Coração de Maria: Imaculado e Sapiencial

Maria Santíssima é verdadeiramente Mãe de uma bondade incomensurável. Seu desvelo para conosco excede a todo amor conhecido, pois não apenas é generoso, terno, envolvente e até heroico, mas parece ultrapassar todos os limites.

Em Fátima, mesmo quando se referiu às punições reservadas para o mundo impenitente, a Mãe de Deus revestiu suas admoestações de profunda tristeza, demonstrando também, por seu modo de se expressar, uma grande pena dos “pobres pecadores”.

Apesar do anúncio da salutar punição, Nossa Senhora encontra-se pronta a nos obter de seu Divino Filho o perdão.

A condição é que utilizemos os meios por Ela indicados: o aumento na devoção a Ela, a oração e a penitência.

Não há por que estranhar o caráter condicional dessa promessa de perdão, vinda de Mãe tão bondosa e misericordiosa. Pois, uma vez que alguém está ameaçado de castigo por causa de seus pecados, o modo de ser poupado é deixar de cometê-los.

Devoção ao Imaculado Coração de Maria

Para salvar as almas “dos pobres pecadores, Deus quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração” – dizia a Santíssima Virgem na aparição de 13 de julho de 1917, ao tratar do cerne de sua mensagem.

Porém, não foi esta a única ocasião em que Nossa Senhora se referiu à importância dessa devoção. Mencionou-a diversas outras vezes nas suas mensagens, e tal insistência não pode deixar de ser seriamente considerada.

Quem se tomar de verdadeiro e sincero amor por essa boa Mãe, puríssima e inigualável, e pôr em prática a devoção ao seu Imaculado Coração, será favorecido por seu contínuo amparo.

Por maiores que tenham sido os pecados cometidos, Nossa Senhora intercederá pelo fiel devoto junto a seu Divino Filho, obtendo-lhe todas as graças de emenda de vida e perseverança no bom caminho.

A devoção ao Imaculado Coração de Maria é, portanto, um dos principais remédios para a ruína contemporânea.

Coração Imaculado, cheio de Sabedoria

O Coração de Maria Santíssima, ou seja, sua alma, é soberanamente elevado, soberanamente grande, soberanamente sério, soberanamente profundo, porque é sapiencial.

Ela é o vaso de eleição no qual pousou o Espírito Santo, para nele gerar a Nosso Senhor Jesus Cristo. E o único hino que conhecemos como proferido por Nossa Senhora em sua vida terrena, é uma verdadeira maravilha de sabedoria: o “Magnificat”.

O “Magnificat”

“Minha alma engrandece o Senhor; e o meu espírito exulta em Deus meu Criador; porque considerou a humildade de sua serva, por isso todas as gerações me chamarão bem-aventurada”. (Lc. I, 47-48)

Quanto é possível a uma mente criada, Nossa Senhora mediu, por sua sabedoria, toda a grandeza de Deus, e nisto se alegrou. De outro lado, considerou sua pequenez, e então disse:

“Eu me alegro em Deus meu Salvador, porque Ele olhou para a baixeza de sua escrava”.

Isto é um poema! É a escrava que se encanta de ser escrava, de ser pequena, de ver como Deus é infinitamente superior a Ela, e do fundo de seu nada glorifica o Senhor. É o pequeno que reconhece, com agrado, a sua posição.

O escravo não tem direitos, e está colocado abaixo da condição comum dos homens. Pois bem, Nossa Senhora se proclama escrava de Nosso Senhor Jesus Cristo, precursora de todos os escravos que Ela iria ter ao longo dos séculos.

E foi sobre a humildade desta criatura escrava que aprouve ao Senhor deitar os olhos, e por isso Ela exulta: porque a grandeza amou a pequenez.

Eis a verdadeira humildade que ama seu lugar inferior, adorando a grandeza que a eleva. Eis Imaculado Coração de Maria, que também é Sapiencial.

 

Conferência de 21/8/1968 de Plinio Corrêa de Oliveira

Imaculado Coração de Maria: lições de santidade

Refletindo a respeito de uma piedosa invocação da Ladainha do Imaculado Coração de Maria, Dr. Plinio não se prende aos esquemas devotos tradicionais, mas tira  conclusões inesperadas a respeito do materialismo que pode nos escravizar…

 

Como em geral acontece com as ladainhas compostas ao longo dos tempos pela piedade católica, as jaculatórias da Ladainha do Imaculado Coração de Maria sugerem, cada uma, desdobramentos e considerações que muito enriquecem nossa vida espiritual e nossa devoção à Santíssima Virgem.

Procuremos analisar, por exemplo, a invocação “Cor Mariae, in quo Jesus sibi bene complacuit”, que em português poderíamos traduzir assim: Coração de Maria, no qual o Coração de Jesus bem se compraz.

Plenitude de satisfação

Devemos começar por observar que este “bem” salienta a ideia do inteiro e perfeito comprazimento de que nos fala a jaculatória. Ou seja, o Coração de Maria possui uma tal excelência que, tanto quanto é possível à natureza criada, nada lhe falta, e por isso nele Nosso Senhor encontra uma satisfação completa, que não conhece névoa, que não tem limites nem máculas. Excetuando o fato de que o contentamento infinito de Jesus é e só pode ser com o próprio Deus, em tudo o mais Ele acha total alegria no coração e na pessoa de sua Mãe Santíssima.

Quer dizer, Nosso Senhor fita a Santíssima Virgem, olha-A, e ao vê-La, ao contemplá-La, ao analisá-La, experimenta o maior dos prazeres, um deleite indizível, que sobrepuja todas as outras delícias que Lhe proporciona a consideração de suas demais criaturas.

Não poderia ser diferente, em se tratando d’Aquela que foi escolhida, desde toda a eternidade, para engendrar em suas entranhas virginais o Filho de Deus; d’Aquela, portanto, em que tudo haveria de ser absolutamente puro e perfeitamente magnífico. Em todos os momentos de sua vida terrena, Ela não deixou de crescer em santidade, de um modo inimaginável. Cada graça que Deus lhe concedeu para se adiantar na virtude era correspondida com tal excelência que todo o progresso feito por Ela é insondável para a mente humana.

Assim, em todos os instantes da existência de Nossa Senhora neste mundo, Jesus teve com Ela um contentamento completo.

Mesmo nas ocasiões mais difíceis como, por exemplo, quando Ela se viu chamada a consentir na morte de seu Divino Filho, e através de uma anuência inteira, heroica, da qual não sobrasse nenhum resíduo, mesmo em situações como essa o procedimento de Maria foi perfeito, no sentido mais exato da palavra. Porque Ela era, enquanto mera criatura, absolutamente exímia. E, como reza a Ladainha, Nosso Senhor encontrou n’Ela a sua complacência.

Uma lição da sabedoria divina

Do fato desse comprazimento podemos tirar uma bela lição que Deus dá aos homens.

Com efeito, criou Ele magnificências materiais extraordinárias. Quantos mistérios haverá por todas as galáxias do universo? E quando nos detemos na análise dos micro-organismos, dos seres pequenos, quantas novidades imensas se descobrem ao nosso maravilhamento! Todo esse fabuloso conjunto, incluindo os homens e os Anjos, constitui para Deus o objeto de uma eterna contemplação.

Ora, tendo Ele tanto a apreciar, todavia coloca acima de tudo, como fonte do supremo gáudio que pode tirar de suas criaturas, a consideração de Nossa Senhora. Ela que, enquanto ser criado, não é o mais alto pois na ordem da natureza o homem vem abaixo do espírito angélico, porém, do ponto de vista graça, virtude e santidade, não só está acima de todos os Anjos, como é deles Rainha. É essa incomparável santidade, portanto, que Deus se compraz em considerar, e em auferir dela uma especial e completa felicidade.

Qual a lição que daí devemos colher?

É um ensinamento que combate o nosso fundamental materialismo. Infelizmente, a grande maioria dos homens está imbuída da ideia de que o verdadeiro prazer nesta vida consiste na posse de bens materiais, de qualquer natureza que seja: dinheiro, saúde e uma série de outras coisas que estão fora das vias da verdadeira felicidade do homem nesta terra.

Com efeito, sem engano podemos dizer que, nesta vida, encontra a felicidade autêntica quem é capaz de seguir o exemplo de Deus e fazer a sua alegria da consideração das outras almas e da virtude que nelas exista. O homem que passa pelo mundo procurando a virtude e a santidade para admirá-las, amá-las e servi-las, onde ele as encontra, aí se detém e põe seu prazer e seu júbilo. De maneira tal que ele tenha mais satisfação em estar numa choupana ou num leprosário conversando com um verdadeiro santo, do que no local mais magnífico em meio a pecadores.

Por quê? Porque o santo representa um particular reflexo, uma transparente manifestação de Deus. A alma de um santo possui uma perfeição que nenhuma beleza criada tem, e, por causa disso, aquele que sabe procurar os verdadeiros valores da vida, vai atrás da santidade, da perfeição moral dos seus semelhantes.

E quando a encontra, ele dá graças a Deus, eleva sua alma a Nossa Senhora e agradece também a Ela, porque é pelo seu maternal auxílio e intercessão que aquela santidade existe numa alma, e foi por meio d’Ela que ele, homem humilde e admirativo, teve a alegria e a honra de encontrar essa alma virtuosa. Ele teve a glória de experimentar um antegozo do céu, que é o conhecer, nesta vida, um verdadeiro santo.

Sigamos o exemplo de Nosso Senhor

Tratemos, então, de imitar a Deus, que se compraz na alma perfeitíssima de Maria.

Devemos procurar, em nossa existência terrena, as almas honestas, conhecê-las, amá-las e saber discernir nelas o esplendor do bem. Devemos nos alegrar com essa bondade, até mesmo comparando-a e contrastando-a com o que há de mal em torno dela. Devemos ter genuíno comprazimento ao ver que Nosso Senhor recompensa a virtude dessas almas que Lhe são tão diletas, assim como importa que compreendamos e aceitemos a reprovação que Ele, em sua infinita justiça, reserva à maldade impenitente. É o Deus três vezes santo, absolutamente puro e superior, que condena o que é errado, porque não é conforme a Ele.

Quantos ensinamentos a se tirar de apenas uma das mencionadas invocações! Essa é a beleza inexcedível de tudo o que é de Deus, é a insondável formosura de Nossa Senhora, é o maravilhoso tesouro dos princípios da doutrina católica!

Embora muito houvesse ainda por se aprender com as preciosas verdades contidas nessa jaculatória, creio não poder deixar de ressaltar o seguinte e importante aspecto: o enlevo de Jesus em relação à sua Mãe Santíssima, infinitamente inferior a Ele e por Ele amada com amor inexprimível, mostra-nos bem como devemos procurar ver a santidade até naqueles que são inferiores a nós. Amar essa perfeição, enlevar-se com ela, é, mais uma vez, imitar o exemplo de Deus olhando para Nossa Senhora.

E no fim dessas breves considerações, só nos resta elevarmos uma prece filial e confiante ao objeto da inteira complacência de Jesus:

“Ó Coração Imaculado de Maria, fazei o meu coração sem mancha, cheio de fé, de força, de heroísmo e santidade, como o vosso!”

Novena irresistível ao Sagrado Coração de Jesus

Esta novena merece este título por ser uma oração na qual a pessoa se dirige ao Sagrado Coração de Jesus apresentando-Lhe as razões mais fortes para alcançar as graças temporais e, sobretudo, espirituais desejadas.

Assim como o melhor dos pais atende com maior solicitude a um filho, de acordo com o pedido e o modo de pedir, também o Sagrado Coração de Jesus é mais propenso a nos conceder o que precisamos quando, por meio do Imaculado Coração de Maria, alegamos altas razões em nosso favor.

E as alegações indicadas nesta novena tornam-na irresistível.

Passo a comentá-la:

Ó meu Jesus, que dissestes: “Em verdade vos digo: pedi e recebereis, procurai e achareis, batei e ser-vos-á aberto”. Eis que eu bato, procuro e peço… (fazer o pedido).

É um pedido admirável e inteiramente racional. Tomando as palavras do Sagrado Coração de Jesus, que jamais mente, invoca esta promessa de misericórdia diante d’Ele. Então, quando tivermos problemas espirituais, sobretudo, dizer isto a Ele, na Comunhão ou em outras ocasiões, é soberanamente eficiente.

Ó meu Jesus, que dissestes: “Em verdade vos digo: qualquer coisa que peçais a meu Pai em meu nome, Ele vo-lo concederá!” Eis que a vosso Pai, no vosso nome, eu Vos peço… (fazer o pedido).

Realmente, é outra promessa d’Ele que se deve invocar. Quem pedir ao Pai Eterno algo em nome de Jesus e, consequentemente, quem pedir a Nosso Senhor em nome de Nossa Senhora, obterá.

Ó meu Jesus, que dissestes: “Em verdade vos digo: passarão o céu e a terra, mas as minhas palavras jamais!” Eis que, apoiado na infalibilidade de vossas santas palavras, eu Vos peço… (fazer o pedido).

Primeiro vêm duas palavras d’Ele, em seguida, lembramos-Lhe que essas palavras são infalíveis.

É um modo de rezar altamente piedoso e benfazejo, próprio de uma piedade raciocinada e clara, que realmente arrasta o Sagrado Coração de Jesus: “Vós dissestes isto e aquilo, garantindo-me que serei atendido. Ora, Vós nunca mentis, e eu Vos peço, portanto, que realmente me atendais”.

Depois vem a parte final que é muito bonita:

Ó Sagrado Coração de Jesus, a quem uma única coisa é impossível, isto é, não ter compaixão dos infelizes, tende piedade de nós, míseros pecadores, e concedei-nos as graças que Vos pedimos, por intermédio do Coração Imaculado de vossa e nossa terna Mãe.

Sobretudo é impossível ao Sagrado Coração de Jesus, quando solicitado por Nossa Senhora, não ter compaixão daqueles que sofrem as dificuldades, as agruras, as tentações e, diríamos até, as misérias da vida espiritual.

São José de Anchieta: dedicação heroica aos índios

Grande taumaturgo, de esmerada cultura europeia e requintados dotes naturais, São José de Anchieta colocou-se inteiramente à disposição da Divina Providência, servindo de instrumento eficaz da graça para a conversão dos indígenas.

 

Há muitos anos, li uma biografia do Padre José de Anchieta que me agradou bastante, mas depois me esqueci dos fatos, e a figura dele me saiu algum tanto do espírito. E agora chegou às minhas mãos um “santinho” que traz uma síntese biográfica dele, com alguns detalhes curiosos e uma beleza própria, que me parece adequada para um comentário. O “santinho” diz o seguinte:

Recebeu o título de ”novo Adão”

O Padre José de Anchieta nasceu em São Cristóvão da Laguna, na ilha de Tenerife, no ano de 1534.

Depois de mencionar os vários lugares onde ele estudou, continua:

Exerceu poder tão extraordinário sobre os animais que mereceu o nome de “novo Adão”.

É lindo o título. Sabemos, pelo Gênesis, que quando Adão foi criado todos os bichos do Paraíso desfilaram diante dele. E Adão foi dando a cada um o nome, de acordo com a sua natureza, quer dizer, uma espécie de definição, classificação científica dos animais. E ele tinha sobre os animais um domínio absoluto.

Notem bem a lógica interna desses dons que o Padre José de Anchieta recebeu. Ele era um missionário mandado ao Brasil para dominar uma natureza ingrata e rebelde ao homem, a fim de permitir que os católicos pudessem implantar aqui o seu domínio, e abrir caminho para a civilização cristã.

Havia nele, portanto, em primeiro lugar na ordem da execução, o aspecto de um lutador contra uma natureza bravia, ainda não dominada, não batizada, por assim dizer, como a natureza europeia.

Mas, depois, ele era também o fundador de uma cidade que haveria de ter um papel enorme na vida de um país e da Contra-Revolução. Quer dizer, ele está na origem de uma série de fundações.

Então, enquanto batalhador contra a natureza agreste, ele foi dotado de um domínio especial sobre os bichos, que eram os maiores inimigos do homem, na ordem da natureza selvagem. Enquanto fundador, foi dotado do dom de profecia. Ele era um profeta, e pode-se ver isto no encanto e na beleza dos fatos da sua vida contados aqui.

Domínio sobre as aves…

Da janela do quarto em que residia, chamava as aves que vinham ter com ele.

Vejam que coisa bonita! No Pátio do Colégio, de manhã cedinho, o Padre Anchieta acorda e vê um belo pássaro. Chama-o para junto de si, a ave pousa, ele passa um pouquinho a mão em suas penas. O pássaro, sentindo o carisma do santo e todo agradado com esta manifestação dele, voa de novo. E as pessoas ali presentes pasmam com este novo Adão, que por esta forma domina a natureza.

Notem também a variedade dos dons da Providência. Para um São Francisco Solano, no Paraguai, Ela dá um violino que, ao ser tocado, aquieta os índios. Aqui, ao Padre Anchieta, que esteve preso entre os índios como refém, a Providência não deu o dom de tocar violino. Ele escreveu com um pau qualquer, sobre a areia, seu famoso poema a Nossa Senhora, em latim, mas não aquietou os indígenas; esteve no meio deles, correndo gravíssimo perigo de vida, e não foi morto. Entretanto, foi-lhe dado o dom de aplacar os bichos.

Podemos imaginar como esse dom impressionava os índios. Porque a cidade era muito frequentada por indígenas mansos, os quais, por sua vez, tinham contato com os índios agressivos. E a fama se espalhava, então, de que o “grão-pajé branco” dominava completamente a natureza. Sem dúvida, isso auxiliava muito a conversão dos indígenas.

Vemos assim, sob uma forma muito poética, elevada e nobre, aquele homem de ferro, um filho de Santo Inácio dos grandes tempos, que subia a pé a Serra do Mar. Pois bem, um homem assim abre a janelinha de seu quarto, numa São Paulo cheia de neblina, de garoa, frente a uma praça com árvores, onde se encontram índios, escravos negros, portugueses, chama dois, três pássaros, dá-lhes alguma coisa para comerem e despede-os. É o primeiro momento de distração de um santo, antes de um dia cheio de trabalho.

…as feras e as cobras

Aqui são narrados outros fatos interessantes: Mesmo as feras e as serpentes venenosas abrandavam ante ele a sua ferocidade, e perdiam o natural veneno. Muitas vezes, bastou a invocação de seu nome para livrar seus devotos das mordeduras venenosas.

As cobras eram o terror do Brasil daquele tempo. Era uma ameaça constante para os bandeirantes e para todo mundo que vinha morar aqui, inclusive para os índios. E além do perigo das serpentes, havia também os outros animais selvagens: a onça, por exemplo. Então ele, quando atacado, ou via alguém agredido por uma fera, mandava esta recuar e era obedecido, ou, se fosse uma cobra, a mesma perdia o seu veneno.

Alguém uma vez definiu que cobra sem veneno é minhoca. Ele, portanto, “aminhocava” as cobras, reduzindo-as a nada.

Considerem que coisa bonita: numa estrada de mato, aparece uma serpente, que está para armar um bote contra uma criancinha. Padre Anchieta ordena: “Para!” A cobra fica imóvel e se deixa capturar. Vão examinar, não tem mais veneno.  Ele sorri e os pais do indiozinho pedem para ser batizados. É um dos feitos do Padre Anchieta dentro da mata.

Coisas destas deveriam se contar nos cursos de História do Brasil. Isso não daria um outro perfume à nossa História?

Ressuscitou mortos e teve o dom de profecia

Nos processos de beatificação que ainda se conservam, juraram os contemporâneos numerosíssimos prodígios do grande taumaturgo, tais como ressurreições operadas na Bahia…

Quer dizer, este homem ressuscitou mortos na Bahia!

…e muitas profecias, como a do desastre de Alcácer Quibir, em que pereceu o Rei Dom Sebastião de Portugal.

Foi a famosa batalha em que o Rei Dom Sebastião atacou os mouros, e ele, com a flor da nobreza portuguesa, foram dizimados. O trono de Portugal tornou-se vacante e, pouco depois, passou para a Casa d’Áustria que governava a Espanha. Mas isso representava, durante algumas décadas, o fim de Portugal.

O Padre Anchieta previu também o dia de sua morte, e, aproximando-se a data de seu falecimento, fez todas as visitas de despedidas, como para uma viagem. Entrava nas casas das pessoas por ele conhecidas — mais ou menos toda a aldeia —, sentava-se e dizia: “Queria agradecer as atenções, as gentilezas, e prometo rezar por vós no Céu. Vou morrer no dia tal, de maneira que eu vim aqui me despedir”.

Imaginem a sensação dos membros de uma família, ao receberem a visita de um homem que eles viram deter as onças, chamar os pássaros, profetizar a queda de Portugal e agora prevê a data da própria morte! Depois, ele levanta-se, cumprimenta e pergunta:

— Não quer nada do Céu?

— Ah! me recomende a Santana, a Nossa Senhora da Assunção, Padroeira de São Paulo, reze por mim, arranje tal caso…

— Pois não, vou providenciar.

Anchieta morreu no dia exato previsto por ele.

É tão bonito, de tal maneira um encanto, que vale a pena comentar isso numa reunião nossa.

O encontro com um velho índio que esperava conhecer a verdadeira Religião

Naquelas andanças do Padre José de Anchieta, mato adentro, não à procura de esmeraldas, mas de almas, a certa altura ele encontrou sentado num tronco de árvore um índio muito velho. Conhecedor dos vários dialetos indígenas, Padre Anchieta se dirigiu afavelmente ao homem, perguntando-lhe se precisava de alguma coisa.

O indígena explicou que estava esperando ali a hora da morte.

— Mas como a hora de sua morte?! — perguntou o Padre Anchieta.

O índio respondeu:

— Sonhei que, quando estivesse velho, viria um homem vestido com esse traje preto com que o senhor está, e me ensinaria a Religião verdadeira, a qual a vida inteira eu quis conhecer. Há tempos me sento neste tronco à espera desse homem. Hoje o senhor veio; queira me ensinar a verdadeira Religião.

Podemos imaginar a comoção do Padre Anchieta! Ensinou-lhe as verdades essenciais da Fé, batizou-o, e depois o homem morreu na paz de Deus.

O pobre índio tinha um tal desejo que, se não fosse a Providência ter pena dele e abrir essa exceção, ele morreria tendo recebido o Batismo de desejo.

Mas, como vale a pena ser batizado com água! Vale tanto, que esse velho indígena — que poderia ter o Batismo de desejo — recebeu da Providência o benefício de ficar esperando, até vir o homem que pudesse pronunciar a fórmula e derramar sobre ele a água mil vezes querida e respeitável.

Imaginemos o lugar em que se deu essa cena:

Naquela época, o que era uma franja de civilização portuguesa no Brasil, levada pelo Padre José de Anchieta no meio de matos que nunca um ente civilizado tinha pisado? Portanto, todo mundo ignorava esse fato, que se passava sem publicidade.

Na selva, com algum sabiá cantando, algumas borboletas azuis esvoaçando de um lado para outro, um raio de sol que entra no meio da vegetação, o índio encantadíssimo, e Anchieta, derramando sobre ele a água de um Tocantins qualquer, dizendo com a voz serena, harmoniosa: “Eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém.”

Nessa hora, o índio entra para a Igreja Católica sem que outrem na Terra, a não ser ele e o Padre Anchieta, saiba que a Esposa de Cristo tem ali um novo filho. Fato ignorado, que não é nem sequer suburbano, mas do último extremo, da última franja, da franja mais ousada da civilização.

E assim nasce para a Igreja um filho procurado dentro da gentilidade, e trazido com amor — depois de uma revelação em sonho — para junto de um tronco, onde ele encontrou a salvação.

Após adquirir grande cultura na Europa, é enviado ao Brasil para tratar com índios

No mundo civilizado da época do Padre Anchieta havia um alto grau de cultura. Ele se beneficiou das circunstâncias que aumentaram a categoria de sua personalidade. E quando entrou em liça para lutar por Nossa Senhora, levava todos os elementos positivos que cercaram sua formação, e estava pronto para essa grande obra, porque procurara continuamente aproveitar tudo de bom que havia em torno dele: a virtude ensinada no Seminário e toda a cultura existente nos meios religiosos e no ambiente daquele tempo.

Isso representa um esforço considerável. Ninguém fica um homem muito culto sem ter empregado um grande vigor, pois sem esforço não há cultura.

Agricultura o que é? É o trabalho que o homem faz para tornar a terra útil ao plantio e, depois, a plantação que se faz no solo trabalhado. “Agri” vem de “ager”, campo; cultura é exatamente esse esforço de preparar a terra, de pôr a semente e de cultivá-la para que dê o resultado esperado.

Assim é a cultura do homem, entretanto muito mais nobre do que a cultura do campo, porque o homem é um ser incomparavelmente superior à terra. Por causa disso, a cultura do homem é muito mais exigente do que a agricultura, ou qualquer outra forma de cultura.

Anchieta precisou, portanto, trabalhar, esforçar-se, aprender, decorar, polir-se e adaptar-se de todos os modos possíveis. E, de repente, recebe do Geral da Companhia de Jesus — que decidia o destino de todos os jesuítas, pelo voto de obediência — a ordem de vir para o Brasil.

Depois de todo esse esforço de civilização e de cultura, ele é mandado para cá, a fim de ter contato com os botocudos, os guaianazes, os tupiniquins, com quanta espécie de índios mais ou menos bárbaros e selvagens que havia aqui. Dir-se-ia que todo aquele esforço intelectual anterior estava liquidado. Para tratar com os índios, do que adiantava isso?

Há uma espécie de desilusão nesse primeiro lance: se faz todo um esforço, o homem se torna primoroso; de repente, recebe a ordem: “Vá lá para o mato tratar com os tupiniquins!”

Utilizando seus dotes naturais como instrumento da graça divina

Anchieta tomou todos os recursos intelectuais que havia preparado e aplicou-os para o estudo do seguinte problema: Como são essas almas que Deus me manda evangelizar? Qual é a psicologia delas? Como entendem as coisas? Para começar, qual é a língua desses indígenas? Eles têm uma gramática?  Falar-lhes na sua própria língua é um primeiro passo para ter influência junto a eles e abrir-lhes os corações, porque ficam contentes ao ver que um homem branco, civilizado, aprendeu e fala o idioma deles.

Então, o Padre Anchieta estuda a língua tupi, faz uma gramática, uma espécie de dicionário. Desse material tosco, ele recolhe, com jeito, todos os conhecimentos necessários para entender a alma dos índios, a fim de saber como tratar com eles, para compreender sua instabilidade, como mudam continuamente de atitude e disposição em relação a alguém.

Que coisa difícil é lidar com um selvagem, de maneira que, aos poucos, ele se civilize! É mais árduo elevar um tupiniquim à condição de um católico do que um homem, nas mais altas cortes da Europa, encantar os reis e as rainhas pela sua própria cultura.

Anchieta tomou os recursos que ele tinha e os aproveitou, na aparência, para uma obra inferior, isto é, tratar com “sub-homens”; mas na realidade era uma obra dificílima, uma super-obra, precisamente porque se tratava de tomar os pobres índios, filhos amados de Deus, cuja salvação Ele quer, e elevá-los à condição de homens civilizados.

De que maneira a Providência agiu?

Antes de tudo, mandou graças extraordinárias para esses índios a fim de que, em contato com o Padre Anchieta, seus corações ficassem tocados. A graça fazia com que eles possuíssem admiração pelo santo missionário, se sentissem adoçados em companhia dele, tivessem grande desejo de estar, para falar — um pouquinho que fosse — com ele. Era efeito da graça vinda do alto, que dispunha seus corações para receber aqueles bens naturais que Anchieta pusera na sua própria alma e transmitia a eles. A graça baixava sobre esses dons naturais, dando-lhes um brilho sobrenatural, e ele os apresentava para os índios, que ficavam encantados.

Além disso, havia os milagres realizados por Deus para prestigiar o Padre Anchieta diante dos índios. Vê-se como a Providência ama os indígenas, quer o bem deles, e faz todo o possível para que correspondam à graça.

Salvo por um milagre, contribuiu para salvar inúmeras almas

Dou mais um exemplo. Anchieta estava escrevendo aquele poema a Nossa Senhora — ao qual me referi —, que é um poema lindo, composto em um latim muito puro, nas areias ainda virgens do litoral brasileiro. Escrever um poema em latim! Podemos imaginar o que isso representa de contraste com todo o ambiente que o rodeava.

Como não possuía tinta nem papel, ele escrevia com a ponta de uma vara na areia e decorava. Depois de ter decorado — ele tinha boa memória —, compunha mais um tanto. Evidentemente, uma coisa movediça, porque a noite chega, a maré sobe e apaga tudo; do que ele havia escrito não ficava nada. Portanto, ou guardava na memória, ou não adiantava.

Houve um tratado entre os portugueses e os índios, pelo qual os primeiros se comprometiam a determinadas obrigações para com os indígenas. Mas estes ficaram desconfiados que os portugueses não cumprissem sua parte. Então, o chefe dos portugueses entregou o Padre Anchieta como refém e disse: “Se nós não cumprirmos, matem-no”. E ele, como ainda não sabia falar a língua dos índios, tinha muito tempo livre, e aproveitou-o para escrever esse poema, enquanto aguardava o desfecho do caso.

Estava ele redigindo de costas para o mar — com certeza por causa da posição do sol, de um jogo de luz —, e não percebeu o que estava se dando atrás dele. A maré estava subindo, subindo… Os índios, vendo o que estava acontecendo, começaram a se refugiar em algumas elevações próximas. Eles percebiam que haveria um momento em que o mar deglutiria o Padre José de Anchieta. Então, gritavam frases que o santo missionário não entendia, mas que queriam dizer, mais ou menos, o seguinte: “Preste atenção! Tome cuidado! A água vem chegando!”

Mas, impressionado com a beleza do que estava compondo e, mais ainda, com a incomparável pulcritude moral d’Aquela em honra de Quem ele escrevia, o Padre Anchieta não se incomodou.

Em certo momento, por gestos dos indígenas, o santo missionário percebeu que estavam apontando para alguma coisa atrás dele. O Padre Anchieta olhou, e era o mar que formara uma parede, mas não o cobria porque Deus não permitia. E os índios, por serem muito emotivos e gostarem dele, começaram a berrar, pois não queriam que Padre Anchieta morresse. Só então ele percebeu a situação e saiu correndo. O mar o foi acompanhando, sem degluti-lo, até uma distância onde se espraiou naturalmente na linha do litoral.

Ele estava salvo por um milagre, e foram salvas inúmeras almas de índios que, encantados com aquilo e percebendo haver algo de sobrenatural, começaram a acreditar no que ele dizia.

Vemos em tudo isso o papel da graça, este dom de Deus, recebido no Batismo, que nos faz participar da própria vida divina, e nos confere uma energia, uma clareza de vistas, uma superioridade maiores do que aquelas que nos são próprias segundo a natureza. E começamos a entender, a falar, a fazer coisas maiores do que seríamos capazes naturalmente. É o mais alto dom que uma criatura pode receber.

Quando chegarem horas difíceis, talvez haja momentos em que julgaremos estar tudo perdido. Lembremo-nos de que essas são as horas de ganhar tudo; não duvidemos de nossa vitória, pois é Nossa Senhora Quem combate por nós. Se rezarmos a Deus por meio d’Ela, confiando em Maria Santíssima contra toda aparência, as águas se levantarão em torno de nós e não nos deglutirão, como aconteceu com o Padre José de Anchieta.

 

(Extraído de conferências de 11/10/1971, 7/6/1981 e 27/2/1993)

Rei e centro de todos os corações

Era a festa do Sagrado Coração de Jesus. No auditório Nossa Senhora Auxiliadora(1), sob o comprazido olhar de Dr. Plinio, um grupo de jovens discípulos entra em cortejo portando uma bela imagem de Nosso Senhor, enquanto entoava-se a ladainha com invocações a Ele dirigidas. Ao final do cântico, pronunciou Dr. Plinio as palavras aqui recordadas.

 

A celebração de hoje possui tantos aspectos quantas as invocações desta ladainha, tão ricas que sobre cada uma delas se poderia fazer uma conferência.

Com efeito, todo católico que permanece fiel aos mandamentos da Lei de Deus precisa admirar as virtudes suplicadas nessa prece, pois são essenciais para a vida espiritual. Em sua existência terrena, Nosso Senhor deu exemplos salientes, flagrantes e belíssimos dessas virtudes; exemplos indeléveis que iluminarão o mundo durante toda a História da humanidade na Terra, e os bem-aventurados no Céu, por toda a eternidade.

Mais do que reinar sobre pessoas

Há, porém, uma invocação especialmente digna de nota e sobre a qual tecerei alguns comentários: Coração de Jesus, Rei e centro de todos os corações.

Na Igreja, todas as coisas, por mais que toquem no sentimento — e isso é bom —, têm razão de ser profunda, porque baseadas na Teologia e, portanto, numa doutrina muito sólida e segura.

Devemos nos perguntar, então, qual a diferença entre ser Rei e centro de todos os corações.

Sendo Nosso Senhor verdadeiro Deus e verdadeiro homem, é Rei de todas as coisas e, por conseguinte, dos homens. Mas, há diferenças entre governar um povo e reinar nos corações dos súditos.

Um monarca é capaz de exercer efetivamente o poder por direito, entretanto se não manifestar as virtudes e qualidades próprias à realeza, poderá ser malquisto e até detestado pelo seu povo. Donde, reinar nos corações é muito superior a imperar apenas sobre as pessoas.

Senhor da nossa vontade

Estendamos a análise. Segundo antiga simbologia, o coração representa a afetividade do homem. Assim, a mencionada invocação significa que Jesus tem o direito e, de fato, o poder de atrair o afeto e o carinho de todos os homens.

Porém, tais sentimentos fazem parte de um todo, a vontade humana, maior do que as partes, da qual Nosso Senhor é, pois, o Rei e o centro. Assim, cumpre que essa vontade reconheça o dever de amá-Lo, e cabe a nós praticar o ato volitivo ordenado a esse amor, embora às vezes nos encontremos na aridez e numa completa falta de sensibilidade de carinho e afeição (provação, aliás, freqüente na vida espiritual). Seja como for, importa termos a vontade firme, de têmpera, séria, a qual se acha convicta de que Jesus tem o direito de ser este seu Rei, centro de todos os corações.

Na prática, uma realeza não reconhecida

Tal verdade, considerada e compreendida desse modo, é realmente irretorquível e bela. Mas, poder-se-ia perguntar, na prática, no quotidiano dos homens, será efetiva?

Recordemos as cenas da Paixão do Redentor. No Horto das Oliveiras, Jesus se queixou dos Apóstolos que O acompanhavam, porque não vigiaram com Ele durante uma hora. Enquanto isso, Judas se apressava em traí-Lo. Por duas vezes veio ao encontro dos discípulos, banhado em sangue que transudara por causa do seu estado de aflição e pavor, e que deveria incutir neles compaixão pelo Mestre. Porém, suas sensibilidades não se moveram. Apenas despertaram, viram-No e continuaram a dormir…

Mas, o pior consistiu em que eles não tinham firme vontade e resolução de Lhe fazer companhia, de consolá-Lo e depois segui-Lo até o alto do Calvário. Os episódios subsequentes o demonstram de forma dolorosamente clara.

Ora, como acima entendemos, Nosso Senhor tinha o direito de ser Rei daqueles corações. Entretanto, não o era de fato, porque aquelas vontades não reconheciam a sua realeza, não era desejado nem querido como deveria sê-lo.

Toda a falta de responsabilidade dos Apóstolos nos acontecimentos culminantes da Paixão mostram do que é capaz o homem, quando tem para com o Redentor apenas um carinho sensível, e não a força de vontade a qual, na aridez e até na desolação, o torna fiel.

Reino de Maria, Reino do Coração de Jesus

Então, nos indagamos: quando o reinado do Sagrado Coração de Jesus será efetivo na Terra?

Respondemos com o grande São Luís Grignion de Montfort: no Reino de Maria.

Compreende-se. Nossa Senhora está sempre voltada para Cristo. Estabelecer o reino d’Ela é instaurar o do Sagrado Coração de Jesus.

Pelas preces insistentes da Santíssima Virgem, já agora e, sobretudo, no seu reino, será concedido aos homens, não apenas os maiores graus de sensibilidade para com o Coração de Jesus, mas uma extraordinária firmeza de vontade em relação aos seus régios desígnios. Quer dizer, sendo Ele nosso Rei por direito, auxiliados pela graça tomaremos sempre a atitude de súditos diante de seu monarca, não recuando sequer face à necessidade de dar a vida em defesa de seu reinado, batalhando nos degraus do trono.

O papel das firmes convicções

É necessário acrescentar que ninguém terá vontade firme se não possuir igualmente convicções sólidas. Quem não estiver persuadido, por uma fé inabalável, da divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo e da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, será incapaz de grandes resoluções. Chegada a hora do sacrifício e do holocausto, haverá um choque. O instinto de conservação da vida ou dos bens que lhe convêm — como a riqueza, a reputação, a posição social, a saúde, etc. — estando ameaçados, a tendência será poupá-los em benefício do interessado. O egoísmo é a hipertrofia desse instinto.

Nesse momento, surgirá uma pergunta soprada pelo próprio instinto: “O motivo pelo qual me vou sacrificar a Ele, resistirá verdadeiramente ao raciocínio?”

Tal indagação será um jeito que a covardia humana encontrará para fugir do dever, sem ter a sensação de o estar violando: “Afinal, eu me examinei naquela circunstância, e me dei conta de que minhas razões não eram suficientemente definidas e vigorosas; portanto, não tenho obrigação de me sacrificar. Não estou persuadido da necessidade de semelhante atitude”.

Compreendemos, então, como a persuasão é um elemento fundamental desse conjunto de fatores por onde Nosso Senhor Jesus Cristo é aceito como autêntico Rei dos corações.

Assim, nossas certezas precisam ser tão firmes ou mais quanto nossas resoluções. O católico deve dizer para si mesmo: “Tenho uma fé inabalável, a qual exclui qualquer dúvida de que Jesus Cristo é meu Deus e Redentor, esteve na Terra, realizou todas as ações narradas no Evangelho, entre outras a de fundar a Igreja, ensinou a doutrina e fez os milagres ali descritos; provou por meio de sua Ressurreição e Ascensão, a veracidade de tudo quanto Ele é e disse. Convicto dessas razões, estou disposto a morrer por Nosso Senhor”.

Corações feitos à imagem do de Jesus

Ora, não raramente observamos o contrário dessa certeza: o relativismo. “Jesus Cristo foi tão bom e santo, uma figura extraordinária que, provavelmente, tenha existido. Certeza disso não tenho, porque não estou habituado a ter certezas. Meu espírito vagabundo, relaxado e cínico, que não diferencia claramente a verdade do erro, mas baila num terreno pantanoso, não possui convicções. E, por mais que estudasse a questão — não o farei, porque não costumo estudar nada — sou incapaz de formar uma certeza, a qual supõe um coração firme”.

Percebemos, portanto, que na raiz da convicção encontra-se uma vontade segura e séria: “Verdade, eu te quero. Por causa disso, meu espírito à tua procura deve ser como um gládio que corta em duas partes as trevas e obtém a luz!”

Estes são os corações feitos segundo o Coração de Jesus. Ele nos deu todas as provas possíveis de ser o nosso arqui modelo, tendo feito seu sacrifício a ponto de bradar no alto da Cruz: “Meu Pai, meu Pai, por que me abandonaste?”, e, em seguida, expirar. Vale recordar que tal brado é o início de um salmo profético (cf. Sl 21, 2). Além disso, a frase de Nosso Senhor para o bom ladrão — “Hoje estarás comigo no Paraíso” — manifesta sua certeza e determinação de ir até o fim, através dos piores escolhos e das maiores dificuldades. O Coração de Jesus é, pois, nosso exemplo arqui perfeito da fé, da vontade e das convicções inabaláveis.

Manancial de graças e misericórdias

Mais ainda. É a própria fonte de onde irradiam as graças pelas quais somos capazes de adquirir essa certeza e a força de vontade que o homem, por si mesmo, é incapaz de possuir quando tem em vista fins sobrenaturais. Somente o consegue mediante o auxílio das graças do Céu.

Compreendamos então o aspecto sensível do símbolo: o Coração de Jesus é o receptáculo repleto de misericórdia e afeto para quem Lhe rogue essas graças. Ele deseja concedê-las e está à espera, na infinidade de suas riquezas, de alguém que Lhe peça uma parte ou a plenitude delas — conforme caiba na alma de cada pessoa — para atender com inimaginável abundância.

Acredito serem tais considerações extremamente propícias a nos secundar em nosso progresso na vida espiritual, pois nos apresentam os elementos necessários para vencermos a tibieza e a indolência que eventualmente nos assaltem nas vias de piedade que devemos trilhar.

Observados esses princípios que acabamos de analisar, Nosso Senhor, Rei de direito, torna-se Rei de fato. Se os homens forem assim — e não importa que o sejam todos numericamente falando, mas a parte de maior influência e irradiação na sociedade, aquela capaz de conduzir as vontades conforme o Sagrado Coração de Jesus — o Reino de Maria estará implantado.

O citarista do Espírito Santo

Santo Efrém, Padre da Igreja, dos primeiríssimos séculos do Cristianismo, cantava muito bem, fazendo-se acompanhar de uma cítara, e  compunha versos maravilhosos a respeito de Nossa Senhora, a ponto de ser tido como um Doutor da Mariologia. Seus versos, apesar de simples e acessíveis a todo o povo, tinham tal densidade de poesia, tal beleza e tal riqueza doutrinária, que ele passou para a História da Igreja como o “citarista do Espírito Santo”.

Dir-se-ia que o Espírito Santo não só falava, mas cantava pelos sons harmoniosos de sua laringe e fazia vibrar a graça divina nas almas, ao diapasão da cítara com que Santo Efrém entoava cânticos.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 6/11/1972)

Morar no Sagrado Coração de Jesus

Eminentemente contemplativo, Dr. Plinio discernia em uma imagem as virtudes do Sagrado Coração de Jesus, cuja consideração maravilhada levou-o, do desejo de uma vida deleitável na prática do bem, ao encanto pelo heroísmo e à luta contra a Revolução.

 

É conhecida a experiência pela qual, fazendo-se girar em alta velocidade um disco composto das cores do arco-íris, cria-se a ilusão de que o disco tornou-se branco. É inegável que o branco tenha sua beleza, como síntese e matriz de todas as cores.

As virtudes se relacionam entre si à maneira das asas de uma borboleta azul e prata

Entretanto, há outro modo das cores se inter-relacionarem que notamos, por exemplo, nas asas da borboleta azul e prata. Não que uma asa seja azul e outra prateada — seria um pesadelo —, mas, conforme o movimento da luz, o azul se transforma em prateado e o prateado em azul. De maneira que, por assim dizer, se teria a ilusão de que uma cor habita na outra.

O conjunto de verdades ou de virtudes numa alma só manifesta sua inteira beleza vista assim, na linha deste furta-cor do azul e prateado na asa da borboleta. Quer dizer, quando se olha uma virtude, de repente, fixando a atenção não apenas especulativa, mas também descritiva, percebe-se sair de dentro outra virtude.

Isso se dá muito com as virtudes cardeais. Considerem, por exemplo, a fortaleza. Em determinado momento, percebe-se que se desprende dela, no mesmo ato da mesma pessoa, algo que se aprecia no ato total, mas seria simplificar chamar apenas de fortaleza. Essa “cor” que se faz notar seria a virtude da prudência. E assim também com as outras virtudes cardeais.

Naturalmente, numa esfera muito mais alta, provavelmente se poderá dizer o mesmo das virtudes teologais.

A meu ver, o inconfundível “unum” de uma pessoa não se deixa ver a não ser por meio de refrações como essas, pelo menos nesta Terra. Esse é o “unum” que representa aquele fundo da alma que, ao tratarmos com um indivíduo, passamos a vida inteira procurando e conhecendo sempre melhor, sem nunca conhecê-lo até o fundo.

Impressões causadas pela Igreja do Sagrado Coração de Jesus

Digo isso para vermos como devemos analisar nossos modelos. Nunca os compreendemos tão bem como no momento em que de uma virtude se desprende outra. Na hora do “borboletear” da coisa é que se pega bem o que é o total.

Se nos perguntamos se a asa da borboleta é azul ou prateada, a resposta é: para além de azul e de prateada, ela tem algo que a capacidade cromática da vista humana não capta, e que não é o contrário do azul nem do prateado, mas uma coisa que não podemos alcançar porque ora se mostra azul, ora prateada. E o azul e o prateado não mentem quando nos dizem ser aquela asa azul ou prateada; mas ela o é de um outro modo que nós não somos capazes de perceber. Há uma coisa mais bela dentro disso.

Por exemplo, no caráter espiritual-temporal no Império Austro-Húngaro, o que era mais bonito: o caráter acidentalmente espiritual que marcava esse Império, ou o caráter essencialmente temporal, enquanto marcado pelo espiritual? Essas coisas não se discernem. Mas, assim como com o azul e o prateado, de uma coisa sai a outra.

Creio que esse fenômeno não é privativo dos santos de comprovada heroicidade de virtudes e próprios a serem canonizados, mas se verifica em todas as almas virtuosas, entendidas como tais as que estão na graça de Deus. Assim, eu poderia explicitar um pouco mais as impressões que tive, quando pequenino, na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, e depois as que, a vida inteira, deu-me a Igreja Católica.

A seriedade do Sagrado Coração de Jesus, por exemplo, me impressionava muito. Mas era uma seriedade na qual eu poderia distinguir pelo menos alguns aspectos; porque no seu fundo a seriedade traz consigo que a pessoa, ao observar algo ou alguém, considere-o enquanto inserido em todo o contexto do Universo.

Isso remete a realidades sobrenaturais tão altas que o indivíduo fica meio desconcertado. E a seriedade, vista debaixo desse ângulo, é meio amedrontadora. Há mesmo qualquer coisa dela que muitos homens creem não poder suportar.

Um pequeno episódio da vida doméstica

Por exemplo, uma criança é meio estabanada e deixa cair um copo d’água no tapete. Este episódio tem um inconveniente minúsculo para a vida doméstica; é preciso secar a água e talvez tomar uma pequena providência para não danificar o tapete.

Digamos que isso se dê na casa dos avós da criança, onde também estão presentes seus pais. O trabalho da mãe é passar um pitozinho na criança, para ela aprender a não ser estabanada; mas um pito com leveza, proporcionado à banalidade do que aconteceu, obrigando a criança a trabalhar para secar aquela água, praticar um pouquinho de penitência. Mas deixando-a entrever que aquilo não vai ter muita duração; é um pequeno episódio. À noite, na hora de dormir, ela já nem se lembra do que aconteceu.

A mãe, portanto, tem em vista operações práticas — salvar o tapete —, mas também a educação da criança, que é uma finalidade mais alta. Mas ela visa as vantagens imediatas da criança, evitar que fique tonta, não ganhe prêmio no colégio, etc.; enfim todo o futuro psicológico da criança.

O pai olha com muito menos sensibilidade, preocupado com outras coisas, considerando aquilo meio uma bagatela, mas ao mesmo tempo tomando uma atitude diante do fato por onde a criança compreenda que, se isso se repetir, o ajuste de contas será com ele, que agirá com muito mais severidade do que a mãe.

O avô está lendo um jornal, e a avó uma revista ilustrada. Ao ver o que o menino fez, a avó cai na gargalhada:

— Que engraçado, olha como foi estabanadinho…

O avô:

— Se começa assim, começa mal, porque nessa idade já se tem que aprender…

A avó o defende:

— Não, não, coitadinho!

O avô:

— Olha, muita gente se perdeu porque se disse “coitadinho” em casos semelhantes…

E sobe às mais altas considerações.

Seriedade expressa pela imagem do Sagrado Coração de Jesus

Qual é a imagem perfeita da seriedade aí? No fundo é o avô, porque ele tem razão. Mas se uma criança fosse educada exclusivamente por esse avô, ela ficaria insegura, e não sei onde as coisas iriam parar. Sem dúvida, é verdade que muita gente foi para o Inferno porque, quando criança, não teve um avô para corrigir o estabanamento; mas é verdade também que, se a todo propósito se vai falar do Inferno para a criança, cria-se um ambiente impossível.

Algo dessa seriedade avoenga eu percebia que a imagem do Sagrado Coração de Jesus queria fazer entender. O modo de Nosso Senhor segurar o Coração, rodeado de espinhos e com uma chama, no centro da qual uma cruz; o Coração vermelho daquele modo, por mais bonito que seja, tirado de dentro do peito e exposto, dá uma ideia de certa violência. Tudo isso fazia lembrar a Paixão que Ele tinha sofrido. E a carga desses símbolos significava para mim uma pergunta feita por Nosso Senhor: “Você se dá conta de que, em cada ato mau, você feriu meu Coração? Olhe como Eu sou bom, meça o mal que você fez!”

E em cada imagem do Sagrado Coração de Jesus, feita com um mínimo de idoneidade artesanal ou artística, isso se exprime, a simbologia é essa.

Neste sentido, o apelo do Sagrado Coração de Jesus é admirável, e é bela a dimensão desse apelo: Como as coisas do homem tocam ao infinito! Como é bonita a vida quando se considera que cada pequeno fato toca no Céu, no Inferno! Como tudo é grande!

Tudo isso me vinha muito à mente na consideração do Sagrado Coração de Jesus, e também no ambiente imponderável da igreja. É fora de dúvida que se tratava de uma graça pela qual eu sublimava a imagem. Esta diz algo nessa direção, mas eu a sublimava involuntariamente por efeito da inocência. Mas de fato, para mim, aquela imagem dizia isto, era mesmo a primeira mensagem da imagem.

Doçura

Depois vinha a segunda mensagem: “Entretanto, meu filho, Eu não lhe digo isso para perdê-lo, mas perdoá-lo. Desejo perdoá-lo porque há em Mim a fonte de um afeto, de um carinho mais suave do que o veludo, mais ameno do que qualquer brisa do mar, completamente envolvente e capaz de inundá-lo inteiramente, nas últimas fibras do seu ser.”

De maneira que, logo depois da noção de cobrança, vinha-me a seguinte ideia:

As mãos d’Ele e um de seus pés, que aparece debaixo da túnica, estão chagados; meus defeitos concorreram para isso. Sinto que em mim há matéria-prima, não reprimida ainda, que pode vir dar em maldade. Eu até agora não sou alheio a esses defeitos; eles constituem minha pessoa e, embora sejam defeitos potenciais, não os rejeitei ainda.

Sinto que isso que Ele está me mostrando não é para cobrar algo de mim, para me castigar, nem se vingar, nem pôr o seu pé chagado, mas vencedor, sobre minha cabeça desvairada e pecadora; é para me dizer que, sem nenhum interesse próprio que não seja o amor da própria glória de Deus, Ele absolutamente não me cobraria nada, e está disposto a me pagar o bem pelo mal.

Porque me quer apesar de tudo, tem pena de mim, considera minha pequenez, meu isolamento, considera tudo, e tem algo a mais do que tudo isso, que me inunda como um mar: é a doçura d’Ele. Entra aqui outra ideia da grandeza: a seriedade d’Ele indica uma dimensão dessa doçura, que eu não seria capaz de medir só pela doçura.

Eu sentia bem que Ele dizia isso a mim, interiormente — não era aparição nem visão, mas estava na economia comum da graça —, não como quem vê passar pela estrada um pimpolho, perdido no meio de milhões de outros homens, e para o qual afirma: “Uma vez que você está aqui, Eu tenho algo a lhe dizer. Agora ande e trate de tirar proveito!” Se fosse isso, já teria sido boníssimo, muito mais do que eu mereço.

Mas é um Pastor, um Rei que empreendeu de me governar, vai me dar conselhos, indicações, ordens, me prepara o caminho para eu voltar até Ele. E que, portanto, quer absolutamente que eu seja dócil ao que Ele indique, porque, em primeiro lugar, Ele merece: Olha a perfeição d’Ele! Em segundo lugar, se eu não fizer isso, estou perdido. Vejo bem tudo quanto formiga em mim de ruim e, ou eu deito a atenção nisso ou, então, não sei até onde vou chegar!

E eu percebia bem que chegaria espantosamente até o fim de qualquer caminho que tomasse. E que, portanto, toda cabeça de caminho ou era bem escolhida, ou seria um bordo de precipício. Aliás, isso é com todo o mundo, não só comigo; eu não me sentia uma pessoa diferente das outras.

Asseio, boas maneiras, intransigência

Outra coisa que me encantava era o asseio e as boas maneiras de Jesus.

Por vezes Ele é apresentado como tendo uma túnica de uma cor que me atrai especialmente, o vermelho, com uma discreta bordadura dourada que me parecia indispensável à grandeza d’Ele. Sem ouro Nosso Senhor não teria sabido reverenciar sua própria grandeza como devia. E a consciência que Ele tinha da sua grandeza era uma coisa que me encantava.

E a túnica dava ideia de estar Ele perpetuamente limpíssimo, não tinha mancha nenhuma, nem na alma, nem na roupa. E essa limpeza na indumentária se manifestava ainda mais na limpeza do Corpo d’Ele. Não só não tinha nenhuma mancha, nada de ensebado ou de doente, mas parecia emitir luz.

E eu dizia a mim mesmo o seguinte: “Veja as boas maneiras d’Ele, como está em pé com distinção! O modo com que Ele segura o Coração é de uma pessoa bem educada. Como a impostação da cabeça é de uma pessoa que teve uma boa formação! Como a barba está bem arranjada, sem faceirice! Que supremo aristocratismo natural no cabelo! Tem-se a impressão de que Ele nem pensa no seu cabelo, mas não há um cacho, um fio, que não esteja inteiramente no lugar, para dar uma ideia perfeita d’Ele mesmo”.

Sei que foi um artista, um artesão que esculpiu essa imagem, mas percebo, pela perfeição moral d’Ele, que era de fato assim, e o artista quis exprimir uma coisa que havia na alma de Nosso Senhor. Então, meu encanto!

Conclusão: Como Ele é amigo da ordem universal! E coerente com essa ordem! Todas as coisas Ele as ama na ordem própria e no mais belo aspecto que elas podem apresentar de si mesmas. E com que carinho Ele as ama! Jesus gosta dessa rosa que foi posta aos pés d’Ele, um pouco como gosta de mim que estou aqui aos seus pés também. Ele é afim com tudo o que é reto, que não tem pecado.

Mas olhe a intransigência: basta ter um pecado, que Ele mostra o Coração ferido! Veja a pureza! Depois, como tudo isso está bem calculado, bem posto n’Ele! Que sabedoria!

Comer éclair ou Apfelstrudel com “chantilly” aos pés da imagem

À medida que eu via essas coisas — não com a precisão com que estou dando agora, mas com aquela intuição de uma criança —, ia me sentindo impregnado por elas, de fora para dentro. Quer dizer, Ele era assim; essas coisas não tinham sua nascente em mim, mas Nosso Senhor as comunicava. E daí o desejo evidente de me unir a Ele.

E não só de me unir, mas morar n’Ele. Se eu pudesse estudar, rezar, conversar com amigos, enfim, fazer tudo quanto faz um menino, aos pés da imagem do Sagrado Coração de Jesus, seria para mim uma explosão de alegria, porque a imagem impregnaria dessas perfeições tudo o que eu realizasse, inclusive meus amigos.

Notem uma particularidade: eu poderia afirmar que quereria estar o tempo inteiro rezando lá, dizendo não às brincadeiras, à comedoria, ao leito bom, ao meu conforto, tudo por amor a Ele. Não era isso, mas algo diferente: como seria bom se Jesus pudesse estar presidindo tudo isso! Toda a minha vida gostei muito de éclair e de Apfelstrudel com “chantilly”. Se pudesse trazer às escondidas esses doces e comer aos pés d’Ele, como eu ficaria contentíssimo!

Creio que não tinha nada de mau nisso. E, portanto, também dizer a Ele: “Senhor, aqui está um Apfelstrudel — ou um éclair — tão afim convosco, que eu vou me unir a Vós comendo-o e pensando em Vós. Abençoai este doce!”

E se eu não pudesse fazer tudo lá, depois iria embora dizendo: “Senhor, infinitas graças pela boa companhia que me destes!”

Explicitando a vocação

Há nisso, em raiz, a vocação da “consecratio mundi”, da sacralização da ordem temporal.

Não estava em mim ser nem asceta, nem revolucionário. Eu era um menino da ordem temporal, que gostava da ordem temporal, alegrando-me muito em poder deleitar-me com ela, mantendo meu estado de graça e sabendo que nesse meu deleite não entrava pecado, pelo contrário, era bom e afim com Ele.

E neste sentido, eu gostava enormemente, em certas horas, de estar só. Não propriamente rezando — embora isso já fosse oração —, mas eu me deleitava em ver como tudo aquilo não era pecado, como era bom. E se nesses momentos alguém me dissesse, com provas de evidência, que o Sagrado Coração de Jesus não existia, eu era capaz de ter uma convulsão, um ataque e morrer. Portanto, era uma atitude profundamente religiosa.

Nessas horas de silêncio, eu sentia uma paz e um gáudio sensível da virtude, da união com Ele, mas intensa, que era minha alegria de viver. E, como não conhecia a Revolução, eu pensava que a vida inteira seria assim.

Naquela fotografia onde apareço sentado no braço de uma poltrona — postura da qual não gostei, por ser esportiva e contrária às boas maneiras; mas o fotógrafo mandou, e vi que ele estava sancionado pela “Fräulein” —, eu estou feliz e sentindo que minha felicidade me vem disso que estou descrevendo. Lembro-me bem daquele momento.

Veio depois o contato com o Colégio São Luís e o encontro com a Revolução. Então, estouro! Apresenta-se o sofrimento, batendo na porta, inopinadamente. Começa a batalha!

Todo esse edifício anterior para o que serviria?

De um lado, ajudou-me enormemente, porque foi para mim um elemento de apoio para a resistência. De outro lado, diante das solicitações do mundo, o desejo de uma vida temporal honesta, limpa, com o tempo passou a ser uma vida temporal admiradora do heroico, que já não tem sentido a não ser em função do heroísmo.

Era minha vocação que ia se explicitando através dessas evoluções.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 18/10/1985)

Excelências do Coração de Jesus

Graças a Dona Lucilia, desde muito criança Dr. Plinio desenvolveu uma profunda devoção ao Sagrado Coração de Jesus, faceta do Homem-Deus que ele procurou cada vez mais explicitar e amar durante toda a vida. Eis o excerto de uma de suas numerosas conferências sobre o tema.

 

Estando no mês em que se celebra a festa do Sagrado Coração de Jesus, parece-me muito oportuno admirarmos a beleza de algumas das invocações com que O honramos na sua Ladainha. Esta é um verdadeiro tesouro de maravilhas e louvores, próprio a encher nossas almas de amor e adoração a Ele.

Coração do Filho, Coração da Mãe

Tomemos, por exemplo, essa belíssima invocação: Coração de Jesus, formado pelo Espírito Santo no seio da Virgem Mãe.

Se considerarmos o Coração de Jesus em sua realidade material e carnal, objeto de nosso culto como símbolo da vontade de Nosso Senhor e, portanto, do seu amor para conosco; se o considerarmos enquanto formado no seio imaculado de Nossa Senhora, com a matéria que a Mãe fornece para a constituição do corpo do Filho, ligada à divindade d’Ele em união hipostática compreendemos que a carne de Jesus é a própria carne de Maria, o sangue de Jesus é o próprio sangue de Maria, e, portanto, o Coração de Jesus é de algum modo o Coração de Maria.

Se nos detivermos na evocação desse processo de geração tão admirável, pelo qual Jesus foi assim formado do corpo de Maria, num oceano, num incêndio de amor e de adoração d’Ela para com esse filho que se modelava em suas entranhas, compreenderemos ainda mais como o Coração de Jesus está ligado ao Coração Imaculado de Maria, e como podemos ter uma confiança sem reserva na eficácia da intercessão de Nossa Senhora junto a Nosso Senhor.

Com efeito, Ele jamais poderia recusar qualquer coisa a essa Mãe Santíssima, perfeitíssima, da qual Ele não tem nenhuma queixa, antes o mais superlativo e total contentamento que o Criador pode ter em relação à sua criatura. Mais ainda: de cuja carne virginal Ele sabe ter sido formada a sua própria carne, e cujo Coração pulsa em uníssono com aquele que lateja em seu sagrado peito.

Creio que, para os devotos de Nossa Senhora, essa invocação se reveste de imenso significado, e merece ser recitada com especial fervor.

Um céu de majestade

Outra lindíssima invocação é esta: Coração de Jesus, de majestade infinita.

Segundo o luminoso ensinamento de Santo Agostinho, onde está a majestade, ali se acha também a humildade. As duas são inseparáveis. Daí concluímos que o Coração de Jesus, abismo de humildade, é por isso mesmo um firmamento de majestade.

Se dons artísticos eu tivesse, muito me alegraria representar a figura de Nosso Senhor, exprimindo não apenas a sua majestade ou somente a sua humildade, mas retratá-Lo numa dessas apresentações em que se vê, num só relance, aquilo que a majestade tem de comum com a humildade, ou vice-versa, e que é aquela esfera superior de virtude onde essas duas excelências particulares como que se encontram e se fundem.

Algo dessa ligação da suma majestade com a suma humildade me parece existir numa imagem na qual não está visível o Sagrado Coração, mas nem por isso deixa de ser muita expressiva nesse sentido: trata-se do “Beau Dieu d’Amiens”. Ali O vemos como um rei digníssimo, um doutor nobilíssimo, mas ao mesmo tempo tão sereno, tão manso, tão senhor de si, que se percebe que Ele seria capaz de receber a pior injúria e de se conservar inteiramente quieto, pacífico, sem nenhuma reação de amor próprio, desde que fosse essa a atitude mais santa no momento.

Foco de todo o amor de Deus

Outra invocação: Coração de Jesus, fornalha ardente de caridade.

Caridade é o amor de Deus. O fato de o Coração de Jesus ser essa fornalha  ardente ou seja, não só uma fornalha, que de si já traz a ideia do ardor, mas uma fornalha ardentíssima exprime bem a ideia de que Ele é o foco de todo o amor de Deus. E que a devoção ao Coração de Jesus, por intermédio do Coração Imaculado de Maria, é especificamente esplêndida para quem se lamenta de ser tíbio, de estar se arrastando de maneira vagarosa na vida espiritual. É a devoção mais indicada e mais excelente, capaz de comunicar o fogo e o fervor da caridade a essas almas que deploram sua estagnação nas vias da piedade.

Modelo de verdadeira paciência

Também me parece muito importante, para nossa época, a invocação com a qual louvamos o Coração de Jesus, paciente e misericordioso.

“Paciente” significa aquele que sofre. É, portanto, o Coração de Jesus sofredor e misericordioso, pronto a padecer até mesmo as injúrias que Lhe fazem os homens. É o Coração d’Ele enquanto amando o sofrimento, compreendendo que é a grande lei da vida e que, sem isso, a existência não vale absolutamente nada. Pois, em última análise, consideradas as coisas sob certo ângulo, o valor de uma criatura humana se mede por sua capacidade de aceitar com coragem e resignação as dores que a Providência permite em seu caminho.

E então temos o Coração de Jesus como nosso modelo de paciência. E uma das formas importantes de sermos pacientes, nesse sentido superior da palavra, diz respeito à atitude que tomamos em relação aos nossos próximos. Quer dizer, sabermos aturar os desaforos e provocações, sermos amáveis e bondosos para com aqueles que nos fazem sofrer pelo seu mau gênio, pelas dificuldades de trato, etc. Para isso, é necessário pedirmos ao Sagrado Coração de Jesus essa paciência de que Ele é a fonte.

Além dessa forma preciosa de paciência, uma das expressões mais típicas da capacidade de sofrer é o espírito de iniciativa, pelo qual o homem vence a preguiça, a moleza, o tédio, o amor a si mesmo e se lança ao trabalho, à luta apostólica, e se joga até o mais grosso e ardoroso dessa luta, se necessário for, quites a deixá-la imediatamente se o interesse da Igreja conduzi-lo no sentido oposto.

Eis a melhor forma de paciência que devemos rogar ao Coração de Jesus, é esse espírito de iniciativa e de combatividade, em virtude do qual renunciamos a todos os nossos relaxamentos.

Paciente e misericordioso. É a misericórdia enquanto corolário da paciência, disposta a tudo aturar e a tudo perdoar. Sim, convençamo-nos dessa maravilhosa verdade: o Sagrado Coração de Jesus nos perdoa uma vez, duas vezes, duas mil vezes, e não quer que desanimemos de seu perdão.

Assim, esta é a magnífica invocação que nos exorta a nunca perder a confiança na clemência de Nosso Senhor, pela intercessão do Coração Imaculado de Maria: Coração de Jesus, paciente e misericordioso. Paciente com os meus defeitos, com os meus pecados; misericordioso em relação às minhas lacunas. Pelos rogos do Coração de vossa Mãe Santíssima, tende pena de mim, ó Senhor.

Vítima que pagou por nossos pecados

Envolvendo idéias análogas à da invocação anterior, é a do Coração de Jesus, propiciação pelos nossos pecados.

Às vezes acontece nos sentirmos fundamentalmente indignos e as almas mais puras e mais altas o podem sentir até com maior intensidade. E compreendemos que, diante da justiça infinita de Deus, não somos absolutamente nada. Donde essa invocação constituir inestimável motivo de tranqüilidade para nós. Ela significa que, se meus sacrifícios, sozinhos, não têm valor diante do Altíssimo, há entretanto uma Vítima que vale tudo: porque é uma Vítima sem mancha, sem jaça, ligada por união hipostática à própria divindade. E essa Vítima é Nosso Senhor Jesus Cristo, que se ofereceu por mim, de tal maneira que tudo aquilo que eu tenho receio de não conseguir, essa Vítima alcança.

Ela carregou os meus pecados, por eles sofreu, e em virtude desse holocausto eu considero minhas faltas com vergonha, com contrição, pelo menos com atrição, mas em todo caso com imensa confiança, porque Alguém se imolou e derramou por mim, pela minha salvação, todas as gotas do seu sangue. Por isso eu devo ter confiança, não em mim, mas nesse sangue infinitamente precioso que por mim foi vertido à exaustão.

Esse é o Sagrado Coração de Jesus, propiciação pelos nossos pecados.

Fonte de toda consolação

Consideremos uma última invocação: Coração de Jesus, fonte de toda consolação.

A palavra “consolação” encerra dois sentidos: num deles quer dizer fortalecimento; no outro, alegria, suavidade, unção do Divino Espírito Santo na alma. E em ambos os sentidos o Sagrado Coração de Jesus é fonte de toda consolação.

Sabemos quanto Ele enche de júbilo e de satisfação espiritual as almas que Lhe são devotas, os corações que se abrem para a sua bondade infinita. Mas importa compreendermos também que a nossa força vem d’Ele. E quando nos sentirmos fracos, tíbios, desorientados, sobretudo quando estivermos sem coragem diante de algum grande ato de generosidade, não devemos avançar sozinhos, imaginando que por nosso próprio mérito o conseguiremos. Não! O Coração de Jesus é a fonte de toda a força. Por meio do Coração Imaculado de Maria, canal único e necessário para nos aproximarmos do Coração de Jesus, temos de nos dirigir a Ele e implorar as forças de que carecemos.

E seguramente não seremos frustrados em nosso pedido. Em determinado momento sentiremos a força de que precisamos, inclusive e acima de tudo, para realizarmos as coisas mais árduas e difíceis com relação à nossa vida espiritual.

Aqui ficam, portanto, algumas considerações que nos podem ser úteis em nossa piedade. Por exemplo, quando comungarmos, procuremos nos lembrar dessas invocações, pensando que recebemos na alma, por presença real, física, verdadeira e viva, esse Coração no qual adoramos todas as perfeições expressas nessa Ladainha.

Sagrado Coração de Jesus

Na imagem do Sagrado Coração de Jesus contemplamos a força, a varonilidade, a seriedade, a decisão do Rei e Mestre por excelência. Mas, ao lado disso, vemos n’Ele tanta doçura, tanta harmonia e um modo tão bondoso de tomar todas as coisas, que sentimos algo a nos dizer: “É feliz quem está com Ele, acerta na escolha do caminho da vida quem se põe afim com Ele, porque é objeto dessa bondade”. E Ele tem o poder de dar aquilo que o afeto d’Ele promete. Nosso Senhor Jesus Cristo não mente: de alguma maneira, custe o que custar, Ele nos concederá o prometido.

Plinio Corrêa de Oliveira

Nossa Senhora do Sagrado Coração

Ao cantar as glórias de Nossa Senhora no seu relacionamento com o Sagrado Coração de Jesus, Dr. Plinio nos deixa ver o alto grau de contemplação ao qual, quando ainda muito jovem, chegou sua alma profundamente mariana.

 

Se há uma época para cuja miséria só pode existir esperança de remédio no Sagrado Coração de Jesus, esta é a nossa.

Inútil seria atenuar a enormidade dos crimes que por toda a parte pratica a humanidade em nossos dias. Disse Pio XI, em uma de suas Encíclicas, que a degradação moral do mundo contemporâneo é tal, que o coloca na iminência de se ver precipitado, de um momento para outro, em condições espirituais mais miseráveis do que aquelas em que se encontrava quando veio ao mundo o Salvador. (…)

O sol da misericórdia divina

Uma humanidade perseverante na sua impiedade tudo tem a esperar dos rigores de Deus.  Mas Deus, que é infinitamente misericordioso, não quer a morte desta humanidade pecadora, mas  sim “que ela se converta e viva”. E, por isto, sua graça procura insistentemente todos os homens, para que abandonem seus péssimos caminhos e voltem para o aprisco do Bom Pastor.

Se não há catástrofes que não deva temer uma humanidade  impenitente, não há misericórdias que não possa esperar uma humanidade arrependida. E para tanto não é necessário que o arrependimento tenha consumado sua obra restauradora. Basta que o pecador, ainda que no fundo do abismo, se volte para Deus com um simples início de arrependimento eficaz, sério e profundo, que ele encontrará imediatamente o socorro de Deus, que nunca se esqueceu dele. Di-lo o Espírito Santo na Sagrada Escritura: ainda que teu pai e tua mãe te abandonassem, eu não me esqueceria de ti. Até nos casos extremos em que o paroxismo do mal chega a esgotar a própria indulgência materna, Deus não se  cansa.  Porque a misericórdia de Deus beneficia o pecador até mesmo quando a Justiça  divina o fere de  mil  desgraças  no  caminho da iniquidade.

Estas duas imagens essenciais da justiça e da misericórdia divina devem ser constantemente postas diante dos olhos do homem contemporâneo. Da justiça, para que ele não suponha temerariamente salvar-se sem méritos. Da misericórdia, para que não desespere de sua salvação desde que deseje emendar-se. E, se as hecatombes de nossos dias já falam tão claramente da justiça de Deus, que melhor visão para completar este quadro, do que o sol da misericórdia, que é o Sagrado Coração de Jesus?

Infinito amor para com os homens

Deus é caridade. E por isto mesmo a simples enunciação do Nome Santíssimo de Jesus lembra a ideia do amor. O amor insondável e infinito que levou a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade a se encarnar! O amor expresso através dessa humilhação incompreensível de um Deus que se manifesta aos homens como um menino pobre, que acaba de nascer em uma gruta.

O amor que transparece através daqueles trinta anos de vida recolhida, na humildade da mais estrita pobreza, e nas fadigas incessantes daqueles três anos de evangelização, em que o Filho do Homem percorreu estradas e atalhos, transpôs montes, rios e lagos, visitou cidades e aldeias, cortou desertos e povoados, falou a ricos e a pobres, espargindo amor e recolhendo na maior parte do tempo principalmente ingratidão.

O amor demonstrado naquela Ceia suprema, precedida pela generosidade do lava-pés e coroada pela instituição da Eucaristia! O amor daquele último beijo dado a Judas, daquele olhar supremo posto em São Pedro, daquelas afrontas sofridas na paciência e na mansidão, daqueles sofrimentos suportados até a total consumação das últimas forças, daquele perdão medi-

ante o qual o Bom Ladrão roubou o Céu, daquele dom extremo de uma  Mãe celestial à humanidade miserável.

Cada um destes episódios foi meticulosamente estudado pelos sábios, piedosamente meditado pelos Santos, maravilhosamente reproduzido pelos artistas, e sobretudo inigualavelmente celebrado pela liturgia da Igreja. Para falar sobre o Sagrado Coração de Jesus, só há um meio: é recapitular devidamente cada um deles.

Realmente, venerando o Sagrado Coração, outra coisa não quer a Santa Igreja, senão prestar um louvor especial ao amor infinito que Nosso Senhor Jesus Cristo dispensou aos homens. Como o coração simboliza o amor, cultuando o Coração, a Igreja celebra o Amor.

Nossa Senhora, Advogada dos pecadores

Por mais variadas e belas que sejam as invocações com que a Santa Igreja se refere a Nossa Senhora, em nenhuma delas deixaremos de encontrar uma relação entre Ela e o amor de Deus. Essas invocações, ou celebram um dom de Deus, ao qual Nossa Senhora soube ser perfeitamente fiel, ou um poder especial que Ela tem junto ao Seu Divino Filho. Ora, o que provam os dons do Deus, senão um amor especial do Criador? E o que prova o poder de Nossa Senhora junto a Deus, senão este mesmo amor?

Assim, pois, é com toda a propriedade que Nossa Senhora pode ao mesmo tempo ser chamada “espelho de justiça” e “onipotência suplicante”. Espelho de Justiça, porque Deus a amou tanto, que n’Ela concentrou todas as perfeições que uma criatura pode ter, e por isto mesmo em nenhuma Ele se espelha tão perfeitamente como n’Ela. Onipotência suplicante, porque não há graça que se obtenha sem Nossa Senhora, e não há graça que Ela não obtenha para nós.

Assim, pois, invocar Nossa Senhora sob o título do Sagrado Coração é fazer uma síntese belíssima de todas as outras invocações, é lembrar o reflexo mais puro e mais belo da Maternidade Divina, é fazer vibrar a um só tempo, harmonicamente, todas as cordas do amor, que tocamos uma a uma enunciando as várias invocações da ladainha lauretana, ou da Salve Rainha.

Mas há uma invocação que quero lembrar especialmente. É a da advogada dos pecadores. Nosso Senhor é Juiz. E por maior que seja a sua misericórdia, não pode também deixar de exercer a sua função de juiz. Nossa Senhora, porém, é só advogada. E ninguém ignora que não é função do advogado outra coisa senão defender o réu. Assim, pois, dizer que Nossa Senhora do Sagrado Coração é nossa advogada implica em dizer que temos no Céu uma advogada onipotente, em cujas mãos se encontra a chave de um oceano infinito de misericórdia.

O que de melhor para se mostrar a esta humanidade pecadora, a qual, se não se fala de justiça de Deus, se embota cada vez mais no pecado, e se dela se fala desespera de se salvar? Mostremos a justiça: é um dever cuja omissão tem produzido os mais lamentáveis frutos. Ao lado da justiça que fere os impenitentes, nunca nos esqueçamos,  entretanto, da misericórdia que ajuda o pecador seriamente arrependido a abandonar o pecado e, assim, a se salvar.