Santa Joana d'Arc

Virgem heroica, virgem pura, virgem encantadora, Santa Joana d’Arc foi suscitada por Deus para restituir à França sua glória épica e cavalheiresca.

A humilde pastora de Domrémy fora chamada a brilhar na corte de um rei, onde a inocência dela se revelou com a clareza do sol ao meio-dia; destinada a viver num campo de batalha onde, em meio a lamentáveis desregramentos, ela reluziu como um círio de cera puríssima em plena noite…

A mais eminente figura da Idade Média

Dr. Plinio tinha grande devoção a São Gregório VII, porque este possuía, mais do que qualquer outro Bem-aventurado que ele conhecia, uma virtude que o entusiasmava  ao último ponto, e para a qual iam todas as fibras de sua alma: a combatividade inquebrantável. Esse papa tinha a integridade de alma por onde o homem caminha para todos os esforços, todos os riscos, todos os  dissabores, com o intuito de fazer vencer a causa da Santa Igreja.

 

Temos para comentar um trecho da carta escrita por São Gregório VII à Condessa

Matilde, no ano 1074 .

Um papa que atacava os vícios e as desordens dos mais poderosos

Entre as armas que, com o auxílio de Deus, eu vos forneço contra as insídias do mundo, lembrai-vos de que as principais são: receber frequentemente o Corpo do Senhor e ter uma confiança segura e completa em sua Santa Mãe.

Eis o que diz Santo Ambrósio, no livro quatro “Dos Sacramentos”: “Se nós anunciamos a Morte do Senhor, anunciamos a remissão dos pecados. Se cada vez que o Sangue do Senhor é derramado, o é pela remissão dos pecados, devo recebê-Lo sempre para que meus pecados sejam sempre perdoados. Pecando sempre, devo sempre tomar o remédio.”

No livro quinto “Dos Sacramentos”, o mesmo Santo diz ainda: “Se é um pão quotidiano, por que o recebeis uma vez ao ano, como os gregos costumam fazer no Oriente? Recebei-O diariamente, a fim de que cada dia vos seja proveitoso. Vivei de maneira a merecer recebê-Lo todos os dias.” […]

Quis, filha mui amada de São Pedro, escrever-vos estas coisas, a fim de aumentar a vossa fé e vossa confiança no recebimento do Corpo do Senhor; porque tal é o tesouro, tais são os presentes, não de ouro, nem de pedras preciosas, que, pelo amor de vosso Pai, o soberano dos Céus, vossa alma espera de mim, conquanto possais, segundo vossos méritos, receber de melhor de outros Pontífices.

Quanto à Mãe do Senhor, a Quem principalmente vos recomendei, recomendo-vos e não cessarei de recomendar-vos, até o momento em que tivermos a felicidade de vê-La como nós o desejamos. Que vos direi? Ela, a Quem o Céu e a Terra não cessam de louvar, ainda que não A possam louvar dignamente. Entretanto, considero isto fora de qualquer dúvida: Ela é mais elevada, e melhor, e mais santa do que qualquer mãe. Ela é mais clemente e mais doce para com os pecadores e as pecadoras convertidos. Empenhai-vos, pois, em pôr cobro ao pecado e, prosternada diante d’Ela com coração contrito e humilhado, derramai as vossas lágrimas. Vós A encontrareis, prometo-vos, sem qualquer dúvida, mais pronta do que uma mãe carnal, e mais terna em vos amar.

Comenta o Padre Rohrbacher:

Essa carta do Papa São Gregório VII é muito notável. Mostra-nos uma maravilha que o mundo não compreende. Esse gênio poderoso que com um olhar abarcava todos os reinos, todos os bens e os males da humanidade, que atacava ao mesmo tempo  e  por toda parte os vícios e desordens dos mais poderosos, que não se arreceava de nenhum obstáculo, que parecia aos homens de seu tempo mais firme e mais inquebrantável do que o céu e a Terra, esse gênio poderoso tinha […]uma ardente devoção  à Santa Eucaristia, uma confiança filial na Santa Virgem, uma terna compaixão para a fraqueza humana.

Alegria de Deus com o pecador que se converte

São trechos de um grande Santo e comentários de um grande autor .

Em primeiro lugar, a respeito do Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo, o que está dito é que o pecador não deve afastar-se da Sagrada Eucaristia. Pelo contrário, ele precisa recuperar o estado de graça e voltar a frequentar este sublime Sacramento. Isso porque o Deus de misericórdia, ao invés de afastar o pecador, o atrai. Ele não aceita na Sagrada Eucaristia o homem no estado de pecado, mas arranca o pecador desse estado pela perspectiva de receber o banquete celeste e o atrai a Si. De maneira que, quando alguém comete pecado, não deve afastar-se da Eucaristia; pelo contrário, o mais depressa possível precisa confessar-se, recolocar-se no estado de graça e voltar à Sagrada Eucaristia.

Porque é imensa a alegria de Deus com o pecador que se converte. Ele a exprime bem no Evangelho quando fala da mulher que perdeu uma moeda, procurou-a por toda parte e, tendo-a encontrado, chama as amigas e mostra a sua alegria pelo encontro da moeda. Ou, então, com o exemplo do bom pastor que vai procurar a ovelha tresmalhada ao longe, e a traz nos seus ombros para o aprisco .

Quer dizer, Deus ama singularmente o pecador arrependido. E ao perdoar o pecador verdadeiramente contrito, Ele tem uma razão para amá-lo mais do que antes. É por isso, por exemplo, que Santa Maria Madalena foi mais amada por Nosso Senhor depois de se converter do que antes de pecar . São essas as amplitudes da misericórdia divina.

Não há coisa que seja mais frequente do que encontrarmos nas almas uma ação do demônio que põe a coisa nestes termos: “Você está em estado de pecado, não comungue, nem se aproxime de Deus. Onde é que se viu que um pecador de seu jaez vá se aproximar de Deus em estado de pecado! Você é louco, isso não tem propósito, fuja!”

Ora, o certo é o contrário: “Você está em estado de pecado mortal, venha correndo para Aquele que é o Médico de sua alma, o seu Redentor, com toda a humildade, batendo no peito, lamentando o mal que fez, é verdade, mas venha com confiança porque a porta da misericórdia estará aberta”.

São Pio X desferiu na Revolução um dos mais terríveis golpes

Compreendem-se, assim, os problemas da expansão da Igreja e o bem prodigioso feito por São Pio X com o seu projeto de re-afervoramento eucarístico.

Nós vemos aqui São Gregório VII, apoiado em Santo Ambrósio, pleitear a Comunhão diária. Como é sabido, antes do tempo de São Pio X, as pessoas mais piedosas comungavam duas ou três vezes por ano. Isso era observado para ter mais respeito para com a Eucaristia, de maneira a, mantendo-se bem afastado, o fiel fizesse uma arqui preparação para a Comunhão. Dir-se-ia até ser uma atitude esplêndida. Mas, generalizando a frequência à Sagrada Eucaristia, São Pio X desferiu na Revolução um dos mais rudes e terríveis golpes que se podia dar. Especialmente com a Comunhão das crianças. O império do demônio dificilmente é tão grande numa alma que recebeu o Santíssimo Sacramento, como seria se essa alma nunca O tivesse recebido.

Portanto, a insistência para que os fiéis vão ao Santíssimo Sacramento tem por detrás, doutrinariamente, uma insistência para que o pecador procure Nosso Senhor e, sem desfalecer, amparado na bondade d’Ele, vá mais uma vez ao seu encontro. De maneira que uma pessoa, por mais que peque, nunca deixe de se confessar, com um propósito sério de não mais pecar, segundo pede a Igreja, e comungar, aproximando-se assim das fontes das águas que é o Santíssimo Sacramento.

Harmonia total e inebriantemente bela do perfil moral da Mãe de Deus

O que o São Gregório VII diz a respeito de Nossa Senhora é também uma verdadeira maravilha:

…considero isto fora de qualquer dúvida: Ela é mais elevada, e melhor, e mais santa do que qualquer mãe. Ela é mais clemente e mais doce para com os pecadores e as pecadoras convertidos.

Aqui está um princípio de moral

que nos é muito caro: quem tem uma virtude em muito alto grau, possui também todas as outras virtudes em grau elevado . Não é possível a pessoa ser verdadeiramente muito elevada em outras virtudes, sem ser ao mesmo tempo muito misericordiosa. Porque, se ela é muito virtuosa, tem de um modo insigne todas as virtudes e, portanto, também a misericórdia.

Então, quanto mais eu falo da grandeza da Santíssima Virgem e nos seus altos privilégios, tanto mais devo me convencer de que Ela, entre outras qualidades excelsas, tem a de Mãe terníssima, benigníssima, intimíssima, que Se põe na estatura de cada um de seus filhos para tratar com eles como as mães fazem habitualmente com suas crianças .

Compreende-se, assim, como a harmonia celeste da alma de Nossa Senhora é feita: tão mais alta do que todos os querubins e serafins, a ponto de estar fora de qualquer termo de comparação com tudo quanto o restante da Criação possa ter de mais superlativamente magnífico. Entretanto, apesar disso, Ela é a mais meiga, a mais terna de todas as criaturas, a que mais entra na proporção e no contato com cada homem, de maneira tal que se um de nós tem uma mãe que considera ser muito carinhosa, esteja certo de que Nossa Senhora a excede indizivelmente em afabilidade, meiguice e carinho.

É assim que a devoção a Maria Santíssima deve ser vista. E jamais me cansarei de ensinar isso, porque Ela nunca Se farta de dá-lo a entender a seus filhos de todos os modos: aparições, milagres, etc .

A ação de Nossa Senhora sobre a Terra consiste em mostrar que Ela é simultaneamente terrível como um exército em ordem de batalha – esmagando continuamente a cabeça da serpente, derrotando sozinha todas as heresias do mundo inteiro; Nossa Senhora dos Cruzados, dos Inquisidores, dos Santos indomáveis na luta pela Fé, como foi São Gregório VII – e, ao mesmo tempo, Mãe bondosa dos pobres, fracos, desvalidos, pequeninos. É a harmonia total e inebriantemente bela do perfil moral da Mãe de Deus.

Varão intrépido, batalhador indomável

Na ficha lida há pouco, o Padre Rohrbacher mostra como São Gregório VII foi um pontífice indomável .

Eu tenho a impressão de que – e é a razão de minha veneração e ternura por São Gregório VII – ele foi chamado a prestar na História da Igreja, mais do que qualquer outro Santo que eu conheça, uma virtude que me entusiasma ao último ponto, e para a qual vão todas as fibras de minha alma: a combatividade inquebrantável. Ele combateu tudo, lutou contra todos, não cedeu em nada e enfrentou tudo.

Essa integridade de alma por onde o homem caminha para todos os esforços, todos os riscos, todos os dissabores, com o intuito de fazer vencer a causa da Santa Igreja, me entusiasma.

No entanto, por ser muito combativo, São Gregório VII necessariamente tem que ter também em alto grau as virtudes simétricas ou opostas. Assim, precisamente por ter muita combatividade, ele devia ser também um devoto ardentíssimo de Nossa Senhora, muito terno, meigo, e um ardorosíssimo devoto do Santíssimo Sacramento, inculcando formas de piedade extremamente suaves, como a da frequência diária ao Santíssimo Sacramento e a devoção à Santíssima Virgem.

É como São Bernardo, que foi pregador de Cruzadas e o autor da “Salve Rainha”, do “Lembrai-Vos”, orações de uma unção extraordinária! Pregador de Cruzadas e chamado “Doutor Melífluo”, quer dizer, de quem flui o mel pela doçura de sua pregação a respeito de Nossa Senhora. Ele não teria estado à altura de compor a “Salve Rainha” e o “Lembrai-Vos” se não fosse um homem com uma alma de um pregador de Cruzadas. Mas, por outro lado, não seria verdadeiramente um pregador de Cruzadas se não tivesse a alma de um homem tão doce, capaz de compor essas orações. As duas coisas se completam, uma seria impossível sem a outra.

Vemos, assim, as almas grandiosas de São Bernardo e de São Gregório VII, mas este último ainda mais caracteristicamente um varão intrépido, batalhador indomável que encheu com sua luz todo o céu da Igreja até nossos dias e a iluminará até o fim dos tempos.

Cada apóstolo dos últimos tempos deve ser como que um outro São Gregório VII

Eis o grande Santo cuja relíquia se encontra em nossa capela. Que felicidade e tesouro contidos simplesmente nesta afirmação: a relíquia desse Santo se encontra em nossa capela! Quer dizer, é um fragmento dos ossos dele, uma matéria momentaneamente dissociada, mas que numa ordem mais profunda forma um só todo com sua alma gloriosíssima que já está no Céu vendo a Deus face a face, e contemplando Nossa Senhora.

Esse fragmento, no dia da ressurreição da carne, vai ser unido ao corpo dele. Portanto, temos certeza de que esse pedaço de osso com um pouco de carne será inundado pela glória de Deus e se transformará em corpo glorioso, participando das alegrias da visão beatífica que São Gregório VII tem no Céu.

Compreende-se, então, com quanta devoção devemos nos aproximar dessa relíquia, e quanta confiança precisamos ter em sermos atendidos, tendo-a presente entre nós.

Anna Catarina Emmerich, várias vezes, viu relíquias deitando chispas de luz magníficas. Essa luz deveria ser um símbolo da virtude do Santo a quem aquela relíquia pertencia. Que luz de ouro, luz solar estupenda deve espargir essa relíquia de São Gregório VII que, a meu ver, na sua grandeza e riqueza de alma, foi a mais eminente figura da Idade Média e conteve em si, de algum modo, a Idade Média inteira.

Eu não poderia encerrar estas palavras sem lembrar que estamos na Festa de Nossa Senhora Auxiliadora, ocasião em que Ela se mostra particularmente solícita em nos auxiliar em nossas necessidades e atender nossos pedidos . Creio não haver intenção mais grata do que esta: que Nossa Senhora Auxiliadora faça de nós, o quanto antes, perfeitos apóstolos dos últimos tempos, segundo São Luís Grignion de Montfort.

Se São Gregório VII tivesse podido conhecer os apóstolos dos últimos tempos, ele estremeceria de alegria, porque cada um deles deve ser como que um outro São Gregório VII, ou seja, deve ter aquela combatividade, aquela grandeza, aquela suavidade.

 

(Extraído de conferência de 24/5/1967)

O Carlos Magno da Igreja Católica

São Gregório VII travou uma batalha decisiva e desfechou um golpe certeiro no maior potentado da Terra, vibrando contra ele a punição mais alta, profunda e intransigente que se poderia imaginar.

A lição desse grande Pontífice foi, em última análise, a de levar a verdade, o bem, a beleza, a fidelidade à Igreja até as suas últimas consequências.

Ele foi o Carlos Magno da Igreja Católica! A glória carolíngia, de proporções mais angélicas do que humanas, foi vivida magnificamente pela Santa Igreja Católica nos dias de São Gregório VII.

Devemos desejar, com toda a nossa alma, que o adversário da verdadeira Igreja Católica Apostólica, Romana em nossos dias, a maldita Revolução gnóstica e igualitária, seja punida ainda mais do que o Imperador Henrique IV, pois ela tentou coisa pior do que ele. A Revolução desbastou a Terra inteira, e é preciso que a punição seja proporcional.

(Extraído de conferência de 25/5/1985)

Seriedade, pureza, religiosidade

Santa Maria Madalena de Pazzi tinha um olhar cheio de vida, reflexão e seriedade. Uma seriedade que vai de par com uma real bondade, e que não está voltada para os assuntos terrenos, mas é uma seriedade que só se tem quando se pensa nos temas celestes. O todo de sua pessoa tem a ligeireza, a leveza de uma virgem. A seriedade, a pureza, a finura de pensamento, a religiosidade profunda do olhar, a aristocracia do todo se aliam muito bem. Isso tudo brilha em Santa Maria Madalena de Pazzi.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/1/1986)

São Filipe Néri e a florescência da Europa católica

“Imagine, quem puder, toda a beleza espiritual de uma época em que os santos se encontravam na rua, cruzavam seus olhares, e a luz da virtude de um resplandecia na face do outro!” — exclama Dr. Plinio, ao considerar alguns dos edificantes episódios da vida de São Filipe Néri.

 

De São Filipe Néri, Fundador da Congregação do Oratório, sabemos que nasceu em Florença, no dia 15 de julho de 1515, e morreu em Roma, no dia 25 de maio de 1595.

Cena poética na Cidade Eterna

Segundo interessante notícia biográfica(1), ele teria passado todas as noites, durante dez anos, nas catacumbas. Quando encontrava as igrejas fechadas, recitava suas orações nos pórticos dos templos, e mais de uma vez foi visto fazendo leitura ao clarão da lua.

Não podemos nos esquivar de considerar o poético da cena. Um jovem estudante, piedoso, futuro santo, aureolado de virtude, peregrinando pelas igrejas da Cidade Eterna, lendo ao clarão da lua. E a poesia se torna mais acentuada se lembrarmos que, em Roma, isto se dava junto a ruínas milenares, sentado sobre o capitel de uma velha coluna, afagando com a mão a cabeça de um leão de pedra trazido do Egito, com ramagens crescendo pelo meio, enfim, todo o ambiente da Roma antiga, temperado por uma pitoresca e artística desordem…

Elevação de trato entre dois santos

No dia de Pentecostes de 1545, como ele suplicasse ao Espírito Santo de lhe conceder seus dons, sentiu seu coração abrasar‑se, e não podendo suportar o excesso desse abrasamento, jogou-se no chão. Quando se levantou, levou a mão ao peito: seu amor era tanto que o tórax havia estufado e se distanciado do coração.

Cinqüenta anos depois, quando da sua morte, os médicos o abriram para examinar o milagre e descobriram que duas costelas haviam se rompido sobre o coração e não se fecharam, tal o entusiasmo do amor de Deus que ele tinha sentido. Após aquele episódio na festa de Pentecostes, o santo experimentou uma contínua palpitação de coração todas as vezes que se ocupava das coisas divinas.

Muitos e nobres personagens, estimulados pelo exemplo desse até então simples leigo — ele só se tornaria padre seis anos depois, em 1551 —, entraram em Ordens religiosas, enquanto ele mesmo permanecia no século. Por isso Santo Inácio de Loyola, que o conheceu, censurava-lhe com familiar afeto, comparando-o ao sino, que chamava todos para dentro da Igreja, mas que nunca entrava.

Vê-se o dito amável, leve e gracioso de um santo para outro santo. O primeiro fora inspirado por Nossa Senhora a escrever os Exercícios Espirituais na Gruta de Manresa, e o segundo, nimbado pelos dons do Espírito Santo numa festa de Pentecostes: quem pode imaginar, pois, a elevação do trato entre eles!? Eram grandes conversas de grandes santos.

Assistência especial de Deus para com os caridosos

Certa noite, dirigindo-se à casa de uma pessoa nobre, mas arruinada, para levar alguma provisão de víveres, topou com uma carruagem no seu caminho, e querendo lhe dar passagem, caiu dentro de um buraco muito profundo. Porém, o anjo do pobre a quem ia socorrer velava sobre ele, e o suspendeu miraculosamente no ar, impedindo que despencasse naquela abertura.

Quer dizer, enquanto São Filipe Néri caminhava pelas ruas de Roma à procura dos necessitados aos quais costumava amparar, os anjos da guarda deles o acompanhavam e protegiam. Poder-se-ia perguntar por que não foi socorrido pelo seu próprio anjo custódio. E eu responderia: primeiro, porque o pobre era interessado em que seu benfeitor chegasse até ele; e em segundo lugar, porque Deus dava a entender, por essa forma, quanto Lhe era grata a esmola que São Filipe fazia ao necessitado.

Ou seja, o fazer bem aos pobres nos dá direito a uma assistência especial da parte da Divina Providência. E devemos acrescentar: se o socorro prestado aos indigentes de bens materiais reverte em tantos benefícios para o benfeitor, estes serão ainda maiores para os que prestam auxílio aos carentes de bens espirituais. Então, ao darmos um bom conselho, fazermos um apostolado, trazermos uma alma para a Igreja, etc., estaremos colhendo frutos para nossa própria santificação.

O “contra‑Carnaval” e os milagres de São Filipe Néri

Alguns fatos da vida de São Filipe merecem particular destaque.

Por exemplo, já sacerdote, nos dias de Carnaval costumava redobrar suas orações. Seguido por uma massa imponente de fiéis, peregrinava pelas sete basílicas de Roma, a fim de protestar contra a imoralidade de seus cidadãos.

Ou seja, enquanto alguns do povo se entregavam aos festejos desregrados, ele organizava procissões pelas ruas, apresentando a Deus um ato de reparação. Era um contra‑carnaval, vigoroso e destemido. A tal ponto que o cardeal-vigário de Roma o chamou e, depois de lhe ter censurado fortemente por aquelas peregrinações, proibiu-lhe de ser confessor durante 15 dias.

Ora, o vigário morreu bruscamente, antes de ter levantado a penalidade e o Papa Paulo IV, chamado a julgar a causa, deu ordem ao santo de retomar os seus exercícios e lhe pediu que rezasse por ele, Sumo Pontífice.

Outro fato digno de nota se passou com um de seus penitentes que, tendo partido de Roma contra a opinião de São Filipe, em direção a Nápoles, foi detido por corsários. Como estava a ponto de se afogar, ele clamou por São Filipe Néri à distância e pediu seu apoio. Imediatamente o santo lhe apareceu, cercado de uma auréola luminosa, tirou‑o da água pelos cabelos e o conduziu até a margem, por cima das ondas.

Como se vê, um estupendo milagre.

Noutra ocasião, o Papa Clemente VIII se viu atacado por uma doença mortal e fez chamar São Filipe Néri. Assim que o santo entrou no quarto, o Pontífice se sentiu curado.

E o próprio São Filipe, no mês de maio de 1594, foi acometido por uma violenta febre, e acreditou estar tudo perdido. Mas quando todos se desesperavam em torno dele, o doente, atraído subitamente por uma força desconhecida, foi arrancado de seu leito e durante alguns momentos suspenso entre a terra e o céu. Nossa Senhora visitou aquele a quem Ela amava e que tinha socorrido a tantos enfermos e lhe restituiu, ao mesmo tempo, a vida e a saúde.

Sem seriedade, nem as lições dos milagres nos fazem bem

Semelhantes milagres nos levam a uma consideração colateral, porém importante. Procuremos nos imaginar entrando no quarto de um moribundo e, de repente, o vemos se elevar e permanecer suspenso entre o céu e a terra. Dali a instantes ele desce, senta-se na cama e diz: “Estou curado”. Levanta-se e retoma seus afazeres costumeiros.

Dificilmente essa cena não produziria um impacto profundo em quem a presenciasse. Pergunta-se: esse impacto nos faria muito bem ou não?

Sabendo-me pouco amável — mas provavelmente veraz — em minha resposta, eu diria não estar tão certo da afirmativa. Pois a contagiante superficialidade de muitos espíritos contemporâneos é tal que, se não nos habituarmos a tomar as coisas com seriedade, um milagre como esse produz em nós impressão passageira, sem nos fazer o bem que dele deveríamos colher.

Alguém constestaria: “Dr. Plinio, eu teria um tal choque, que nunca me esqueceria desse fato”. É verdade. Nunca se esqueceria, mas nunca o tomaria a sério.

E o que entendo por “tomar a sério” é ver, julgar e agir como São Paulo no caminho de Damasco. Ele foi jogado ao chão, ofuscado pela luz divina, e ali mesmo, deitado no solo, tomou suas resoluções de santidade: “Senhor, o que quereis que eu faça?”, foi sua imediata resposta ao apelo de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Quer dizer, tomou a sério: viu que andou mal, ouviu a voz de Deus, julgou sua situação, tirou suas conclusões e decidiu agir. “Que quereis que eu faça?” É o exemplo que devemos imitar, é o hábito de ser sério que devemos adquirir.

Contemplava a perfeição na fisionomia dos santos

Voltemos  à vida de São Filipe Néri. Por um privilégio especial, era-lhe dado contemplar a santidade resplandecer no rosto dos santos.

Percebe-se, por aí, como ele passeava no meio de bem-aventurados, conhecendo a vários deles e observando na suas fisionomias a excelência moral de que eram relicários vivos.

De modo particular notava-o no semblante de São Carlos Borromeu e de Santo Inácio de Loyola. Deste último, costumava dizer: “A beleza de sua alma é tal, que ela resplandece em sua face. Eu via raios de luz emanarem de seu rosto”.

Pensemos como haveria de ser maravilhoso essa contemplação: olhar para um homem e ver raios de luz espargindo de sua face! Se pudéssemos simplesmente presenciar a cena de dois santos cruzando seus olhares, quanto isso nos faria bem… se o soubéssemos tomar a sério!

“Eu preciso morrer”

Deus concedeu a São Filipe Néri o dom da bilocação, como atesta um episódio passado entre ele e a bem‑aventurada Catarina de Ricci, dominicana. Esta se achava na cidade de Prato, e São Filipe, em Roma. Ora, aquela pode vê‑lo e conversar com ele, e quando o santo foi informado disso, concordou que tudo quanto ela tinha dito era verdade. O próprio São Filipe admitiu que tinha conversado com Catarina, sem que esta tivesse ido a Roma, nem o corpo dele tivesse ido a Pratto.

Ou seja, foi um fenômeno de bilocação, muito pouco freqüente, mesmo entre os santos.

Por fim, no dia de Corpus Christi de 1595, São Filipe, após ter recitado o Ofício, celebrado a Missa e confessado pela última vez um grande número de penitentes, aos quais recomendava, sobretudo, ler a Vida dos santos, deitou-se na cama, dizendo: “Eu preciso morrer”.

O médico foi chamado, examinou‑o e disse que ele estava mais bem disposto do que nunca. Três horas depois São Filipe expirava docemente, assistido pelo Cardeal Baronius, um dos seus primeiros colaboradores. A Rainha do Céu recebeu sua alma.

Das considerações desses fatos tão edificantes, além dos exemplos de virtudes a serem por nós imitadas, depreende-se a idéia do que foi a florescência da Europa católica de antigas eras. Parafraseando a expressão de Leão XIII, diríamos: tempo houve em que os santos se encontravam nas ruas, cruzavam seus olhares e a luz da santidade de um repercutia na do outro, multiplicando-se e operando milagres. Felizes tempos.

 

(Extraído de conferência em 8/10/1973)

 

1) Cf. Rohrbacher, Histoire Universelle de L’Église Catholique, 1872, vol. 10, p. 347 ss.

São Gregório VII

São Gregório VII — conforme meu modesto entender, o maior Papa que a Igreja teve — foi terrivelmente perseguido pelo mais famoso potentado daquele tempo, o Imperador do Sacro Império Romano-Alemão.

Ele estava exilado de Roma, e após mudar de castelo para castelo, de convento para convento, de abadia para abadia, seu corpo foi enfraquecendo aos poucos. Quando sentiu aproximar-se a morte, ele disse: “Justitiam dilexit et odivit iniquitatem, propterea morior in exilium — amei a justiça e odiei a iniquidade; por causa disso, morro no exílio”.

Os sofrimentos dele foram incalculáveis. Porém, ele os aguentou e compareceu diante de Deus com a taça da dor bebida inteiramente.

(Extraído de conferência de 2/11/1991)

Homem semelhante a uma catedral

O que é uma pessoa venerável? É aquela dotada de uma especial profundidade de espírito adquirida pelo estudo, pela experiência, pela meditação; que possui uma têmpera, uma constância e uma força de vontade incomuns, por onde, mesmo em circunstâncias adversas, com sacrifício de sua saúde, de seu conforto, de sua riqueza, de sua própria existência, tendo traçado uma linha de conduta boa, ­seguiu-a até o fim.

A presença da pessoa venerável incute respeito, os outros amam de ver aquela venerabilidade e têm uma tendência natural a prestar reverência, a obsequiar, como quem pratica um ato de justiça. É próprio ao espírito da Igreja Católica comunicar uma nota de venerabilidade a tudo.

Como eu gostaria de ter conhecido São Beda, o Venerável! Como me atrai imaginar seu porte, mais parecido com o de um monumento do que de um ser humano, quando um homem vai tomando tais ares, que se assemelha a uma catedral!

Então, contemplar São Beda, o Venerável, ajoelhar-me diante dele, oscular seus pés e implorar que ele me obtivesse de Nossa Senhora algo dessa venerabilidade, sem a qual ninguém é autenticamente católico.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 27/5/1970)

Auxiliadora onipotente

A Santíssima Virgem segura no braço esquerdo o Menino Jesus, e na mão direita um cetro. Isso quer indicar que, pelo poder que Ela tem sobre seu Divino Filho, possui a onipotência sobre todo o universo. E por essa razão tem o poder de nos auxiliar em tudo quanto necessitarmos. É uma auxiliadora onipotente.

Por outro lado, o semblante risonho e amável d’Ela nos fala da sua misericórdia.

Estão presentes, portanto, os dois fatores para confiarmos no auxílio de Maria Santíssima, que quer e pode socorrer-nos inesgotavelmente, em tudo. Logo, se pedirmos, Ela socorrerá.

Nossa Senhora Auxiliadora poder-se-ia chamar, debaixo de certo ponto de vista, Nossa Senhora dos Pedidos. Ela não nos auxilia só quando pedimos, mas sempre que o fazemos, Ela nos ajuda. Por causa disso, é invocada sob o título de “Auxílio dos Cristãos”.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/5/1968)

Poderoso auxílio em todas as dificuldades

Continuamente devemos recorrer a Nossa Senhora, especialmente quando passamos por dificuldades. Ela sempre nos acolhe, pois nunca se ouviu dizer que a Mãe de Deus tenha abandonado alguém que pede seu socorro. Entretanto, às vezes nossa prece demora em ser atendida; isso significa que Ela nos dará graças com extraordinária abundância.

 

Eu gostaria de dizer uma palavra mais especialmente quanto a Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos nas dificuldades da vida espiritual. Estas costumam ser de duas ordens. Umas dificuldades são as crises breves da vida espiritual, quando a pessoa se sente tentada e, portanto, hesitante ou abalada entre o bem e o mal, e com a possibilidade de ser arrojada no precipício do mal de um momento para o outro.

As dificuldades do tipo clássico

Essas são as dificuldades do tipo clássico, e quando falamos a respeito de dificuldade, naturalmente pensamos primeiro na do tipo clássico, quer dizer, no grande apuro da vida espiritual. Evidentemente Nossa Senhora é auxílio nessas circunstâncias. Não teria sentido Ela ser Auxílio dos Cristãos se não o fosse, sobretudo, para a vida espiritual, e é claro que o auxílio é principalmente para os mais necessitados. Então, para as pessoas que estão em crises agudas da vida espiritual e gravemente necessitadas, Maria Santíssima, na plenitude do termo, é o auxílio.

Sendo Ela Mãe de Misericórdia, seu auxílio não é dado apenas para uma pessoa que diga: “Eu vou perfeitamente bem na vida espiritual, estou muito tentado, porém não cedi em nada. Tenho direito ao vosso auxílio; vinde e auxiliai-me!” Mas também para aquele que se encontre numa situação pior, e de apuro muito mais grave, e reze: “Eu estou muito tentado, pequei, andei mal. Receio me embrutecer no pecado, de me habituar a ele, de não sair da vida de pecado, e tenho uma vontade imensa de me regenerar. Não mereço vosso auxílio, mas porque sois Auxiliadora de todos os cristãos, até dos mais miseráveis e não apenas dos cristãos bons,  então Vos peço: vinde auxiliar-me!”

Quer dizer, nessa visualização é a miséria da pessoa, o próprio fato de ela ter caído em pecado que é alegado diante de Nossa Senhora, como uma razão para obter o auxílio. É mais ou menos como quem se coloca diante da mãe e diz o seguinte: “Estou tão necessitado que até me aconteceu o pior. É verdade que foi por minha culpa. Pequei. E porque estou exatamente no sumo do desamparo, por ser um pecador, eu, enquanto abandonado, encontro no desamparo a razão pela qual primeiro devo pedir a vossa misericórdia.” Quer dizer, esta é uma consideração de fundo, que não fecha nunca as portas da esperança na vida espiritual, porque a Virgem Santíssima, sendo nossa Auxiliadora, é próprio,  inerente a Ela, é movimento profundo n’Ela, correspondente à sua missão, ao amor insondável que Ela tem a Deus, de nos auxiliar por esta forma.

Há aqui uma esperança, um recomeçar sem fim de novos propósitos de emenda, que deve ser o fundo de nossa vida espiritual.

Uma das crises da vida espiritual apresenta-se à maneira de alguém que, estando numa escada, encontra-se em perigo de cair em cima de uma fogueira: cai, não cai.

Os que se atolam em alguma etapa da vida espiritual

Existe um outro sistema de crise espiritual. É o da pessoa que está subindo uma escada e, no lugar onde deveria haver um patamar, tem o vazio, e mais adiante continuam outros degraus; de maneira que o indivíduo não sabe como faz para pular aquele vácuo. São as tais almas que atolam a alturas diferentes da vida espiritual.

Há uns que atolam, por exemplo, num estado assim: levam anos no meio-termo entre a virtude e o pecado, ora no estado de graça, ora fora do estado de graça, e ficam naquele pêndulo do Inferno para o Céu e do Céu para o Inferno.

Outros atolam numa espécie de mediocridade do estado de graça; não pecam mortalmente, mas cometem torrentes de pecados veniais — por exemplo, as tais mentirinhas ditas “inocentes” — à vontade.

Existem ainda aqueles que vencem as tais mentirinhas, mas se atolam numa outra coisa. Quem está nessa situação diz: “Combati todos os pecados que eu tinha — os leves e os graves —, e percebo que não estou valendo grande coisa. Há algo que falta, mas não sei o que é. Só sinto que eu, apesar de toda a profilaxia, não valho nada. Pior seria se eu não tivesse feito a profilaxia… Eu, antes, estava sujo; agora fiquei vazio. Mas, daí para diante, como encher isto? Também não sei.” E fica parado nesse estado.

Há outros que adquirem virtudes, progridem, e param já num certo grau de virtude, mas, de vez em quando, o carro encalha e não há meio de galgar o patamar de cima. O indivíduo fica assim um tempo enorme. Isso corresponde, em qualquer altura da escada, sempre a um ponto: é algo de que a pessoa deveria se desapegar e que, ao mesmo tempo, é a coisa mais clara e a mais confusa do mundo. Ela vê com toda a clareza que devia deixar aquilo, mas, concomitantemente, não vê de nenhum modo que é aquilo que ela precisaria abandonar.

A necessidade de uma graça extraordinária

E a Providência fica provando aquela pessoa até criar um momento em que haja um estalo em sua cabeça, o qual, em geral, representa uma graça grande que ela recebe, fazendo-a pensar: “Ah! Eu agora vejo, tem isto, aquilo e mais tal outra consequência. Estou compreendendo”. Então começa uma emenda, e ela vai mais um pouco para diante. Um, dois, três anos depois para de novo. Cada solução de um encalhe destes equivale verdadeiramente a uma espécie de conversão. E tanto é conversão — neste sentido da palavra — do indivíduo que deixa o zigue-zague entre o estado de pecado mortal e o estado de graça, como daquele que está vazio, embora não sujo, e sente a necessidade de se encher de virtudes que não possui.

Então, no caso de quem estacionou a certa altura da vida espiritual, é mais uma conversão neste sentido: é preciso uma graça extraordinária, como Nosso Senhor dava a um paralítico que, de repente, começava a andar. Essa graça precisa ser pedida, e ela representa o desapego de algo de muito claro e muito obscuro, ao qual a pessoa estava apegada.

É evidente que não podemos produzir essa graça por nosso próprio esforço, porque a graça é um dom criado e concedido por Deus, e não obtido por nós, mais ou menos como um isqueiro que tira de si mesmo a sua própria chama.

É preciso pedir que Maria Santíssima nos obtenha de Nosso Senhor essa graça. Portanto, nesses estados Nossa Senhora quer deixar bem clara a necessidade do sobrenatural.

Durante muito tempo, por nós mesmos, nada conseguimos. Pedimos para Ela e, de repente, obtemos. Quer dizer, Ela pode levar mais tempo ou menos para dar, mas quando Ela concede, o faz de uma vez, rapidamente, de um modo impressionante.

Esse tipo de graça, como a cura que Nosso Senhor realizava nos paralíticos, ao dizer a um homem “levanta-te e anda”, e ele saía caminhando, Nossa Senhora também nos obtém, enquanto Auxílio dos Cristãos, para circunstâncias extraordinárias, para casos que não se resolvem de outro modo.

Acho muito importante isto, porque conheço muitas almas boas que acabam desanimando na vida espiritual à força de rotina, de estagnação, petrificação e paralisação; ela se pergunta: “O que eu vou fazer daqui por diante?” Não se sabe.

Pedindo a Nossa Senhora, Ela nos dá o auxílio

Às vezes entra-se em alguma igreja e se vê certas beatas rezando. Tem-se a impressão de que podiam passar dois mil anos fazendo aquela oração, e não saíam daquele pouco de vida espiritual. Tudo direitinho, arranjadinho… Pode-se imaginar uma delas que, voltando para sua casa, ia ver um filho bêbado, ateu, cuidava dele; depois pegava uma imagenzinha de Nossa Senhora, fazia uma novenazinha, etc. Mas uma chama de uma virtude heroica, de algo de generoso, que convertesse, nada! E então, também nesse caso, desânimo, uma certa rotina, rodando no vácuo.

Por que às vezes se encontra um bom católico parado? Porque não lhe ensinaram que seu estado tem uma solução, um remédio, e que o fato dele não encontrar a solução é a prova de que Nossa Senhora quer mostrar-lhe que a solução é só Ela. Sem Maria Santíssima, ele de fato não vai para a frente, pois está apegado, entalou, enrascou em qualquer coisa.

Então, Nossa Senhora quer deixar bem claro que é preciso pedir-Lhe essa graça, e, pedindo, Ela dá; o sobrenatural resolve as dificuldades, é uma questão de espírito de Fé. Rogando empenhadamente, afincadamente, nós conseguimos.

O título de Nossa Senhora Auxílio dos Cristãos é um incentivo para que nós peçamos, porque compreendemos que o próprio d’Ela é auxiliar. Então, se eu preciso de auxílio e encontro a Auxiliadora dos Cristãos, estou certo de ser atendido, porque o necessitado encontra seu alívio junto à auxiliadora. Se considerar que a auxiliadora é Mãe, terei certeza de ser atendido. Então, àqueles dentre nós que se encontram nesse estado, em qualquer estágio da vida espiritual, eu sugiro — não vou além de uma sugestão — que rezem apenas três Ave-Marias por dia, pedindo a Ela isto: que tenha a bondade, a condescendência, a misericórdia de intervir nesse estado, e intervenha logo para nos socorrer. Ou, então, uma oração como o “Lembrai-Vos” pode ser sumamente útil para isso.

Rezando essa prece, posso dizer: “Lembrai-Vos de que nunca se ouviu dizer que Vós abandonastes algum pecador. Ora, eu sou um pecador. Será que Vós ireis interromper dois mil anos de gloriosa assistência aos necessitados e abrir uma exceção para mim? Eu não acredito.” É uma linda expressão: “Lembrai-Vos”.

Uma simples medalhinha amassada

Quando nos lembramos de todo o rebotado que passou… E quanta coisa Nossa Senhora tem perdoado, de toda ordem, de todo jeito; uns judeus empedernidos como Ratisbonne(1), bêbados, sem-vergonhas, canalhas, gente de toda ordem que Ela converte. Dessa forma, posso pensar: “Nunca se ouviu dizer… Será que Vós permitireis que a primeira vez seja comigo? Não é possível!” Eu, então, crio alento e toco para a frente.

Eu li uma vez, num livro de vida espiritual, uma coisa muito bonita a respeito do auxílio de Nossa Senhora. Uma senhora, se não me engano da nobreza de Paris, possuía uma casa muito bem arranjada, em cuja sala de visitas havia um quadro com uma moldura bonita e, dentro, uma almofada de veludo e uma medalhinha muito comum, amassada. Um ou outro visitante que aparecia lá perguntava, às vezes, o que era aquele objeto inteiramente sem valor artístico, até estragado, no meio daquela sala tão faustosa e de tanto gosto. E a senhora contava o seguinte: “A essa medalhinha devo a vida e a conversão do meu filho. Ele era ateu, estava saindo de um mau lugar — ou bebendo, ou fazendo qualquer outra coisa má; enfim, se encontrava em estado de pecado — e houve um crime na rua; o projétil desviou-se e bateu no peito dele, chocando-se contra essa medalhinha”.

Sabemos como, em geral, as medalhas de Nossa Senhora são frágeis, ultra comerciais, de alumínio, etc.

E ela continuou: “O projétil está guardado junto com a medalha. Entortou e estragou a medalha, mas miraculosamente não matou meu filho. Ele teve um tal golpe, que se converteu. E este grande milagre merece bem que eu tenha estes objetos expostos aqui”.

Vemos, assim, a bondade de Nossa Senhora por um tipo que, sendo morto por um disparo, iria para o Inferno, pois estava ofendendo a Ela naquele momento. Para esse sujeito, Ela realiza um milagre esplêndido.

Então: “Lembrai-Vos de mim também que não estou fazendo uma coisa horrorosa, não estou pecando, mas vilmente encalhado, bestamente encalhado, e não há o que me desencalhe. Disto eu estou farto de saber e compreendo que só Vós me podeis desencalhar; fazei-me este favor, desencalhai-me!” É um pensamento que só pode nos alentar e ser um incentivo para nossa novena de Nossa Senhora Auxiliadora.

Tardando em nos atender, Maria Santíssima nos concede superiores benefícios

Quando consideramos os auxílios da Virgem Maria, vemos que é uma verdadeira graça o fato de Ela dignar-Se estabelecer conosco relações pelas quais atende pequenos pedidos, quase que diríamos pequenas intenções, como se fossem pequenos carinhos maternos da parte d’Ela. Sem dúvida, é uma graça que devemos reputar como muito preciosa.

Entretanto, não devemos nos espantar quando o auxílio de Nossa Senhora tarda. Muitas vezes Ela demora a atender exatamente nas grandes graças, que Ela quer que peçamos muito.

Em geral, em toda a vida de uma pessoa muito devota de Maria Santíssima, assim como existem as graças que Ela dá logo, há também umas duas, três, quatro ou cinco que Ela concede demorando enormemente, e essas são as almas que Nossa Senhora mais ama, pelas quais, dentro de um rosário de graças facilmente concedidas, Ela coloca algumas muito difíceis. E em geral as graças que Ela ama mais são as de caráter espiritual. Às vezes, é uma graça de caráter temporal cujo retardamento vai ter um sentido espiritual.

Contaram-me o caso de uma senhora protestante, convertida à Religião Católica, a qual tinha muita vontade de ser devota de Nossa Senhora. Leu São Luís Maria Grignion de Montfort, convenceu-se de ser aquela a verdadeira devoção, mas não conseguia ter uma devoção que não fosse puramente teórica em relação à Santíssima Virgem.

Ela passou dez anos rezando todos os dias afincadamente, para ter uma devoção viva a Nossa Senhora. Ao cabo desse tempo, ela a obteve de modo supereminente.

Quer dizer, há certos retardamentos da providência de Nossa Senhora, enquanto Auxílio dos Cristãos, em que Ela concede mais tardando do que dando logo. E isso em parte porque se Maria Santíssima atendesse todos os nossos pedidos imediatamente, a Terra se transformava num paraíso e os sofrimentos desapareciam. Ora, umas das maiores graças que Nossa Senhora nos dá são as cruzes, os sofrimentos. E muitas vezes Ela tarda para nos dar a graça e o mérito do sofrimento.

É preciso também acrescentar que algumas vezes a Santíssima Virgem tarda para provar a nossa Fé, quer dizer, para nos desenvolvermos na Fé e na confiança; e depois Ela nos dá essas graças de modo supereminente.

Por isso, se há alguma alma que esteja esperando muito tempo para receber uma graça, ela não deve considerar isso como uma recusa de Nossa Senhora, mas como uma promessa de que, se pedir muito, essa graça lhe será dada com uma abundância extraordinária.

Na novena de Nossa Senhora Auxiliadora, que, enquanto Auxiliadora, é dadivosa e distribuidora de graças, devemos pedir que, assim como Ela tem pena das almas do Purgatório e abrevia seus tormentos, na medida em que convenha às nossas almas, condescenda em abreviar também essas grandes demoras, e nos dê aquilo que nós queremos, sobretudo para a nossa vida espiritual.

 

(Extraído de conferências de 21/5/1964,
 17/5/1966 e 18/5/1966)

1) Afonso Tobias Ratisbonne, convertido milagrosamente à Religião Católica ao presenciar uma aparição de Nossa Senhora. Ver Revista Dr. Plinio, n. 46, p. 6-9; n. 94, p. 24-29.

 

O amor materno da Auxiliadora dos cristãos

Conhecendo-nos individualmente, e amando-nos como a filhos únicos, Nossa Senhora nos auxilia em todas as batalhas da vida.

É verdade que Nossa Senhora é mãe de todos os homens; porém, Ela é, especialmente, mãe dos cristãos. Ela tem a missão, dada pela Providência, de auxiliar os cristãos.

O educandário da vida

Tal missão não deve ser vista como a de uma mãe junto a seu filho adulto. Por mais respeitável que seja a figura materna em todas as etapas da vida de um filho, há uma idade, entretanto, onde este carrega a responsabilidade de seu próprio destino, e mais protege a mãe do que é protegido por ela. Por isso, nossas relações com Nossa Senhora devem ser as de uma criança com sua mãe.

Enquanto vive nesta Terra, o homem está num período de provas e de lutas, onde sua alma se desenvolve rumo à plena maturidade. Assim, vistos do Céu, somos semelhantes a crianças em formação.

De fato, espiritualmente falando, nossa verdadeira idade adulta será atingida quando Deus nos chamar a Si; nessa ocasião, se tivermos sido fiéis à graça, alcançaremos a plenitude para a qual fomos criados. Dessa forma, do ponto de vista do Céu, a Terra é um educandário, e a maturidade é a morte. Nossa Senhora nos vê, portanto, como espíritos em formação.

Considerando os desastres e as desordens do mundo de hoje, que impressão causamos num espírito bem aventurado, o qual vê a Deus face a face? Evidentemente, é tal o desatino, a precariedade, a incerteza e a debilidade do homem, que, observados do Céu, somos como crianças mal encaminhadas.

Compreende-se, portanto, que Nossa Senhora tenha para conosco a missão de uma mãe para com um filho pequeno. Quer dizer, de dar uma assistência inteira, estar presente em todas as horas, proteger de todos os modos. Ela isso faz com cada homem, em todos os momentos da vida.

Maria Santíssima tem, a todo instante, conhecimento simultâneo e perfeito de cada um de nós. Ela nos ama como jamais alguma mãe amou seu filho. Assim, podemos imaginar a solicitude de Nossa Senhora para com sua missão de acompanhar, rezar, obter graças e guiar a vida de cada pessoa, como se esta fosse a única a existir.

O perfeitíssimo amor de Maria

Este é um ponto a ser sublinhado. De acordo com uma visão completamente falsa, quando rezamos temos impressão de estarmos sob as vistas de Nossa Senhora em meio a uma multidão de homens na qual Ela mal discerne cada um. E, quando chega da nossa parte um brado muito angustiado, Ela presta um pouco mais de atenção, mas fora isso nos perdemos em meio ao tumulto da humanidade e dos séculos.

Ora, ao rezar, deveríamos nos lembrar de que Ela nos vê, conhece e ama como se somente cada um de nós existisse.

Caso nosso Anjo da Guarda nos aparecesse e dissesse: “Neste momento a Virgem Maria vai parar de atender as orações de todas as pessoas, para olhar só para você. E no universo inteiro se fará um silêncio; haverá apenas a sua súplica subindo ao Céu”. A pessoa ficaria comovida: “Como é possível isso? Que honra! Que maravilha!”

Com efeito, isto se dá a todo momento. Quando alguém reza a Nossa Senhora, é como se somente ele o fizesse, e o universo inteiro tivesse parado para Maria prestar atenção apenas nele.

Com sua perfeição insondável, a Santíssima Virgem quer bem a cada um individualmente, do jeito como ele é, com aquela espécie de desinteresse do verdadeiro amor materno, em que a mãe não quer o filho por causa de sua carreira, mas por ser seu filho.

Uma reminiscência do amor materno

Quando se fala em amor materno, é normal que cada um pense na própria mãe. Por isso, vêm-me à lembrança fatos ocorridos com Dona Lucília.

Em 1950, candidatei-me a deputado federal pelo Estado do Paraná.

Eu acabara de chegar da Europa e tinha apenas vinte dias para a campanha eleitoral. Não foi fácil passar de Paris para as estradas poeirentas que ligavam as várias cidades do Norte do Paraná! Meti-me por aquelas vias e enfrentei os solavancos e desconfortos de uma campanha eleitoral.

Terminada a campanha, voltei para São Paulo e mamãe me acolheu com o afeto de sempre.

Começaram, então, a divulgar os resultados da votação. Estes, apesar de serem brilhantes para tão pouco tempo de propaganda, não atingiam o total exigido para minha candidatura. Nem podia ser de outro modo, tratando-se de um candidato desconhecido na região.

Quando chegou a notícia confirmando minha derrota, mamãe, com aquela serenidade, aquela calma, aquele timbre de voz ao mesmo tempo grave e doce que lhe era característico, disse-me:

— Como eu fico alegre com sua derrota!

Fiquei muito espantado e perguntei:

— Mas meu bem, por que a senhora diz uma coisa dessas? A senhora não vê que, ficando deputado, eu poderia prestar serviços à Religião?

Ela respondeu:

— Meu filho, é verdade, e se Deus assim o quisesse, eu quereria também. Mas eu fico alegre por Ele não ter querido sua eleição, pois ao menos assim você não vai para o Rio e fica mais perto de mim.

Eu disse a ela:

— Mas a senhora não gostaria de ter um filho eleito deputado por segunda vez?

Ela respondeu:

— A vida, meu filho, abaixo do serviço de Deus, consiste em se querer bem, morar juntos e se olhar.

A benquerença materna

Antes de rezar, lembremo-nos disso: Nossa Senhora tem por cada um de nós, de modo inimaginável, toda a benquerença própria às mães. Assim, quando alguém se ajoelha diante de uma imagem d’Ela, deve ter a ideia de que, ainda que esteja em estado de pecado, esse ato de devoção é verdadeiramente grato a Maria.

Desse modo teremos correspondido à solicitude de Deus, dando-nos Nossa Senhora como auxílio.  

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/5/1969)