A grandeza do dom da Sagrada Eucaristia

Admirador da lógica de Santo Inácio de Loyola, Dr. Plinio fez uma série de reuniões, em 1973, sobre os exercícios espirituais inacianos, comentados pelo célebre jesuíta, Pe. João Pedro Pinamonti. Nestas linhas, Dr. Plinio comenta a grandeza do Sacramento da Eucaristia.

 

“Considera que três coisas podem concorrer para fazer um dom grandemente estimável: a grandeza do mesmo dom; o afeto de quem o dá; a utilidade de quem o recebe; as quais três coisas todas se acham maravilhosamente na diviníssima Eucaristia”(1).

Gostaria que analisassem o raciocínio para perceberem como é lógico.

Ele faz aqui consideração sobre o Santíssimo Sacramento enquanto dom, ou presente. Como preliminar do assunto, explicita uma teoria a respeito do valor de um presente, aplicável a todos os dons, em todas as épocas e sobre toda a face da Terra.

E indica os três pontos que tornam um presente muito apreciado:

  1. a) a grandeza do dom;
  2. b) o afeto de quem o dá;
  3. c) a utilidade de quem o recebe.

É uma ordem perfeita e reduzida à sua expressão mais simples!

Para compreender o valor de um dom, devo analisar o objeto, a pessoa que o dá e quem o recebe. Creio ser bem perceptível a limpidez de espírito que há nesta operação mental. Desta maneira como é apresentada não há nada que escape.

Esta é uma ordem hierárquica de valores muito diversa da usada em nossos dias.

Hoje, quando se dá um presente, grande parte dos indivíduos o recebe marcusianamente(2): fazem relambórios, não sabem analisá-lo, nem dizer qual o seu valor; afirmam que gostaram etc. É uma massaroca de impressões confusas. A pessoa de espírito católico analisa seus próprios sentimentos para verificar, no que são bons ou ruins, qual a razão deles, etc. Este é o verdadeiro espírito da Igreja.

Conhece-se o caso de Santo Inácio de Loyola em que ele afirmava ser capaz de escrever as dezesseis razões — pró e contra — pelas quais cumprimentou de certa maneira algum noviço da Companhia, quando este passou perto dele em determinado momento. Quer dizer, nele tudo era bem pensado, bem calculado.

Caso dois de meus ouvintes, por exemplo, se cumprimentassem, eu gostaria de vê-los escrever três razões pelas quais o cumprimento foi daquele jeito. Creio que haveria muita dificuldade em redigir alguma coisa…

A Escritura diz que todas as obras de Deus têm conta, peso e medida. Neste comentário — que muito reflete a mente de Santo Inácio — vê-se que tudo tinha conta, peso e medida.

Tendo penetrado no firmamento do espírito inaciano, entendamos que é um firmamento ordenado, no qual tudo tem conta, peso e medida.

A primeira coisa, pois, que ele considera é o valor do dom (hoje considerar-se-ia a utilidade de quem o recebe); a segunda, quem o deu; e a terceira, a utilidade de quem o recebe. Esta é a verdadeira hierarquia.

Se alguém, recebe, por exemplo, um brilhante, numa linda caixa, primeiramente indaga qual seu valor. Depois, quem o deu. Suponhamos que lhe informem: “Foi a Rainha da Inglaterra… Ouviu falar de suas singulares virtudes e resolveu mandar-lhe este presente. Sua reação imediata: “Que psicóloga essa rainha! Ela, de longe, percebeu minhas qualidades!” E manda logo colocar na caixa um cartãozinho: “Brilhante que a rainha da Inglaterra enviou-me.”

A terceira pergunta: “O que vou fazer com este brilhante?”.

Está tudo, portanto, magnificamente pensado. Assim eu quisera que fosse cada um de nós. É um convite para um firmamento que se abre.

Continua o Pe. Pinamonti:

“Considera, pois, em primeiro lugar a grandeza do dom. Grandes coisas tinha o Senhor já dado aos homens: tinha-nos dado a nós mesmos, e juntamente nos tinha dado inumeráveis criaturas para o benefício da nossa criação e conservação: estas coisas, ainda que muito estimáveis, eram limitadas. Deu, pois, o Senhor aos homens na Encarnação um dom infinito; porém este dom foi imediatamente dado à humanidade de Jesus Cristo, e a nós por ela só mediatamente; e por isso podia ainda o Senhor dar-se a si mesmo a cada um dos fiéis em particular, estendendo desta forma o benefício da mesma Encarnação”(3).

O pensamento dele aqui é o seguinte: para cada homem, Deus deu uma série de coisas.

Em primeiro lugar o ser, pois de nada adiantaria dar-lhe todo o resto se o homem não existisse.

Além disso, criou o Céu para a Humanidade no seu conjunto e para cada homem individualmente. Porque, se um só homem se salvasse, o Céu brilharia para ele da mesma forma.

Ademais deu-nos saúde, inteligência; em síntese deu-nos todas as coisas que existem.

Sobretudo, deu a Encarnação do Verbo: Ele se fez carne para nos salvar. É um dom enorme!

Imaginemos que uma pessoa empreendesse uma viagem a outro planeta para, chegando lá, fazer a doação de um olho a alguém necessitado; consideraríamos tal gesto de uma extrema generosidade. Se fizéssemos tal coisa, acharíamos que o beneficiado deveria a vida inteira cantar louvores a nossa bondade.

Ora, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade percorreu um espaço muito mais que planetário para vir a nós. Deus verdadeiro, abaixou-se, condescendeu em fazer-se, não anjo, mas homem, para nos salvar.

São Luís, Rei da França, introduziu o costume de inclinar-se quando, no Credo, se diz: “et Homo factus est”. Porque é um dom tão extraordinário, que temos de fazer vênia para agradecê-lo a Deus.

Mais ainda: fazendo-se Homem, passou trinta anos em vida oculta com Nossa Senhora, para glorificar a Deus e rezar pelo gênero humano. Durante todo esse tempo passou orando pela missão que posteriormente haveria de exercer.

Depois, durante três anos operou tais maravilhas, que São João chega a dizer que se as fosse narrar,  encheria a Terra com os escritos de Seus feitos. Os Evangelhos contam-nos apenas parte deles, e já são tão magníficos que nem se sabe o que dizer.

E Jesus além de todos os ensinamentos, o exemplo, de toda a manifestação de paciência, de carinho, e de perdão, ainda fez mais: como coroa de todos os dons anteriores, Ele deu a Sagrada Eucaristia.

Fazendo eco ao espírito de Santo Inácio em seus Exercícios Espirituais, o Pe. Pinamonti irá mostrar adiante que, dar a Sagrada Eucaristia é de algum modo mais do que ter-Se feito Homem: através dela Ele adquiriu uma união mais íntima conosco do que pelo fato de ter-Se encarnado. A Sagrada Eucaristia é um dom, fruto da própria Encarnação; compreende-se portanto quão prodigioso ele é.

Continua o Pe. Pinamonti:

“Isto, pois, é o que Ele faz na Eucaristia, comunicando-nos quanto tem de riquezas e de bens: o seu corpo, o seu sangue, os seus merecimentos, as suas virtudes, a sua alma,e a sua divindade, com uma invenção tão admirável, que por toda a eternidade não viria jamais ao pensamento dos serafins. Não se pode, pois, pedir outra coisa maior ao nosso Salvador nesta vida; e, se lha pedíssemos, poderia ele responder que, mesmo sendo Senhor de todos os bens, agora não tem mais que nos dar, tendo-nos dado tudo no pão dos escolhidos, e no vinho que gera virgens”(4).

É um pensamento admirável! Nosso Senhor, na Eucaristia, dá-Se a nós de um modo tão esplêndido como ninguém poderia inventar. Os mais altos anjos — os serafins —, se pensassem sobre o assunto por toda a eternidade, não poderiam excogitar a ideia de um Deus que Se dá ao homem sob as espécies de pão e de vinho, de modo a penetrar nesse homem e assumí-lo.

Não há na Terra, por exemplo, nas relações de pessoa a pessoa, nenhuma forma de união tão íntima como a existente entre Nosso Senhor Jesus Cristo, na Eucaristia, e nós.

E Pe. Pinamonti enumera os dons que isto representa: Seu corpo, Seu sangue e todos os Seus méritos.

Os méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo são tais que, por cada gota de Seu sangue, Ele resgataria o mundo inteiro. Ora, Ele derramou todo o sangue no alto da Cruz. Como, pois, haveríamos de calcular esse mérito? Ele é infinito!

Na Eucaristia recebemos o precioso dom: todo seu sangue derramado! Também todas as Suas virtudes. Quer dizer, toda a Sua santidade, por assim dizer toca-nos, contagia-nos santamente.

A santidade de Nossa Senhora é incomensurável, mas ela não é infinita. A de Nosso Senhor é estritamente infinita. Ele é “a” santidade.

Pois bem, Aquele que é “a” santidade condescende em vir a mim na Sagrada Eucaristia.

Que dom formidável Ele ficar no sacrário, trancado, até a hora em que chego para comungar! Nesse momento por mim escolhido, Ele vem e me visita, mais intimamente do que à casa de Lázaro e de Maria, enquanto estava vivo na terra. Porque, naquela ocasião, Ele não entrava em Lázaro nem em Maria. Aqui, Ele entra em mim.

É um dom verdadeiramente inestimável! Glória, saúde, todas as riquezas do mundo, nada são comparadas a uma comunhão. E nós que recebemos o chamado para comungar diariamente!

Alguns de nosso movimento, há dez, vinte anos comungam todos os dias; eu, há quarenta anos. Quantas comunhões isto representa! Quantos dons foram se acumulando ao longo desses anos em tais comunhões diárias! É verdadeiramente inimaginável! Esta é a amplitude do dom que Deus nos dá.

Como aproveitarmos esta meditação?

Podemos aproveitá-la, por exemplo, lendo ao menos um destes pontos, a fim de prepararmo-nos para a comunhão.

Suponhamos que uma pessoa esteja, com problemas de inveja. Deve ela considerar que vai receber Aquele que é a suma generosidade, a suma bondade, que nunca invejou ninguém; pelo contrário, alegrou-Se com o bem que fez a todos os outros.

E então dizer: “Senhor, vinde, e dai-me Vossa bondade. Lavai-me do defeito de inveja que noto em mim”.

E se a dificuldade for praticar a castidade, pensar: Nosso Senhor Jesus Cristo é a própria pureza. O sangue d’Ele é chamado vinho que gera virgens. Quem não tiver parte com Ele não consegue a pureza.

E pedir: “Senhor, vinde à minha alma para comunicar-me a Vossa pureza. Por meio de Maria Vos peço que me torneis puro, de uma pureza que lembre a d’Ela, o melhor espelho de Vossa própria pureza”.

Estes pensamentos são tão profundos que não há possibilidade de deter-se em todos antes da comunhão; basta um tomado a sério, para fazer uma comunhão bem feita.

Prossegue o Pe. Pinamonti:

“Em comparação pois duma liberalidade tão excessiva de teu Deus com a tua alma, quão enorme será a tua avareza para com Ele, se não lhe ofereces, pelo menos, aquela liberdade que te resta? Tens até agora feito resistências aos outros dons; mas poderás ainda resistir a um Deus que te dá a si mesmo?” 5

Imaginem que entrasse na casa de um de nós uma pessoa de suma importância e dissesse: “Fulano, vim aqui porque quero ser seu amigo e dar-lhe tudo o que possuo”.

Normalmente a reação seria perguntar-se a si mesmo: “O que tenho para retribuir-lhe? É um presente tão grande que ele me concede: sua fortuna, dinheiro, automóveis, aviões, tudo ele está me dando nesse momento! Alguma coisa deverei fazer por ele”.

Toma então um objeto fino que tenha em sua residência e diz: “Não está de modo algum na proporção do seu dom. Mas, para lhe manifestar o quanto estou grato, leve isto”.

Ou, uma bebida excelente que possua: “Sei que isto não paga em nada, mas peço-lhe aceitar esta bebida. É uma magra expressão daquilo que eu gostaria de fazer”.

A mais elementar das gratidões levaria a tais atitudes.

O Pe. Pinamonti, a respeito da Eucaristia, faz dessas perguntas sumamente lógicas, próprias a levar a alma quase que de elevador para o caminho da virtude.

“Estás recebendo tal dom: o que pretendes fazer? Tens resistido a outras graças: resistirás também a esta? Deus Se dá a ti, e tu não te darás a Ele? Que propósito tem não te ofereceres a Ele por inteiro nesta comunhão?”

Porque na verdade Nosso Senhor dá muito e pede pouco. O que sou para Deus Nosso Senhor? Nada! E eu não me ofereço a Ele?

Portanto, o corolário normal de uma comunhão é fazer um oferecimento: “Senhor, não sou digno de Vos receber, mas suplico que entreis em minha alma. Concedei-me a graça do desejo de dar-me a Vós, e de que um dia, o mais breve possível, eu efetivamente me dê a Vós inteiramente, isto é, abandone o pecado, deixe de Vos ofender, pratique a virtude inteiramente, seja um perfeito soldado de Vossa Causa; por meio de Maria, Vô-lo suplico”.

Esta é a retribuição forçosa. Quem recebe tanto, deve ao menos pagar um pouco pelo que recebeu. E, se Deus Se dá inteiramente a nós, tal será que não nos entreguemos completamente a Ele!

São reflexões que penetram até o fundo! Se a pessoa as tomar um pouco a sério, não pode deixar de persuadir-se. Porque, se em última análise eu acredito na Eucaristia, que é o corpo e o sangue de Cristo, como posso negar a validade de tal raciocínio? É o mais evidente que há!

Coisa muito boa é ter em mente durante o dia determinado pensamento. Por exemplo: de que, hoje, Nosso Senhor Se deu a mim. Pedir-Lhe-ei, portanto, a graça de me entregar a Ele em tal ponto. E farei nessa intenção algum sacrifício, entregarei algo que me custa, oferecerei a Ele tal tarefa difícil, etc.

Ou, então, se percebo que terei uma grande aflição certa coisa muito difícil diante de mim devo refletir: se Deus deu-Se a mim hoje, e novamente Se dará amanhã, não vou confiar n’Ele? Não irá ajudar-me nessa ocasião, sorrir para mim em tal oportunidade? É evidente que sim! Viverei esse dia com confiança, porque Deus Nosso Senhor me auxiliará.

Essas são atitudes normais de alma, de quem vive em função da comunhão que fez hoje e fará amanhã. É assim que se prepara uma alma verdadeiramente eucarística.

Os raciocínios do Pe. Pinamonti para os que praticam os exercícios de Santo Inácio pedem muita seriedade.

Porém, estas são meditações profundamente lógicas.

Imaginemos uma pessoa que resida num país aonde haja um rei, o qual lhe deu um principado. Em certa circunstância, ela precisa de um pequeno favor do monarca, por exemplo, que mande a outrem fornecer-lhe um certificado de vacina.

Não é razoável que ela tenha medo de fazer esse pedido ao rei, pois quem deu-lhe o muito mais dar-lhe-á o menos. Deve, entretanto, pedir muito não só coisas pequenas, mas grandes.

Assim precisamos ser com Nosso Senhor; preparar nossa vida em função d’Ele na Eucaristia.

Tudo isso é profundamente sério e estas conferências são um convite à seriedade. Se não formos sérios nessa vida, ao morrer teremos o maior choque que se possa imaginar: defrontar-nos-emos com a infinita seriedade de Deus.

Ele então nos dirá:

“Diariamente durante tantos anos dei-te a graça de desejardes a minha visita; e correspondeste a ela. Mas, em todas essas visitas não foste sério. Recebeste-me não refletindo no que o ato significava, nem tirando as consequência dele”.

O que iremos dizer-Lhe?  Compreende-se a importância de meditar sobre isto?

O ideal seria fazer um recolhimento com base nesse texto. Se tivéssemos um local onde pudessem revê-lo, com alguém encarregado de dar um desenvolvimento mais amplo à matéria… E meditar aos poucos, tomando notas para prepararem um “manual do comungante” a fim de ajudar a terem estas considerações no espírito, na hora de receberem a Eucaristia. Esta é a verdadeira seiva da vida espiritual. v

 

Continua no próximo número.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 15 de setembro de 1973).

 

 

1) Exercícios de Santo Inácio e Leituras Espirituais. 3ª ed. corr. Edições A.J. Porto, 1934, p. 170

2) Conforme Marcuse. Herbert Marcuse (1898-1979), filósofo de origem alemã, que se radicou nos EEUU, propugnador de uma filosofia baseada em Freud e Marx. Exerceu forte influência nos movimentos revolucionários estudantis que eclodiram a partir da Sorbonne, em 1968.

3) Pinamonti, op. cit. p. 170.

4) Ídem. p. 171

5) Ídem. p. 171

 

Glorificada em socorrer sempre

Na invocação de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, o que se enaltece especialmente não é Maria Santíssima enquanto nos auxiliando com muita frequência, liberalidade e ternura, mas o fato de que esse auxílio é perpétuo.

Por pior que façamos, por mais que abusemos, por mais incríveis que sejam nossas ingratidões, por mais agudo que seja o risco, por mais extraordinário que seja o milagre implorado, por mais extremo e improvável que seja o auxílio pedido, desde que não seja uma coisa má em si, a Mãe do Perpétuo Socorro nos atenderá.
É, portanto, a Mãe que se glorifica em atender sempre, em acudir sempre, em acolher sempre, de maneira a não haver uma hipótese possível em que nós, rezando para Ela, não sejamos socorridos.

Ela pode até atrasar o momento de conceder aquilo que pedimos, mas é para nos dar, depois, o cêntuplo, vindo a nós com as mãos carregadas com dons multiplicados.
Felizes aqueles que Nossa Senhora demora em atender!

(Extraído de conferência de 18/11/1964)

Tesouro da verdadeira Igreja

Célebre por sua imponente beleza e extraordinário significado para a piedade católica, a Basílica de Santo Antônio de Pádua reluz como precioso tesouro da arquitetura engendrada pela Igreja.

Ao considerá-la, vem-me ao espírito, uma vez mais, a comparação com o perpétuo objeto de meu enlevo, de meu encanto e entusiasmo: o mar. Nele, como já tive ocasião de dizer, sempre me agradou contemplar as inúmeras formas de pulcritude com que Deus o criou, os diversos estados em que ele se apresenta a nós, desde a extrema calma até  a extrema agitação, com todas as gamas intermediárias. Ora é o ordenado das grandes ondas que avançam em ofensiva para a terra, sem tumulto nem descabelo, como um  ataque em regra de uma cavalaria nobre. Por vezes as ondas nem sequer arrebentam, apenas se avolumam e se estendem; outras, pelo contrário, estouram na praia ou nos  rochedos, e há um gáudio de gotas pelo ar, bailando alegremente, como se executassem uma lendária dança da vitória. Ora me compraz ver o mar inteiramente calmo, quase  imóvel.

Dir-se-ia que ele se encontra de tal maneira absorto na contemplação do céu, para o qual olha a todo momento, que nem pensa em si mesmo… De repente, a partir de um  ponto qualquer daquela imensidão líquida, algo começa a se mover. Dali a pouco é um vagalhão, é um tumulto aquático, e é outro assalto contra a terra. Dessa vez, porém, as  ondas não se aproximam em fileiras ordenadas, mas parecem vir se empurrando e se acotovelando, cada qual no desejo de tomar a dianteira e conquistar a terra mais  depressa. É a beleza da variedade, do inesperado, do quase susto, do imprevisto, que tem seu encanto próprio. E é essa sucessão de aspectos que torna o mar tão entretido.

Ora, a arquitetura, e especialmente a arquitetura religiosa, pode ter uma variedade de feitios análoga aos movimentos do mar. Será, por exemplo, a calma e a estabilidade de  uma Catedral de Notre-Dame de Paris: irrepreensível, ordenada, perfeita, lindíssima, cheia de lógica, de poesia e candura.

Outras vezes, a arquitetura borbulha e apresenta aspectos meio inesperadas. E é o próprio movimento da alma religiosa, nos seus entusiasmos, nos seus êxtases, nos seus  impulsos, na sua generosidade, nos lances ‘a la’ Santa Teresa de Jesus, ‘a la’ Santo Inácio de Loyola, que nos deixam desconcertados diante de sua grandeza. E isso é o que se  nota no jogo das várias cúpulas e minaretes da Basílica de Santa Antônio de Pádua, borbulhantes como o movediço das ondas do mar.

Olhando-se para o teto da igreja quase se esquece do corpo do edifício. Tem-se a impressão de que todo o resto existe como uma bandeja para carregar bem alto o  movimento musical das coberturas. E assim como podemos imaginar uma melodia num “crescendo” em que as notas se vão sucedendo alegremente umas às outras, assim nos parece que esses minaretes e cúpulas estão jubilosos à espera da hora em que sejam separados da base para poderem subir em direção ao céu. E que essa ansiedade do maravilhoso, uma ansiedade festiva, feliz, é apenas contida por uma corda que mão caridosa a qualquer instante vai cortar.

Noutra analogia com o mar, do mesmo modo como este é também rico e esplendoroso nos mistérios de suas profundezas, igualmente o interior da Basílica de Pádua é um imenso escrínio de tesouros espirituais e artísticos. É, sobretudo, o ambiente criado pela presença do Santíssimo Sacramento, pelas relíquias do grande Santo franciscano, pelas graças de que elas são veículo e que impregnam todo o recinto da igreja, estimulando e condicionando a piedade dos fiéis que ali rezam e se recolhem com edificante  devoção.

Além disso, a profusão de maravilhas que ali deixou a arte cristã, entre abóbadas, colunas e capitéis esplendidamente trabalhados; capelas, altares e murais em que se pode admirar o talento de mestres imortais, e um grande número de pinturas e imagens que datam de diferentes épocas da Cristandade, fazem com que a Basílica pareça um compêndio da história da piedade católica.

Todos esses fatores — beleza arquitetônica, presença do Coração Eucarístico de Jesus, relíquias de Santo Antônio de Pádua, imagens especialmente abençoadas, fiéis que recebem graças e as deixam transpirar de algum modo na sua maneira de ser, de andar e de rezar — concorrem, numa igreja como a Basílica de Pádua, com particular intensidade para conferir uma impressão única de piedade autêntica, e uma sensação de presença verdadeira da verdadeira Igreja, a Esposa Mística de nosso Divino Redentor.

Palavra confortadora

Assim como São João Batista estremeceu de gáudio no seio de sua mãe ao ouvir a voz de Maria Santíssima, devemos pedir a Nossa Senhora que nos obtenha a graça de igualmente exultarmos ao som da voz d’Ela ressoando em nossos corações. Que, em meio aos sofrimentos e aflições a que todos estamos sujeitos nesta vida, a Mãe de Misericórdia nos diga uma dessas palavras interiores pela qual estremeçamos de santa alegria, e nos dê coragem e ânimo para carregarmos todas as nossas cruzes até o fim da vida.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 2/7/1963)

Irresistível e régia misericórdia

Todos nós, segundo São Luís Grignion de Montfort, somos “vermezinhos e miseráveis pecadores”. Ou seja, na ordem espiritual, valemos tanto quanto o menor dos vermes, porque somos pecadores miseráveis. Mas! Temos a nosso favor uma Rainha extraordinária, que se encontra acima dos anjos, Aquela que é Filha, Mãe e Esposa,  respectivamente, de cada uma das Três Pessoas da Santíssima Trindade: a Bemaventurada Virgem Maria.

Assim, devemos suplicar a Ela — cuja ilimitada misericórdia nenhum pecado consegue deter, e a cuja materna  vontade jamais pôde resistir seu Divino Filho — que tenha compaixão de nós, pecadores tão endurecidos, e nos obtenha do Sagrado Coração de Jesus o perdão e a salvação para nossas almas.

Fontainebleau – esplendor, riqueza e simplicidade – II

Tratando dos mais diversos assuntos, Dr. Plinio procurava ver o aspecto religioso. Analisando o castelo de Fontainebleau, aponta ele para a tendência de se construir algo que superasse a natureza e compensasse um pouco o que esta Terra tem de exílio. Há dentro disso um apelo para algo maior do que as coisas terrenas, e que é o começo do movimento rumo ao Céu.

 

O mobiliário dessa sala é elegante, leve, também constituído de tapeçarias, e habilmente disperso pela sala, de maneira que se tem, ao mesmo tempo, impressão de muita mobília, mas há vazios importantes. Um dos segredos de uma sala bonita é ter vazios importantes. Eu já tenho visto sala empetecada de móveis, não se pode dar um passo sem esbarrar num cacareco. Não tem propósito! O vazio bonito faz parte da boa decoração.

Orquestração fabulosa de riquezas de espírito

Os vazios são indispensáveis para o ornamento de uma sala. Mas nessa sala do castelo de Fontainebleau, que estou analisando, tem-se a impressão, ao mesmo tempo, de muita mobília e de nada de atravancamento; isso é agradável. A beleza cromática da sala é a seguinte: os vidros das janelas são transparentes, a luz que entra por eles é, inteiramente, a luz do dia. Não é aquela luz leitosa da galeria.

Mas essa luz do dia, no que ela tem de cru, é compensada por um mundo de cores. Quase se poderia dizer que todas as cores possíveis estão representadas aqui, mas para não ficarem sobrecarregadas, todas elas em estado muito pálido. E um mundo de cores muito pálidas não dá a ideia de feeria de cores, pois elas quase que se fundem umas nas outras, mas divertem e descansam os olhos maravilhosamente.

Creio ser indiscutível que essa sala dá uma ideia de fausto. A principal noção de fausto que dela se depreende é da prodigiosa policromia, mas de cores delicadas que se fundem umas nas outras; é uma orquestração fabulosa de riquezas de espírito, de riquezas culturais. No meio de mil coisas empalidecidas, ficaria um pouco insípido não ter uma nota viva. E, a ter uma nota viva, o vermelho é o mais bonito. O vermelho-cereja, dado um pouco para sangue, no meio das cores pálidas, é um jato. Como um cozinheiro, que entende das coisas, sabe pôr na elaboração de um prato um pouco de pimenta, para realçar todo o resto.

A porta é feita com a preocupação de constituir um elemento decorativo a mais dentro da sala. Então ela mesma é tratada com uma série de painéis, todos muito delicados, leves, que contrastam com o sobrecarregado das laterais. O contraste de sobrecarregados e leves forma a harmonia da sala, que sem isto ficaria empetecada. 

Manifestamente, nota-se aí a tendência a construir uma coisa que superasse a natureza, e compensasse um pouquinho o que esta Terra tem de exílio, com a ideia de que o homem é feito para coisas maiores do que as coisas terrenas. Há dentro disso um apelo para algo maior do que esta vida e esta Terra, e que é começo de movimento rumo ao Céu. Esse é o lado religioso do assunto.

Esplendor do luto com certa nota de severidade

A sala de estar da Rainha-Mãe, quase não se sabe se é mais bonita do que a Sala do Conselho. É mais severa do que a Sala do Conselho, e se explica porque a Rainha-Mãe — por definição a viúva e tudo quanto acompanhava a viuvez — tinha uma certa nota de severidade. Donde o aparecimento dessas portas escuras, que trazem uma vaga reminiscência de todo o esplendor do luto. É uma sala de avó, tendo um certo compassado que a alegria e o esplendor da outra sala não possui.

Isso corresponde à ideia daquele tempo de a viúva usar até o fim da vida os sinais de viuvez, sobretudo quando se tratava da rainha. O que a moldura dessa sala tem de muito sério é compensado por inúmeros arabescos finos. Então, há aqui um mundo de formas, flores, grinaldas, guirlandas, de figuras mitológicas, de quadros.

E uma coisa que fica muito bonita é o espelho, certamente feito em Veneza — onde se fabricavam espelhos enormes, profundos — e que é como uma janela aberta, o que também torna alegre o ambiente. Depois, tapeçarias colossais, que também dão gáudio à sala.

Os quadros sobre as portas dão à passagem quase a majestade de um arco de triunfo. Fica uma coisa riquíssima, muito bonita. Porta sempre com duas folhas, por causa do protocolo da corte. Para os filhos ou netos de um rei, as duas folhas da porta se abriam, o alabardeiro dava uma pancada no chão e gritava: “Sua Majestade, a Rainha, ou Sua Alteza Real…” Quando era para um príncipe de sangue real, mas não filho ou neto de rei, abria-se uma só face, como também se fazia para todo o resto da nobreza.

De maneira que era de grande estilo a pessoa, digamos a Rainha-Mãe, ser precedida pelos alabardeiros que abriam a porta, colocavam-se de ambos os lados e gritavam: “Sa Majesté, la Reine!” Então, reverências, etc. Quer dizer, a porta era ocasião de um cerimonial, quase um pano de boca de um palco; daí seu caráter triunfal.

Isto estava nos hábitos do tempo, porque entrar e sair eram uma arte. Não se faziam esses movimentos como um frango entra ou sai do galinheiro. A entrada e a saída de uma pessoa marcavam a sala.

Observem a beleza dessa mesa, com as pernas trabalhadas e sobre ela uma taça de porcelana policromada muito bonita. Tudo em nível mais discreto do que o jogo de cores feérico.

A Revolução vai se adensando: melancolia e moleza

Sala de Conselho de Luís XV. O gênero de beleza evoluiu do tempo de Luís XIV para Luís XV. Enquanto a nota do raffiné(1) de Luís XIV era imponente, em Luís XV, que já marca uma certa decadência, o raffiné é gracioso. Então, é um esplêndido de gracioso, mas o gracioso é um valor menor que o imponente, e nisto está a decadência.

Os ângulos retos desaparecem, ou como que desaparecem; o ângulo reto exprime muito mais a força do que o arredondado, que representa o jeito, a conciliação, o sorriso. Por outro lado, as cores se tornam — sob algum ponto de vista — mais delicadas, e um certo ar triunfal, que tinham as salas de Luís XIV, desapareceu. Não é uma sala feita para um rei vencedor do mundo, como Luís XIV pretendia ser e, em alguma medida, foi; mas é para um rei que leva uma vida gostosa e, nas horas vagas, realiza uma reunião do Conselho.

Desta sala não sai a conquista do universo, nem a prevenção da Revolução que vai se formando e adensando. Considerada sob o aspecto da pulcritude, ela exprime o maravilhoso gracioso e, neste sentido, ela o exprime magnificamente. E a linha da feeria continua inteiramente afirmada. Dir-se-ia que, de algum modo, ela é até mais raffinée do que as salas de Luís XIV.

E notem uma coisa curiosa: dentro de todo esse gracioso há qualquer coisa de mais tristonho. Não há aquela alegria matinal. É um gracioso crepuscular, embora com todos os encantos do crepúsculo, mas já não é aquela coisa maravilhosa da aurora.

Essa sala, com todo o seu maravilhoso, poderia ser de lazer, ou de jogo, num palácio real. Não poderia ir além disso. E mesmo assim, ela tem qualquer coisa de perigoso, porque se uma pessoa fica muito tempo aqui dentro, não tem vontade de passar para as outras salas. Ela tem qualquer coisa de anestésico, que é o anestésico do otimismo. Está tudo arranjadinho, redondinho.

As cadeiras já são um pouco dadas ao anatômico, por incrível que pareça. A civilização que gosta da cadeira com pernas baixas é decadente. Então, nessa sala as cadeiras têm perninhas baixinhas.

Poder-se-ia dizer que o melancólico e mole são as notas dominantes nessa sala.

 

(Extraído de conferência de 31/10/1966)

 

(1) Refinado, requintado.

 

 

 

 

Mártir vigoroso, varonil, de alma inquebrantável

Temos para comentar uma ficha biográfica de Santo Artêmio, mártir. Comandante das forças imperiais, ocupou, sob Constantino Magno, postos de honra no exército. Juliano, o apóstata, que levantara grande perseguição contra os cristãos, mandou degolá-lo. Sobre ele, diz o Padre Rohrbacher1:

Governador do Egito e da Síria

Enquanto os dois sacerdotes, Eugênio e Macário, eram supliciados, um oficial, que permanecera ao lado do imperador, levantou-se e se dirigiu a ele:

“Por que torturas tão cruelmente esses santos homens consagrados a Deus? Não vos esqueçais de que também sois homem, sujeito às mesmas misérias. Se Deus vos constituiu imperador, se recebestes de Deus o império, acautelai-vos para que satanás, que pediu e obteve permissão para tentar Jó, não tenha pedido e obtido permissão para usar-vos contra nós, a fim de passar pelo crivo o trigo de Cristo e semear o joio por toda parte. Mas sua empresa resultará vã; não tem o mesmo poder antigo. Desde que Cristo veio e foi erguido na Cruz, caiu o orgulho dos demônios, seu poder foi calcado aos pés. Não vos iludais, ó imperador, não persigais, por amor aos demônios, os cristãos protegidos por Deus, pois o poder de Cristo é invencível. Vós mesmo vos assegurastes disto.”

Ao ouvir essas palavras, Juliano, fora de si, exclamou: “Quem é o ímpio que ousa usar semelhante linguagem no nosso tribunal?”

Um meirinho respondeu: “Senhor, é o Duque de Alexandria do Egito.”

Com efeito, era Artêmio Governador do Egito e também da Síria havia longos anos, e que acabava de trazer para Juliano as tropas de duas províncias para servirem na guerra contra a Pérsia.

Juliano prosseguiu: “Como? É Artêmio? Ordeno que o despojem de suas dignidades e de suas roupas, e que seja imediatamente castigado pelas palavras que acaba de pronunciar.”

Depois de despido, o mártir teve as mãos e os pés amarrados com cordas pelos algozes; estes o estenderam no chão e açoitaram-lhe o ventre e as costas com nervos de boi, durante um espaço de tempo tão longo que foram obrigados a se alternarem quatro vezes. Contudo, Artêmio não soltou um único suspiro, nem seu rosto se alterou. Dir-se-ia que não era ele quem sofria, mas outra pessoa qualquer.

Todos os assistentes estavam surpreendidos, o próprio Juliano não escondia a admiração.

A idolatria seria irremediavelmente destruída

Levados para a prisão, os três mártires para ela se dirigiram entoando louvores a Deus. Artêmio dizia a si mesmo: “Agora os estigmas de Cristo já estão impressos no teu corpo; só falta dares tua alma, tua vida, com o resto do teu sangue.”

Depois de muitas tentativas infrutíferas, por meio de torturas e argumentos, para levar Santo Artêmio a apostatar, Juliano condenou-o à decapitação. Antes da execução, o mártir pediu momentos para orar. Agradeceu a Deus a graça de sofrer pela glória de seu divino Nome e suplicou-Lhe que Se compadecesse de sua Igreja, ameaçada com terríveis calamidades pelo apóstata Juliano:

“Vossos altares serão destruídos, vosso santuário profanado, o sangue de vossa aliança menosprezado por causa de nossos pecados e das blasfêmias que Ario vomitou contra Vós, Filho Unigênito, e contra vosso Espírito Santo, separando-Vos da consubstancialidade do Pai e supondo-Vos estranho à sua natureza; afirmando que sois criatura, Vós, o Autor de toda a Criação; subordinando-Vos ao tempo, Vós que fizestes os séculos, e dizendo: ‘Havia o Filho que não era’, chamando-Vos de filho da vontade.”

Depois de dobrar três vezes o joelho voltado para o Oriente, novamente o mártir orou, dizendo:

“Deus de Deus, só de um só, Rei de Rei, Vós que estais sentado nos Céus à direita de Deus Pai que Vos gerou, Vós que viestes à Terra para a salvação de todos nós, Vós que sois a coroa dos que combatem pela piedade, ouvi favoravelmente vosso humilde e indigno servo, recebei a minha alma em paz.”

Uma voz respondeu-lhe do Céu que sua oração seria ouvida; além disso, o imperador apóstata pereceria na Pérsia, que teria um sucessor cristão  e que a idolatria seria irremediavelmente destruída. Depois de ouvir essas palavras, cheio de alegria, Artêmio apresentou a cabeça à espada.

Católico combativo que agride, toma a iniciativa e interpela

Vamos recompor um pouco a cena para dar todo o relevo à narração. Imaginemos num circo romano uma tribuna imperial alta, com colunas, coberta por um tecido precioso, o imperador sentado numa espécie de trono, naturalmente com todo o pessoal de serviço por detrás dele, leques se agitando, ‘flabelli’ para impedir que as moscas pousassem nele, uma série de dignatários dentro da tribuna, depois o povo lotando todo o resto do teatro. Provavelmente, como eram os espetáculos, quer dizer, com as arquibancadas necessárias para os nobres, depois para os burgueses e a plebe. Eu creio que já não havia mais a bancada das vestais, porque estas se tinham extinguido. Ao lado, um oficial revestido do traje próprio aos oficiais romanos, com capacete, couraça, armas, junto ao imperador. Esse oficial é um homem de alta categoria. O livro fala em duque. É um anacronismo, pois não havia ainda duques, mas devia ser um chefe de duas importantíssimas unidades do império romano, que vinha a Roma trazendo tropas para serem utilizadas na luta contra a Pérsia. Ele estava, portanto, na tribuna imperial, quiçá muito mais como uma distinção do que como guarda do corpo do imperador. Era um hóspede de honra.

Enquanto dois sacerdotes estão sendo martirizados e o povo olhando para aquilo com uma alegria própria de hienas e de chacais, em certo momento esse homem se levanta: é Artêmio que dirige uma apóstrofe magnífica ao imperador que, embora sendo um indivíduo odiento e impulsivo, não profere uma só palavra e deixa-o dizendo quanto queria.

As palavras de Santo Artêmio mostram bem o caráter de católico combativo que não se limita a deixar-se matar, mas que agride, toma a iniciativa, interpela . O resultado é que, ao invés de dar razões, o imperador pergunta quem é ele . Informado, manda torturá-lo para ver se apostata . Não dando certo a tortura, ordena matá-lo.

A principal força da heresia e do mal está no demônio

A apóstrofe do Santo mártir merece ser considerada um pouco mais detidamente .

Na primeira parte ele pergunta ao imperador qual a razão pela qual ele tortura esses homens santos. Sabendo que o imperador não tem motivo para os torturar, Santo Artêmio o adverte que tenha cuidado porque ele, Juliano, está sendo instrumento de satanás para perseguir a Igreja Católica. Pondera que não adianta persegui-la, porque o poder dos demônios foi quebrado depois de Nosso Senhor Jesus Cristo ter sido elevado ao alto, quer dizer, crucificado. O poder das trevas está quebrado e toda a obra visando conter o Cristianismo fracassará, porque o demônio não tem mais a força antiga.

Vejam a bonita concepção presente por detrás disso: a principal força da heresia e do mal está no demônio cuja força, uma vez quebrada, está também rompida a força do mal. Essa é uma concepção eminentemente nossa, e muito profunda. Depois ele prossegue afirmando que o imperador está fazendo uma obra inútil, além de injusta, porque ele vai ser derrotado.

Então o imperador intervém e manda prendê-lo.

Poder-se-ia dizer que outra cena se abre nesse ou em outro circo romano: Santo Artêmio está sendo martirizado e faz uma oração. Uma voz do Céu lhe diz algo. Podemos imaginar o silêncio na arquibancada e, na arena, aquele homem vigoroso, varonil, de alma inquebrantável pede licença para fazer uma prece, e a recita em voz alta.

O esquema da oração  de  Santo Artêmio é o seguinte: ele declara que a perseguição sofrida pela Igreja é um castigo por causa da heresia de Ario. Então ele faz um duríssimo ato de increpação contra a heresia ariana. Qual é o fundamento dessa concepção dele? Como se pode compreender que a Igreja esteja sofrendo castigo por uma heresia condenada por ela?

A resposta é muito simples: a Igreja a condenou a duras penas; a massa quase completa dos católicos ficou ariana. São Jerônimo, se não me engano, teve essa expressão: o mundo, de repente, acordou e percebeu que se tinha tornado ariano. Para que o arianismo fosse derrotado foi necessária uma luta tremenda, durante a qual os Santos foram perseguidos, verteu-se muito sangue e o mundo não se converteu inteiramente dessa heresia. Depois apareceu o semiarianismo, que era uma tentativa de restaurar a heresia de Ario.

Auxílio para os católicos dos últimos tempos

Por fim, a voz vinda do Céu lhe assegura a morte de Juliano que seria sucedido por um imperador cris tão, e a idolatria irremediavelmente  serviriam de estímulo para pessoas e destruída. Quer dizer, apesar de tudo, vinha o castigo purificador. Poderia ainda haver outras crises, mas a idolatria não renasceria mais nações, as quais ele nunca imaginaria que pudessem vir a existir.

Assim são as coisas na Santa Igreja: nós sofremos e lutamos hoje, mas tendo ouvido isso, Santo Artêmio fez mais ou menos como Simeão, que disse: “Senhor, agora podeis mandar em paz o vosso servo, porque meus olhos viram o Salvador” (cf. Lc 2, 29-30). O mártir certamente pensou: “Senhor, agora podeis mandar em paz o vosso servo, porque estes ouvidos ouviram o anúncio da derrota daquele que é a causa de todos os flagelos, e a afirmação de vossa vitória.” Inclinou a cabeça e foi decapitado. Morreu em paz.

O que Santo Artêmio não viu nem soube é que tantos séculos depois o suplício e a varonilidade dele não sabemos de que auxílio esses sofrimentos serão para os católicos dos últimos tempos, cuja aflição será suprema quando, afinal de contas, estiverem esperando a hora de Nosso Senhor chegar. Talvez eles meditarão nas nossas lutas, nos nossos sofrimentos, na nossa espera pela realização das promessas de Fátima, e encontrarão no que fazemos um conforto que nós mesmos não sentimos, mas que as almas deles receberão pela nossa ação.    v

 

(Extraído de conferência de 19/10/1966)

Sagrado Coração de Jesus

Em todas as imagens do Sagrado Coração de Jesus podemos perceber uma nota de suave tristeza, pois em meio à harmonia e formosura da alma d’Ele estavam presentes a cruz e o sofrimento.

Homem-Deus, Nosso Senhor possuía em grau insondável, todos os títulos para ser amado e venerado, aos quais acrescentou as maravilhas de seus milagres e doutrinas.

Jesus realizou o inimaginável, e por certo despertou imensa admiração. Porém, seus admiradores se cansaram d’Ele. Essa rejeição, por ser imerecida e constituir um grande pecado, causava profunda dor à sua humanidade santíssima. No fundo do seu Coração Sagrado havia, pois, habitualmente uma nota de pesar, devido a essa  incorrespondência em relação a quem se dava com tanto amor.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Santa Edeltrude Vigor e beleza da alma medieval

Como nos mostra Dr. Plinio, a rainha Santa Edeltrude e suas irmãs — também canonizadas — são luminoso exemplo do que foi outrora a “Ilha dos Santos” (o atual Reino Unido), no alvorecer de uma era onde a virtude heróica se fazia freqüente até nos mais altos degraus da sociedade, a partir dos quais se estendia às outras camadas sociais, dando forma àquele conjunto chamado de Cristandade.

 

No dia 23 de junho a Igreja lembra Santa Edeltrude, Rainha e virgem do século VII. Filha de um monarca do Leste Inglês — um dos sete reinos que constituíam a Inglaterra de então — teve ela três irmãs santas: Saxburga, Edilburga e Virtburga. Como sói acontecer naquela época povoada de heróis da Fé, a virtude resplandecia no seio das famílias, e muitos parentes possuíam em comum, não apenas o sangue, mas também a santidade. Neste caso, poder-se-ia construir um esplêndido templo católico no qual houvesse quatro belos altares em honra dessas irmãs bem-aventuradas.

Ousadia e fundação de mosteiro

A respeito de Santa Edeltrude, alguns autores nos apresentam os seguintes dados biográficos:

Nasceu provavelmente por volta de 630 e morreu em Ely, a 23 de junho de 679. Quando ainda muito jovem, foi dada em casamento por seu pai, Anna, Rei de East Anglia, a um certo Tonbert, príncipe a ele subordinado. Deste primeiro marido, Edeltrude recebeu como dote algumas terras na localidade conhecida como a Ilha de Ely.

A santa viveu cinco anos com Tonbert em perfeita continência. Após a morte prematura do príncipe, viveu um pe­río­do de paz com sua vocação religiosa. Seu pai, entretanto, quis que ela se casasse novamente e lhe arranjou a união com Egfrido, filho e herdeiro de Oswy, Rei da Nortúmbria.

 De seu segundo esposo, que consta ter então apenas 14 anos de idade, recebeu mais terras, desta feita em Hexham. Por meio de São Wilfrido (634-709), monge beneditino e Bispo de York, cedeu ditas propriedades para a fundação do mosteiro de Santo André. São Wilfrido tornou-se amigo e guia espiritual de Santa Edeltrude, aprovando e lhe incentivando a guarda da virgindade. Porém, foi a ele que Egfrido recorreu, quando sucedeu seu pai, para fazer valer seus direitos maritais contra a vocação religiosa de Edeltrude.

Primeiramente, o bispo conseguiu persuadir Egfrido a deixá-la viver por certo tempo em sossego, como freira no convento de Coldingham, fundado pela tia dela, Santa Ebba. Mas ante o perigo iminente de ser levada à força pelo rei, Edeltrude fugiu em direção ao sul do país, com apenas duas companheiras, buscando suas terras em Ely. Ali, favorecida por milagres e misericordiosas intervenções divinas, num lugar cercado de pântanos, areias movediças e pelas águas do rio Ouse, iniciou a fundação do mosteiro de Ely.

Como o lugar ficava na região onde Edeltrude nascera, seus parentes de sangue real lhe forneceram os meios necessários para a execução de seus planos. São Wilfrido ainda não havia retornado de Roma, onde lograra obter do Papa Bento II privilégios extraordinários para aquela fundação, quando Edeltrude morreu vítima de uma epidemia a qual ela mesma havia predito.

Por muitos séculos, o corpo da santa foi objeto de devota veneração na famosa catedral de Ely, construída precisamente no local do antigo mosteiro fundado por ela. O atual edifício católico é considerado uma magnífica mostra dos vários estilos góticos, acrescentados durante diversas renovações desde o século IX, sendo que a última parte — o famoso octógono — foi adicionada em 1400.

Uma das mãos da santa é atualmente venerada na igreja católica de Santa Edeltrude, na Ely Place, em Londres. Trata-se do mais antigo templo católico da capital britânica, e durante a Idade Média era considerado uma espécie de feudo dos bispos de Ely, herdeiros daquelas terras de Santa Edeltrude.

Na Idade Média, ao lado da rudeza, autêntica virtude

Percebemos aqui um flash(1) da Inglaterra primitiva, bem como da aurora da Idade Média que contém algo de selvagem e, ao mesmo tempo, de extraordinariamente sobrenatural. Este contraste encerra, a meu ver, uma intensa beleza.

Após a queda do Império Romano do Ocidente, em 476, os povos que surgem têm príncipes e princesas evidentemente com resquícios de barbárie. Quanto ao aspecto, ao porte, ao estilo, não podermos imaginar Santa Edeltrude e suas três irmãs semelhantes às filhas de Luís XV, pintadas por Nattier, sobre um fundo azul claro: Madames Henriette e Adélaïde, frágeis, como se fossem de porcelana, quase evanescentes, vestidas com sedas vaporosas. Devemos figurá-las como damas vigorosas, cujas mãos estavam afeitas a árduos trabalhos domésticos, embora fossem orgânica e autenticamente princesas de grande valor nos países onde surgiam.

Cumpre salientar, aliás, que elas eram por assim dizer os berços de posteriores dinastias, e seus povos, os pontos de partida de futuras civilizações. Como lembrei acima, habitava ali certa grandeza e a semente de uma alta santidade. Haja vista a confluência de muitos bem-aventurados: somente na corte da nossa biografada encontravam-se ao mesmo tempo quatro santas, ademais de um diretor espiritual igualmente santo! Além disso, uma disseminação tal da virtude que foi possível a Santa Edeltrude convencer aos seus dois sucessivos maridos — um príncipe e um rei — de guardarem a continência na vida conjugal.

Admirável perseverança

Juntamente com tais virtudes, não se pode ignorar algumas manifestações de primitivismo. Por exemplo, uma princesa que deixa seu esposo por este querer romper o voto de castidade, refugia-se num convento e o marido não ousa ir atrás dela nem invadir o recinto sagrado, o que, naquele tempo, era julgado um fato explicável. Hoje seria considerado um escândalo, com notícias espalhafatosas nos jornais, etc.

Seja como for, é admirável a perseverança de Santa Edeltrude na prática da castidade perfeita. O abandono da vida da corte, com todas as suas glórias, para adotar o estado religioso, a sabedoria com que ela governou seu mosteiro (num país então pequeno, isso representava algo muito importante para a própria vida da nação), encaminhando as religiosas para o Céu, tudo isso forma um conjunto de traços fisionômicos iluminados pela santidade, e justifica plenamente a devoção que os fiéis possam ter para com ela.

Assim, nada mais aconselhável e rico em benefícios para nossa alma do que nos recomendarmos às orações de Santa Edeltrude, Rainha e virgem, no dia de sua festa.  v

 

1) Sobre o termo flash, cf. Dr. Plinio número 55.

 

 

Sagrado Coração de Jesus

Salve Maria!

 

Junho é o mês escolhido pela Igreja para reparar o Sagrado Coração de Jesus e retribuir o amor que Ele tem por nós.

Isso teve início quando Jesus apareceu a Santa Margarida e mostrou o Seu Sagrado Coração coroado de espinhos, dizendo:

“Eis o coração que tanto amou os homens e foi tão desprezado por eles”

A partir daí, quem abraçou com fervor essa devoção recebeu torrentes de graças. E milagres estupendos aconteceram.

Ainda mais beneficiados foram aqueles que passaram a usar o Escudo do Sagrado Coração, fazendo um ato concreto de reparação às ofensas contra esse amor misericordioso.

Eu sempre tive desejo de que a Campanha lhe pudesse oferecer a possibilidade de praticar essa devoção para que você também pudesse receber essas graças. Hoje, esse dia chegou.

Pelos anos de 1673/1675 Santa Margarida Maria Alacoque teve visões e revelações do Sagrado Coração.

Durante anos, Jesus mostrou a Margarida o amor que tem pelos homens e seu ardente desejo de salvar os pecadores.

Mas lamentou-se também de que esse Coração que tudo fez para salvar os homens, é esquecido e desprezado por eles.

E fez magníficas promessas a quem consolasse o Seu Coração e reparasse as ofensas cometidas contra o seu amor:

  • Estabelecerei e conservarei a paz em suas famílias.
  • Eu os consolarei em todas as suas aflições.
  • Serei seu refúgio seguro na vida e principalmente na hora da morte.
  • Darei bênçãos abundantes sobre todos os seus trabalhos e empreendimentos.
  • Os pecadores encontrarão em meu Coração fonte inesgotável de misericórdia.
  • Minha bênção permanecerá sobre as casas em que se achar exposta e venerada a imagem de meu Coração.
  • As pessoas que propagarem essa devoção terão seus nomes inscritos para sempre no meu Coração.

E nós precisamos da graça de Deus! Muitos riscos nos esperam todos os dias: assaltos, seqüestros, acidentes de automóvel, sem contar os perigos morais, não é verdade?

Por essa razão, neste mês de junho, seguindo o conselho de Jesus, vamos rezar uns pelos outros.

Além disso, o Secretariado da Campanha lhe dará um presente especial. Mandaremos celebrar em todos os dias de junho uma missa especial por você e sua família.

Mais ainda, você poderá dar as suas próprias intenções para serem incluídas nessas santas missas.

De minha parte, prometo incluir o seu nome nas intenções das missas que mandarei celebrar durante todo o mês de junho pelos participantes da nossa campanha.

Certo de que o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria derramarão tesouros de graça e misericórdia sobre você e toda a sua família, despeço-me com muita estima.

Em Jesus e Maria

 

 

João Sérgio Guimarães

coordenador de campanhas

 

Acesse este PDF e conheça um pouco da mensagem de Jesus a Santa Margarida Maria e o que é o Detem-te: Clique aqui

Novena do Sagrado Coração de Jesus: Clique aqui

Medalha do Detem-te: Clique aqui

Medalha do Detem-te para o retrovisor do carro: Clique aqui

Escreva seu nome no Coração de Jesus, e receba o Poster em sua casa: Clique aqui