“Maior felicidade de minha vida”

Eu tive a maior felicidade de minha vida em algo que me encheu de entusiasmo, desde pequeno: a Santa Igreja Católica Apostólica Romana!

Mais do que qualquer pessoa, qualquer panorama ou qualquer flor, incomparavelmente mais do que qualquer delícia ou iguaria, ela me falava à alma!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 12/5/1984).

Apostolado e sacrifício, ações inseparáveis

Por que razão Nossa Senhora quis a morte precoce de Jacinta e Francisco, videntes de  Fátima?

Em geral, quando se trata da salvação dos homens, é necessário haver vítimas que se associem à intervenção de Deus com o sacrifício de suas vidas.

Isto é especialmente frisante no que diz respeito às aparições de Fátima: trata-se de uma intervenção direta da Santíssima Virgem — atestada por milagres estupendos como, por exemplo, a rotação do Sol — com a transmissão de uma das mais importantes mensagens de Nossa Senhora aos homens ao longo de toda a História.

Pois bem, nesta ocasião Maria Santíssima quis a imolação de duas almas, as quais se ofereceram na intenção do pleno cumprimento dos planos da Providência.

Este oferecimento nos atesta como o sofrimento é insubstituível e como ele abre, verdadeiramente, os caminhos para a Igreja.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 19/2/1965)

Beato Angélico

O Beato Angélico, cuja festa é celebrada no dia 18 de fevereiro, soube transmitir às suas obras certas fulgurações que, na verdade, são manifestações da virtude da sabedoria, pela qual o homem apetece a coerência e a profunda harmonia interior das coisas, mais do que os bens menores do existir humano.

Essa harmonia exprime algo de inefável, total, que é a melhor representação de Deus. E quem a ama, ama o simbolizado por ela, portanto, o próprio Deus, predispondo assim sua alma para o Céu.

Plinio Corrêa de Oliveira

Nossa Senhora da Luz

Nossa Senhora da Luz, invocação lindíssima porque é Nossa Senhora enquanto suscitando toda espécie de luzes interiores — tão frequentes em nossas almas — que não podemos considerar nem fantasia, nem imaginação. São luzes que de fato nos iluminam por dentro e nos levam à prática da virtude.

Que Nossa Senhora da Luz, nossa Auxiliadora nos momentos de trevas interiores, faça raiar em nossas almas esta luz de uma confiança invencível na realização de nossa vocação, de nossa missão, que é a vitória da Causa Católica por meio dos auxílios que Ela nos dá em todas as circunstâncias.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/5/1971)

São João Bosco – Virtudes irmãs

São João Bosco possuía o dom de suscitar muita confiança e muita paz nas almas. Ele tinha um sorriso, uma bondade impregnada de fortaleza, mas de tal maneira comunicativa, generosa e apaziguante, que basta rezarmos diante de uma boa imagem dele para percebermos algo de indefinivelmente suave que se perpetuou no seu modo de ser, no seu estilo.

É essa suavidade espiritual que devemos pedir a São João Bosco, nesta época de árduos combates.

Todas as virtudes são irmãs. Portanto, a combatividade mais irredutível e implacável é irmã afetuosíssima dessa bondade, delicadeza e suavidade próprias do espírito de São João Bosco.

(Extraído de conferência de 31/1/1969)

São Francisco de Sales: exemplo de combate aos vícios

Quando São Francisco de Sales morreu, resolveram fazer a autópsia. Para surpresa geral, encontraram seu fígado endurecido, como se fosse de pedra…

De fato, embora tivesse um gênio péssimo, ele se dominou de tal maneira que ficou famoso por sua doçura: era considerado o santo da doçura.

Assim devemos ser: se possuímos dificuldade de trato, procuremos ter gênio angélico; se somos inclinados à preguiça ou temos medo de lutar, procuremos ser heróis ao serviço de Nossa Senhora. A exemplo dos santos, sejamos exímios no combate aos defeitos que julgamos mais difíceis de vencer.

Para isso, devemos examinar nossos atos implacavelmente, sem nunca pensarmos em atenuantes. Porque nós só os reconheceremos se formos implacáveis, analisando-os com lupa, um por um.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 11/11/1989)

Revista Dr Plinio 167 – Fevereiro de 2012

São João Bosco

Grande arauto de Nossa Senhora como Auxiliadora dos Cristãos, São João Bosco realizou magnificamente a obra pedagógica e santificadora à qual fora chamado pela Providência. Instrumento de educação e virtuosa influência sobre os jovens que formava, por assim dizer, manuseava a graça divina para favorecer a atuação dela na alma de seus pupilos.

Risonho, afável, com uma vocação toda especial, brilhante e radiante na doçura salesiana, sabia ao mesmo tempo combater nos seus fundamentos os vícios e defeitos morais, alegrando-se ao ver o progresso espiritual dos meninos.

Talvez em diversos casos, foi ele um santo que educava outros santos…

São Lourenço de Bríndisi e o luxo do século XVI

O contraste harmônico dá-se sempre entre duas perfeições, as quais, por serem muito  diversas entre si, como que se equilibram. Na conferência transcrita a seguir, Dr. Plinio aplica essa tese à presença de um austero capuchinho em meio ao luxo e requinte da vida de corte.

Para ser comentado hoje, foram-me fornecidos trechos da obra de um jesuíta, a “Vida de São Lourenço de Brindisi”, cuja festa se celebra em 22 de junho.

Antes de passar à leitura e comentários, vale a pena termos uma noção do que era um capuchinho no século XVI, para melhor avaliarmos a projeção da figura desse santo no mundo daquele  tempo.

Conhecemos o traje clássico dos capuchinhos. É aquele hábito marrom-claro, na cintura um rosário, sendo que as fileiras de contas são unidas pela figura de uma caveira. Calçam sandálias sem meias, usam a barba grande e cabelo aparado quase rente.

O capuchinho entrava, desse modo, num contraste violento com o modo de se trajar e de se apresentar dos homens da época. A Renascença estava no fim, e se ia passando para o Barroco e o  Rococó, as modas masculinas iam atingindo um auge de rebuscamento, de elegância, de finura e, às vezes, de efeminamento, como poucas vezes aconteceu na História.

Os homens se trajavam de seda, de damasco, trazendo na roupa botões e outros ornamentos de pedras preciosas.

Usavam anéis, meias de seda, sapatos de verniz (com salto vermelho, quando eram nobres) com fivelas de ouro ou de prata e pedras preciosas. Perfumavam-se. Quando usavam barba, era aparada no formato chamado de “pera”, muito bem cuidada, e os bigodes finos e sedosos — não era o bigode à “kaiser”, com a ponta voltada para cima. Por cima do cabelo natural, ou da cabeça rapada, punham cabeleiras, super preparadas em estabelecimentos especiais. Não falemos da apresentação da dama, porque, se assim era a do homem, mais requintada era a feminina.

Dentro dos sábios equilíbrios da Civilização Cristã, o capuchinho representava a tônica oposta de tanto luxo e tanto bom gosto.

Harmonia baseada nos contrastes

Não seria eu quem haveria de censurar que a Civilização Cristã engendrasse os mais magníficos trajes. Eu teria, certamente, alguma restrição a alguns aspectos desses trajes no século XVI. Mas, na linha geral, a ideia de  acentuar a dignidade do homem por meio de trajes magníficos me parece muito boa e própria a realçar a sabedoria do plano de Deus, o qual, a serviço do rei da Criação, que é o homem, dispôs de materiais capazes de afirmar adequadamente essa realeza.

Sobretudo quanto esse rei é, ao mesmo tempo, membro do Corpo Místico de Nosso Senhor Jesus Cristo, e tem, portanto, uma dignidade maior do que a própria dignidade humana.

Mas é próprio do gênio, do talento da Igreja Católica estabelecer a harmonia baseada nos contrastes. Uma coisa é a contradição; outra coisa são os contrastes harmônicos. Estes últimos são sempre contrastes entre duas perfeições — não entre um defeito e uma perfeição e, menos ainda, entre dois defeitos — as quais, sendo muito diversas entre si e por serem muito diversas entre si, como que se equilibram.

Um tal esplendor nos trajes, uma tal magnificência na vida de Corte, exigia que se lembrasse ao homem, ao mesmo tempo, os valores opostos da austeridade, da sobriedade, da sobranceria em relação às coisas terrenas, do único valor profundo das coisas sobrenaturais, etc. Só por essa forma a humanidade poderia chegar impunemente a tais requintes de luxo.

Como, em sentido contrário, a afirmação magnífica — eu quase diria brutal — da morte, da pobreza, de tudo aquilo que leva o homem a sofrer na vida, a renunciar, a lutar, só poderia ser um valor geral para a sociedade, freqüente, presente em todos os aspectos da vida social, se, em sentido contrário, o esplendor da vida terrena aparecesse também.

Um exemplo de contrários harmônicos

São esses contrários harmônicos que são os fatores de equilíbrio da alma humana. É muito belo ver, em quadros do tempo, cenas de vida de Corte. Lembro-me de um quadro que eu via muito quando era pequeno.

Era uma sala com um rei e uma rainha, algo me sugere que eram soberanos espanhóis, ambos com coroas na cabeça. A Corte inteira de pé, como se recebesse alguém: dignitários, cardeais vestidos de púrpura, guerreiros, ministros, etc., formando um grande semicírculo.

Era a cena da Corte na sua magnificência, parada, à espera de um ato que se devia realizar. A pequena distância do rei ou da rainha, a figura de um capuchinho. Espadaúdo, enorme, forte, com uma barba colossal, e com sua roupa terrível. Natural no meio daquilo, na sua pobreza entre os mais importantes e mais ricos, e cercado de respeito e de delicadeza, constituindo no quadro um  equilíbrio moral que eu não sabia explicitar, mas que me deixava maravilhado. Era esse o papel simbólico dos capuchinhos na civilização daquele tempo. Representavam tudo quanto há de austero na vida, e constituíam a contrapartida harmônica de tudo quanto havia de magnífico na vida, que a civilização daquele tempo estava elaborando.

Um protesto vivo

Temos, pois, um santo, São Lourenço de Brindisi, que é chamado a desempenhar essa missão, simbolizar esse valor na sociedade daquele tempo. O mundo era então marcado pela presença de dois adversários terríveis, que quase liquidaram a Europa.

Um deles era a Primeira Revolução, o protestantismo, contra o qual São Lourenço de Bríndisi lutou com êxito.

A Primeira Revolução, como mostro no livro “Revolução e Contra-Revolução”, foi marcada por uma explosão de orgulho e de sensualidade. De orgulho, afirmado pela negação da hierarquia  eclesiástica e pela inconformidade, na esfera eclesiástica, de todos os súditos com a autoridade. O Bispo não querendo tolerar Papas, os sacerdotes não querendo tolerar Bispos, os leigos não querendo tolerar sacerdotes. Uma verdadeira revolução comunista dentro da estrutura eclesiástica daquele tempo.

De outro lado, a sensualidade, afirmada pela ruptura com o princípio da indissolubilidade do vínculo conjugal, quer dizer, pelo estabelecimento do divórcio em todas as seitas protestantes e, de outro lado, pela abolição do celibato eclesiástico e do estado religioso com celibato.

Nesse mundo marcado pela perpétua insatisfação de todos, o capuchinho representava um protesto vivo. Ele era pobre o mais das vezes voluntário, um homem que possuíra bens na terra, maiores ou menores, e optara por ser pobre; que renunciara a toda carreira terrena, não ocupava altos cargos nem altas situações, vivia na humildade do voto de obediência pelo qual renunciara à própria vontade para viver sob o império da vontade de um outro; e mantinha a castidade perfeita.

Ele representava, então, um contraste vivo com todo o desregramento do tempo, e passeava naquela sociedade revolucionária como um tanque evolui no meio de batalhões adversos de infantaria. Com serenidade, sobranceria e ação de presença, ia aniquilando.

Desde a infância preparando a alma para grandes batalhas

Vamos agora estudar a vida desse Santo sob esse aspecto. Passo, portanto, à leitura de trechos da biografia dele. Nasceu em Brindisi, em 1559. Foram seus pais das mais nobres famílias daquela cidade. Tinha apenas quatro anos quando pediu aos pais para entrar no convento dos Frades Menores. Os pais acederam. Lourenço era aplicado. Gostava muito de ouvir sermões, retinha-os facilmente e os repetia com exatidão.

Às vezes faziam-no pregar no Capítulo, para que todos ouvissem. Que encanto um capuchinhozinho com voz de criança, mas já com catadura de atleta de Cristo, fazendo sermões que ele ouvia e repetia! Isso ia formando o menino para as grandes batalhas que ele ia travar, para o desembaraço que constitui uma das formas da grandeza capuchinha. O Arcebispo, a quem a notícia chegou, quis também ouvi-lo, e o obrigou a ir pregar na catedral diante de numeroso público, que muito proveito tirou. Levemos em consideração que, naqueles lugares pequenos da Itália — sem rádio, televisão, cinema — qualquer singularidade despertava curiosidade.

Assim a Catedral se enchia para ouvir o sermão de um meninozinho extraordinário. O povo, como era naquele tempo, falante, exuberante, fazendo comentários antes de chegar o menino. De repente, este sobe,  começa a fazer ouvir sua voz, o silêncio se estabelece aos poucos. Terminado, o órgão toca, alguém canta uma Ave-Maria, e o público vai lentamente se escoando depois de ter recebido a bênção do Bispo.

O menino entra no convento e não ouve nenhuma das repercussões. Vai dormir e, na manhã seguinte, está limpando o chão.

Ao receber pressões da mãe, São Lourenço foge

Tendo morrido seu pai, quis a mãe que o filho voltasse para casa, a fim de lhe fazer companhia. Mas o jovem procurou esquivar-se às solicitações dela e fugiu para Veneza, onde estava um tio seu, sacerdote, reitor do Colégio de São Marcos.

Veneza de manhãzinha, com seus palácios, seu panorama aquático magnífico, mil jogos de luz maravilhosos. O fradinho que fugiu e viajou a noite inteira entra tranquilamente na cidade, toma uma gôndola e, de pé, olhando os palácios e pensando em como o Reino dos Céus é maior do que o da Terra, chega à casa do tio para estudar.

O tio era aliado de Deus e o acolhe, e a mãe desiste de exercer seu poder. Concluindo ele os estudos de filosofia, seu tio o destinou à Faculdade de Direito Canônico. Chegado aos 17 anos, pediu o hábito capuchinho, e o Provincial lhe concedeu com gosto. Em 24 de março de 1576, ele fez a solene profissão.

Maravilhosas conversões

Aos 36 anos, foi nomeado Ministro Geral para toda a Ordem. Quando Clemente VIII mandou os capuchinhos para a Alemanha, o Santo foi um dos encarregados. O Imperador [do Sacro Império] teve grande satisfação nessa escolha e concedeu-lhe ampla autorização para fundar mosteiros. Fundou-os na Boêmia, Áustria, Morávia e Silésia.

Fundar mosteiros é encontrar vocações para eles, encontrar dinheiro para construí- los e superiores para dirigi-los. É difícil encontrar quem queira levar a vida austera de um capuchinho. Mas ele formou mosteiros em todas essas regiões.

Os Sumos Pontífices confiaram-lhe as mais delicadas missões. Várias vezes foi enviado como embaixador a cortes de diversos príncipes. Estes o honravam também com o caráter de seu  embaixador.

Assim compareceu às cortes dos príncipes da Alemanha e até à Dieta do Império. Seu zelo reteve naquele país e heresia luterana.

Podemos imaginar cenas de Cortes: o arauto anuncia que vai entrar no salão o Embaixador do Santo Padre, tido como o decano dos diplomatas em todos os países católicos, e entra o frade capuchinho na singeleza de seus trajes. Grande reverência ao rei, e prossegue, no meio dos tapetes de luxo, do esplendor, sereno e indiferente, sem revolta e sem admiração, com os olhos postos no Céu e pregando a verdade, às vezes terrível.

Imprudente no nível humano, prudente no sobrenatural

O Imperador desejou que alguns capuchinhos fossem como capelães do exército à Hungria. São Lourenço foi à frente da missão. Era general o Arquiduque Matias, irmão do Imperador, o qual, estimulado pelas promessas que lhe fazia Lourenço da parte de Deus, de alcançar vitória sobre os inimigos, determinou atacá-los perto de Alba Real. O Arquiduque, excelente general, considerava imprudente atacar os maometanos, que estavam chegando pelos Bálcãs para atacar a Hungria e depois a Áustria, por assim dizer, pelas costas, enquanto os Habsburgos tinham de enfrentar o ataque dos protestantes da Alemanha e a oposição política francesa.

Situação crítica para a Casa d’Áustria. O Arquiduque Matias, parente do Imperador, generalíssimo das tropas do Império Romano-Alemão, diante dos turcos duvida se ataca ou não. Podemos imaginá-lo numa tenda magnífica, reunido com seus homens de guerra, olhando mapas sobre uma mesa de emergência, discutindo se avança ou não, com dados obtidos pelos espiões. Segundo as regras da técnica militar, a batalha é imprudente.

Entra então a sentinela e diz: “Frei Lourenço quer falar”. O Arquiduque Matias aquiesce e o capuchinho entra, avisando a revelação de Deus: “Podem dar o ataque, porque vencerão”. Há um momento de sensação, quando, ouvido o religioso, que não dá razões técnicas, mas só as ouvidas do Céu, os generais vêem o Arquiduque hesitar. Alguém um tanto incrédulo diz: “Alteza, não permita essa luta. Será o fim dos exércitos e o fim da Arqui família” (chamavam desse modo pitoresco a família dos Arquiduques).  — Não — repete Frei Lourenço. — A glória da Arqui família está na batalha. Seus caminhos passam pelos caminhos de Deus. Para a frente!

Ordena o ataque. Naquele tempo ainda havia Fé. Os homens criam. O Arquiduque decide dar a batalha, porque Frei Lourenço lhe prometeu vitória. Batalha imprudente no terreno humano, mas prudente no terreno sobrenatural, que ia ser abençoada por Deus. Os cristãos, embora inferiores em número, acometeram com tal ímpeto que galgaram de espada em punho as trincheiras, conseguindo uma vitória completa e a conquista de Alba Real. Os turcos recuaram. Esse sucesso, que custou apenas 30 homens aos cristãos, julgaram todos que foi devido às orações de Lourenço, o qual, durante todo o combate, montado em um cavalo, animava os soldados a combaterem pela fé.

Que cena magnífica! O capuchinho montado a cavalo, segurando as rédeas com uma mão e a cruz com outra. E o tempo inteiro percorrendo as fileiras e estimulando à luta, prometendo o Céu para quem morresse.

E aqueles homenzarrões, com parte do armamento ainda de metal, tendo de enfrentar tiros de canhão ainda incipiente, projéteis com pedras, e a carga contrária dos maometanos, o ouvem tão inflamados que vão com ímpeto, fazendo os maometanos flectirem e fugirem. Podemos imaginar como foi o declínio da tarde sobre Alba Real conquistada pelos católicos. A alegria das tropas católicas diante do milagre evidente. O Arquiduque talvez na casa do governador maometano de Alba Real; todos descansando nos vários lugares da batalha. Repicam os sinos. Frei Lourenço está chamando para a prece.

A igreja está cheia. Entram, ele está junto ao altar e canta um magnífico Te Deum.

Isso é viver!

Santa Inês

No momento de seu martírio, oprimida pelas dores, Santa Inês recompôs suas vestes por amor à pureza.

Ter essa preocupação naquela hora significa tão grande elevação de espírito, tão intenso amor à virtude, que não se pode simplesmente incluir o fato nos fioretti, como se fosse mais um tocante episódio de vida de santo.

Essa atitude da mártir é como que o brilho de uma gota do preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo; é um ato admirável de sabedoria, uma manifestação arrebatadora de apreço pela castidade, sua e do próximo.

Plinio Corrêa de Oliveira

Papa São Fabiano “O homem da rua sobre quem a Pomba pousou”

Em artigo estampado na Folha de São Paulo de 3/12/1976, Dr. Plinio procura conceder a si mesmo algo de refrigério diante da crescente agitação que tomava o mundo moderno. Como? Tecendo um hino de amor à santidade do Papado, a propósito da eleição providencial de São Fabiano ao Trono de Pedro.

 

A poluição em todas as suas formas, continua problema atual. Mais especialmente tenho em vista aqui a poluição moral inerente à vertiginosa decadência dos costumes, e a poluição mental provocada pela trepidação da vida hodierna. (…)

Uma excursão ao passado

O meio de fugir disso? Uma excursão, por exemplo, ou a audição de alguns belos discursos, a leitura de um romance, contentam a vários. Há os que se satisfazem com menos, isto é, com a ingestão de qualquer comprimido que favoreça a evasão para as profundidades de sonos insondáveis. Entre tantos recursos despoluentes, há também a excursão às extensas regiões do passado, ou seja, a leitura de narrações históricas. No píncaro destas, existe a legenda, com o encanto de sua leveza, de seu simbolismo, de seu esplendor.

Para a decepção da maioria e o possível contentamento de uns poucos, é uma viagem ao passado que proponho neste fim de semana. Não ao passado histórico, mas ao passado legendário, tão lato, tão belo, que por alguns lados parece tocar na própria eternidade. Acabo de ler um conto tomado mais ou menos a esmo na Légende Dorée, de Jacques de Voragine. Queres viajar comigo nas regiões etéreas deste conto, leitor?

De um simples passeio para a maior das dignidades

Fabiano era um simples romano como outro qualquer. Um “homem da rua”, como hoje se diria. E sequioso de notícias como são em todos os tempos os seus congêneres.

Ora, havia em Roma, ainda recente uma grossa novidade: morrera o Papa. E estava em gestão uma novidade ainda maior: ia ser escolhido pelo povo o novo Pontífice. Nosso “homem da rua”, segundo o costume, saiu de casa e se misturou na multidão, reunida para a augusta escolha(1). Fabiano julgava chegar atrasado, isto é, a tempo somente de conhecer o resultado.

E este veio, bem diverso do que Fabiano podia imaginar. Do alto do Céu baixou uma pomba de esplendorosa alvura, e pousou sobre a sua cabeça. Por esse fato simbólico, o Espírito Santo deixava claro que designava Fabiano. A multidão, piedosamente entusiasmada, escolheu-o Papa. E Fabiano, que saíra à rua para passear, se viu alçado assim à dignidade inigualável de sucessor daquele de quem o Salvador disse: Tu és Pedra, e sobre essa pedra edificarei a minha Igreja. E as portas do inferno não prevalecerão contra ela (Mt 16, 18). E a partir daquele momento a “solicitude de todas as igrejas” (2 Cor 11, 28) passou a ser a única preocupação e a única atividade de sua vida.

Suma veneração pelos mártires

Aqueles remotos tempos se assemelhavam de algum modo aos nossos. A Igreja tinha adversários poderosos e implacáveis. O sangue dos mártires corria às torrentes em toda a vastidão do Império Romano. Também hoje a Igreja tem inimigos poderosos. E, por toda parte, também os católicos são perseguidos. É certo que os adversários de hoje (…) não são brutais como os de outrora.

Perseguem com o sorriso hipócrita nos lábios, e a mão estendida para a colaboração dolosa. (…) Hipocrisia ou brutalidade são acidentes. Em substância, o ódio é o mesmo.

Fabiano, cheio de veneração pelos mártires, começou seu Pontificado enviando por todo o Império sete diáconos e sete subdiáconos, para que recolhessem por toda a parte as atas dos martírios. Homem previdente, queria ele legar assim para toda a posteridade, estas narrações de uma heroicidade sem igual, escritas pelo sangue dos homens por amor ao Sangue de Cristo. De sorte que até a consumação dos séculos servissem de adorno à Igreja.

Vencedor de feras

Mas Fabiano não recebera em vão a visita da Pomba. O “homem da rua”, presumivelmente pacato e mediano, transformou-se em herói, e não apenas em colecionador e compilador de feitos heróicos de outros.

O imperador Filipe levava uma vida cheia de pecados. Sem embargo, quis assistir às vigílias da Páscoa e participar dos Santos Mistérios.

Fabiano, (…) em lugar de aceitar a presença escandalosa do pecador, (…) impediu que Filipe transpusesse os umbrais sagrados enquanto não confessasse seus pecados e não aceitasse de se colocar no lugar reservado então aos pecadores penitentes dentro da Igreja. Filipe cedeu.

E Fabiano, pela graça da Pomba [isto é, do Espírito Santo], venceu assim a fera. Feliz da Igreja quando é governada por varões que, fortalecidos pela Pomba, não teme as feras!

Bem entendido, as feras não gostam deste trato. No 13º ano de seu Pontificado, o Imperador Décio mandou decapitar Fabiano. Este é o fim sinistro do “homem da rua” visitado pela Pomba, e transformado por Ela em um vencedor de feras.

Na glória celeste, aos pés de Maria

Fim sinistro?

Consideremos o desfecho da história, tão e tão elevado, que a legenda áurea apenas o deixa discretamente subentendido. No momento em que a cabeça venerável de Fabiano foi cortada, uma corte rutilante de Anjos, provindo das alturas excelsas onde reinam o Padre, o Filho e o Espírito Santo, baixou para receber a alma santíssima do novo mártir. Fabiano subiu, subiu, levado pelos Príncipes celestes. Mas, por mais que ele subisse, a Santíssima Trindade parecia irremediavelmente inacessível. Depois de um glorioso itinerário através das Hierarquias infindáveis dos Anjos que o aclamavam e o elevavam com o cântico de seu afeto, Fabiano, extasiado de felicidade e de glória, foi deposto pelos Anjos aos pés de Nossa Senhora. E assim como através de um telescópio os astros mais distantes parecem aproximar-se de nós, assim também junto ao Coração de Maria, Fabiano se sentia inteiramente saciado pela presença de Deus. Como é doce e glorioso contemplar Deus face a face, aos pés do trono de Maria!

Rogai por nós e pela Igreja!

Nessas alturas celestes terminou o passeio do “homem da rua”, que fora pacatamente à procura de notícias sobre quem tinha sido eleito Papa. E até o fim do mundo haverá homens que digam: “São Fabiano, rogai por nós”. Eu, por exemplo. E tu também leitor.

“Rogai por nós”. Só isto? Rogai, São Fabiano, pela Santa Igreja Católica Apostólica Romana. (…)

Ó, rogai pela Igreja, São Fabiano!

 

1) Nos primórdios do Cristianismo os papas eram eleitos pela aclamação do clero e do povo congregados nas ruas de Roma para esta finalidade. A partir de 769 ficou estabelecido que o Sumo Pontífice seria escolhido apenas pelo clero romano, mantendo-se a aclamação popular como mera formalidade. Em 1059, o Sínodo de Latrão reservou aos cardeais o direito de eleger o novo sucessor de Pedro (cf. Legenda Áurea, Cia. das Letras, São Paulo).

Plinio Corrêa de Oliveira