São Fernando de Castela

Rei e arquétipo do batalhador incansável, São Fernando de Castela foi extraordinário exemplo do homem forte e herói, completado pelas antíteses harmônicas: alma mais vigorosa que o corpo, ímpeto maior que a musculatura; ideal ainda maior que o ímpeto; e uma total abnegação de si, em aras desse ideal.

De tal maneira que não se tratava de um César imaginando-se nos triunfos de Roma, mas de um verdadeiro santo que pensava no Céu…

Reflexão na festa de Pentecostes

No Cenáculo, um crepitar de ardor. Apóstolos e discípulos se encontram reunidos em torno de Maria Santíssima. De súbito, um grande estalo, “harmonioso e angélico”. O Espírito Santo desce e ilumina a todos, por meio da Virgem, sua Esposa. Dr. Plinio, com os olhos da fé, descreve Pentecostes.

 

É excelente comemorar a Festa de Pentecostes, a vinda do Divino Espírito Santo sobre toda a Igreja Católica, a qual naquele tempo era pequena. Constituíam-na Maria Santíssima, os Apóstolos e algumas pessoas que haviam permanecido na fé em Nosso Senhor Jesus Cristo, apesar de tudo quanto se passara na sua Paixão e Morte. E graças ao Pentecostes, o número de cristãos multiplicou-se de repente, além de toda a medida do excogitável.

Uma explosão harmônica e angélica

Quando desceram as labaredas, produziu-se dentro do Cenáculo um grande estalo, ouvido em toda a cidade de Jerusalém. Podemos supor que esse estampido tenha sido muito bonito, pois aquilo que Deus faz vem acompanhado, normalmente, de beleza e magnitude.

Não havendo — que seja do nosso conhecimento — dados concretos a respeito da natureza daquele estalo, e sem que nossa imaginação contrarie em algo a Sagrada Escritura, é-nos lícito conjecturar o seguinte: deu-se ele não sob a forma de um troar de artilharia (que ainda não existia), mas como uma explosão harmônica e angélica.

A palavra “explosão” traz consigo a ideia de desordem, de caos, pois significa a demolição de algo através da decomposição de seus elementos internos. Trata-se de uma destruição, gerada e seguida de desordens.

Na descida do Divino Espírito Santo houve precisamente o contrário: foi a vinda d’Aquele que é o Criador, a Ordem, a boa disposição das coisas. Seria natural, portanto, que naquela explosão (empregada no sentido da irrupção brusca, forte e enfática) os sons fossem angelicamente belos e concatenados, à semelhança de certas músicas iniciadas com uma retumbante abertura.

Podemos também imaginar que perfumes deliciosos se difundiram pelo ambiente! Nada ou muito pouco teriam a ver com o conceito comum de fragrância vendida em lojas comercias.  Seriam odores mais espirituais que materiais, espalhando-se por todo o universo palpável daqueles arredores, partindo do lugar onde se situava o Cenáculo.

Além dos sons harmoniosos e dos aromas, terão havido lindas reações da natureza como, por exemplo, pássaros que se reuniram e se puseram a entoar seus mais belos trinados. Enfim, pode-se supor que toda a Criação se rejubilou com a descida do Espírito Santo. Ele veio a Nossa Senhora e, por meio d’Ela, aos Apóstolos, sob a forma de línguas de fogo, transformando suas mentalidades e os santificando.

A partir de então, os Apóstolos passaram a atear esse fogo — ou seja, a ação da graça divina e a expansão da Igreja Católica — no mundo inteiro, e até hoje ele se difunde entre nós, fruto do milagre de Pentecostes.

A presença do Espírito Santo nos edifícios sagrados

Esse influxo do Espírito Santo podia ser percebido em certas igrejas, por exemplo a de Santa Cecília, onde fui batizado. Quando menino, ao entrar nesse templo, tinha a impressão de que ali pulsava uma vida difusa repleta de bênçãos as quais podiam como que ser seguradas pelas mãos. Tratava-se de uma mera impressão, porém muito palpável, comparada a uma chuva feita só de orvalho.

Essa igreja possuía uma acústica muito boa, e quando andávamos — minha irmã, uma prima nossa e eu — no recinto sagrado, nossos passos repercutiam harmoniosamente naquela atmosfera. Era um som bonito, do caminhar de três crianças inocentes, e tudo ali me proporcionava uma satisfação extraordinária.

Assim eram em geral as igrejas católicas, cujas bênçãos vêm de Deus através dos órgãos, dos vitrais, das imagens, colunas, arcos, etc. Tenho certeza de que muitos sentiram sensações semelhantes ao entrarem nos templos católicos, essa unção e essa graça especiais que não encontramos em nenhum outro lugar do mundo.

Tudo isso teve seu início no Cenáculo, no meu entender o primeiro ambiente da Terra inteiramente abençoado e sacrossanto, onde esta impressão permaneceu enquanto durou o prédio original e nele foram realizadas cerimônias sagradas. Essa presença de um certo imponderável em todas as coisas católicas é uma manifestação do Divino Espírito Santo, percebida pela primeira vez em Pentecostes.

Graças obtidas por Nossa Senhora

Podemos imaginar que, naquela ocasião, estava Nossa Senhora sentada numa cadeira de braços como se fosse um trono, colocado num estrado, tendo diante d’Ela os doze Apóstolos sentados em tronos menores, dispostos mais ou menos em semicírculo.

Todos rezavam, pois haviam feito um longo recolhimento espiritual e suplicaram graças, as quais desceram sobre cada um deles em torrentes, a rogos de Maria Santíssima, medianeira de todos os dons divinos. Segundo nos ensina a doutrina católica, Nosso Senhor sempre atende os pedidos de sua Mãe em nosso favor, e Ela tem para conosco toda espécie de misericórdias e bondades, alcançando-nos não apenas as graças de que necessitamos, como também o conhecimento exato e a justa ponderação de nossas faltas e imperfeições. Em seguida, o pesar, ou seja, a contrição. Esta é preciosa, pois torna agradável a Deus a alma até há pouco carregada de pecados.

Continuando a se dirigir a Deus, sempre por meio da Virgem Maria, a alma recebe graças e mais graças.

Quantos e que espécie de favores divinos os Apóstolos terão alcançado, estando assim juntos de Nossa Senhora, participando de seu convívio e com Ela conversando?

Podemos imaginar que, nessa situação, um deles talvez tenha se levantado, feito-Lhe uma vênia profunda, ajoelhou-se, acusou-se de seus pecados e pediu perdão.  E a Mãe de Deus, fitando-o com bondade e delicadeza inigualáveis, lhe diz: “Filho, vou rezar por ti. Tem certeza, teus pecados serão perdoados”. Permanecendo mais um tempo genuflexo, ele afinal se ergue e retorna ao seu lugar…

“Grand-retour”, a Pentecostes nos dias de hoje

Crepita um ardor na sala. E um a um, os demais Apóstolos procedem da mesma forma. Aproveitam para contar fatos da vida de Nosso Senhor, ocorridos no convívio deles com o Divino Mestre, que os outros ouvem com avidez extraordinária. Nesse ambiente — de um silêncio eloquente, ou eloquência silenciosa — o fervor aumenta e em determinado momento todos se sentem mais no Céu do que na Terra.

O espírito de Nossa Senhora paira a uma altura inimaginável, sem perder contato com os filhos d’Ela. Em certa hora, uma luz começa a aparecer. Quando ela se torna mais intensa e se generaliza, há um estouro harmônico e perfumado. Os anjos cantam, Nossa Senhora está recolhidíssima, como no instante em que se deu a Encarnação do Verbo em seu seio puríssimo, ou quando Ela segurou em suas mãos o Menino Jesus, logo após Lhe ter dado à luz, e seus olhares pela primeira vez se cruzaram.

Tudo isso se pode imaginar com cuidado, para não se cair em erro. Porque a imaginação voa, e é capaz de nos levar a sérios enganos. Assim, nunca devemos conjecturar algo que não esteja de acordo com a doutrina da Igreja baseada na Escritura, a qual foi redigida sob a inspiração do Espírito Santo. Contudo, nossa alma pode supor coisas que alimentem seu próprio fervor, e nos proporcionem a ideia de como os fatos se teriam passado.

Se houvesse hoje um milagre semelhante ao de Pentecostes, o que aconteceria?

Um dado fundamental distingue nossa época daquela. No tempo de Jesus Cristo existia o mal, como o prova a Paixão e Morte de Nosso Senhor tramada pelos seus adversários, que tinham sido reprovados pelo Redentor com veemência em suas pregações. Havia o mal, não porém a Revolução.  Esta é uma forma organizada, articulada, estruturada do mal, como se fosse um país invisível. Existe por toda a parte, trama contra o bem e procura atacar tudo quanto o represente.

Se em nossos dias sobreviesse fenômeno parecido com o de Pentecostes, teríamos de imaginar — com quanta alegria! — os anjos esmagando a Revolução pelo mundo afora. Seria, então, o nosso Grand-Retour, uma conversão completa, um total repúdio a todo o mal que havíamos feito, e um amor inteiro às virtudes e a todo o bem que éramos chamados a praticar e a realizar. Em suma, um voo à santidade, que abarca o perfeito amor a Deus e ao próximo, com o deliberado propósito de extinguir a Revolução sobre a face da Terra.

Temos assim uma proveitosa reflexão para a Festa de Pentecostes. 

São Simão Stock recebe a libré de Nossa Senhora

No momento em que tudo parecia perdido para a Ordem do Carmo, Maria Santíssima aparece a São Simão Stock e lhe concede o Escapulário, assegurando, assim, o florescimento e desenvolvimento da Ordem no Ocidente, e sua continuidade até os nossos dias.

 

Hoje é festa de São Simão Stock, confessor. Ele era da mais alta nobreza da Inglaterra, e foi Prior Geral da Ordem do Carmo. Recebeu o Santo Escapulário das mãos de Nossa Senhora, como sinal da predileção d’Ela pela Ordem. Deu o primeiro grande impulso à vida contemplativa carmelitana. Século XIII.

Ponte desde os primórdios da devoção mariana até o fim do mundo

A respeito de São Simão Stock e da Ordem do Carmo, é preciso termos bem em mente a importância da obra deste santo numa linha muito alta das coisas, para compreendermos bem quão grata nos deve ser a festa que hoje se comemora.

Tendo o Profeta Elias fundado os antecedentes da Ordem do Carmo, esta representou o primeiro filão da devoção marial no mundo. Elias simboliza o extremo da devoção a Nossa Senhora e lutará, no fim do mundo, contra o Anticristo e contra os últimos inimigos de Nosso Senhor. E constitui, portanto, uma espécie de ponte, desde o início da devoção a Maria Santíssima, séculos antes d’Ela ter nascido, até a luta contra os últimos inimigos de Nossa Senhora, que estarão acabando com o Reino de Maria, e contra os quais vai lutar precisamente Santo Elias.

Compreende-se, portanto, a importância dessa ponte que se estabelece desde os primórdios da devoção mariana até o fim do mundo, e dessa continuidade, para o espírito contrarrevolucionário e para a verdadeira piedade marial.

Ordem do Carmo transformada em destroços

Consideremos a emergência diante da qual São Simão Stock foi levado a realizar o seu apostolado.

Tinha havido as invasões dos sarracenos, e a Ordem do Carmo, que existia no Oriente, estava perseguida, enxotada e muitos religiosos passaram a viver no Ocidente.

Mas no Ocidente eles não se aclimatavam. Havia indiferença para com eles, não se compreendia o que eram, e estavam meio dispersos. São Simão Stock era o Geral deles, mas não exercia uma autoridade efetiva sobre uma Ordem propriamente constituída; podemos dizer que a Ordem do Carmo estava transformada em destroços que boiavam sobre um mar revolto, e não era mais um navio, com uma estrutura jurídica coesa e uniforme, capaz de conservar um espírito, de promovê-lo e transmiti-lo à posteridade.

E foi nessa situação que ele, rezando a Nossa Senhora com muita devoção, pediu que Ela não deixasse morrer a Ordem do Carmo.

No auge dessa aflição em que se encontrava o santo, a Mãe de Deus lhe apareceu e deu-lhe o Escapulário do Carmo. Não é propriamente esse bentinho que se usa comumente, mas aquele escapulário grande, à maneira de uma libré, que se colocava sobre a túnica.

Tratava-se de uma época em que ainda se usava muito a túnica, como traje civil comum. E os homens que pertenciam a alguém vestiam, por cima de sua túnica, uma espécie de túnica menor — com a forma do atual escapulário do Carmo — a qual indicava, pela cor e por outras características, o senhor a quem aquele homem servia. Portanto, a Virgem Santíssima indicou aquela veste como libré d’Ela, que os carmelitas deveriam portar sobre a batina.

Depois dessa intervenção de Nossa Senhora, a Ordem do Carmo começou a florescer e a se desenvolver extraordinariamente no Ocidente. E para falar apenas em três frutos desta Ordem, citemos Santa Teresa de Ávila, São João da Cruz e Santa Teresinha do Menino Jesus. Quer dizer, três sóis no firmamento da Igreja.

Lição de confiança

Entretanto, mais do que isso — e não hesito em afirmar que é mais —, assegurou a continuidade da Ordem até os nossos dias. Foi, portanto, uma missão enorme que esse santo cumpriu.

Ele foi o traço de união entre a vida ocidental e a vida oriental da Ordem. E no momento em que, nessa espécie de istmo entre esses dois continentes históricos, a Ordem se adelgaçava a ponto de parecer sumir, precisamente nesse momento, Maria Santíssima intervém para salvar e dar muito mais do que havia antes. A Ordem teve, no Ocidente, uma prosperidade muito maior do que tivera no Oriente.

Nas obras que Nossa Senhora ama, as coisas podem chegar a ponto de se despedaçarem, se estraçalharem quase completamente. Tudo parece perdido, mas é o momento que Ela reserva para intervir.

As grandes intervenções de Deus são precedidas por uma fase onde tudo parece destruído, para ficar inteiramente claro que nenhum socorro humano adianta de nada. Depois de provado que tudo quanto era humano fracassou, na hora da desolação e do caos, Deus intervém, por meio de Nossa Senhora, e salva a situação. Foi o que se deu com a história da Ordem do Carmo. Ou seja, uma lição de confiança magnífica dada para todos os carmelitas no decurso dos séculos.

Vamos, então, nos recomendar hoje a São Simão Stock.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 16/5/1966)

 

O início de uma epopeia!

Reunidos em torno de Nossa Senhora no Cenáculo, Apóstolos e Discípulos são tomados de ardor quando, de súbito, o Espírito Santo desce e os ilumina. A partir de então, tudo mudaria em suas vidas.

 

Depois da morte de Jesus, os Apóstolos passaram alguns dias meio estonteados. Porém, permaneceram no Cenáculo aos pés de Nossa Senhora, e com isto foram recobrando as graças que mesmo as almas mais infiéis readquirem ao se porem junto à Virgem Maria.

Quando Nosso Senhor apareceu-lhes após a Ressurreição, houve uma espécie de processo de conversão, ao longo do qual o Redentor apareceu-lhes várias vezes, tornando evidente o seu triunfo e patente o seu caráter divino.

O ápice glorioso e definitivo deste período de ascensão — durante o qual foram como que se quebrando as crostas que havia na alma dos Apóstolos e Discípulos — foi o dia de Pentecostes, quando estavam reunidos, em recolhimento e oração muito elevada, no Cenáculo. Nossa Senhora presidia a reunião; junto a Ela estava São Pedro, o Príncipe dos Apóstolos, bem como todos os demais Apóstolos, aqueles que por excelência são o sal da terra e a luz do mundo.

Sob a forma de chamas, desce o Espírito Santo

Cada vez mais o Espírito Santo agia sobre eles de um modo profundo, e a oração tornava-se mais elevada; em determinado momento, produziu-se um enorme estrondo e o Paráclito entrou naquela sala, sob a forma de chamas. Uma grande chama pousou sobre Maria Santíssima e depois se dividiu em várias outras sobre os Apóstolos.

Eles saem do Cenáculo e começam a pregar, produzindo um verdadeiro acontecimento na cidade. Encontram-se de tal maneira entusiasmados com o fogo do Espírito Santo, tão alegres, contentes, com tanta força, que muitos pensam estarem eles embriagados.

É o que a linguagem da liturgia chama de “a casta embriaguez do Espírito Santo”: um entusiasmo que não vem da intemperança, mas de uma plenitude da temperança, que faz com que a alma, inteiramente senhora de si e dominada por Deus, profira palavras tão sublimes e diga coisas tão extraordinárias, com tanto fogo, que muitas dessas coisas nem são adequadamente captadas pelos outros. Mas são coisas que arrebatam a todo mundo. Começa, então, a expansão da Igreja com uma plenitude do Espírito Santo, que nunca a abandonará.

A plenitude do Espírito Santo penetra na Igreja Católica

Desde aquele momento, onde houver autênticos católicos haverá uma presença do Divino Espírito Santo que se faz sentir pela infalibilidade da doutrina, pela continuidade da santidade, pelo vigor apostólico, e por um certo ambiente indefinível que é a alegria da alma do católico, por onde sabe-se que a Igreja Católica é a única verdadeira, eternamente a Igreja verdadeira, independente de provas ou de apologéticas.

Quantas vezes, entrando em alguma igreja, temos de repente uma sensação sobrenatural de recolhimento, enlevo, que nos leva a dizer: “Esta é a verdadeira Igreja! O que não for isto é erro, mentira e impostura. A ela quero me dar inteiramente!”

Essa sensação é uma centelha do fogo de Pentecostes, desta permanência definida e definitiva do Espírito Santo entre os verdadeiros fiéis.

Em Pentecostes, o início de uma epopeia…

Durante sua vida, Nosso Senhor fundou a Igreja. Mas, quando Ele morreu, ela era ainda como um edifício inacabado.

Morrendo na Cruz, Jesus regou a Igreja com seu Divino Sangue. Até então, ela era como uma planta que apenas começara a germinar, a se desenvolver, mas que não tinha dado ainda nem frutos nem flores. Com a descida do Espírito Santo, os frutos e as flores aparecem, e a Igreja começa a se mostrar com a sua força e sua beleza definitivas. A partir desse momento, com alguns Apóstolos que se dispersam, se inicia a grande epopeia da Igreja Católica.

Alguns permanecem no Oriente Médio, outros vão pregando nas mais variadas regiões da Terra; uns fracassam, outros têm êxito. Os que têm êxito fundam a Cristandade, a qual se eleva acima de todas as nações da Terra e a domina.

A obra de Nosso Senhor Jesus Cristo adquiriu em Pentecostes a sua plenitude, pois até então os Apóstolos não viam, não entendiam, não agiam bem; com Pentecostes, de repente, tudo mudou.

Essa graça lhes veio por meio de Nossa Senhora. O fogo pousou sobre a cabeça d’Ela para depois se dispersar sobre todos os outros, a fim de dar a entender que a Virgem Maria é a Medianeira de todas as graças, tudo nos vem por meio d’Ela.

Desejo de um novo Pentecostes

Pentecostes, só houve um e não existirá outro até o fim do mundo. Mas poderá haver fatos análogos a Pentecostes. Quer dizer, aqueles que se juntam a Nossa Senhora para rezar, em determinado momento podem ser visitados por uma graça súbita, extraordinária. E mesmo os mais opacos, os mais tíbios e os mais transviados podem, de repente, ficar cheios da embriaguez do Divino Espírito Santo.

Nós estamos numa época em que cada vez mais o espírito das trevas progride, avança e parece dominar tudo. Não seria lógico, simétrico, razoável e proporcional que, no momento onde o Espírito Santo parecesse completamente enxotado da Terra, Ele de repente voltasse? E voltasse com um grande estrondo e todas as coisas começassem a se modificar? Seria uma coisa concebível.

Quem sabe se o “Grand Retour” que nós esperamos terá essa forma? Quem sabe se um acontecimento, um fato, uma graça nos mudará a todos num instante e, afinal de contas, seremos aquilo que devemos ser?

Aos pés de Nossa Senhora se recebe o Espírito Santo

É bom termos em mente a noção de que, aos pés de Nossa Senhora, se recebe o Divino Espírito Santo; e quem obtém o Divino Espírito Santo possui a própria fonte de todas as graças, e assim se converte completamente. Portanto, pedindo em união com Maria obteremos repentinamente a graça que tanto penamos para conseguir, mas por nossa maldade não correspondemos suficientemente e ficamos na nossa cegueira. Exatamente como os Apóstolos, que lutaram algum tanto para ter essa graça, mas corresponderam de um modo incompleto e ficaram no estado em que sabemos.

Devemos apresentar, por meio de Nossa Senhora, esta oração a Nosso Senhor Jesus Cristo: “Enviai para este mundo revolucionário, corrupto, transviado, cego, abobado, o Divino Espírito Santo, e todas as coisas serão como que novamente criadas; tudo reflorescerá. E Vós, meu Deus, tereis renovado a face da Terra.”

Peçamos a Nossa Senhora que Ela obtenha para nós o Divino Espírito Santo, e assim tomaremos uma nova vida. É isso que, com confiança, com espírito fiel, precisamos pedir no dia de Pentecostes. Tenho certeza de que essa oração será atendida. Porque, se é verdade que para quem bate se abre, para quem pede se dá, isto é sobretudo aplicável à oração na qual rogamos o Divino Espírito Santo.

O que, acima de tudo, Nossa Senhora quer nos conceder é o bom espírito, do qual o Espírito Santo é a fonte. Todas as outras graças são colaterais. 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/5/1972)

 

Visita de Nossa Senhora a sua prima Santa Isabel

Ao entoar o seu Magnificat, Nossa Senhora se alegra pelo fato de Deus, tendo considerado a sua pequenez, querer exaltá-La, estabelecendo com Ela uma gloriosa relação. “Engrandeceu-me, e nisto agiu santamente Aquele que é poderoso, pois o me ter feito grande redundará em benefício e obra de misericórdia para todas as gerações, em todas as épocas da História” — é o pensamento que A inspirava.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 27/9/1990)

São Matias, Apóstolo Modelo de fidelidade, honestidade e desapego

Não obstante a breve referência que dele se faz no texto sagrado, a figura do Apóstolo São Matias sugere a Dr. Plinio o perfil de um “varão bem-amado de Deus”, suscitado pela Providência para, com o exemplo de suas virtudes, apagar a mancha que o discípulo traidor deixara na história da Igreja.

 

Como se sabe, São Matias foi escolhido por meio de um sorteio, para substituir Judas Iscariotes no colégio apostólico. Sobre ele podemos ler alguns comentários, primeiramente em Dom Guéranger, abade de Solesmes. Escreve este:

Pouco se sabe sobre São Matias. Somente que foi escolhido, após a Ascensão do Senhor, para substituir o traidor Judas Iscariotes. De acordo com uma antiga tradição grega, pregou o Evangelho na Capadócia e nas costas do Mar Cáspio e foi martirizado na atual Etiópia.

Alguns traços de sua doutrina foram conservados por São Clemente de Alexandria, entre eles uma sentença que parece ter sido característica desse apóstolo em sua pregação:“É preciso combater a carne e servir-se dela sem deleitá-la com culpáveis satisfações. Quanto à alma, devemos desenvolvê-la pela fé e pela inteligência”.

“Dom de Deus”

Outra biografia assim nos apresenta a pessoa e a vida do jovem Apóstolo:

Matias é nome freqüente entre os judeus e quer dizer “dom de Deus”. É o apóstolo que recebeu o dom do grande privilégio de ser agregado aos doze, tomando o lugar vago deixado pela deserção de Judas Iscariotes. Sua eleição foi mediante sorteio, após a Ascensão do Senhor, pela proposta de Simão Pedro, que em poucas palavras fixou os três requisitos para o ministério apostólico: pertencer aos que seguiam Jesus desde o começo, ser chamado e enviado: “É necessário, pois, que, destes homens que nos acompanharam durante todo o tempo em que o Senhor Jesus viveu no meio de nós, a começar pelo batismo de João até o dia em que nos foi arrebatado, haja um que se torne conosco testemunha de sua ressurreição”.

Espectador da vida e obra de Jesus

Matias esteve, portanto, constantemente próximo de Jesus desde o início até o fim de sua vida pública. Testemunha de Cristo e mais precisamente da sua ressurreição, pois a ressurreição do Salvador é a própria razão de ser do cristianismo. Matias, portanto, viveu com os onze o milagre da Páscoa e poderá com todo o direito anunciar Cristo ao mundo, como espectador da vida e da obra de Jesus “desde o batismo de João”.

Também as segunda e terceira condições — ser divinamente chamado e enviado — estão claramente expressas pela oração do colégio apostólico: “Senhor, tu que conheces o coração de todos, mostra qual destes dois escolhestes”.

A eleição de Matias por sorteio pode nos causar espanto. Tirar a sorte para conhecer a vontade divina é método muito conhecido na Sagrada Escritura. A própria divisão da Terra Prometida foi mediante sorteio, e os Apóstolos julgaram oportuna a conformidade com esse costume. Entre os dois candidatos propostos pela comunidade cristã — José, filho de Sabá, cognominado o Justo, e Matias — a escolha caiu sobre o último. O novo Apóstolo, cujo nome brilha na Escritura somente no instante da eleição, viveu com os onze a fulgurante experiência de Pentecostes antes de se encaminhar, como os outros, pelo mundo afora a anunciar “a glória do Senhor”.

Nada se sabe de suas atividades apostólicas, nem se morreu mártir ou de morte natural, pois as narrações a seu respeito pertencem aos escritos apócrifos. À tradição da morte por decapitação com machado se liga o seu patrocínio especial aos açougueiros e carpinteiros(1).

Atraente e intuída personalidade

Essas curtas descrições nos levam a  imaginar o que poderia ter sido a pessoa e a vida de São Matias. Quem era ele, afinal?

A narração do Evangelho, em geral sucinta, nos revela diversas personalidades, das quais o texto diz muito pouco, mas, pela natureza da missão delas, nos é dado delinear o perfil que tinham. Então, a respeito delas, adivinha-se algo que é quase mais saboroso em sua intuição do que nos traços biográficos propriamente ditos.

Tal se verifica, por exemplo, com a figura de São José. Deste só conhecemos a missão que lhe foi confiada e a correção com que a desempenhou. Entretanto, a respeito da sua personalidade, na letra sagrada, há apenas a afirmação de que era um varão justo. Nada mais. Ora, há mil coisas que se pode adivinhar dele, pelo simples fato de ter sido esposo condigno de Nossa Senhora, escolhido pela Providência, com a conseqüente paridade em relação à esposa que o perfeito casamento exige. Portanto, de São José compreendemos coisas indizíveis, embora não o revele a narração evangélica.

Aquele que apagou a mancha deixada pelo traidor

Imaginemos, então, quem foi São Matias.

Uma imensa lacuna se produzira no colégio apostólico. E o mais doloroso da história de todos os tempos: essa lacuna foi causada por um apóstolo traidor, que prevaricou a troco de dinheiro. O lugar dele ficou vazio, e era preciso alguém que, por suas reconhecidas virtudes, reparasse perante a justiça Divina o mal praticado por Judas Iscariotes. Necessário se fazia que o escolhido fosse um “anti-Judas”, alguém excelente na linha em que aquele foi péssimo, um homem que se demonstrasse admirável em tudo quanto Judas se mostrou abominável e execrável.

Assim, através dessas características, nos aparece São Matias, o discípulo da fidelidade e do desapego, o apóstolo da honestidade e da lealdade.

Um comentário a respeito dessa sentença que lhe atribuem: “É preciso combater a carne e servir-se dela sem deleitá-la com culpáveis satisfações. Quanto à alma, devemos desenvolvê-la pela fé e pela inteligência”. Por bela que seja, essa afirmação não rompe inteiramente o silêncio que pesa sobre São Matias. De maneira que, acredito, somente no Juízo Final provavelmente saberemos algo sobre a vida dele. Então conheceremos como terá sido de fato esse varão bem-amado de Deus, que realizou a extraordinária missão de ser aquele que, pela luz de sua virtude, apagaria a mancha de Judas na história da Igreja.

 

(Extraído de conferência em 23/2/1966)

 

1) Um santo para cada dia, Editora Paulus, 406 páginas.

São Francisco Di Girolamo

Pregador incansável pela conversão dos pecadores, São Francisco Di Girolamo soube conservar-se inteiramente humilde e abnegado, apesar do estrondoso sucesso que obtivera em seu apostolado. Homem a quem a própria Virgem Santíssima recomendara aos pecadores, São Francisco arrastava as almas ao caminho do bem, por sua despretensão e humildade.

Em legado ao bem que realizou, a Providência concedeu-lhe uma das mais belas mortes. Rendeu ele seu espírito ­cantando o “Magnificat”, cântico com que a própria Mãe de Deus louvou o Padre Eterno pelos dons que recebera.

Uma vida cheia de glória que proclamava humilde e alegremente sua plenitude, no momento derradeiro de seu ocaso.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 10/5/1968)

São Francisco de Jerônimo: despretensão e amor ao sacrifício

Quem se deixa dominar pelo orgulho perde todas as virtudes que eventualmente possua. Mas ao despretensioso todo o resto lhe será dado por acréscimo.

 

Em 11 de maio comemora-se a festa de São Francisco de Jerônimo, cuja biografia contém os seguintes dados(1):

São Francisco de Jerônimo nasceu em 17 de dezembro de 1642.

Grande pregador em Nápoles

Tornando-se jesuíta, seu maior desejo era ser missionário nas Índias e Japão, mas Deus o destinou a evangelizar o reino de Nápoles, trabalho ao qual se dedicou de corpo e alma.

Preparou, para auxiliá-lo, uma confraria de artesãos que se chamou Oratório da Missão; além de outros numerosos trabalhos, seus membros todos os domingos acompanhavam São Francisco em suas pregações pelas ruas e praças de Nápoles. Saíam cantando da Igreja de “Gesù Nuovo” e, em procissão, dirigiam-se aos locais mais frequentados.

Ao avistarem a procissão, os elementos de má vida abandonavam, sem cólera, o que estavam fazendo.

Francisco subia, então, a um lugar mais elevado e falava ao povo. Começava descrevendo, com energia, os horríveis efeitos do pecado e os castigos que esperavam o pecador.

Quando o temor estava em todos os corações, ele falava sobre a misericórdia de Deus. Depois dizia aos presentes que faria penitência por si e por eles. Ajoelhava-se ante uma cruz e, com o rosto em lágrimas, flagelava-se com uma disciplina de ferro. Não era preciso mais para o povo segui-lo, cheio de arrependimento.

Grande devoto da Virgem, que frequentemente enviava-lhe os pecadores que desejava se convertessem. Tornou-se famoso o caso de um homem, há muito afastado da Igreja, que Nossa Senhora o protegeu por causa do respeito com que saudava as suas imagens. Apareceu-lhe três vezes, ordenando que procurasse Francisco para se confessar.

São Francisco de Jerônimo morreu em 1716, cantando o “Magnificat” em agradecimento pelas graças que recebera em sua vida.

Meio publicitário de primeira ordem

Essa vida é uma verdadeira beleza! Vê-se como a graça prepara as pessoas de acordo com o ambiente em que elas devem atuar. É uma coisa evidente que este homem, que desejava fazer a pregação na distante China, no distante Japão, tinha todo o necessário para pregar na própria Itália. Ele era italianíssimo e o modo de ele fazer sermões o era também. É o Sul da Itália, todo entusiasmado por música, por cerimônias externas, por procissões, por aparato, gente com a imaginação quente, fértil, ao contrário dos nórdicos.

Vejam como é bem calculado ele sair, pelo Sul da Itália ensolarada, de dentro de uma igreja napolitana, com um grupo de gente cantando e fazendo uma procissão. É muito diferente, por exemplo, de um grupo de ingleses saindo da Catedral de Westminster, cantando e fazendo procissão nas brumas de Londres. Na Itália tudo isso toma outro aspecto, outra poesia.

Este Santo está inventando, portanto, um processo publicitário de primeira ordem para chamar a atenção num lugar onde todo mundo canta: a poética Itália daquele tempo, em que se trabalhava pouco e se vivia muito e melhor.

Imaginem as ruas estreitinhas da Itália daquela época, pelas quais as pessoas, saindo da Igreja do Gesù, caminham cantando hinos sacros. Todo mundo vai ver passar a procissão, até mesmo as pessoas de má vida. Sobe o santo num local mais elevado e começa a falar.

Agudo senso psicológico no agir

E notem o alto senso psicológico no agir: São Francisco entende bem que, para aquele gênero de gente, é preciso começar a falar pelo temor, pois se trata de pessoas embrutecidas, endurecidas no pecado e, no seu atual estado de espírito, incapazes de amor. Então, para descolar o apego desta gente aos bens da Terra, é necessário começar a dizer-lhes que são bens efêmeros, passageiros e, depois, falar das chamas do Inferno, no duro.

Depois de tê-los amedrontado bem e, pelo temor, produzir neles um início de desapego em relação aos bens terrenos, ele passa a falar da misericórdia para dar a esperança dos bens futuros, nutrir o amor de Deus e fazer com que Ele comece a lhes aparecer com a sua face amorosa.

Vemos, assim, o quanto esse caminho, pelo temor para o amor, faz bem. Toda espécie de aventureiro, de mafioso, de sem-vergonha de fundo de bodega, sai e começa a comentar:

— Mas como é esse Inferno? Pega fogo mesmo?! Como é esse fogo?

E ouvem a voz do Santo:

— Morre-se de repente… Cuidado com a morte súbita! Olhai o que aconteceu, no vosso bairro, com a Margherita — porque tem que ser assim, personalizado; para a oratória popular a coisa não pode ficar em teoria —, que morreu enquanto estava pendurando a roupa no varal. Quem haveria de dizer? Agora, eu pergunto: o mesmo não pode suceder com qualquer um dentre vós?

Dirige-se a um ouvinte e pergunta:

— Você não teve já uma tontura?

— Eu já tive.

Outro pensa: “Eu também tive, mas não conto!”

De repente, por essas “coincidências” de que os oradores assim inspirados são capazes, São Francisco diz:

— Você conta que teve! Mas não haverá alguém aqui que não tem coragem de contar que já sofreu alguma tontura?

E aquele que fizera o propósito de não contar, pensa: “Esse homem adivinhou o que está se passando em mim!”

Varão humilde que derrama o próprio sangue

Estando os espíritos assim vacilantes, ele começa então a falar da misericórdia. Mas aí há uma prática em que a justiça e a misericórdia se osculam: depois de falar da misericórdia, São Francisco dá uma prova da necessidade da justiça e uma amostra da imensidade da mesma misericórdia. E ele mesmo vai junto a uma cruz, ajoelha-se e diz: “Este sangue que vou derramar é por vós!” E começa a se flagelar. E vê-se correr o sangue do inocente, enquanto o pecador está embaixo, olhando e refletindo:

“Mas será possível? Eu fugiria na disparada para evitar essa sova, e ele a leva por mim! Que coisa fabulosa!”

E a graça começa a atuar. Não há coisa mais eficaz do que uma dupla graça: a da humildade e a do sangue derramado. Ou seja, ouvir um pregador destes que tem a coragem de falar sem procurar chamar a atenção sobre si, sem ser vaidoso, sem fazer espetáculo; ele está empolgando toda aquela gente, mas pensando abnegadamente na salvação das almas e na causa da Igreja, e não está preocupado nem um pouco consigo. Pelo fato de sentirem que não há nele egoísmo, ele arrasta os outros para abandonarem o seu egoísmo. Ademais, ele leva isso à generosidade de derramar o seu próprio sangue.

Esse fato me traz à memória um dito de Napoleão. Certa vez, quando ele estava no fastígio de sua glória e já pensando em proclamar-se imperador, perguntaram-lhe:

— Por que não te fazes aclamar Deus?

Ele respondeu:

— Porque, depois de Jesus Cristo, só há um meio de ser tomado a sério como Deus. É subir numa cruz e fazer-se crucificar. E ser crucificado eu não quero.

“Christianus alter Christus”(2). São Francisco de Jerônimo não se crucificava, mas para ser tomado a sério ele se flagelava. E no ato de açoitar-se, feito com humildade e desprendimento — porque uma flagelação orgulhosa não conseguiria coisa alguma —, ele levava as almas atrás de si.

Vemos, então, qual é o resultado dessas missões, o lindo fecho dessa biografia: um pecador a quem Nossa Senhora aparecia, recomendando que o fosse procurar. Um homem que, apesar desse sucesso estrondoso, se conserva inteiramente humilde e abnegado até o fim de sua vida, e que morre num ato de humildade, atribuindo tudo à Santíssima Virgem, como devia atribuir — porque, como diz São Paulo, cada um de nós é um servo inútil —, e cantando o “Magnificat” para agradecer os dons de que ele fora objeto.

A morte deste Santo é uma das mais belas que pode haver: morrer entoando o cântico com que Nossa Senhora agradeceu os dons que Ela mesma recebeu de Deus! Uma vida cheia e que proclamava, humilde e alegremente, sua própria plenitude no momento do seu ocaso. Sem dúvida, é uma vida que mereceria que uma pessoa fizesse um poema a respeito dela.

A tentação de vaidade

Alguém poderia dizer-me:

“Doutor Plinio, o senhor não está engrandecendo um pouco demais o personagem? O senhor se refere a ele como se fosse um homem que tivesse calcado aos pés todos os louros do mundo, quando ele, afinal de contas, era um modesto pregador popular. O que era isto em comparação com um grande orador acadêmico?”

E eu respondo: uma das coisas mais difíceis é o indivíduo resistir ao apelo da demagogia, à sedução desse contato vivo com a multidão e a essa sensação de estar conduzindo as almas porque está guiando o povo. Essa é a tentação de vanglória mais difícil de ser vencida, debaixo de muitos pontos de vista, do que a de vaidade de quem está falando para um grande auditório frio, que ouve tudo com senso crítico e, depois, aplaude batendo com as pontas dos dedos na palma da mão.

Imaginem alguém convidado para falar na Academia Francesa de Letras — um dos mais altos cenáculos literários do mundo —, e vendo as fisionomias daqueles franceses críticos, ouvindo sua palestra. Terminada a exposição, dizem simplesmente: “Oh, bien…” O que é isto em comparação com um homem que vai carregado pelo povo que o aclama com “vivas” etc.? Aquele turbilhão do entusiasmo popular e “populacheiro” que inebria mais, assim como um determinado gênero de vinho popular embriaga mais do que a “champagne”. É uma magnífica amostra do que pode um homem, como vitória contra as formas fáceis de popularidade, perseverando na humildade e, por isso mesmo, levando as almas a Nossa Senhora.

Lembro-me de ter lido o seguinte episódio na biografia de São Vicente Ferrer, que talvez tenha sido o maior missionário de todos os tempos, depois de São Paulo. Quando fazia missões de cidade em cidade, o povo de uma localidade ia acompanhando-o a pé pelo caminho, e a população da outra vinha ao encontro dele e o conduzia, debaixo de um pálio, para a cidade seguinte onde ele deveria pregar. Quando o santo pregador entrava, era como um soberano que estivesse chegando: todos os sinos tocavam. E, naquele tempo, o sino era o máximo da consagração; era como a televisão de hoje.

No meio de toda aquela popularidade, enquanto ele entrava em Barcelona, onde lhe haviam preparado uma consagração apoteótica, alguém se aproximou dele e perguntou: “Irmão Vicente, não vos sentis vaidoso?”

Ele deu a resposta do homem humilde: “A vaidade esvoaça do lado de fora de mim, mas não entra”.

Quer dizer, “eu sinto a tentação da vaidade, mas não consinto”. Vejam que beleza são essas coisas, que fazem de um pequeno detalhe da vida de um Santo uma verdadeira maravilha.

A despretensão

Que isso nos toque e nos sirva de exemplo. O que eu mais desejo para mim e para cada um de nós é a despretensão. Não nos preocuparmos com o que estão pensando de nós, em fazer bonito papel diante dos outros, mas sermos indiferentes aos aplausos ou às vaias. E sabermos calmamente tocar o nosso caminho, executando aquilo que Nossa Senhora quer de nós, compreendendo que, para Deus, todo homem é pecador, tem defeitos, e as virtudes que ele possa ter lhe vêm de Deus Nosso Senhor, porque não saem de sua natureza contaminada pelo pecado original; portanto, pelos rogos de Maria, tudo deve ser agradecido ao Criador.

Aliás, é preciso dizer, ser vaiado por levar o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo a um ambiente hostil é uma bem-aventurança, pois significa sofrer perseguição por amor à justiça. Indica um belo grau de humildade o conservar-se despretensioso num ambiente onde há simpatia para conosco, porém é mais difícil, ao ser vaiado, manter-se humilde, mas sobranceiro.

Eu os convido, portanto, a praticarmos juntos, nesses seus dois aspectos, a virtude da humildade, enfrentando com sobranceria a vaia e preparando as nossas almas para dominar o contínuo apetite de sermos bem-vistos e louvados pelos outros, e de, veladamente ou não, nos julgarmos superiores em relação aos demais.

Que Nossa Senhora nos conceda essa despretensão e eu lhes garanto que todo o resto lhes será dado por acréscimo. 

 

(Extraído de conferência de 10/5/1968)

 

1) Não dispomos dos dados bibliográficos da ficha utilizada nesta conferência.

2) Do latim: O cristão é outro Cristo.

Os pastorinhos de Fátima e o Segredo de Maria

Que maravilhas da graça se operaram nos corações de Jacinta e Francisco por ocasião de seus encontros com a Santíssima Virgem? Que virtudes a ação da celeste Senhora fez desabrochar naquelas humildes crianças? No presente artigo Dr. Plinio nos dá a resposta desvendando algo do Segredo de Maria ao constatar a vitória do Imaculado Coração de Maria nas almas dos dois videntes de Fátima.

 

Há uma ficha para nós comentarmos aqui: “Última aparição de Nossa Senhora em Fátima”, do Pe. João M. de Marchi, IMC, no livro: “Era uma Senhora mais brilhante que o sol”(1).

A verdadeira diretora espiritual das crianças foi, todavia, essencialmente Nossa Senhora. Falo das crianças: Jacinta, Francisco e Lúcia.

A bondosa Senhora da Cova da Iria tomou à sua conta a realização desta obra-prima. E como não podia deixar de ser, levou a cabo com pleno êxito. Das suas mãos prodigiosas saíram três anjos revestidos de carne, mas que ao mesmo tempo eram três autênticos heróis. A matéria-prima era de uma plasticidade admirável. E da Artista, que mais dizer?

Na sua escola, os três serranitos deram, em breve tempo, passadas de gigante no caminho da perfeição. Neles se verificou, à letra, as palavras de um grande devoto de Maria, o Beato Grignion de Montfort: “Na escola da Virgem a alma progride mais numa semana do que em um ano fora dela”. A pedagogia da Mãe de Deus não sofre confrontos. Em dois anos, a Virgem Santíssima conseguiu erguer os dois irmãozitos, Francisco e Jacinta, até os cumes mais elevados da santidade cristã.

O retrato que a mão segura de Lúcia nos traça sobre Jacinta é revelador: “A Jacinta tinha um porte sempre sério, modesto e amável que parecia traduzir a presença de Deus em todos os seus atos. Próprio das pessoas já avançadas em idade e de grande virtude. Não lhe vi nunca aquela demasiada leviandade e o entusiasmo próprio das crianças pelos enfeites e brincadeiras isto depois das aparições). Não posso dizer, que as outras crianças corressem para junto dela, como faziam para junto de mim. E isto talvez porque ela não sabia tanta cantiga e historieta para lhes ensinar e as entreter, ou então porque a seriedade de seu porte era demasiado superior à sua idade. Se na sua presença alguma criança, ou mesmo pessoas grandes, diziam alguma coisa ou faziam qualquer ação menos conveniente, repreendia-as dizendo: “Não façam isso, que ofendem a Deus Nosso Senhor. E Ele já está tão ofendido!” (…)

Francisco sentia-se atraído por uma vida de asceta e de contemplativo. Frequentemente desaparecia da vista das duas meninas, mantendo-se em lugares ermos e ficava a pensar.

— Que estavas aqui a fazer há tanto tempo? Perguntou-lhe Lúcia.

— Estava a pensar em Deus que está tão triste por causa dos muitos pecados!  Se eu pudesse O consolar! Jesus está tão triste e eu quero confortá-lo com oração e penitência.

Em outra ocasião dizia: “Gosto muito de Deus. Mas Ele está tão triste por causa de tantos pecados. Nós não devemos fazer nem o mais pequeno pecado!”

Um dia em que a Lúcia cedeu às instâncias das amiguinhas para tomar parte em divertimentos próprios da idade, Francisco chamou-a de lado e disse-lhe muito sério:

— Então tu voltas a essas brincadeiras depois de Nossa Senhora nos ter aparecido?

— Então, pediram-me tanto!…  — escusava-se a Lúcia.

Mas o Francisco lógico e severo lhe retorquia:

— Toda a gente sabe que Nossa Senhora te apareceu, então não devem estranhar que tu já não queiras bailar!…

Trata-se aqui daquele bailado português em que as pessoas se tocam com as mãos. São aquelas figuras de bailado camponês.

As crianças aproveitavam as entradas e as saídas das escolas para irem visitar Nosso Senhor, passando longas horas ao pé do Tabernáculo.

A Jacinta e o Francisco, sobretudo, que tinham a promessa da Virgem de os vir buscar, em breve, para o Céu e que, portanto, se julgavam dispensados das lições, recolhiam-se mais vezes na igreja a falar a sós com “o Jesus escondido”.

Jesus escondido é o nome com o que chamavam a Eucaristia.

Jacinta dizia a Lúcia:

— Já fizestes hoje muitos sacrifícios? Eu fiz muitos. Rezei também muitas jaculatórias. Gosto tanto de Nosso Senhor e de Nossa Senhora que nunca me canso de Lhes dizer que Os amo. Quando eu Lhes o digo muitas vezes, parece que tenho lume no peito, mas não me queima.

Outras vezes:

— Olha Lúcia, Nossa Senhora veio nos ver esses dias. E veio dizer que vem buscar o Francisco muito breve para o Céu. E a mim, perguntou-me se ainda queria converter mais pecadores. Disse-lhe que sim. Ela disse-me então que quer que eu vá para dois hospitais, mas não é para me curar. É para sofrer mais por amor de Deus, pela conversão dos pecadores, em desagravo das ofensas cometidas contra o Coração Imaculado de Maria. Disse-me que tu não irias, que iria lá minha mãe levar-me e que depois ficaria sozinha.

Tempos depois, Francisco para Lúcia:

— Estou muito mal, falta-me pouco para ir para o Céu.

Lúcia:

— Então vê lá, não te esqueças de lá pedir muito pelos pecadores, pelo Santo Padre, por mim, e pela Jacinta.

Francisco:

— Sim, eu peço. Mas que essas coisas peças antes à Jacinta, que eu tenho medo de me esquecer, quando vir a Nosso Senhor. E depois, antes O quero consolar.

Na obra de Nossa Senhora com os videntes de Fátima, um começo do triunfo do Imaculado Coração de Maria nas almas.

Esta ficha tem uma graça marcante, porque ela nos indica uma porção de aspectos grandes e pequenos da obra de Nossa Senhora com estas três crianças.

Mas nós devemos, antes de tudo, considerar o valor simbólico da obra de Nossa Senhora nas crianças. Enganam-se aqueles que imaginam ser apenas uma obra sobre três crianças. É uma obra que transformou suavemente essas crianças de um momento para outro, pelo simples fato das reiteradas aparições de Nossa Senhora.

Com uma dessas crianças até, Nossa Senhora disse estar aborrecida. E esta criança era o Francisco, que não ouviu Nossa Senhora por causa disso. E, portanto, pode ser considerado um convertido. As três mudaram extraordinariamente em consequência das revelações. 

Nós temos aqui algo de parecido com o Segredo de Maria. Quer dizer, uma dessas ações profundas da graça na alma, ações que se desenvolvem sem a pessoa dar-se conta. Ela vai sentindo-se cada vez mais livre, cada vez mais desembaraçada para praticar o bem, e os defeitos que a tolhem e a prendem no mal vão se dissolvendo. E a pessoa cresce em amor de Deus, cresce em vontade de se dedicar, cresce em oposição ao pecado, mas tudo isso se dá maravilhosamente dentro da alma.

De maneira que a alma não trava as grandes e metódicas batalhas da ascensão admirável ao Céu, à virtude, à santidade, daqueles que lutam de acordo com o sistema clássico da vida espiritual; mas Nossa Senhora as transforma de um momento para o outro. E se a obra de Nossa Senhora em Fátima — especialmente com essas duas crianças chamadas para o Céu — foi assim, nós podemos bem nos perguntar se isto não tem um valor simbólico, e se não indica qual vai ser a ação de Nossa Senhora sobre toda a Humanidade quando Ela cumprir as promessas feitas em Fátima, e se não é lícito prever o cumprimento das promessas de Fátima executado à maneira do ocorrido com Jacinta e Francisco, mais notadamente, como cogita esta nossa ficha.

E, portanto, se nós não devemos ver aí um começo, podemos ver um dos múltiplos começos — porque as coisas enormes têm muitos começos — do Reino de Maria, enquanto sendo o triunfo do Imaculado Coração sobre duas almas pregoeiras da grande revelação de Nossa Senhora; as quais, pelos seus sacrifícios e orações na Terra e, depois, as orações no Céu, ajudaram e ainda ajudam enormemente as almas a aceitarem a mensagem de Fátima.

Quer dizer, nós devemos ver nessa transformação, creio eu, ao menos de um modo muito provável, um símbolo dessas transformações profundas que marcarão o Reino de Maria.

Jacinta e Francisco: intercessores apropriados para obter de Nossa Senhora o início de seu Reino em nossos corações

Esta primeira observação me parece conduzir diretamente ao seguinte: se isto é assim, então Francisco e Jacinta são os intercessores naturais para se pedir e obter de Nossa Senhora que comece o Reino de Maria em nós desde logo, por essa transformação misteriosa que é o Segredo de Maria.

E, então, nós devemos suplicar instantemente, tanto à menina quanto a ele, que comecem a nos transformar, comecem a nos dar os dons que eles receberam. E que eles velem especialmente sobre aqueles cuja missão é a de pregar a mensagem de Fátima, viver da mensagem de Fátima, como acontece conosco.

Isto é uma razão a mais para nós termos uma marcante devoção a eles.

Efeitos da ação de Maria sobre os videntes

É interessante notar, também, o efeito do Segredo de Maria sobre essas crianças. Elas mudaram, está bem. Mas quais os sintomas externos dessa mudança? Quais foram as manifestações externas dessa transformação? São apontadas aqui três coisas: grande seriedade, espírito de oração e espírito de sacrifício. Por cima de tudo isso, uma convicção muito grande da missão deles e o desejo de viver para essa missão, de onde vinham essas três consequências.

Espírito de seriedade

Espírito de seriedade. Os senhores viram o Francisco censurar a Lúcia por esta não ser bastante séria e aceitar de bailar, ou seja, fazer aquela dançazinha portuguesa com crianças. E a razão dada por Francisco para repreender a Lúcia foi essa:

— Você, que viu Nossa Senhora aparecer, não deveria participar desses brinquedos.

A Lúcia respondeu:

— Mas, afinal de contas, pediram tanto!

Disse o Francisco:

— Mas como eles sabem que a você Nossa Senhora apareceu, a você eles não deviam pedir.

Como quem diz: “Eles compreenderão a sua recusa ou, ao menos, têm todos os dados para compreender. Se eles não compreendessem, seria por culpa deles, mas você deveria ter recusado”.

É a ideia de que para agradar Nossa Senhora precisa ser muito sério. Não se agrada Nossa Senhora sem ser muito sério.

E de Francisco, a ficha diz que ele era lógico, raciocinava muito, com muita firmeza no tocante a seus deveres. O autor emprega até uma palavra muitas vezes utilizada hoje em sentido pejorativo: que ele era “severo”. Ele possuía uma lógica completa e deduzia de sua missão que era preciso ser daquele jeito: sério, não dizer nada inconveniente, agir corretamente. Por isso ele não perdia ocasião de dar o exemplo e de proceder segundo a lógica.

Mais ainda, esta seriedade, nas condições insignificantes de crianças, levava-as à combatividade. A Jacinta não via uma pessoa dizer ou fazer algo errado, sem que ela a repreendesse: “Isto aqui não está bom!” E dava a razão religiosa: “Deus não deve ser ofendido! Já está tão ofendido em nossa época, você ainda quer ofendê-lo mais? Quer acrescentar algo a esta montanha de pecados que se cometem?”

Então, os senhores percebem como a seriedade e a lógica são o fruto do Segredo de Maria. E se nós quisermos corresponder às graças de Nossa Senhora, devemos agir de maneira a sermos sérios e lógicos. E, pelo menos, quando virmos pessoas sérias e lógicas, tratarmos de admirá-las, de nos acercarmos delas, conversar com elas, e nos deixarmos penetrar pelo espírito delas.

Espírito de sacrifício

De outro lado, o espírito de sacrifício. As duas crianças recebem de Nossa Senhora a notícia de que morrerão dentro de um breve prazo. E a Francisco a notícia podia apavorar porque estava dito que ele morreria logo. Ora, a morte é um castigo imposto ao homem, e sua proximidade, em geral, apavora. Quando a pessoa não tem uma graça especial, diante da proximidade da morte fica aterrorizada. Francisco viu, alegre, a morte aproximar-se. Ele ia fazer o sacrifício pedido por Nossa Senhora. Não tinha saudades de nenhum dos bens deste mundo. Queria ir para o Céu e deixar esta Terra com a imolação de sua vida para a vitória da causa católica.

De Jacinta Nossa Senhora pediu algo que, por um aspecto, apavorava menos. Pediu que ela vivesse por mais algum tempo. É o espectro colocado um pouco mais longe. Entretanto, disse-lhe que viveria mais para sofrer. Quem não tem medo de uma vida de sofrimentos? E revelou-lhe um dos sofrimentos que mais apavoram as crianças: ficar doente e longe dos pais. Nossa Senhora disse: “Tu serás levada a Lisboa e tua mãe vai deixar-te”. Portanto, “tu adoecerás e morrerás sem a assistência dos teus”. E ela morreu, de fato, sem o socorro materno. Ela aceitou também. Eu creio ser o mais pesado sacrifício que se pode pedir a uma criança. O Segredo de Maria levou-a a esse sacrifício.

Espírito de oração

Depois, espírito de oração. Rezavam continuamente. E para que rezavam? Pela causa católica. Porque rezavam para Deus não ser ofendido, Deus ser glorificado, o que é a própria essência da causa católica. Tudo, em última análise, consiste nisso: que Deus seja glorificado e não seja ofendido. E isto eles tinham em mente sempre e rezavam muito.

Mas qual era a fonte que ininterruptamente estava dando-lhes este alimento espiritual? Era a crença na própria missão. A crença em que se cumpriria sobre eles a palavra de Nossa Senhora.

Virtudes a serem pedidas a Nossa Senhora por intercessão dos videntes de Fátima

Nós podemos fazer dessas considerações uma aplicação para nós? Eu creio que facilmente. Porque essas são as virtudes às quais nossa vocação nos convida. A nossa vocação contém uma espécie de raiz do Segredo de Maria. Sem dúvida, quem entra para nosso Movimento com as disposições normais experimenta desde logo várias melhoras em sua alma. E depois tem de passar pelo embate das provas que todos nós, infelizmente, conhecemos. Mas, de si, há algo de parecido — parecido não quer dizer idêntico — com o Segredo de Maria. E todo novato tem um grande impulso para a frente que consiste numa certa transformação. Essa transformação opera com o caráter rápido, célere, fácil, atraente com que age a graça do Segredo de Maria. Além disso, nossa vocação é ordenada aos fatos anunciados por Nossa Senhora em Fátima. Isto estabelece mais uma relação entre nossa vocação e a deles.

E eu creio que quem peça a Nossa Senhora de Fátima, por intercessão deles, auxílio para sermos fiéis a essa nossa vocação, fará a Ela uma oração especialmente grata. E poderá receber favores enormes para ser fiel à vocação, mesmo em circunstâncias dificílimas, graças precisamente ao Segredo de Maria.

E nossa vocação necessita das quatro virtudes que eles praticaram: a virtude básica, crermos em nossa vocação como eles creram na deles; e, em consequência: seriedade, espírito de sacrifício e espírito de oração.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 13/10/1971)

 

1) Cf. DE MARCHI, I. M. C., Pe. João. Era uma Senhora mais brilhante do que o Sol… Fátima: Edições Consolata. Na 7a edição (1978) o trecho resumido para Dr. Plinio encontra-se nas páginas 251-267.

O Deus das vinganças está se aproximando e vai vencer

Não podemos considerar que os castigos preditos por Nossa Senhora em Fátima estão por se realizar, pois já começaram a acontecer. O que está ocorrendo com a Igreja é, segundo toda a evidência, um castigo.

A Igreja é o centro do gênero humano, a entidade que a Santíssima Virgem mais ama na Terra. Se o castigo começou na parte mais nobre, que é a Igreja, não tem todas as razões para temer esse castigo a parte inferior, a sociedade civil, se esta persevera no mal?

 

Devemos fazer um comentário a respeito de Nossa Senhora de Fátima, tema tantas vezes tratado entre nós e que, entretanto, precisa ser comemorado sempre com uma especial solenidade.

De 1917 para cá, o mundo piorou espetacularmente

Dos múltiplos aspectos que o acontecimento de Fátima desperta, creio haver um que vem mais a propósito assinalar no presente comentário. Antes de tudo, devemos considerar nesse acontecimento – o qual está revestido de um caráter profético –, como traço saliente no meio de todos os aspectos, o fato de Nossa Senhora ter prometido ao mundo misericórdia se houvesse emenda de vida e fosse feita a consagração pedida por Ela; e, ao mesmo tempo, ameaçando com castigos caso o mundo não se emendasse e não se realizasse essa consagração. Esse esquema, que é a essência das revelações de Fátima, é também a substância de várias profecias do Antigo Testamento.

Em relação ao povo judeu e seus inimigos, vários profetas se levantaram tendo exatamente a mesma linguagem e apresentando esta mesma alternativa: bênção e louvores caso se emendassem, castigo se não se convertessem.

Já a ameaça é um ato de misericórdia, porque Nossa Senhora adverte por bondade, para não castigar, como uma mãe que, não querendo punir o filho, diz: “Não faça tal coisa, porque se fizer, eu serei obrigada a castigar”. Como quem afirma: “Ameaço não porque eu esteja com vontade de punir, mas porque sua situação é tal que, a perseverar nela, apesar de minha misericórdia, serei obrigada a castigar”.

Várias profecias são assim, e Nossa Senhora fez tipicamente em Fátima uma profecia, segundo esse esquema.

Passaram-se, de 1917 para cá, cinquenta e dois anos. Ao longo desse tempo, tudo quanto afligia Nossa Senhora em Fátima, e do que Ela se queixou no procedimento do mundo contemporâneo, não só não melhorou, mas piorou espetacularmente.

O castigo já começou com o que está ocorrendo com a Igreja…

Quando temos em vista que nos encontramos, portanto, na pista do castigo, não podemos deixar de entender que essa fabulosa crise que se desenrola na Igreja está na linha desse castigo. Porque, quando consideramos uma entidade como a Igreja, que está sendo castigada – pois o que está ocorrendo com a Igreja é, segundo toda a evidência, um castigo –, e vemos que a Santíssima Virgem prometeu uma punição ao mundo, do qual essa entidade é o eixo, entendemos que, atingindo o eixo, a punição atinge toda a circunferência e, portanto, essa crise que lavra dentro da Igreja está compreendida, implícita ou explicitamente, nos castigos profetizados em Fátima.

Agora, poderíamos nos perguntar se esta situação dentro da Igreja não foi realmente prenunciada em Fátima . Se Nossa Senhora tivesse prenunciado em Fátima o castigo da Igreja, é certo que isso teria sido mantido secreto. Ora, há um segredo que ainda está sendo mantido, o que leva a crer ser esse um dos elementos do segredo. A Santíssima Virgem deve ter dito coisas muito duras a respeito do futuro da Igreja e do clero. E porque não se deu importância a isso, naturalmente aconteceu o que Ela prometeu.

…e virá também a punição do mundo

Então, em vista disso, não podemos considerar que os castigos preditos por Nossa Senhora em Fátima estão por se realizar, mas nós devemos julgar que já começaram a acontecer. Quer dizer, é um sistema de castigos, um processo punitivo que já se desencadeou . E tendo se desencadeado, é muito mais provável admitir que ele chegue até o fim do que pare.

A Igreja é o centro do gênero humano, uma sociedade espiritual, o que há de mais elevado entre os homens; e toda a História gira em torno dela. A Igreja é o que Nossa Senhora mais ama na Terra. A salubridade da Igreja é a condição para a salubridade de todas as coisas morais e espirituais nesta Terra.

Destaco estes dois traços: o que a Santíssima Virgem mais ama na Terra é a Igreja, primeiro traço. Segundo: a salubridade da Igreja é condição para a salubridade de todas as coisas da Terra. Ora, se considero o primeiro traço, vejo que Nossa Senhora castigou aquilo que Ela mais ama. Será que Ela poupará todo o resto, que também não está se emendando? Se o castigo começou na parte mais nobre e que menos deveria recear, que é a Igreja, não tem todas as razões para temer esse castigo a parte mais vil, se esta persevera no mal?

Então, o castigo da Igreja nos faz ver que seria muito de espantar se não viesse a punição para o mundo.

O segundo aspecto da questão é a salubridade da Igreja, como condição da sanidade de tudo. Ora, a Igreja está insalubre como nunca na História. É possível que o mundo não seja contaminado com essa insalubridade?

Portanto, precisamos ver já em curso todos os castigos profetizados por Nossa Senhora. Isso deve nos levar a preparar as nossas almas para crer na mensagem de Fátima.

Processo punitivo que está chegando ao seu paroxismo

Eu repito esquematicamente o raciocínio.

Primeiro ponto: a mensagem de Fátima é uma profecia. Não é uma profecia oficial, como foi a dos profetas do Antigo Testamento, do Apocalipse, mas é uma profecia autêntica com todas as características de uma profecia: a denúncia de um estado altamente censurável, um convite amoroso a abandonar esse estado, uma ameaça e, mais do que isso, a previsão de um castigo caso esse estado de coisas não seja abandonado.

Segundo ponto: essa profecia, no que ela tem de público, não fala de um castigo à Igreja, ou pelo menos não trata de um modo frisante, saliente, de um castigo à Igreja, mas sim de um castigo para o gênero humano. Fala a certa altura que o Papa vai ter muito de sofrer, porém não diz diretamente que os sofrimentos do Papa são por causa dos pecados da Igreja.

Mas a profecia tem um aspecto secreto, um segredo. Ora, nós vemos que a Igreja foi e está sendo duramente castigada. Nossa Senhora não terá falado desse castigo da Igreja? Naturalmente sim. Pois quem fala de castigo para o mundo, é normal que fale do pior desse castigo que é o castigo para a Igreja. Logo é sumamente provável, tudo leva a crer que o castigo da Igreja seja um dos elementos da profecia de Fátima.

Se isto é verdade, a profecia de Fátima não está para se cumprir, mas já começou a se realizar. Sendo assim, devemos nos perguntar se há razões para esperar que esse processo punitivo se detenha.

Então, a resposta é: se esse processo está chegando, quase se diria, a seu termo, ao seu paroxismo em relação à parte mais amada e mais nobre, por que não chegará também ao seu paroxismo em relação à parte menos nobre e menos amada, que é a sociedade civil? Enormemente amada, mas menos do que a Igreja. Tanto mais que a sociedade civil não se emendou. Ela persevera no pecado.

Depois, quando a Igreja está insalubre, o mundo se torna insalubre. E esta insalubridade do orbe chegou a tal ponto que tem de trazer uma convulsão suprema para o mundo. Portanto, nós devemos dizer que começou já na Igreja e, por causa disso, estão postas as causas por onde é inevitável que atinja a sociedade civil. Então, não é só dizer que o castigo já começou, mas começou na sua raiz. E quem golpeia a raiz, golpeia a árvore toda. É assim que nós devemos ver a profecia de Fátima.

Alegria porque afinal de contas o Reino de Maria vai chegar

Alguém poderá dizer: “Dr . Plinio, o que eu não compreendo é o seguinte. Dia de Nossa Senhora de Fátima é dia de nossa Mãe, dia da ternura, do afeto. Ao invés de tratar da ternura e do afeto d’Ela, o senhor nos mostra Nossa Senhora numa análise seca da profecia d’Ela, para tirar algo que nos atormenta, que nos estremece. É esta a festa de uma mãe?”

Eu afirmo o seguinte: qual é o modo de festejar um profeta a não ser por um ato de fé na sua profecia? Foi por amor que a Santíssima Virgem revelou tudo isso. Ela nos dá a possibilidade de admirar os altos desígnios de Deus, de contemplá-Lo enquanto Regedor de toda a História, como Autor de todos os movimentos que se fazem na História, inclusive enquanto Ele permite o mal, para daí tirar para Si sua maior glória. Há, portanto, mil razões que não cabem numa conferência, para nos enlevarmos com isso e adorarmos a Deus.

Mas, uma vez que Nossa Senhora falou, não há melhor ato de reconhecimento às palavras amorosas d’Ela do que procurarmos entender essas palavras e tomá-las a sério. E por isso uma comemoração séria do dia de Fátima é uma análise séria da profecia.

Oxalá, a Santíssima Virgem, na alma de cada um de nós, dê as graças por onde isso frutifique naquela espécie de alegria, de entusiasmo, de desprendimento que a certeza da realização da profecia dá. Porque há uma graça própria a essa realização por onde ela não atormenta, não apavora, nem sequer é recebida com uma fria indiferença, mas enche de alegria. É uma forma de zelo pela Lei e pela glória de Deus, por onde se tem um alívio de ver que, afinal de contas, o Deus das vinganças está se aproximando e vai vencer, e que o Reino de Maria vai chegar. É a única forma de alegria que enche a alma do contrarrevolucionário que abnegou completamente a si mesmo. É essa alegria que eu desejo a todos nesta data. Vamos rezar a ladainha do Imaculado Coração de Maria, uma vez que Nossa Senhora, numa de suas aparições, manifestou-Se com o Coração à mostra, circundado de espinhos.

 

(Extraído de conferência de 13/5/1969)