Os Céus se alegram, os Infernos estremecem

Há um hino a Nossa Senhora do qual gosto muito, cujas estrofes afirmam:
“Se tu queres o Céu, ó alma, invoca o nome de Maria.
“Aos que invocam Maria, as portas do Céu se abrem.
“Pelo nome de Maria os Céus se alegram, os Infernos estremecem.
“O Céu, a Terra e os mares, o mundo inteiro se rejubila.
“Fogem as culpas e as trevas, as dores da doença e as úlceras.
“Aos vencidos se desatam os pés, e para os navegantes as águas se tornam mansas.
“Glória a Maria, Filha do Pai, Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, Esposa do Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos. Amém.”
É muito bonitinho, tem muita candura. Ao dizer isto, não o dissocio de Nossa Senhora altíssima, puríssima, reinando no Céu e, por causa disso, exercendo sobre a Terra essa ação benfazeja, mas enorme! Não há mares, não há trevas, não há coisas que Ela não domine, em razão de ser tão boa e estar tão alto.

 

Plinio Corrêa de Oliveira(Extraído de conferência de 6/7/1985)
Revista Dr Plinio 234 (Setembro de 2017)

Pedindo a união com Nossa Senhora e seus Anjos durante a luta

Ó Mãe Santíssima, são tão poucos os que perseveram na luta por Vós, pela Santa Igreja, pela Cristandade! Bem compreendemos que, sem o especialíssimo auxílio vosso, seria impossível alcançarmos qualquer vitória para vossa Causa.

Mandai vossos Santos Anjos para que lutem contra os vossos inimigos. Que cada um de nós seja tão receptivo à ação dos Anjos e à vossa, gloriosíssima Rainha, que nossos golpes contra vossos adversários tenham a força que teriam se fossem de vossos Anjos, ou até mesmo vossos.

Assim, vendo-nos humildes, desapegados, infatigáveis, intrépidos, arrojados na luta, os vossos inimigos humanos e infernais compreendam que pertencemos à raça da Virgem, à grei santa que sob vossas ordens exterminará a Revolução, levará à vitória a Contra-Revolução e implantará o vosso Reino. Não por força nossa, mas porque tudo podem aqueles a quem dais intrépido vigor.

Plinio Corrêa de Oliveira (Composta em 1977)

Revista Dr Plinio 258 (Setembro de 2019)

Moisés, prefigura do Redentor

Profeta, legislador e autor inspirado, Moisés surge como uma das maiores figuras do Antigo Testamento e extraordinário símbolo do futuro Messias, ao lado do qual apareceria no Monte Tabor, no dia da Transfiguração de Jesus. Um belo artigo do escritor e jornalista católico André Frossard (1915-1995), sobre Moisés, oferece a Dr. Plinio o ensejo de comentar significativas passagens da vida desse grande líder do Povo Eleito.

A revista francesa Historia publicou um artigo intitulado “Moisés”, de autoria de André Frossard, do qual selecionamos alguns trechos para lermos e comentá-los.

Tragédias e doçuras

Moisés, talvez o maior homem que tenha existido, pois Jesus Cristo é Deus.

Essa entrada, simplesmente magnífica, tem aquela síntese que caracteriza o espírito francês.

Sua vida pública iniciada aos 80 anos, se desenrola sob um céu tempestuoso, apenas iluminado de quando em quando pelo interlúdio pastoral de uma doçura sem amanhã.

Quer dizer, sua existência foi de tragédias, com alguns episódios dulcíssimos, mas logo depois seguidos por outras catástrofes. Após sua morte, que foi uma verdadeira beleza, houve sua glorificação. Pode-se dizer que caíram mil homens à esquerda e dez mil à direita dele (cf. Sl 90, 7).

Ele fez de Israel um povo, (…) uma religião em marcha, perfilado ao redor de sua lei, como um exército em torno de sua bandeira.

Como está bem expressa a obra de Moisés! Os judeus que viviam no Egito eram um mundaréu de escravos, sem direitos, sem constituição, formavam apenas um segmento racial, um magma étnico que ele transformou em povo e numa religião em marcha. Porque esta, realmente, adquiriu outra consistência, amplitude, outro porte ao longo dos 40 anos de peregrinação no deserto, que parecem inúteis. Porém, no decurso dessas quatro décadas eles se prepararam para ocupar a terra prometida.

Tiveram de percorrer um “rio chinês” para alcançar o objetivo. E, com uma síntese toda francesa, esse escritor expõe logo no início o que aconteceu. Quer dizer, durante essa prolongada espera eles se transformaram num povo e depois numa religião em movimento, “perfilado ao redor de sua lei como um exército em torno de sua bandeira”. Quando entraram em Israel, já estavam completamente estruturados para se tornar a grande nação que foram depois.

Vê-se, portanto, como o “rio chinês”, transitado pelos israelitas durante 40 anos, foi fecundo, e uma condição para chegarem à terra prometida. O que se aplica ao nosso movimento, pois também para nós o “rio chinês” é muito formativo. Um dia meus ouvintes o compreenderão melhor do que hoje.

Uma eloqüência que encheu o Antigo Testamento

A eloquência prodigiosa desse gago encheu o Antigo Testamento de sua sonoridade de bronze cujo estrondo wagneriano rola eternamente suas vagas possantes sob os céus pacíficos do Evangelho.

É fenomenal e dispensa qualquer comentário. Moisés de fato era gago, mas um gago de grande eloqüência!

Ele nasceu sob o signo da primeira perseguição anti semítica registrada na História, numa data que se hesita em fixar entre os séculos XV e XII antes da era cristã. Roma não era senão um débil ondulado de colinas desertas à beira do Tibre, e a Acrópole, um terraço desnudo, uma espécie de escabelo avançado junto ao mar, para uma representação de gênio que ainda não começara. A civilização seguia dois rios — o Nilo, o Eufrates — e começava a enxertar alguns frutos promissores numa ilha do Mediterrâneo, Creta, plataforma inicial das artes, das leis e das técnicas do mundo ocidental.

O Egito oferecia então  o modelo acabado dessas sociedades antigas, onde  se encontravam harmoniosamente combinadas, para a frágil felicidade de uma elite, uma alta inteligência religiosa curvada  para a magia, o mais extremado refinamento dos  sentidos e a mais refulgente dureza de costumes políticos. (…) Os judeus tinham sido atraídos um após outro para o Egito pela esperança segura que lhes dava o poder de José, filho de Jacó e Raquel, o qual se tornara, pela lucidez de seu gênio, o primeiro-ministro do reino. Receberam boas terras no país de Gessen, entre o delta do Nilo e os Lagos Amargos, onde atualmente passa o Canal de Suez. Em algumas gerações o país foi inundado por esses protegidos de José, multiplicados pela felicidade, até o dia — diz a Escritura — em que subiu ao trono egípcio um “rei que não conhecera José”…

Essas expressões da Bíblia Sagrada têm beleza poética característica. É o Espírito Santo que fala. “Um rei que não conhecera José”, quer dizer, se o tivesse conhecido, tal era José,
que a perseguição aos judeus seria impossível. Não se poderia lhe fazer maior elogio do que esse: “Não conheceu José”.

Mas, aqui não se trata de talento nem de gênio; é a inspiração. O tema sobe para outros páramos.

Cauteloso e esperto

…e que começou a lançar um olhar descontente sobre essa população exótica, cuja massa crescente ameaçava pouco a pouco o recenseamento. Então se iniciaram as desditas de Israel. (…) Um povo, outrora feliz, olha estupefato seus pulsos acorrentados; e, em milhares de peitos descarnados pelas galés, forma-se e sobe o soluço do exílio.

Portanto, devido aos maus tratos que passaram a receber, os judeus percebem que estão desterrados. Uma realidade descrita de modo extraordinário: “forma-se e sobe o soluço do exílio”.

Israel, extenuado em sua miséria, recebe a ordem oficial: todos os meninos recém-nascidos deverão ser lançados ao rio. Moisés é um deles. (…)

O destino de Israel flutuava sobre as águas, protegido da corrente por um fraco leque de caules. À pequena distância, a irmã da criança espreitava, e a própria mãe, um pouco mais longe, temerosa de denunciar o filho com sua presença, mas incapaz de se resignar a perdê-lo de vista, esperava um milagre. Foi então que apareceu a filha do Faraó, a qual viera banhar-se, seguida de suas servas. Tendo se aproximado do rio, ela percebeu a caixa entre os caniços, mandou que lha trouxessem, ergueu vivamente a leve cobertura do junco e descobriu, sobre um leito de folhas, um bebê que chorava. (…) Desde logo a filha do Faraó tratou o menino como um filho e lhe deu o nome de Moisés, “porque o tirei das águas”, dizia ela. O nome de Moisés é, com efeito, composto de “moj”, que significa água, e do final “esés”, salvo. (…)

Educado pelos melhores mestres, filho adotivo da princesa tornou-se um personagem muito importante, até o dia em que o espírito de justiça, que a convivência com os grandes deste mundo não pudera afastar de seu coração predestinado, o fez arriscar sem hesitação e perder de um só golpe, todas as honras e benefícios da proteção real.

Vendo um dia um egípcio maltratar um desses hebreus, seus irmãos, cujos sofrimentos lhe haviam sido ocultados até então, Moisés esperou ficar a sós com o que torturava, matou-o e enterrou-o na areia. Não havia ninguém nos arredores, e ele acreditou estar seguro de sua impunidade. Mas, no dia seguinte, iria medir a extensão de seu erro. Dois hebreus iniciaram uma discussão diante dele. Procurando separá-los, o mais agressivo dos dois gritou-lhe: “Quem te fez juiz? Terás, por acaso, intenção de me assassinar como o fizeste com o egípcio?”

Assustado e não duvidando de que o Faraó logo o buscasse para condená-lo à morte, Moisés fugiu para o país de Madian, do outro lado dos lagos, em algum lugar ao norte da península do Sinai.

Observem como Moisés era cauteloso. Hoje, dir-se-ia medroso. Na realidade, ele era esperto. Quer dizer, vendo que seu crime foi proclamado por um, pensou: “O Faraó me apanha!”. E imediatamente fugiu para longe, para um lugar seguro. Os que amam a segurança não tenham vergonha, pois Moisés, um herói, sabia amá-la. Prenúncio e símbolo de Nosso Senhor Durante muitos anos, Moisés levará, nas terras de Madian, uma existência obscura, que tudo permite supor feliz e faz lembrar, pela humildade de sua condição e pelo véu de intimidade que a encobre, a vida oculta de Jesus na oficina de Nazaré.

A vida dos profetas que antecederam a Nosso Senhor, não só prenunciava, mas prefigurava a do Redentor.

Na vida de Jesus e na de Moisés, um longo período de silêncio preludia as tempestades da vida pública, ilustrada inúmeras vezes por prodígios inesperados. Jesus multiplica os pães, e os flocos de maná caem ante Moisés; este atravessa o Mar Vermelho a pé enxuto, e Jesus caminha sobre as águas. Ambos surgem no meio de um povo subjugado, ao qual eles mostram a trajetória de um reino da libertação. Ambos dão uma lei ao povo judeu, ambos se transfiguram no alto de uma montanha.

Mas as verdadeiras concordâncias místicas escapam à fraqueza de nosso olhar e o paralelismo histórico limita-se às imagens. O sacrifício pedido à mãe de Moisés, a Mãe de Cristo dele sentirá todo o horror sobre o rochedo do Calvário.

Quer dizer, Nossa Senhora teve de fazer por Jesus um sacrifício semelhante ao da mãe de Moisés: esta expôs seu filho ao perigo, junto às correntes do Nilo, e a Santíssima Virgem entregou o Redentor à morte.

Os milagres de Cristo manifestam sua divindade, os milagres de Moisés testemunham a onipotência de um Outro. A Lei do Sinai, destinada unicamente ao povo judeu, distingue-o das outras nações, separa-o e lhe imprime o selo de uma elevação coletiva; a lei do Evangelho se dirige a todos os homens através do povo judeu e dá a cada ser humano vindo a este mundo o poder extraordinário de participar da existência de Deus.

Para o cristão, a terra prometida é uma prefigura do reino dos Céus, e a grande caminhada sangrenta dos hebreus para Canaã — com sua refulgente orquestração de heroísmos, de cóleras, de apostasias fenomenais, de arrependimentos e de perdões incomensuráveis — anuncia esta lenta aproximação da alegria pelo sofrimento e pelo amor, que se chamará vida cristã.

É a constatação de que o trajeto de nosso “rio chinês”, como o da maioria dos católicos, é muito parecido com o dos judeus daquele tempo.

Moisés lançou as bases da Bíblia, formidável trabalho de embasamento sobre o qual repousa para sempre a continuidade dos textos sagrados. Jesus nada escreveu, mas quando o último profeta colocou seu último vitral na noite da espera, ele fez entrar sua luz no edifício.

A imagem é lindíssima. Depois de São João Batista ter posto o último vitral, raia o Sol da Justiça, que é Nosso Senhor Jesus Cristo!

Único profeta escolhido face a face por Deus

Foi no sul do país de Madian, no maciço do Sinai, que Deus se revelou pela primeira vez ao pastor Moisés, através do crepitar de uma sarça ardente, mas cujos ramos não se consumiam no ardor das chamas. Aproximando-se para ver esse prodígio, Moisés ouviu uma voz que o chamava do meio da sarça, como uma mãe chama seu filho: “Moisés! Moisés!”

Linda interpretação dessa voz. À primeira vista, ter-se-ia a impressão de que ela deveria incutir medo; porém, o escritor a interpreta como a voz da mãe que chama o filho: “Moisés! Moisés!”
O missionário resiste à sua vocação. Sua humildade apresenta ao Eterno toda uma série de argumentos, dos quais o mais tocante surge como um refrão: ele gagueja. Quem escutará um líder atingido por uma tal enfermidade? (…) “Senhor, enviareis assim mesmo um gago como profeta?”

Sim, exatamente. O gago será profeta, e tão grande que — dirá o Deuteronômio — não haverá outro em Israel que se assemelhe a este sofrido “que Deus em seu amor escolheu, face a face”. É um elogio fabuloso, e uma belíssima ideia: Moisés foi o único profeta que Deus suscitou, face a face. O Criador lhe apareceu, conversou com ele e o elegeu.

Ladeado por seu irmão Aarão, munido de poderes sobrenaturais simbolizados por um bastão, Moisés foi pedir a liberdade de Israel ao Faraó, que respondeu por um acréscimo de maldades.

Ele vai, portanto, com Aarão, para que este falasse ao Faraó. Aarão é a palavra e Moisés, a presença. Percebe-se, assim, como a presença é mais do que a palavra. Vai munido apenas de uma vara. Imaginemos o palácio do Faraó, Moisés entrando, tomado de coragem — embora ele fosse um criminoso conforme a lei do Egito — e anunciando ao soberano a vontade de Deus. Houve então a conhecida luta entre os anjos, que praticavam milagres por ordem do Altíssimo, e os demônios que, através dos magos egípcios, imitavam os prodígios de Moisés.

Moisés enfrenta as resistências do seu próprio povo

Seguiram-se as nove pragas do Egito, e nem assim o Faraó se deixou tocar. Quando sobreveio a décima e a mais terrível — todos os primogênitos morreram numa só noite —, o soberano egípcio se declarou vencido e concedeu a liberdade aos judeus, a “passagem” (Páscoa, segundo o hebreu) ao povo de Moisés. Descreve o articulista:

Antes da aurora, grandes colunas de povo se puseram a caminho, sob o olhar fúnebre dos egípcios, que na porta de suas casas enlutadas os forçavam a apressar sua marcha. Fora da cidade de Ramsés, todas as colunas se uniram, formando ao redor de Moisés e de Aarão um mar imenso.

Que cena majestosa! Os judeus ficaram a noite inteira acordados, e os egípcios, humilhados, esmagados por um poder sobrenatural, deixaram sair de madrugada esses homens que para eles eram animais de carga. Depois de já terem perdido o rebanho, ficaram privados dos escravos. Era uma depauperação terrível para o Egito.

Cumpre ressaltar que Moisés, produzindo esses fatos, obteve grande vitória aos olhos dos seus perseguidores, mas diante dos judeus seu prestígio foi insignificante. É uma lamentável constatação: com freqüência as pessoas são prestigiadas quando praticam o mal, e não quando realizam o bem. Com o extraordinário Moisés não se deu de modo diverso:

Israel, precedido por uma coluna de nuvem, escura de dia, brilhante à noite, que lhe indica o caminho, ouviu de repente o ruído surdo do exército egípcio lançado ao seu alcance. A nuvem de pó que se elevava no horizonte trazia-lhe a morte, e pela primeira vez o povo apavorado se volta contra Moisés: “Não havia suficientes cemitérios no Egito para que nos conduzisses aqui tão longe para morrer? Não te dizíamos com razão, quando nos falavas de liberdade, que a servidão valia mais do que esse fim miserável no deserto?”

Aqui transparece como Moisés precisou vencer resistências para convencê-los a sair do Egito. Eles entraram, portanto, no deserto com alma minguada. Assim que se apresentou uma ocasião, cometeram infidelidade e demonstraram sua ingratidão. O normal seria que dissessem a Moisés: “Tu que provaste ser enviado de Deus, por favor, reza agora conosco e nos salva”. Não. Fizeram recriminações: “Nós é que tínhamos razão e não tu. Vamos nos render e nos entregar!”

É uma espécie de aversão a Deus, chegando ao ponto de querer regressar ao cativeiro. Em vez da solução confiante, tão suave e doce, optaram pela desconfiança e a vontade de voltar para a escravidão.

Antepor os egípcios a Moisés não é a mesma coisa que preferir Barrabás a Jesus? Pois isto o faz todo aquele que se deixa tentar na Fé ou numa virtude decorrente dela: a confiança.

Moisés opera o milagre da travessia do Mar Vermelho, e os judeus voltam a peregrinar pelo deserto:

Um solo árido, semeado de uma vegetação mirrada, onde os sofrimentos da sede e da fome levantaram contra Moisés novos tumultos, acalmados por outros milagres.

Assim é toda criatura humana. Recebe favores de Deus e, se não corresponder à graça, na primeira vez em que estiver acuada, diz: “Olha lá, vai acontecer o desastre que eu estava prevendo!”

É o “profeta de desgraças”, que atua de modo sempre errado.

Está-lhe reservada uma maravilhosa ressurreição

Os quarenta anos de êxodo que se seguiram serão feitos dos mesmos combates contra o desânimo, das mesmas adorações indignas perdoadas pela intercessão do profeta, e dos mesmos retornos violentos à santidade da Lei, tesouro supremo encerrado em sua arca de madeira e dirigida, de etapa em etapa, para as terras longínquas da felicidade. Apesar de sua estupenda familiaridade com o Céu, Moisés experimentou um momento de dúvida: nas terras ressecadas de Meriba, ante as tribos ameaçadoras que reclamavam água, Moisés, sob as ordens de Deus, tocou um rochedo com seu bastão para dele fazer jorrar uma fonte. Entretanto, em lugar de dar um só golpe, bateu duas vezes. Durante um instante imperceptível sua Fé cambaleou. E esse desfalecimento público, mal observado, lhe fechou a entrada da terra prometida.

Se já existisse Nossa Senhora com sua prerrogativa de Medianeira junto a seu Divino Filho, Moisés obteria através d’Ela o perdão, e entraria em Canaã…

Moisés era chefe de estado, juiz das doze tribos, patriarca, legislador e general, sem nada perder de sua humildade profunda, que estava na raiz de todas as suas virtudes, e à qual a própria Escritura prestará homenagem após a sua morte.

Foi um povo forte, enfim, que chegou à extremidade do planalto da Transjordânia, olhando para essa terra onde Moisés não entrará. Ele tinha 120 anos. Sua missão estava cumprida. Ele atingia o fim de sua viagem terrena. “Sua vista não se tinha enfraquecido, suas forças estavam intactas”. E, entretanto, ele sabia que não iria longe. A dúvida de Meriba o deteve na soleira de Canaã. Mas, não são os bens deste mundo que foram prometidos ao profeta, e a amizade de Deus se reservava o direito de consolá-lo em sua justiça.

Então, enquanto Israel fascinado lançava seus olhares em direção à planície de Jericó, “Moisés, o servidor de Javé, morreu no país de Moab, segundo a vontade do Eterno. E foi enterrado no vale. Ninguém até agora descobriu o seu túmulo”.

Os séculos passam, o túmulo de Moisés está intacto. Até hoje ninguém o encontrou. Podemos imaginar como será a linda ressurreição de Moisés, no dia do Juízo. Embora muitos pensem que todas as ressurreições serão iguais, devemos supor que todas serão esplêndidas para os eleitos, e horríveis para os outros, como o despertar de um frenético.

Assim como existirão ressurgimentos diferentemente hediondos, haverá os desigualmente belos. O de Moisés será belíssimo, maravilhoso, cercado de uma corte de anjos, etc., como convém à grandeza de sua vocação.

Conquistador suave e chefe humilde…

Na planície de Moab, os filhos de Israel choraram Moisés durante trinta dias, antes de caminharem para o Jordão, luto e alegria misturados em seus corações. Sem dúvida, a possante beleza desse caráter, o extraordinário gesto de energia que exige o governo de um povo fugitivo entre os terrores e os sofrimentos do deserto, sugeriram aos historiadores retratos de um Moisés como chefe de guerra e como ditador inspirado. Mas toda a força de Moisés lhe vinha de sua Fé em Deus, a qual sua humildade fazia brilhar. Não foi um déspota esclarecido nem um general infalível que Israel chorou nas portas de Canaã. Este conquistador era suave e este chefe era mais humilde que mais humilde de seus companheiros de caminho.

Em meio ao brilho fulgurante das armas e até sob a tempestade dos anátemas, sua vida tremulou ao sopro de uma imensa ternura vinda de outro lugar. Os homens reconhecerão este mesmo acento nas palavras de um outro, o próprio Amor desprezado expirando na Cruz sobre uma colina de Jerusalém.

A meu ver, mais não se poderia dizer de um homem. Está tudo dito, tudo feito.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Corrigi-me em minha oração

Minha Mãe, Vós sabeis o que me convém, entretanto eu nem sempre o sei. Às vezes eu não peço o que me convém, porque não sei. Outras vezes eu peço o que não me convém, porque imagino que é bom.

Senhora, eu Vos peço, ponde um seletivo em minha oração. De forma que Vós, que bem sabeis o que me é conveniente, me obtenhais, ainda que eu não peça, porque eu não sei o que de fato me convém. Corrigi-me em minha oração, caso peça algo que me pareça muito razoável, porém por razões que ignoro e Vós sabeis, não seja conveniente.

Fazei o que me convenha!

“Oportet semper orare et non deficere!” É preciso rezar sempre e não desanimar nunca!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 5/12/1987)

São Gregório Magno

São Gregório Magno foi um dos fundadores da gloriosíssima Idade Média. Pois, de fato, pode-se dizer que todos os problemas daquele tempo passaram pela mente desse grande homem. Ele os analisou e os enfrentou, deixando escritos que são verdadeiros pilares do pensamento medieval.

Quer enquanto simples diácono ou sacerdote, quer depois de ser elevado ao Pontificado, em todos os traços sua vida foi admirável, voltada inteiramente para o sentir da Igreja Católica e da Civilização Cristã.

Ele, de algum modo, acabou de fechar a última réstia da porta que nos separava da Antiguidade pagã; e, por outro lado, abriu a porta para a idade nova que ia nascer.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 11/3/1967)

Rainha da Contra-Revolução

Nossa Senhora enquanto Rainha dos Anjos é a Rainha da Contra-Revolução. Ela dirige a Contra-Revolução dos Anjos que atuam sobre nós e os acontecimentos da Terra, de maneira a se passar tudo como Ela quiser.

Maria Santíssima tem todos os matizes, todas as glórias, todas as cores, todas as belezas da Contra-Revolução. É a Imaculada Conceição esmagando a cabeça da serpente, a Rainha dos Anjos que comanda o exército angélico, como o exército dos Santos – “Regina Sanctorum Omnium”, Rainha de todos os Santos. É a Rainha dos contrarrevolucionários, nossa Mãe, que nos guia e nos ama especialmente por esta razão. E Nossa Senhora é o arquétipo da virtude dos anjos que, tendo decaído, terminaram por ser lançados no Inferno, e que devemos substituir no Céu. Assim, há um nexo especial entre nós e Ela.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 28/5/1988)

Bendito o dia que viu Nossa Senhora nascer!

Segundo a Liturgia, foi no mês de setembro que, há mais de vinte séculos, veio ao mundo a Mulher destinada a ser Mãe do Divino Salvador. Ao recordar esse nascimento entre todos venturoso  para o gênero humano, Dr. Plinio teceu os piedosos e admirativos comentários que ora transcrevemos.

 

O nascimento de Nossa Senhora trouxe para a humanidade um valor que, devido à falta de nossos primeiros pais, era então desconhecido: uma criatura isenta de qualquer mancha, um lírio de incomparável formosura que deveria alegrar os coros angélicos e a terra inteira. Era, em meio ao exílio do gênero humano corrompido, o aparecimento de um ser imaculado, concebido sem  pecado original.

Considere-se ainda que Nossa Senhora trazia consigo todas as riquezas naturais que podem caber numa mulher. Deus lhe concedeu uma personalidade valiosíssima, e, a esse título também, sua  presença entre os homens representava um tesouro verdadeiramente incalculável.

Entretanto, se aos dons naturais acrescentarmos os tesouros das graças incomensuráveis que com Ela vinham, as maiores que Deus Nosso Senhor tenha concedido a alguém, podemos compreender o enorme significado de seu advento ao mundo. O nascer do sol é uma pálida realidade em comparação com a resplandecente aurora que foi o aparecimento de Nossa Senhora nesta   terra! A entronização mais solene que se possa imaginar de um rei ou de uma rainha, ou os fenômenos da natureza mais grandiosos, nada são diante do nascimento de Maria, momento bendito  certamente saudado pela alegria de todos os Anjos do Céu, e pode-se conjecturar que tenha provocado inusitados sentimentos de júbilo nas almas retas esparsas pela terra.

Esse sentimento de alegria bem pode ser expresso com uma paráfrase das palavras de Jó: “Bendito o dia que viu Nossa Senhora nascer, benditas as estrelas que A viram pequenina, bendito o  momento em que veio ao  mundo a criatura virginal destinada a ser Mãe do Salvador!”

O início de nossa redenção

Se se pode dizer que a redenção dos homens teve início com o nascimento de  Nosso Senhor Jesus Cristo, pode-se afirmar que o mesmo se aplica — guardadas as proporções — à natividade de Nossa Senhora. Pois tudo quanto o Salvador nos trouxe, começou a nos vir com Aquela que O daria ao mundo.

Daí se compreendem todas as esperanças de salvação, de indulgência, de reconciliação, de perdão e de misericórdia que se abriram, afinal, para a humanidade, naquele bendito dia em que Maria nasceu nesta terra de exílio. Feliz e magnífico momento, marco inicial de uma existência insondavelmente perfeita, pura, fiel, e que seria a maior glória do gênero humano em todos os tempos,  abaixo apenas de Nosso Senhor  Jesus Cristo, o Verbo de Deus encarnado.

Afirmam muitos teólogos que, concebida sem pecado  original, Nossa Senhora foi dotada do uso da razão desde o primeiro instante de seu ser. Vivendo no seio de Sant’Ana como num tabernáculo,  á tinha, portanto, altíssimos e sublimíssimos pensamentos. Pode-se traçar um paralelo dessa situação com o que narra a Sagrada Escritura a respeito de São João Batista. Ele, que fora engendrado no pecado original, ao ouvir a voz de Nossa Senhora saudando Santa Isabel, estremeceu de alegria no seio de sua mãe.

É possível, assim, que a Bem-aventurada Virgem, com a altíssima ciência que recebera pela graça de Deus, já no seio de Sant’Ana tenha começado a pedir a vinda do Messias, estabelecendo-se, em  seu espírito, o elevadíssimo intuito de vir a ser, um dia, a servidora da Mãe do Redentor.

De qualquer modo, sua presença na terra era uma fonte de graças para todos os que d’Ela se aproximavam, quando ainda se encontrava no seio de Sant’Ana, e mais ainda depois de seu  nascimento. Se da túnica de  Nosso Senhor, como conta o Evangelho, irradiavam-se virtudes curativas para quem a tocasse, quanto mais da Mãe de Deus, Vaso de Eleição!

Recém-nascida e já vitoriosa sobre o demônio

A vinda do Salvador seria a derrota de todo o mal no gênero humano. Portanto, no bendito momento do nascimento da Santíssima Virgem, a vitória do bem começou a ser afirmada e o demônio a  ser esmagado, ele mesmo percebendo que algo de seu cetro estava irremediavelmente partido. Era Nossa Senhora já começando a influir nos destinos da humanidade.

O mundo de então achava-se prostrado no mais radical paganismo. Uma situação em tudo parecida com a de nossos dias: todos os vícios imperavam, todas as formas de idolatria tinham  dominado a terra, e a decadência ameaçava a própria religião judaica, que era o prenúncio da religião católica. Por toda parte, o erro e o demônio eram vitoriosos. Porém, no momento decretado por Deus em sua misericórdia, Ele derruba a muralha do mal, fazendo nascer Nossa Senhora. E com a vinda d’Ela — que era a raiz de Jessé, da qual nasceria o divino lírio, Nosso Senhor Jesus  Cristo — tinha início a irreversível destruição do reino de satanás.

“Nascimento” de Maria em nossa vida espiritual …

Esse triunfo de Nossa Senhora sobre o mal, já por ocasião do nascimento d’Ela, sugere-nos outra reflexão.

Quantas vezes, em nossa vida espiritual, vemo-nos imersos na luta contra as tentações, contorcendo-nos e nos revolvendo em dificuldades! E não temos ideia de quando virá o bendito dia em que  uma grande graça, um insigne favor, colocará fim a nossos tormentos, a nossas lutas, e, afinal, nos proporcionará um grande progresso na prática da virtude. É então que se verifica um como que  nascimento da Santíssima Virgem em nossa alma. Na noite das maiores provações e das mais espessas trevas, Ela surge e desde logo começa a vencer as dificuldades com que nos defrontamos.

Nesse momento, Ela se levanta também  como uma aurora em nossa existência e, em nossa vida espiritual, passa a representar um papel até então desconhecido por nós.  Esse pensamento nos  deve encher de alegria e de esperança,  e nos dar a certeza de que Nossa Senhora nunca nos abandona. Nas horas mais difíceis por que passamos, Ela como que irrompe entre nós, resolve todos os  nossos problemas, alivia nossas dores, e nos dá a  combatividade e a coragem necessárias para cumprirmos nosso dever até o fim, por mais árduo que este seja.

A maior consolação que Ela nos traz é, precisamente, o fortalecer nossa vontade, para empreendermos a luta contra os inimigos da nossa salvação.

… e nas tramas da história

Como nos fortalece, também, para nos tornarmos zelosos filhos da Igreja e defensores da religião católica. Elementos históricos existem para se poder afirmar que todas as grandes almas que  combateram as diversas heresias, ao longo dos séculos, foram especialmente suscitadas por Nossa Senhora. É o que insinua, de modo muito bonito, o brasão dos claretianos, onde, além do  Imaculado Coração de Maria, figuram São Miguel Arcanjo e a divisa: Os filhos d’Ela se levantaram e A proclamaram Bem-aventurada.

Esse levantar dos devotos da Santíssima Virgem para glorificá-La não é também uma forma de nascimento d’Ela, como magnífica aurora, nas tramas da história? Assim, os verdadeiros filhos de  Nossa Senhora devem desejar e pedir a Ela a graça de serem indomáveis e implacáveis contra o demônio e seus sequazes que, em nossos dias, procuram conspurcar a glória da imortal Igreja de  Cristo.

Plinio Corrêa de Oliveira

PERFEIÇÕES DA VIRGEM-MÃE, BELEZAS DA IGREJA

Nossa Senhora é a imagem perfeita da Igreja Católica. Dr. Plinio escolhe esta afirmação de Santo Agostinho, quando se vê na contingência de optar por um tema que seja bem-assimilado por seu auditório de jovens.

 

A propósito da festa de Nossa Senhora das Mercês, gostaria de fazer alguns comentários sobre um trecho de Santo Agostinho. O grande Bispo de Hipona se dirige à Santíssima Virgem neste  belíssimo louvor: Ó Maria, cumpristes perfeitamente a vontade do Pai Celeste. Vossa maior honra, vossa maior felicidade não foi de ter sido a Mãe, mas a discípula de Cristo. Bem-aventurada sois  por terdes ouvido o Verbo de Deus e conservado (suas palavras) em vosso coração. Vós guardastes a verdade de Cristo em vossa  inteligência, mais ainda que sua carne em vosso seio. Não se saberia comparar-Vos às mulheres do Antigo Testamento, a Ana, a Suzana. A que alturas não Vos elevastes acima delas? Aqui ainda não falamos na santa virgindade, mas em vossas outras  virtudes: ó Maria, há no mundo alguém que as ignore?

Para exemplo e ensinamento para todas as mulheres convém somente não esquecer vossa santa e admirável modéstia. Vós fostes julgada digna de conceber o filho do Altíssimo e, entretanto, permanecestes a mais humilde de todas as criaturas; porque fizestes sem cessar a vontade de Deus, sois segundo a carne e o espírito, a Mãe de Cristo, sua Mãe e sua irmã, mulher única, mãe e  virgem, e Vós o sois corporalmente e espiritualmente.

Mãe de nosso Chefe, que é o Salvador, Vós sois também e perfeitamente mãe de todos os membros de Cristo, porque cooperastes, por vossa caridade, para o nascimento dos fiéis na Igreja.

Única entre todas as mulheres sois, ainda uma vez, mãe e virgem. Mãe de Cristo e virgem de Cristo. Foi por Vós, ó Mãe do Senhor, que a dignidade virginal começou (a florescer) sobre a terra. Por  Vós, ó Maria, que merecestes ter um filho, mas que o merecestes sem deixar de ser virgem. Para honra do Salvador Jesus, o pecado não se aproximou de Vós. Sabemos que  para vencer o pecado e   o vencer inteiramente foi dada graça abundante Àquela que foi digna de conceber e de cuidar do Impecável.

A beleza e a dignidade da terra sois Vós, ó Virgem, que fostes sem cessar a imagem da Santa Igreja. Por uma mulher, a morte; por uma mulher, a vida. E esta última sois Vós, ó Mãe de Deus.

Assim como Maria, a Igreja é Virgem e Mãe

É um lindo trecho de Santo Agostinho, talvez num estilo não inteiramente acessível às novas gerações. Por outro lado, seria muito ingrato dessorarmos o santo Autor, tirando o pensamento dele de dentro das palavras majestosas que ele escreveu.

De maneira que me parece suficiente, para aproveitarmos bem esta passagem, compreendermos um pouco a frase final dele, quando fala que Nossa Senhora é a imagem perfeita da Igreja Católica.  Procuremos, então, analisar em que sentido a Igreja é virgem e é mãe, e de que modo ela é, por sua vez, imagem de Nossa Senhora.

A Igreja é virgem nessa acepção da palavra de que ela é de uma santidade absoluta, sem nenhuma forma de condescendência com o erro nem com o mal. Nela não existe qualquer espécie de mácula. Ela é, portanto, intacta como uma virgem.

De outra parte, ela é mãe porque todos os homens nascem para a vida espiritual de dentro da Igreja, são engendrados por ela para a existência cristã. Se não fosse a Igreja, nenhum homem poderia salvar-se. E ela procede como mãe em relação aos filhos, os nutre com os Sacramentos, com a vida sobrenatural da graça; ela os ensina por meio do Magistério infalível; ela os guia através da  autoridade da hierarquia eclesiástica, de maneira tal que ela exerce, em relação a cada homem, a cada um dos católicos, todos os ofícios e todos os misteres que a mãe exerce em relação ao filho.

Esse paralelo se torna ainda mais esplendoroso quando podemos dizer, a exemplo de Nossa Senhora, que ninguém é mais virgem do que a Igreja, e ninguém é mais mãe do que a Esposa Mística de Cristo.

Tomem-se todas as instituições e todas as mães da terra, e nenhuma teve nem terá uma maternidade mais copiosa do que a Santa Igreja. Desde o momento em que ela foi fundada, até o fim do  mundo, todos os homens que se salvarem serão gerados nela e será ela que os conduzirá à vida eterna.

Aceitar ou recusar a Fé, salvar-se ou  condenar-se

Naturalmente, haverá pessoas que se salvarão sem serem católicas. São aquelas que não tiveram oportunidade de conhecer a Igreja, porque viveram em regiões longínquas, porque nunca ouviram falar dela, etc., e não puderam adivinhar que a Igreja Católica existia.

Porém, Santo Tomás de Aquino ensina que, antes de essas pessoas morrerem, elas recebem de algum modo — quiçá por seus Anjos da Guarda — a revelação sobre os mistérios essenciais da Fé cristã, e são convidadas, no seu derradeiro momento de vida, a crer ou a recusar. Se creem, elas se salvam; se recusam, condenam-se. Assim, segundo a doutrina tomista, no último instante todas as pessoas que se salvam acabam pertencendo à Igreja Católica, se não pelo batismo da água, pelo batismo de desejo.

E por esse ensinamento vemos como Santo Tomás de Aquino concebe o papel da Fé na salvação e o papel da Igreja para cada católico. Imaginemos a situação: a alma está nos últimos transes, talvez o homem até sendo dado por morto por todos os circunstantes. Mas vem um Anjo e revela as verdades essenciais da Fé, aquelas sem as quais ninguém se pode salvar. E naquele momento a  pessoa é levada a fazer um ato de amor àquilo e tem para isso as graças suficientes. Mas é possível que, por força de seus vícios, em vez de um ato de amor tenha um ato de ódio. Se ela amar, se  salvará; se ela odiar, se perderá.

O amor à Igreja é uma fonte de virtudes

Compreende-se, então, como o amor a Deus, o amor à Igreja Católica é a fonte de todas as virtudes. Quem ama se salva, porque depois praticará os  Mandamentos e cultivará as melhores qualidades morais. Quem não ama, se perde, porque cortou com a raiz de todos os valores da piedade.

Quantas e quantas vezes tenho ouvido lamentações de pessoas que apresentam dificuldades em tocar a vida espiritual, em perseverar na prática dos Mandamentos, ou pelo menos problemas para  progredir na virtude. A solução qual é?

Uma das muitas soluções — porque a Igreja é a cidade da salvação onde para tudo há diversas saídas— é exatamente aumentar nossa Fé, é aumentar o nosso amor à Igreja Católica. Aumentando esse  amor, cresce igualmente a nossa determinação para praticar o bem e a nossa repulsa ao mal. E, cumpre notar, muitas vezes as pessoas não têm suficiente aversão ao mal, porque no fundo não têm suficiente amor à Igreja.

Infalibilidade papal, Eucaristia e Confissão: três belezas da Igreja

Voltamos então ao pensamento que pretendíamos aprofundar: a Igreja é a figura de Nossa Senhora, e é resplandecente e bela na terra, e devemos procurar amá-la a fim de nos prepararmos para amar Nossa Senhora no Céu. É necessário que tenhamos os olhos sempre voltados para a Igreja eterna, a Igreja imutável, que não se identifica com as misérias presentes e transitórias, a Igreja que devemos amar acima de todas as coisas no mundo. A Igreja na sua hierarquia, nos seus mil aspectos verdadeiramente divinos.

Recordemos, por exemplo, tudo quanto há de belo na infalibilidade papal, na figura de um homem infalível, governando a todos e a todos ensinando o caminho da verdade, num governo que não é temporal, mas do espírito. Nunca se concebeu, em matéria de governo, algo de tão bonito, de tão nobre quanto isso.

Consideremos, de outro lado, a Eucaristia. Deus verdadeira e realmente presente entre nós, embora oculto de modo misterioso sob as espécies eucarísticas, conferindo ao homem a possibilidade  de ter com Deus um convívio tão íntimo e até insondável.

Deus entra nesse homem e como que se faz um com ele. Pode-se imaginar coisa mais esplêndida do que o Todo Poderoso condescender em ter tal familiaridade com cada um dos homens que Ele  criou? Depois, o sacramento da Penitência. Pode-se conceber que inferno seria o mundo sem o confessionário? Se nós não pudéssemos nos abrir sobre os nossos pecados, e não tivéssemos a  certeza do perdão? Que horror seria a incerteza sobre se Deus nos perdoou ou não, se estamos ou não em estado de graça, etc., etc.

Que obra-prima de sabedoria existe no confessionário, e no fato de o segredo de confissão nunca ser traído! E quanto mais o mundo afunda numa decadência moral, mais aparece os raios de luz  que partem da Igreja, mais compreendemos o quanto ela é bela e digna de amor. Quando nós pensarmos em tudo isso, encontraremos mais resolução para combater os nossos pecados e para  praticar a virtude.

Que Nossa Senhora das Mercês nos ajude a isso. “Mercê” é uma graça, é um favor. Nossa Senhora das Mercês é Nossa Senhora dos favores, disposta a todo momento a nos conceder dons excelentes e a nos convidar a pedi-los.

Tenhamos para com Ela esse tipo de relação muito filial e muito confiante, certos de que sobre nós descerão as misericórdias de nossa Mãe santíssima.

 

Confiança

Nas graves circunstâncias de nossa vida, o que a Santíssima Virgem deseja de nós, acima de tudo, é um imenso ato de confiança.

Por isso, genuflexo, peço a Ela nos tornar cada vez mais os que — na tormenta, na aparente desordem, na aflição, na quebra aparente de tudo o que poderia representar para nós a vitória —, sempre confiaram na misericórdia d’Ela.

(Palavras de Dr. Plinio em uma de suas últimas conferências, em agosto de 1995)

Rosa das rosas, rogai por nós!

Assim como a rosa detém uma primazia de beleza sobre todas as flores, assim Nossa Senhora sobrepuja em formosura todos os outros seres saídos das mãos do Onipotente.

Por isso, Ela é a Rosa Puríssima, a Rosa Mística, a Rosa de Jericó, a mais bela das almas, a mais linda das criaturas de Deus.

Se nós nos puséssemos de joelhos diante de Nossa Senhora e Lhe ofertássemos uma rosa de esplendor paradisíaco, Ela certamente a tomaria em suas mãos virginais, e em seus lábios afloraria um  sorriso encantador. Porque  o que há no fundo d’Ela entrou em consonância e brilhou com a perfeição da rosa. Mas… quanto o sorriso d’Ela é mais belo e luminoso do que a luminosidade e beleza  da rosa! E quanto, portanto, o que existe no íntimo da alma d’Ela vale mais do que aquilo que A fez sorrir!

E se Ela condescendesse em nos dar de presente a rosa, nós a guardaríamos com todo o cuidado, depois de murcha, numa página de álbum em que escreveríamos: “A rosa diante da qual a Rosa  sorriu”.

E nos lembrando da Senhora desse sorriso, diríamos a Ela: “Rosa Rosarum, ora pro nobis”. — Rosa das Rosas, requinte de rosa, transcendência de rosa, a mais bela rosa do universo, rogai por
nós!

 

Plinio Corrêa de Oliveira