por si mesmo jamais teria, e o apresente a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Metáfora da maçã na bandeja de ouro

São Luís Grignion de Montfort nos propõe a famosa metáfora da bandeja de ouro e da maçã. Na Europa, a maçã é uma das frutas mais comuns. Este santo imagina, então, um pobre que não tem outra coisa para oferecer ao rei a não ser uma maçã, e não tem coragem de oferecê-la diretamente ao soberano, porque vê que ela não vale nada. Então, procura a mãe do rei e lhe diz:

“Senhora, por favor, eu não ouso me apresentar a ele, mas apresentai vós este pobre presentinho meu: é uma maçã, minha mãe!”

O Rei é Deus, glorioso, três vezes Santo; é Nosso Senhor Jesus Cristo, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnada; e a Mãe é a Virgem Maria que, com pena, manda um Anjo trazer uma salva de ouro, na qual põe a maçã e, irradiando as virtudes que em grau tão excelso só Ela possui, se dirige ao seu Divino Filho e diz:

“Meu Filho, é uma maçã; é tão pouco, e Vós tendes tanto mais. Mas, neste momento, quero Vos oferecer isso.”

Por ter vindo pelas mãos de sua Mãe Santíssima, na salva de ouro que são os méritos d’Ela, o Rei no Universo recebe a maçã comprazido, como se fosse um fruto do Paraíso.

Assim são as nossas orações. O que elas valem? Contudo, ao pedirmos a Nossa Senhora que as apresente a seu Divino Filho, Ela Lhe dirá: “Meu Filho, essa oração é tão pouco, mas aquele que a ofereceu Eu o quero como a um filho. Fazei de conta que é um grande dom”.

E Jesus responde:

“É um grande dom, pois veio por vossas mãos, minha Mãe!”

Portanto, confiai sempre! Por menor que sejam os dons que tenhais a oferecer a Nossa Senhora, oferecei-os. Mais ainda — serei arrojado no que vou dizer —, se pecardes, não ofereçais o vosso pecado, pois é um fruto do Inferno, mas dizei: “Minha Mãe, dai-me arrependimento, por favor! Um arrependimento como teve São Pedro, que chorou a vida inteira por ter renegado a Nosso Senhor três vezes. Minha Mãe, dai-me arrependimento, e a primeira lágrima que eu chore, peço-Vos, ponde na salva de ouro e ofertai a Ele!” Ela o fará certamente.

Essas palavras conduzem à confiança, à alegria e à luta pela virtude. Confiança, alegria e luta são os estados de alma que eu vos desejo neste grande dia. Arautos, ide e proclamai por toda a Terra Nossa Senhora, Rainha do Universo!

O boletim do Colégio São Luís

Acabo de falar em confiança. Eu sei de um menino que era aluno do Colégio São Luís, e que fez uma falsificação de um boletim. Esse menino, tão longe de ser menino hoje, vos está falando neste momento. No colégio, davam-se duas notas para cada matéria: aproveitamento e comportamento.

Minha mãe costumava dizer-me, para me formar, e eu tomava muito a sério: “Eu não faço tanta questão de nota de aproveitamento. Se você não aproveitou as aulas — os professores são dos melhores de São Paulo —, é porque você é burro, e ninguém tem culpa de ser burro; seria como se eu tivesse um filho doente; não há culpa em ser doente. Se você fosse burro, eu teria pena, olharia para você e diria: ‘Pobre Plinio, é burro!’ Mas eu tocaria a vida com o Plinio burro. Agora, nota baixa em comportamento, não! Porque significaria que você é ruim, e isso eu não tolero; ruim não pode ser”.

E quando distribuíram meu boletim no colégio, veio com boas notas de aproveitamento. Depois, em comportamento, 10 em todas as matérias — era a nota máxima —, mas em Geografia, seis. Tratava-se de um professor com quem eu não simpatizava muito, meio caprichoso, e eu sabia não merecer aquela nota, porque era um aluno bem comportado. Então pensei:

“É, aquele homem, que me olha atravessado, não gosta de mim e percebeu que eu também não gosto dele, e me bateu esse seis na cabeça. E agora, como vou me arranjar? A minha mãe vai ficar indignada comigo e eu não tenho culpa!” Não tive dúvida, peguei a minha caneta e escrevi por cima, 10.

Vendo o que havia feito, refleti: “Minha mãe não vai acreditar nisso, eu fiz uma bobagem. Ela vai ver o que estava escrito embaixo e será pior”. Eu tinha uns dez ou onze anos. Estava chovendo e ocorreu-me, então, a seguinte ideia: “Já sei o que fazer: vou levar este boletim na chuva e deixar cair água em cima deste infortunado 10; assim borra tudo isso, o que eu escrevi e o que estava embaixo. Quando ela me perguntar, vou dizer que abri a minha caderneta na chuva e que a página se encheu de água.”

Então fui para a chuva e abri o boletim. Mas não havia meio de cair uma gota d’água na referida nota. Afinal, caiu uma gota, mas fez um riacho ali, e ficou uma coisa indescritível!

Indignação de Dona Lucilia

Dona Lucilia sabia que era o dia da distribuição de boletins. Cheguei a casa procurando disfarçar, distraí-la para ela não pedir o meu boletim. Mas foi em vão…

— Plinio, onde está o boletim? — perguntou-me.

— Está aqui — respondi.

Ela o abriu, olhou e exclamou:

— O que é isto?!

Não ousei chamá-la de “meu bem”, como de costume, e contei-lhe a verdade.

Ela me disse:

— Pelo que me conta, você é um estelionatário!

Estelionatário é quem falsifica documentos, mas a palavra me pareceu uma chicotada no ar. Pensei: “Estelionatário, que crime horrível, com nome tão pesado! Amanhã eu entro no São Luís e os meus colegas vão apontar: ‘Aqui está o estelionatário’, e se afastam todos de mim”.

Mamãe acrescentou:

— Fique sabendo que, na segunda-feira, vou mandar seu pai ao Colégio São Luís para verificar qual foi a sua nota. Se você realmente mereceu esse seis, você vai para o Colégio Caraça, em Minas Gerais.

O Colégio Caraça era um excelente colégio, mas tinha em São Paulo uma fama, completamente injusta, de ser um estabelecimento de ensino severíssimo, uma espécie de penitenciária para meninos. Eu fiquei horrorizado. Imaginem: Caraça… E, depois, longe de mamãe!

”Salve Rainha, Mãe de misericórdia…”

Eu estava assim, nessa angústia, quando chegou o domingo e fui à Igreja do Coração de Jesus, onde eu costumava assistir à Missa. Comecei a rezar e, de repente, meu olhar fixou-se na imagem de Nossa Senhora Auxiliadora. Vendo-a tão nobre, tão afável, tão amável, vieram-me aos lábios as palavras “Salve Rainha”. Salve, em latim, quer dizer “eu te saúdo”, mas eu tinha a impressão de que significava “salvar”, “agarrar-me”. E pensei:

“Aqui está o que eu preciso! Salve Rainha, Mãe de misericórdia… Mãe, e Mãe de misericórdia, que coisa boa, hein! Mamãe é tão boa, mas Nossa Senhora é incomparavelmente melhor do que mamãe. Ah! vou arranjar esse caso com Ela.” Rezei a Salve Rainha inteira, várias vezes.

Não tive uma visão nem revelação, mas ficou-me a impressão de que a imagem me olhava e dizia: “Olhe, eu arranjo isso, meu filho”.

No dia seguinte, meu pai foi falar com o reitor do colégio que, depois de averiguar a nota nos registros, afirmou:

“Isso foi uma criancice sem nome do Plinio! Ele tinha a nota 10, porém o funcionário que copia as notas errou e escreveu seis. Se seu filho dissesse que se julgava objeto de uma injustiça, eu teria mandado verificar e eu mesmo poria a nota certa no boletim dele.”

Meu pai contou isso à minha mãe, que me disse:

“Está bem desta vez. Mas nunca mais repita isso, senão, da próxima vez… Caraça.”

Pensei, aliviado: “Nossa Senhora me ajude para eu não fazer uma outra bobagem desse gênero.”

Encerremos, portanto, nossa reunião, rezando a Salve Rainha.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 10/10/1987)

Revista Dr Plinio 188 (Novembro de 2013)

1) Ct 6, 10.

 

Cristandade, o verdadeiro reinado de Cristo

Percorrendo a vossa cidade, e examinando os vossos monumentos sagrados, até encontrei um altar com esta inscrição: Ao Deus desconhecido. Pois bem! O que venerais sem conhecer é que eu vos anuncio” (Atos 17, 22). Isto disse São Paulo no Areópago de Atenas, há mais de dois mil anos.

Os atenienses nem sequer conheciam a Deus, porém o adoravam. Por quê? “Anima humana, naturaliter christiana”, já dizia Tertuliano.

Se a alma humana é naturalmente cristã, seu autêntico gáudio está onde Cristo verdadeiramente se encontra, ou seja, na Igreja Católica. Constituída por membros vivos que compõem o Corpo Místico de Cristo, a Igreja transmite aos fiéis a própria imagem do Salvador.

Nas seguintes considerações, Dr. Plinio nos apresenta a intrínseca ligação que há entre a Igreja e a Cristandade:

“Lendo a História Sagrada explicitei que Nosso Senhor Jesus Cristo era a própria perfeição, e que as coisas só deveriam ser amadas na medida em que se parecessem com Ele.

“Era preciso ser conforme a Ele, e, portanto, conforme a Igreja instituída por Ele. E, por causa disso, era necessário amar as pessoas que tinham o espírito religioso, bom, verdadeiro.

“Em certo momento, pela natural maturação do espírito humano, dei-me conta de que havia nações, veios, correntes de opinião mais católicos e menos católicos. E que a esse mundo formado segundo a Religião Católica, se dava o nome de Cristandade.

“O nome me pareceu, no seu próprio som, augusto e majestoso, deleitável no mais alto ponto. Cristandade, mas que expressão bonita! Como é que uma simples palavra podia ter tanta majestade, tanta doçura? Cristandade!

“O que é a Cristandade? É, afinal de contas, a ordem de Cristo, quer dizer, a boa ordenação das coisas segundo Jesus Cristo, no Reino de Cristo.

“O que é o Reino de Cristo?

“É o conjunto das nações, que forma uma família em torno da Igreja e que vive na paz de Cristo, sob o Reino de Cristo; essa é a Cristandade.

“A Cristandade é a família das nações que vivem no Reino de Cristo. Esse conjunto de nações, como a nação é uma realidade temporal, existe nesse mundo, mas não existirá no outro mundo. No Céu não haverá nações, elas todas se dissolvem na realidade celeste.

“Qual é a relação entre a Cristandade e a Igreja? A Igreja é a alma da Cristandade. Não é possível que uma nação pertença à Cristandade sem pertencer à Igreja. A nação que se afastar parcialmente da Igreja será um membro doente da Cristandade. A Igreja é a sociedade de todos os indivíduos que acreditam na verdadeira Fé, estão sob a autoridade dos legítimos pastores e vivem segundo a Lei de Deus.

“Os homens que constituem a Igreja, vistos no plano terreno, constituem a Cristandade.

“Poderíamos dizer que — todo exemplo claudica — Igreja sem Cristandade é como uma alma sem corpo; mas a Cristandade sem a Igreja é como um corpo sem alma. Quer dizer, a Igreja faz mais falta à Cristandade do que a Cristandade faz falta à Igreja. Porque uma alma sem corpo vive; um corpo sem alma é um cadáver, apodrece.”

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 8/8/1983)

O SANTO ROSÁRIO: inapreciável tesouro de graças

Como uma doce melodia que, superando a agressiva cacofonia hodierna, chama todos a se voltarem com confiança para a Mãe de Deus, assim ressoou nos corações católicos a Carta Apostólica “O  Rosário da Virgem Maria”, na qual o Papa João Paulo II proclama o “Ano do Rosário”  e acrescenta-lhe os “Mistérios Luminosos”. Desejosos de fazer eco à voz do Sumo Pontífice, oferecemos a nossos  leitores alguns comentários de Dr. Plinio sobre essa devoção.

 

Sempre me foi motivo de sumo agrado tratar das excelências do santo Rosário, na medida em que para isso auxiliem minha adesão a essa insigne prática, além das recordações que conservo dos fatos históricos que a concernem. Nelas me apoio, portanto, para traçar aqui mais algumas considerações sobre essa devoção de inestimável valor para a piedade católica.

A revelação a São Domingos

Como se sabe, o Rosário foi revelado por Nossa Senhora a São Domingos de Gusmão, o grande fundador da Ordem Dominicana, numa época em que a Cristandade se via ameaçada pelo alastramento da heresia albigense por quase toda a Europa. Para detê-la, Deus suscitou aquele santo varão, que se empenhou de modo ardorosíssimo na conversão dos hereges, cujo foco de proselitismo se assentava na cidade de Albi, no sul da França.

Depois de muitos e baldados esforços, São Domingos se recolheu e passou três dias jejuando e rezando continuamente, a fim de obter do Céu o socorro de que tanto necessitava. Porém, como último resultado de preces tão fervorosas, não obteve senão o minguamento de suas forças. Ele, vigoroso, pugnaz e piedoso, acabou desfalecido.

E é tocante imaginá-lo nessa hora de esmorecimento, em que ele se volta a Nossa Senhora, e Lhe dirige uma derradeira súplica: “Minha Mãe, não tenho mais forças, mas em Vós eu confio. E continuo a rezar, a rezar e a rezar, enquanto meus lábios puderem articular alguma palavra. Vós sabereis o que fazer de minhas pobres orações”.

Depois de uma tão longa espera, diante de uma impetração tão meritória, o Céu afinal se manifestou. A Santíssima Virgem aparece e revela a São Domingos a devoção do Rosário, a suprema arma com a qual ele venceria a heresia. Mais ainda, entrega-lhe a prática piedosa que prolongaria por séculos a duração da Civilização Cristã, além e incutir alento a uma das maiores ordens religiosas da Igreja, em cujo seio floresceria São Tomás de Aquino e tantos outros heróis da Fé.

Torrentes de graças sobre a Igreja

E como se não bastassem esses benefícios, a recitação do Rosário se dilatou de tal maneira que, durante muito tempo, identificou-se com a piedade católica: uma e outra eram a mesma coisa. Fosse nos atos cotidianos da vida espiritual, fosse nas festas e celebrações de maior significado,  o Rosário — ou o terço — sempre esteve presente como expressão do fervor das almas devotas. São Domingos recebeu da Rainha do Céu este mesmo Rosário cuja forma hoje conhecemos: começando pelo Crucifixo, que devemos oscular pedindo à Mãe de Deus que seja nossa intermediária e apresente a seu Filho nossas orações; em seguida, um Padre-Nosso, três Ave-Maria, um Glória, e depois as cinco dezenas em que meditamos nos principais Mistérios da vida de Jesus e de Maria Santíssima — Gozosos, Dolorosos e Gloriosos.

É simplesmente incalculável a torrente de graças que se efundiu sobre a Igreja Católica com a prática de recitar assim o Rosário, de onde o número também imenso de papas e autoridades  eclesiásticas elogiando essa devoção. Louvores estes coroados pelas diversas aparições de Nossa Senhora, nas quais Ela se apresenta com o Rosário em suas mãos virginais, especialmente nas visões de Fátima, em Portugal, quando recomendou aos homens, com tocante insistência, a recitação diária do terço. Além disso, a Igreja enriqueceu o Rosário com muitos privilégios e indulgências, inclusive plenárias, de maneira a fazer dele um verdadeiro tesouros de bênçãos inapreciáveis.

A beleza material e simbólica do Rosário

Entretanto, a meu ver a beleza do Rosário não se restringe apenas a essas excelências de ordem espiritual que ele proporciona às almas. A sua maravilhosa eficácia impetratória, o quanto ele é  agradável a Deus e a Nossa Senhora, externam-se também na forma material do terço, cercada de imponderáveis que nos fazem sentir a pulcritude dessa devoção, e com algo de bonito e de  indizível que me parece superiormente adequado e insubstituível.

Recordo-me de quando eu era ainda aluno no Colégio São Luís, no início da década de 20, e percebi que começavam a difundir um tipo novo de terço, “mais discreto”, como pretendiam seus idealizadores. Tratava-se de um objeto parecido com certas máquinas calculadoras de então, com duas fileiras de contas superpostas, umas maiores em que se rezavam as Ave-Maria e Padre-Nosso, e outras menores que marcavam os Mistérios meditados.

Era um objeto pequeno, para tomar o mínimo de espaço no bolso e se fazer ver o menos possível pelos outros.  Tinha tudo a seu favor: prático, barato, portátil e “escondível” (o que representava uma grande vantagem para os católicos com respeito humano). Não vingou…Nada podia substituir o velho Rosário, o maravilhoso Rosário de sempre, nas suas mais variadas modalidades!

Rosários pequenos, rosários graciosos, elegantes, delicados, para crianças de trato. Rosários modestos, rosários de operários, de trabalhadores manuais, pesadões e rústicos como é tantas vezes o trabalho manual, mas rosários fortes, dedilhados por mãos fortes que vão por cima daquelas contas. Rosário sério, rosário varonil, de guerreiro. Rosários de princesas, de rainhas, lavorados como verdadeiras jóias, assim como os rosários preciosos que pendem das mãos das imagens de Nossa Senhora.

Quantas formas de Rosário! Algumas falam de graça, de charme, fazem-nos ver algo da suavidade e da bondade régias de Maria. Outras nos fazem vê-La como protetora das crianças; outras, enquanto auxiliadora do homem pobre e trabalhador como foi o principesco esposo d’Ela, São José, descendente de David e carpinteiro. Outras, ainda, nos falam da piedade do varão guerreiro, do  batalhador pelos ideais católicos, como foi o próprio São Domingos, enfrentando e vencendo com o Rosário a heresia albigense.

Aliás, esse atributo do Rosário como verdadeira arma do católico toda a vida me atraiu de maneira muito particular, razão pela qual sempre me pareceu que o terço ao lado de uma espada formava um conjunto de extrema beleza.

Estando uma vez em Buenos Aires, fui convidado à casa de um senhor que possuía uma das mais lindas coleções particulares de armas que tenho visto. Dispostas primorosamente em vitrines e  estantes, eram de todos os tipos, sobretudo diversas formas de espadas e gládios. Ao contemplá-las me ocorreu  este pensamento: “Se eu tivesse liberdade com este homem, recomendar-lhe-ia que  constituísse uma coleção de rosários tão rica quanto esta de espadas. E que a cada dia, no centro desta sala, sobre uma bonita mesa coberta de um forro prestigioso, ele renovasse a espada e o rosário em honra de uma imagem de Nossa Senhora que presidiria a coleção inteira”. Creio que o seu museu particular tomaria outra vida e outra riqueza, de tal modo o rosário e a espada se  conjugam bem.

Nunca nos separemos do Rosário

E não será mesmo demasiado insistir nesta verdade: o Rosário é, para o católico, uma magnífica arma de guerra, dessa guerra mais importante e superior que é a batalha espiritual presente na vida de todo homem. Essa guerra que travamos diariamente contra as tentações e as ciladas do demônio que procura perder nossas almas. Dessa guerra, portanto, em que lutamos para resistir às investidos do inimigo de nossa salvação, para expulsá-lo, para vencê-lo, e para deixar nossos corações dispostos a receberem as graças de Deus.

Como já tive ocasião de comentar, o demônio tem ódio e horror ao Rosário, pois se este o põe em fuga é porque vem a ser um elo poderosíssimo que liga o homem a Nossa Senhora. E, portanto, se alguém se sente tentado, lembre- se de pegar logo o seu terço, e de pegá-lo fisicamente. Melhor e mais recomendável: nunca, nunca, nunca nos separemos dele. De tal maneira que o tragamos conosco quando dormimos, quando descansamos; quando estivermos lendo ou fazendo toda e qualquer coisa, que o Rosário esteja sempre junto a nós. Mais ainda: durante o sono da noite, procuremos ter o Rosário nas mãos. E se recearmos que ele caia — e ele deve ser tratado com muita reverência — penduremo-lo ao pescoço ou no braço, ou arranjemos um outro modo de o conservar ligado ao nosso corpo. Jamais larguemos o Rosário. É mesmo um conselho que se diria supérfluo para os autênticos devotos de Nossa Senhora.

E quando nossas mãos não puderem mais nem se abrir nem se fechar, mas forem fechadas por outros para a nossa última atitude de oração, que o Rosário esteja enleado no meio de nossos dedos. De maneira que, chegado o momento da grandiosa ressurreição dos mortos, e dentro do caixão em que fomos sepultados o nosso corpo recobrar vida, entre nossos dedos revivificados esteja o santo Rosário. Assim, com este anseio e esta esperança, concluo: eu quisera que, no augusto momento em que todos os católicos forem chamados à ressurreição, e eu também ressurgir, o meu primeiro ósculo fosse dado ao Rosário que eu encontrasse cingido às minhas mãos…

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Como jóia no seu escrínio…

A Festa da Apresentação de Nossa Senhora no Templo, que transcorre no dia 21 deste mês, foi instituída ao ser consagrada a igreja de Santa Maria a Nova, em Jerusalém, no ano 543. Assim, a liturgia confirmava como fato histórico o que se lê no texto apócrifo conhecido como Protoevangelho de Tiago: a Santíssima Virgem foi levada pelos seus pais, São Joaquim e Sant’Ana, ao Templo de Jerusalém, com tenra idade, para viver uma vida de recolhimento e oração nesse sagrado lugar.

Para Dr. Plinio, o momento do ingresso da santa Menina no Templo provavelmente foi o mais belo espetáculo até então contemplado pelos Anjos do Céu. E ao comentar uma passagem de São Francisco de Sales a esse propósito, acrescentava:

“Não sei se São Joaquim e Sant’Ana tinham plena noção de que Nossa Senhora estava destinada a ser a Mãe do Verbo Encarnado. Porém, certamente sabiam que sua filha fora escolhida por Deus para altíssimas coisas com vistas ao advento do Messias.  É-nos dado supor, aliás, que essa menina,  concebida sem pecado original e, portanto, sem as limitações inerentes a este, sem deixar as atitudes próprias de uma criança, possuía em sua alma um dom de contemplação maior que o dos maiores santos da Igreja.

“Quer dizer, n’Ela se harmonizavam a extrema afabilidade e meiguice da criança com uma grandeza da qual os homens mais excelentes da Terra não são senão minúscula figura. Esse terá sido o desejo de Nossa Senhora, em que sendo Ela a Rainha incomparável do universo, aparecesse aos olhos de todos como uma simples menina. Contraste de beleza insondável, diante do qual permanecemos emudecidos de admiração!

Pois foi essa maravilhosa menina que seus pais levaram ao Templo. Segundo São Francisco de Sales, durante essas peregrinações à Cidade Santa, os judeus iam pelas estradas entoando cânticos, de modo particular os salmos compostos por David para essa finalidade. Podemos imaginar as lindas cenas que tais romarias proporcionavam: chegado o mês da visita ao Templo, judeus das mais variadas regiões se punham a palmilhar os caminhos de Israel, envolvendo-os com seus cantos religiosos.

“Entre eles, certa feita, encontravam-se São Joaquim, Sant’Ana e Nossa Senhora. Imaginemos, então, se pudermos, o cântico da Menina, elevado com uma voz inefável, repetindo as palavras que seu régio ancestral escrevera por inspiração do Espírito Santo para aquela circunstância!

“Pensemos em Maria cantando pelas estradas judaicas, e os anjos acompanhando seus passos e seu cântico, extasiando-se eles, sobretudo, com as harmonias de alma que a pequena Virgem manifestava a cada instante.

“Ainda segundo São Francisco de Sales, do alto dos terraços da Jerusalém Celeste, os querubins e os serafins, e toda a corte angélica, debruçavam-se para contemplar Nossa Senhora a caminho de Jerusalém, e esse espetáculo, ignorado pelos homens, incutia-lhes um gáudio inexprimível.

“De fato, cena mais bela e mais eloquente do que essa, só poderia ser aquela em que esses mesmos anjos viriam Nossa Senhora ingressar no Templo, como a rainha que toma posse daquilo que lhe é próprio; como a joia que se instala no escrínio onde deve ser guardada…”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 21/11/1965)