Maternal e Onipotente Realeza

Imaculada pureza, inquebrantável prudência, insondável bondade, sublime sabedoria. Sobre cada uma das qualidades e virtudes da Mãe de Deus, temos visto comentários de Dr. Plinio que constituem verdadeiros hinos de abrasa- do amor. Desta vez, exprime ele seu enlevo e admiração pelo caráter régio da vocação de Maria.

 

Ao instituir a festa de Nossa Igreja glorificar a Deus por meio da realeza de sua Mãe Santíssima, honrando-A e venerando-A com este título, um dos maiores e mais belos que já lhe foram atribuídos. É, portanto, com imenso júbilo que devemos nos associar a essa celebração das prerrogativas régias de Maria, pensando e meditando nelas, não só para crescermos no conhecimento de tão excelsa Soberana, como também e sobretudo aumentarmos nosso amor e nossa devoção a Ela.

Mãe do Rei dos reis

Voltemos-nos em primeiro lugar para os fundamentos dessa realeza, quer dizer, as razões pelas quais Nossa Senhora é chamada de Rainha.

Antes de tudo, por ser a Mãe do Rei, isto é, de Nosso Senhor Jesus Cristo. É Ele Rei  como  Deus,  Autor de toda a Criação. É Rei como Salvador e Redentor do gênero humano, pois este, perdido que estava, foi resgatado pelo sangue infinitamente precioso do Cordeiro Divino, o Qual se tornou assim seu dono e senhor. É Rei por direito de nascença, descendendo da linhagem monárquica de David. É Rei, ainda, como o mais excelente dos homens, no qual nossa natureza atingiu uma superioridade e uma plenitude inimagináveis.

Nossa Senhora o título de Rainha, e não apenas porque convinha a Ele ser filho de uma soberana, mas também porque foi dada a Ela uma participação efetiva no governo de Nosso Senhor sobre todo o Universo.

Com efeito, depois de sua triunfal Assunção, a Santíssima Virgem se viu exaltada pelas Três Pessoas Divinas, recebendo um completo domínio sobre as criaturas visíveis e invisíveis, os Anjos e os Santos no Céu, os homens vivos, as almas do Purgatório, bem como sobre os réprobos e demônios do Inferno. De tal sorte que, a partir de então, Deus executa todas as suas obras e realiza todas as suas vontades por intermédio de sua Mãe. Esta não é apenas o canal por onde passa o império do Rei, mas é a Rainha que decide por alvitre próprio, consoante os desígnios d’Ele.

Medianeira universal de todas as graças

Essa sapiencial disposição da Beatíssima Trindade, concedendo tal poder a Nossa Senhora, nos leva a considerar outro precioso fundamento da realeza mariana: a prerrogativa de Medianeira universal de todas as graças.

É sentença estabelecida na Teologia que, igualmente por vontade divina, todos os dons celestiais nos são outorgados por meio de Maria Santíssima, assim como todas as nossas súplicas e orações só chegam ao trono de Deus se apresentadas pelas maternas e compassivas mãos de sua Mãe.

Ele A constituiu dispensadora de seu inextinguível tesouro de graças e favores, e é por meio d’Ela que deseja atender nossos pedidos. Se todos os Anjos e Santos reunidos suplicassem algo em proveito de um fiel, sem invocar a intercessão de Maria, nada obteriam. Ela sozinha, pedindo por nós, tudo alcança.

Nossa Senhora é, em relação às nossas preces, um alto-falante incomparável a ecoar no Céu. Ela transforma nossas palavras, dá-lhes uma melodia, um som, o valor de um hino, purifica a nossa pronúncia de todas as marcas de nosso desregramento e de nossas insuficiências. E não contente com isso, acaba substituindo nossa voz pela d’Ela, pois nosso timbre, tão menos eminente que o de Maria, vale apenas como um sussurro que se une e se perde no cântico d’Ela ao Senhor da Criação. De tal maneira o foco da predileção divina se concentrou inteiro nesta Filha bem-amada.

Desse modo, a realeza de Nossa Senhora está numa conexão íntima com o fato de Ela ser o canal de todas as graças. Ela é Rainha de tudo, porque tudo é pedido e outorgado por meio d’Ela. Verdade esta corroborada pelo título de Onipotência Suplicante, com o qual os atributos régios da Santíssima Virgem ainda mais se explicam: para ser genuinamente soberana, importa que Ela tenha junto a Deus uma influência sem restrições. Então, porque pode tudo aos pés d’Aquele que tudo pode, por isso Ela é Rainha.

Rainha dos corações

Tomemos, agora, o significado da realeza de Maria vista num ângulo ainda mais acessível à consideração dos homens.

Assim como uma rainha terrena exerce o melhor de seu domínio sobre a parte mais nobre de seu reino, assim também o governo de Nossa Senhora reveste-se de particular excelência quando se trata de seu império sobre o gênero humano, a parcela mais importante de sua universal soberania. E como o que há de mais nobre no homem é a alma, podemos concluir que a plenitude da realeza da Virgem Santíssima se verifica no fato de Ela ser Rainha de nossas almas.

Este maravilhoso predicado mariano foi superiormente exaltado por São Luís Grignion de Montfort, ao invocá-La sob o título de Rainha dos corações. Como coração entende-se, na linguagem das Sagradas Escrituras, a mentalidade do homem, sobretudo sua vontade e seus desígnios, e não a mera sensibilidade, segundo a simbologia moderna.

Assim, Nossa Senhora é Rainha  dos corações enquanto tendo um poder sobre a mente e a vontade dos homens. Este império, Maria o exerce, não por uma imposição tirânica, mas pela ação da graça, em virtude da qual Ela pode liberar os homens de seus defeitos e atraí-los, com soberano agrado e particular doçura, para o bem que Ela lhes deseja.

Esse poder de Nossa Senhora sobre as almas nos revela quão admirável é a sua onipotência suplicante, que tudo obtém da misericórdia divina. Ela nos governa com uma tão extrema suavidade que Ele, como Eterno Juiz, acabaria não podendo fazê-lo em igual medida. Tão augusto é este domínio maternal sobre todos os corações, que ele representa incomparavelmente mais do que ser Soberana de todos os mares, de todas as vias terrestres, de todos os astros do céu. Tal é o valor de uma alma, ainda que seja a do último dos homens!

Reinar nos corações, para reinar sobre o mundo

Dessas consoladoras considerações depreende-se, entretanto, um grave corolário. Se é verdade que Nossa Senhora nunca é mais plenamente Rainha do que quando reinando nos corações e na sociedade humana, cumpre observar que, lamentavelmente, é também verídico que pouco se nota no mundo contemporâneo uma efetiva aceitação dessa realeza. Cada vez mais foi ele rompendo com Nosso Senhor Jesus Cristo, com Maria Santíssima, desprezando e relegando a segundo plano os ensinamentos e ditames da Santa Igreja. O resultado é esse auge de desordem em que hoje vivemos.

Para que Nossa Senhora volte a reinar nas almas e sobre o gênero humano, é necessário que cada devoto d’Ela tenha saudades das épocas católicas em que brilhou essa plenitude da realeza mariana; que tenha, sobretudo, esperança de uma nova era católica que virá, daquele Reino de Maria profetizado e descrito por São Luís Grignion nas páginas de seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, em que todos os corações e toda a civilização de bom grado estarão submetidos ao doce império da Mãe de Deus.

Mas, será só isso? Devemos viver apenas de uma grande saudade e de uma grande esperança?

Não. Temos a possibilidade, cada um dentro de si mesmo, de proclamar o Reino de Maria,  de  dizer:  “Em mim, ó minha Mãe, Vós sois a Rainha. Eu reconheço o vosso direito e procuro atender as vossas ordens. Dai-me lúmen de inteligência, força de vontade, espírito de renúncia para que as vossas determinações sejam efetivamente acatadas. Ainda que o mundo inteiro se revolte e Vos negue, eu Vos obedeço”. Desse modo, haverá sempre no meio dessa torrente de desordem, de pus e de pecado, muitos brilhantes puros e adamantinos, ou seja, almas em que Nossa Senhora continua a reinar, corações que são  outros tantos enclaves d’Ela na Terra, a Ela consagrados e a partir dos quais poderá estender seu domínio uma vez mais sobre o resto do mundo.

Rainha indestronável

Algum espírito cético poderia objetar: “Mas, Dr. Plinio, pelo que o senhor acaba de afirmar, tem-se a impressão de que Nossa Senhora, em relação ao mundo de hoje, faz um pouco o papel de uma rainha no exílio, dessas ex-soberanas que vivem em algum canto, longe de seus antigos reinos. Poderão levar uma existência com certo luxo, com certo esplendor até, porém já não exercem verdadeiro domínio. Se, como o senhor disse, Nossa Senhora é rejeitada por uma grande parcela da humanidade, Ela será portanto uma Rainha destronada”.

Eis aí um grande equívoco. Onipotência suplicante e tesoureira das misericórdias divinas, Nossa Senhora é Rainha indestronável. E quando parece não dominar, é porque, em última análise, está exercendo outra de suas prerrogativas régias: a de censurar e punir aqueles que recusam as suas benevolências. Se qualquer soberana, por mais compassiva e materna que seja, tem o direito de repreender seus súditos rebeldes e infiéis, a “fortiori” o terá a Rainha do Céu e da Terra. E pode haver pior castigo do que este de não estar sujeito ao governo e proteção da melhor de todas as Mães?

Na verdade, Nossa Senhora possui os meios de obter de Deus que sempre A atende graças suficientes e até superabundantes para que todas as almas se salvem. Estas, porém, em virtude do livre arbítrio, conservam a liberdade de não corresponderem a essas graças. E se a Santíssima Virgem, apesar de sua insondável solicitude para com tais almas, permite que d’Ela permaneçam afastadas, há de ser, em última análise, por uma punição inteiramente conforme com o exercício efetivo de seu poder de Rainha. E se somos castigados por Ela, Maria continua a ter sobre nós todo o domínio que Ela entenda. Nosso miserável esperneio, nossas péssimas recusas, não são senão movimentos que têm eficácia na medida em que Ela, por superiores desígnios de sua justiça, o tolere.

“Por fim, meu Imaculado Coração triunfou!”

Contudo como nunca será demais repetir e salientar Nossa Senhora é Rainha e Mãe de inesgotáveis misericórdias. Sabendo, como Ela só, que Deus não deseja a morte do pecador mas que ele viva, a Santíssima Virgem quer a salvação de todos os homens. E pode, por uma dessas maravilhas de sua inesgotável clemência, alcançar de Nosso Senhor uma forma super-excelente e irresistível de ação da graça, por onde as almas rebeldes se deixem tocar e se convertam, como que não querendo, mas de fato completamente livres, à maneira de São Paulo no caminho de Damasco. Tão iluminadas e tão auxiliadas do alto, que não têm sequer a tentação de uma recaída.

Devemos, então, pedir a Nossa Senhora que atue assim sobre as almas duras e empedernidas, para que estas se abram à sua realeza toda feita de suavidade e benevolências. Que Ela quebre e remova, do fundo desses corações rebeldes, as resistências abjetas, as paixões desordenadas, as vontades péssimas.

E tenhamos inteira confiança de que está nas mãos dessa celestial Soberana o conquistar um número assombroso de almas, o submeter os impenitentes, aqueles que até agora se fizeram surdos aos seus apelos. De maneira que, num dia não muito distante, poderá Ela proclamar: “Por fim – segundo a promessa que fiz em Fátima – Meu Imaculado Coração Triunfará”.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Verdadeira transfiguração

Durante a Assunção de Maria Santíssima, é possível que o Sol tenha brilhado de um modo magnífico, o céu tenha ficado com cores variadas, refletindo de modos diversos, como uma verdadeira sinfonia, a glória de Deus. Mas nenhum desses esplendores podia se comparar ao próprio esplendor de Nossa Senhora subindo ao Céu.

Toda a glória de Maria provinha de seu interior, e à medida que Ela ia Se elevando, essa glória ia transparecendo aos olhos dos homens como numa verdadeira transfiguração, alcançando todo seu brilho quando, já no alto de sua trajetória celeste, Ela olhou uma última vez para os homens, antes de definitivamente entrar nos Céus.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 10/8/1968)

As alegrias de Nossa Senhora na Assunção

Devemos nos alegrar não só com as boas coisas que acontecem em nossas vidas, mas também pensar nas alegrias extraordinárias da Assunção, depois da qual Maria Santíssima, entrando no Céu, encontrou-Se com São José, com as almas dos eleitos e todos os Anjos, e foi coroada como Rainha por ser Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, Filha do Padre Eterno e Esposa do Divino Espírito Santo.

 

Tem-se tratado muitas vezes a respeito das dores de Nossa Senhora, mas os antigos falavam, mais do que os contemporâneos, das alegrias de Maria Santíssima. E era até uma devoção bastante intensificada, generalizada outrora, a tal ponto que uma das igrejas mais famosas do Brasil foi exatamente a de Nossa Senhora dos Prazeres dos Guararapes, onde os hereges holandeses foram derrotados, e depois se realizou uma espécie de primeiro armistício com eles.

Nesta Terra temos necessidade das verdadeiras alegrias

Devemos tratar também dos prazeres de Nossa Senhora, porque todos os aspectos da vida d’Ela nos são caros, mas também por causa de um lado muito importante, que é o seguinte: São Tomás de Aquino diz que nenhuma pessoa pode subsistir nesta Terra numa infelicidade total. Esta por pouco tempo se aguenta, mas por um longo período é sempre preciso haver algum alívio, sem o qual esse infortúnio não é suportável. Portanto, devemos nos alegrar pelas razões que merecem alegria, e é virtuoso que assim façamos.

A virtude não consiste só em nos entristecermos com as coisas que devem despertar tristeza, mas também em nos alegrarmos com aquilo que causa alegria. E há muitas coisas que devem despertar júbilo na vida do católico, embora não seja de nenhum modo a alegria como o mundo a entende.

Quando falta nas almas a alegria pelas boas razões de alegrar-se, surge a má tristeza, a depressão, e as pessoas começam a sentir atrativo pelas coisas do mundo e a se alegrarem com elas. A partir desse momento, naturalmente, inicia-se um processo de entibiamento, porque um dos sintomas da tibieza é a incapacidade de se alegrar com as coisas boas, santas, acompanhada de uma alegria ruim com uma porção de coisas indiferentes ou positivamente más.

Por isso, notamos na vida da Santíssima Virgem muitos movimentos de alegria, o mais insigne dos quais é, evidentemente, o Magnificat. Mas há outros fatos de sua vida que indicam o prazer que Ela teve. E daí os mistérios gozosos do Rosário, que mostram as alegrias da Mãe de Deus desfrutada em vários momentos de sua existência.

Mas nenhuma alegria de Nossa Senhora nesta vida foi tão grande quanto à da Assunção, que foram as maiores que Ela teve na sua existência terrena, se é que a Assunção pode ser considerada da existência terrena.

Mas elas são passageiras e desaparecem

Como podemos refletir a respeito da Assunção? Usemos de uma comparação.

No cerimonial de coroação da Rainha da Inglaterra, a soberana, portando um diadema, entra numa carruagem dourada magnífica, esplendidamente ornada.

Tocam os sinos, troam os canhões, a carruagem avança, precedida por um esplêndido cortejo de cavalaria, em direção à Abadia de Westminster, onde a rainha recebe a homenagem de todos os pares do Reino, dos membros da Casa Real e de outras notabilidades. Em seguida dirige-se ao seu trono à espera do momento máximo em que, após algumas cerimônias, ela será coroada. Realizada a coroação, o júbilo toma conta da cidade, espalha-se pelo reino e deste para o mundo. Há uma espécie de alegria universal.

Podemos compreender que a alegria desta rainha passe por etapas. Ela amanhece jubilosa e este júbilo — feito de honra, de dignidade e de consórcio com um destino magnífico que o Criador lhe deu: o de reger um enorme povo — vai subindo de grau até o momento da coroação, quando o seu triunfo é completo.

Mas, no meio de todas essas alegrias, quantas pequenas coisas incomodam…

Ela está andando na carruagem e, de repente, sente uma coceira no rosto, mas não pode se coçar porque fica feio. Aguenta esse incômodo e, ao invés de estar cogitando na popularidade, começa a pensar na coceira.

Certa vez, li um comentário da Imperatriz Maria Teresa, do Sacro Império Romano Alemão, descrevendo a coroação dela como Rainha da Boêmia.

Ela falava dos joalheiros que tinham estado, dias antes, adaptando a antiga coroa da Boêmia ao formato de sua cabeça, o que é uma obra de ourivesaria, mas também de estética; porque se um chapéu de senhora precisa ser bem colocado, quanto mais uma coroa! E descrevia, então, a paciência de ficar sentada, enquanto provavam a coroa: mexe um pouco para lá, põe para cá, e ela equilibrando aquele peso na cabeça. Depois, o cortejo, portando a coroa pesadíssima, dentro de uma carruagem que dava solavancos, nos maus calçamentos de Praga daquela época.

Esses pequenos pormenores acabam ofuscando, com seu prosaísmo, cenas magníficas. E, por outro lado, sabemos que tais júbilos desaparecem, não têm continuidade. O momento da coroação é transitório; o dia seguinte já se apresenta pálido em relação à véspera, e cheio de preocupações face ao próximo dia.  Essas são as alegrias autênticas desta vida! Porque essa é uma alegria verdadeira e nobre.

A coroação de Nossa Senhora no Céu

Reportemo-nos, agora, à Assunção de Maria Santíssima.

Nossa Senhora sabia o dia da sua Assunção e que, imediatamente após sua ressurreição, seria elevada pelos Anjos ao Céu. Ela estava na plenitude de sua santidade, sua alma santíssima, que durante toda sua existência terrena não deixou um instante de progredir de um modo perfeitíssimo em matéria de vida espiritual, tinha chegado àquele clímax em que Maria possuía a perfeição perfeita, a beleza belíssima, a virtude virtuosíssima, portanto ao apogeu dos apogeus, e o seu amor de Deus nunca fora maior do que naquele momento.

Podemos imaginar o estado de espírito d’Ela, sabendo que, a partir daquele instante, iria gozar da visão beatífica, passaria por um cortejo infindo de Anjos, dos quais receberia as maiores homenagens possíveis, como nunca nenhuma rainha do mundo recebera ou receberá.

Ademais, a Santíssima Virgem é capaz de compreender a natureza, a luz primordial, a graça de cada Anjo, o amor que cada um deles tem a Deus e o amor do Altíssimo a cada Anjo. E teve um conhecimento perfeito da veneração e da hiperdulia dos milhões e milhões de Anjos, todos se dirigindo a Ela e aclamando-A com o maior amor, o maior respeito, a maior veneração; e sentindo um amor e uma alegria completa por todos e cada um desses louvores, ciente de que eram merecidos porque Ela tinha sido a Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo e o espelho fidelíssimo d’Ele.

Imaginem que um Anjo da Guarda aparecesse para um de nós e dissesse: “Meu filho dileto, você é extraordinário e sobre você pousam todas as minhas complacências! Você é digno inteira e perpendicularmente do jorro de minha benevolência!” Um elogio como esse, feito por uma natureza imensamente maior do que a nossa, seria inebriante.

O que seria, então, para uma mera criatura humana, como era Nossa Senhora, o amor entusiástico de todos os Anjos, com o Céu angélico transformado numa coisa lindíssima porque a Rainha estava indo para lá. Era uma corte que durante milhares de anos tinha esperado sua Rainha, a qual chegava e ia pôr o termo final na beleza do Paraíso.

Depois de Nossa Senhora ter percorrido todos esses Anjos — e, antes disso, as almas santas que já haviam subido ao Céu após a morte de Nosso Senhor Jesus Cristo, bem como ter Se encontrado com seu esposo São José e ali permutado com ele uma saudação cheia de um respeito e de um afeto, de que nós nem sequer podemos fazer uma ideia —, a Assunção estava no auge. Maria Santíssima tinha chegado ao termo da Assunção, que foi a coroação d’Ela.

Quer dizer, Ela ia ser coroada como Rainha dos Anjos e dos Santos, do Céu e da Terra, pela Santíssima Trindade. E, com a coroação, houve uma verdadeira festa no Céu; isso não é uma hipérbole, pois se realizou uma festa autêntica no Céu, embora em termos e modos que não podemos imaginar bem.

A festa de coroação foi o auge total e pleno de alegria, mas sem sombra, sem mancha, sem incerteza, sem preocupação, sem a menor nuvem. Porque Ela foi coroada como Rainha por ser Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, Filha do Padre Eterno e Esposa do Divino Espírito Santo.

E podemos imaginar o que foi para Nossa Senhora o primeiro momento da visão beatífica — mas desde logo um instante eterno, porque a visão beatífica é eterna —, a primeira alegria da visão direta de Deus? Ora, toda a Assunção d’Ela era uma marcha para isso. E Maria Santíssima o sabia e o desejava ardentemente.

De maneira que é possível, por aí, aquilatar os oceanos — eu diria infinitudes — de alegrias que Ela teve em sua alma santíssima por causa disso.

No Céu, nossas dores serão transformadas em alegrias

Podemos fazer alguma aplicação para nós e tirar disso algum proveito? Evidentemente sim.

Precisamos tomar em consideração que também nós somos chamados para uma verdadeira assunção. Devemos morrer, mas logo depois nossas almas serão julgadas e mostradas a Nossa Senhora, e vão gozar — pela misericórdia d’Ela, evidentemente — da visão beatífica. Depois, quando vier o Juízo Final, seremos levados para o Céu. É misterioso se será por ação angélica ou por império de Deus, mas também nós vamos fazer essa viagem da Terra, completamente transformada, para o Paraíso celeste a fim de gozarmos daquilo que Nossa Senhora já desfruta.

Então, nas delícias do Céu, teremos a familiaridade dos Anjos, dos santos, iremos nos encontrar novamente uns com os outros. E uma das fontes maiores de alegria que teremos lá vai ser de lembrar as dores desta Terra, e tudo quanto aqui passamos.

Ao encontrarmos alguém com quem tínhamos implicância, diremos:

— Oh, meu caro, lembra-se daquele desacordo entre nós? E também daqueles aborrecimentos que lhe dei? Olhe, eu passei no Purgatório tanto tempo…

O outro responde:

— Eu o aborreci também, mas Nossa Senhora nos perdoou. Aquilo vai constituir entre nós um vínculo maior. Lembra-se dos favores que Ela nos concedeu? E de Fulano e Sicrano que eram tão nossos amigos?

— Onde estão? — pergunta o primeiro.

— Estão lá.

Não tenho a menor dificuldade em admitir que haverá festas no Paraíso, em que todos os de nosso Movimento se encontrarão juntos para louvar de um modo especial Maria Santíssima. Então, todas as dores que temos no momento presente serão transformadas em alegrias superabundantes, em satisfações insondáveis, que nos inundarão durante toda a eternidade.

Em comparação com a eternidade nossa vida terrena é um pesadelo

Meus caros, nossa vida pode durar trinta, cinquenta anos, mas passa. É um minuto quando nos colocarmos diante da ideia da eternidade. Sofremos agora, mas depois, quantas alegrias! E a maior delas será olhar para Nossa Senhora.

Há uma história medieval, bastante conhecida, referente a um homem que pediu muito para ver Nossa Senhora. A Mãe de Deus apareceu-lhe e ele ficou encantado, deliciado com a vista d’Ela. Quando Maria Santíssima desapareceu, ele estava cego de um olho. Então um Anjo perguntou-lhe se ele quereria vê-La ainda mais uma vez, com a condição de perder o outro olho. Ele pensou e respondeu: “Quero. Vale a pena ficar cego para ver Nossa Senhora mais uma vez. Qualquer treva é aceitável, desde que, por um instante, eu possa pôr os meus olhos outra vez nessa luz!”

A Santíssima Virgem veio de novo. Ele A contemplou longamente e, quando Ela foi embora, estava curado da outra vista!

Se é tão magnífico ver Nossa Senhora, imaginem o que significa ver Nosso Senhor Jesus Cristo! E, depois, a essência de Deus na visão beatífica. Tudo isso é eterno, pelos séculos dos séculos!

E agora pergunto: Em comparação dessa eternidade fixa, imóvel, perpetuamente nova, sem jaça, insondavelmente interessante, curiosa para ver, animada, empolgante, o que é esta vida que passa? Não é absolutamente nada, é uma escória, um pesadelo. Temos a impressão de que esta vida é uma realidade. Muito mais do que ser uma realidade, ela é um pesadelo.

Então, pensarmos que vamos ter alegrias análogas às de Nossa Senhora, uma ida ao Céu a qual é uma analogia com a ida de Maria Santíssima ao Paraíso no dia da Assunção, é, a meu ver, a melhor das meditações.

Representa-se Nossa Senhora com um coração circundado de rosas brancas, para lembrar a pureza; e também perfurado por sete gládios. Estes evidentemente são gládios espirituais e o coração simboliza a alma d’Ela, ferida pela espada de dor sobre a qual falou o Profeta Simeão.

Eu gostaria de ser pintor para representar Maria Santíssima subindo ao Céu, com o coração à mostra e desses gládios saindo a maior das luzes que se possa imaginar. Porque essa era a grande alegria d’Ela, ou seja, os tormentos sofridos, as lutas aceitas. E também vai ser a nossa. Quanto mais sofrermos, mais devemos lembrar-nos da glória e alegria que teremos na passagem desta Terra para o Céu, e, sobretudo neste, pelos séculos dos séculos.

Na Ladainha do Espírito Santo, há uma jaculatória que sempre me impressionou muito: “Senhor, dignai-vos elevar nossas almas para o desejo das coisas celestes!” É com meditações assim que nos damos conta das coisas celestes, temos alegria e inteira consolação para suportar as coisas da Terra porque o Céu existe.

Contaram-me que uma senhora simples viu pela primeira vez a sala do Reino de Maria(1), e fez este comentário: “Depois de ver esta sala, a gente tem menos medo de morrer”.

Isto é de uma teologia profunda. Até então ninguém fizera igual elogio à sala do Reino de Maria. É o mais faustoso elogio que se possa fazer de uma sala.

Assim deveríamos pensar nós: vendo a sala do Reino de Maria e outras maravilhas, não só não termos medo, mas quase vontade de morrer, para sair depressa daqui e irmos para o Céu. Só não fazemos isso porque, vivendo na Terra todo o tempo que Nossa Senhora quiser, teremos o Paraíso perfeito que para nós Ela destina.

Peçamos a Maria Santíssima, nesta festa de sua Assunção, que essas considerações tenham vida em nossas almas.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 15/8/1966)

 

1) Sala nobre da sede social do Movimento fundado por Dr. Plinio. Ver Revista Dr. Plinio, n. 194, p. 14.

 

Festa de todas as alegrias

A festa de todos os gáudios e todas as alegrias, a festa do dia em que Nossa Senhora, ressurrecta, foi levada aos céus em corpo e alma, terá sido a maior celebração realizada no Paraíso, depois dos esplendores retumbantes da Ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Maria Santíssima, a obra-prima da mera criação ocupará seu lugar ao lado do trono de seu Divino Filho.

Pode-se imaginar que, nesse instante, todas as gloriosas perfeições da Mãe de Deus brilharam de modo ímpar: a bondade imensurável, a suavidade, a soberania, o domínio, o atrativo, a virginal firmeza, tudo se manifestou de maneira fulgurante, misteriosamente reluzindo e se acentuando, acentuando-se e reluzindo, para maravilhamento dos anjos e dos bem-aventurados que então A contemplavam na eternidade…

Santa Clara de Assis

A biografia de Santa Clara de Assis muito nos fala da importância da vida interior, assim como da glória verdadeira das coisas santas e católicas. Oriunda de família nobre, fundadora do ramo feminino da Ordem Franciscana, ela abandonou tudo o que possuía de rico e de precioso, para não ter “outro tesouro e outras heranças que o Deus do Presépio e do Calvário”.

Consagrada a Nosso Senhora para todo sempre, esta santa virgem um dia pôs em fuga os sarracenos que invadiam o norte da Itália e sitiavam seu convento.

Avançou de encontro a eles, levando em suas mãos um cibório com o Santíssimo Sacramento: diante dessa frágil religiosa protegida pelo Coração Eucarístico de Jesus, tudo pára, tudo recua!

Prova de que uma alma que se esforce na sua santificação pode fazer um bem maior para a causa católica do que todas as grandes realizações meramente materiais…

Plinio Corrêa de Oliveira

 

Alegram-se os anjos!

Maria foi levada aos Céus, os anjos se alegram: louvando, glorificam ao Senhor — canta a conhecida antífona com a qual a Santa Igreja celebra a Assunção da Santíssima Virgem, anualmente, no dia 15 de agosto.

O magistério eclesiástico e o ensinamento dos Sumos Pontífices edificaram ao longo dos séculos, com abundância de argumentos e sólida interpretação das Sagradas Escrituras, o fundamento desse augusto privilégio mariano, aceito pelos fiéis de todos os tempos e definido como dogma de fé pelo Papa Pio XII, em 1950.

Entretanto, a imaginação e o vocabulário humanos tornam-se insuficientes para tentar descrever a felicidade e o esplendor incomparáveis que adornaram o Paraíso Celeste quando por suas portas ingressou a Mãe de Deus, em corpo e alma, revestida de inefável e perene beleza!

Os próprios espíritos angélicos, comenta um ilustre autor, diante de tamanha formosura se perguntaram uns aos outros: “Quem é esta que sobe do deserto, inebriada de delícias (Cânt 8, 5)? E se ainda quando Maria andava como peregrina pelos ásperos caminhos deste vale de misérias, os anjos Lhe serviam de criados e ministros,  que não farão agora, vendo-A ascender da Terra ao Céu, e aí colocada magnificamente sobre todas as suas ordens e coros? Reconhecendo-A por Rainha, dançam em sua presença os Anjos, aplaudem-Na os Arcanjos, as Virtudes A glorificam, os Principados A enaltecem, regozijam-se as Dominações e as Potestades, festejam-Na os Tronos, cantam-Lhe louvores os Querubins e celebram seus privilégios os Serafins!”(1)

E se tão imenso foi o gáudio dos anjos ao contemplarem sua Soberana naquele momento, maior e mais insondável terá sido a alegria que marcou o reencontro entre Mãe e Filho na eternidade, conforme salientava Dr. Plinio:

“A este acontecimento de proporções inconcebíveis por nós, só puderam assistir as ‘invejáveis’ almas dos bem‑aventurados que lá estavam, e só elas o poderiam narrar. Pois não existe, neste mundo, qualquer talento ou estro humano capaz de retratar a chegada de Nossa Senhora no Céu, conduzida pelos coros angélicos, e sendo aí recebida por Nosso Senhor Jesus Cristo.

“Na verdade, preciso fora ter visto e admirado as relações terrenas entre ambos, para se compreender a riqueza de sentimentos encerrada nesse reencontro, e se formar uma pálida ideia do olhar com que Jesus, do alto de seu trono de esplendor, considerou a figura excelsa de sua Mãe entrando no Paraíso. Mais ainda. Embora nosso espírito estremeça ao pensar que Ele é Deus, superior a tudo e a todos, inundado de júbilo perfeito, ousaríamos dizer que o Divino Redentor se deixou tocar por um sumo agrado e um sumo respeito no instante de cingir a fronte imaculada de Maria com uma coroa de graças inigualáveis.

“Quem pode vislumbrar tamanha glória? Ela excede a tudo quanto nos é dado imaginar.

“E se Deus prometeu a si mesmo como a recompensa demasiadamente grande reservada àqueles que O amam, confundidos ficamos, se procuramos excogitar quão grande e quão demasiado houve de ser esse prêmio para a criatura que O revestiu de sua própria carne, O cumulou de solicitude e ternuras maternais, e O amou de um amor incomensurável, inexcedível.”

Sejamos, pois, também nós partícipes dessa celestial felicidade, e com os anjos celebremos a gloriosa Assunção de Maria Santíssima. A Ela roguemos nos alcance copiosas graças de perseverança na virtude, nos ampare e ilumine em nossa peregrinação por esta vida, e nos conduza, finalmente, aos pés de seu trono de Mãe e Rainha na eterna bem-aventurança.

 

1 ) Cf. Tesouro de Oratória Sagrada.

 

Um inocente que irradia luz espiritual

São Domingos de Gusmão (cuja festa se celebra em agosto) e São Francisco de Assis, seu contemporâneo, foram dois luzeiros cujas vocações se interpenetram. Considera-se terem realizado o  famoso sonho de Inocêncio III, no qual esse Papa via a Basílica de São João de Latrão, que simbolizava a Cristandade, rachada e sendo sustentada, ora por São Domingos, ora por São Francisco. 

Dr. Plinio tinha por ambos profunda admiração, que se traduziu em numerosos comentários pervadidos de sentimentos de enlevo e veneração. Na conferência que transcrevemos a seguir, ele  analisa um afresco de Fra Angélico, no qual o insigne pintor dominicano procura retratar as perfeições morais de seu santo Fundador

 

Cristandade tendia já naquela época para a moleza, o relaxamento, a perda do senso do sacrifício, do sobrenatural, e se inundava dos bens materiais que o avanço da civilização proporcionava.

Foi neste contexto que, para barrar o progresso do mal, Deus suscitou as vocações de São Francisco e de São Domingos: o primeiro, pela caridade, e o segundo, pela lógica, lograram conjuntamente reerguer a Idade Média do século XIII. A Ordem dos Franciscanos devia praticar em grau exímio a humildade e a pobreza; a dos Dominicanos, combater num terreno mais intelectual o orgulho e a sensualidade.

Na conferência de hoje, pretendo voltar-me particularmente para São Domingos. Procuremos vê-lo pelos olhos de um de seus mais eminentes filhos espirituais, Fra Angélico.

Em um de seus célebres afrescos, ele representa São Domingos ainda muito moço, vestido de dominicano, numa atitude pensativa, meditando ao pé da Cruz. A pintura mostra um personagem muito sereno e calmo. Mas, ao mesmo tempo, dentro da serenidade e da calma dele, está se entregando a uma intensa atividade. Encontra-se numa pesquisa, numa interrogação. Sem tensões nem cansaços errados, a investigação de seu espírito se concentra num determinado ponto. De outro lado, nota-se nele uma atitude de enlevo e de amor.

No todo externo deste homem há algo de luminoso. Ele irradia uma luz que não é física, mas espiritual. Não se trata do viço da mocidade, também presente nele; é uma espécie de luz interior, mais ou menos indefinível, decorrente de uma extraordinária lucidez e de uma clara visão das coisas.

Singular discernimento das almas

Tem-se a impressão de que, se um de nós olhasse o mundo de dentro dos olhos dele, veria o universo com alguns matizes completamente diferentes. Sobretudo, no que diz respeito às almas.

Examinando-as, procurando conhecer caráteres, esse homem está tão distante do lamaçal das atividades comuns, tão longe das paixões que habitualmente os homens têm, que ele, por diferença, percebe muito mais essas desordens e, por conaturalidade, também discerne melhor o que há de bom nos homens. Ele tem uma visão muito mais penetrante do mundo das almas, do que uma pessoa comum.

Fortaleza, clareza de visão e equilíbrio

Uma objeção que se poderia fazer a esta figura é a seguinte: onde está presente dentro dela a combatividade de espírito? Parece uma pessoa feita para concordar com tudo, e capaz apenas desse sorrisinho que esboça. E, a esse título, é uma pessoa que deve ser rejeitada por uma verdadeira formação.

Na realidade, imaginemos este homem fechando o livro e presenciando alguma cena de despudor insolente ou alguma extravagância, que se tornaram tão comuns nas ruas de hoje. Ele ficaria ou não profundamente chocado, e quereria empunhar um látego como aquele com que Nosso Senhor expulsou os vendilhões do Templo? Certamente.

É na sua extrema inocência, na sua extrema candura que reside uma extrema clareza de visão, muita fortaleza e muito equilíbrio. Este homem é capaz de atitudes enérgicas, mas também, no intervalo das batalhas, de sorrir e meditar sobre o Natal. Sem violências, sem choques interiores, ele passa de um estado de alma para outro.

Ele é, entretanto, um homem transparente para cada um de nós compreendê-lo. Um homem que poderíamos sondar, no mais íntimo de sua alma, para perguntarmos qual é o ponto de partida de todo esse equilíbrio que ele demonstra.

O ponto de partida é, antes de tudo, uma noção primeira da ordem. Porque esta é uma pessoa que nunca perdeu a graça batismal. Isto está escrito na sua fisionomia. Não se poderia admitir, por exemplo, que lhe fizessem esta biografia: “Grande santo penitente. Viveu por muito tempo no meio de pessoas corrompidas e cometeu inúmeros assassinatos. Ei-lo depois de convertido”. A penitência tem aspectos mais sublimes, mas não tem o da inocência. Neste homem se discerne a graça batismal na sua candura originária, em sua beleza primaveril.

Certezas extraordinárias

A partir da fidelidade à graça batismal, há uma certa retidão por onde ele vê muito claramente que a verdade é a verdade, e o erro é o erro. E os primeiros princípios universais da lógica e do entendimento não passaram pelo menor abalo, no espírito dele. De maneira que ele possui naturalmente certezas extraordinárias.

Prestemos atenção em sua fisionomia: não há o menor grau de dúvida a respeito de nada. Ele nunca duvidou. Consideremos com que tranqüilidade ele procura o seu caminho. Por quê? Porque ele anda a partir de certezas que nunca foram abaladas, e que lhe abrirão todas as portas.

De outro lado, com essa noção muito grande de todas as certezas, possui ele uma naturalidade e um modo categórico de condenar completamente o erro, e de se desfazer do mal de uma forma que não admite discussão: é, e está acabado!

Fé católica absoluta

Tomemos a fé católica deste homem, por exemplo. É uma fé total, absoluta! Ele acha evidente que a Igreja Católica seja verdadeira. Não há dúvidas para ele a esse respeito. É uma fé que nasce dessas certezas originárias, serenas e magníficas de quem nunca pecou contra a criteriologia, nunca pecou contra os próprios nervos, nunca pecou contra nada! E que progride na sua vida espiritual como o Rio Amazonas corre para o mar: caudaloso, enorme, tranqüilo, arrastando tudo, empurrando o mar longe para frente. Não é um rio wagneriano com cascatas, com quedas d’água nem coisas semelhantes. Ele se dirige para o oceano em linha reta, e chega ao mar. O mar, neste caso, é o Céu!…

Um profundo senso do divino

Outra coisa que há nele é o senso do divino, que se traduziria pouco mais ou menos num raciocínio da seguinte evidência:

“Eu existo. Contudo, é verdade também que antes de mim existiu uma quantidade enorme de seres. É verdade que, ao mesmo tempo em que eu existo, existe uma quantidade enorme de seres, e que depois de mim existirá outra quantidade enorme de seres. Há, portanto, um fluxo do existir dentro do qual, somando e subtraindo, eu sou uma gota, e não o centro dele.

“Por detrás desse fluxo de existência há uma ordenação, uma regra, uma concatenação de fatos, uma sucessão de coisas que constituem um universo coordenado e uno. Esse universo que assim existe me dá a ideia de um Ser ainda maior do que ele e, portanto, um Ser Absoluto, Divino, que também existe. É Ele o Criador de tudo.”

É a primeira impostação da alma diante de Deus.

Este é um homem sem interesses individuais. Ele não tem vaidades, nem complexos, nem ambições. Ele tem o hábito de, no seu pensamento, nas suas reflexões, não reportar as coisas a si, mas a este absoluto que é Deus, e que é o centro para onde ele está voltado.

Da inocência, o espírito apostólico

Então nós temos que, para este homem, rutila com clareza muito maior do que para o comum dos homens a noção de que a verdade é a verdade, o erro é o erro, o bem é o bem, e o mal é o mal. Vamos dizer que este homem, de repente, se encontrasse com Lutero. Ele se diferenciaria do heresiarca por vários abismos sucessivos. Ele iria notando as divergências, e diria: “Não! Errado!” E depois: “Vou pregar contra as idéias erradas de Lutero, pois não posso deixar que leve outros a seus erros! Nós não cabemos juntos no mundo!”

Donde nasceu o ímpeto desse espírito apostólico? Nasceu da candura originária, que é, em última análise, a boa ordem inicial de todo ser. Nasceu de todos os primeiros princípios da razão, de todos os primeiros impulsos dos nervos, de toda a graça do Batismo. Nasceu do senso do divino, e do respeito enorme por tudo o que existe, inclusive por si próprio, sentindo, por detrás, Deus que o envolve e que o transcende. Eis o ponto de partida desta alma inocente, que contém todo o resto.

“Paraíso originário” de todo batizado

Esse estado de alma é o “paraíso originário” que todo batizado tem, em grau maior ou menor do que São Domingos.

E aqui, ao término dos comentários sobre esta magnífica representação do Fundador dos dominicanos, parece-me apropriado ressaltar esta verdade: todos nós tivemos a inocência batismal. É ou não é verdade que todos nós, no fundo de nossas almas, sentimos saudades dos encantos do tempo em que éramos inocentes? Entretanto, como fomos feitos para viver dessa inocência, permanecem na alma mil cordas que ninguém vibrou, mil solicitações que não foram atendidas, mil possibilidades de expansão que de fato não foram aproveitadas, mil apetites feitos para a casa paterna que se vão saciar nas bolotas dos porcos. Resultado: mil remorsos indefinidos, não se está contente consigo mesmo, não se sente limpo diante de Deus.

Achamos que nossa existência é dura. É verdade. Porém, não agravamos nosso exílio, fechando as janelas que davam para o Céu? Há na Escritura uma lamentação de Deus, dirigida ao povo hebraico: “Vós transformastes o meu templo numa barraca para guardar frutas”. Não somos nós um templo do Espírito Santo, que transformamos em barraca para guardar frutas?

Olhando de frente nossa situação atual, lembremo-nos que tudo aquilo pode ser restaurado, desde que rezemos com confiança nesse sentido. Peçamos, pois, a Deus Nosso Senhor, por meio de Maria Santíssima, que nos limpe de nossos pecados e imperfeições, e restaure em nós aquela bondade derivada das graças que o Batismo infundiu em nossas almas.

 

São Caetano do Tiene

A respeito de São Caetano de Tiene e do significado de sua obra, convém fixar o seguinte: uma das causas da decadência da Idade Média foi o apego às riquezas e à vida de fausto e de grandeza.

Infelizmente, o clero também não foi isento desta culpa… Em vez de conduzir por amor de Deus a magnificência que lhes era devida, muitos dignatários eclesiásticos faziam dela um título de grandeza pessoal; e o que deveria ser um elemento de edificação para os outros se transformou em ocasião de mau exemplo.

Diante dessa situação, entrou um espírito de relaxamento no clero diante do orgulho e da sensualidade, que são as duas principais causas da Revolução. Nós podemos, portanto, localizar esse problema na origem da Revolução.

E, como sempre acontece na Igreja, quando o espírito do mal nela introduz algo de ruim, o Divino Espírito Santo suscita um bem muito maior do que o mal produzido.

Em virtude dessa regra, houve um santo que levou o espírito de pobreza até onde, sob certo aspecto, nem São Francisco de Assis tinha levado: São Caetano de Tiene, fundador dos Teatinos.

A fim de levar o espírito de pobreza a um limite quase inimaginável, São Caetano proibiu seus religiosos inclusive de pedir esmolas: quando precisavam de alguma coisa, deviam ficar parados em algum lugar à espera de que alguém viesse lhes atender…

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/8/1965)

Aceitar com alegria os sofrimentos morais

Minha Mãe, vejo tantos e tantos homens fugirem dos sofrimentos morais, no que há uma suprema covardia. A Vós suplico esta forma de integridade: que em todos os sofrimentos morais de minha vida, eu seja inteiramente varonil, um verdadeiro católico. Que veja esses sofrimentos um por um, conte-os, pese-os e meça-os ponto por ponto. Beba cada um deles como taça amarga, até a última gota.

Que eu os sorva com serenidade, clareza, fidelidade, e caminhando resolutamente para os novos sofrimentos que vêm. Que não recuse nenhum, assuma-os todos, dando o exemplo de um homem que sofre moralmente até onde se possa sofrer. E que, nesse sofrimento, minha alma, na sua fina ponta, experimente a alegria de Vos ter dado absolutamente tudo. Vós amais, ó Senhora, quem Vos oferece com alegria este sofrimento total.

Plinio Corrêa de Oliveira (Composta em 14/11/1979)

Admiração transformante

A experiência da vida nos confirma o princípio segundo o qual aquilo que admiramos penetra em nossa alma e nos transforma. Exemplo arquetípico dessa verdade encontramos em Nosso Senhor.

Percorramos as páginas do Evangelho sob este ângulo e veremos como Ele, durante todo o tempo de sua passagem pelo mundo, procurou despertar admiração. O povo que O ouvia não cabia em si de tanto admirá-Lo. E como se tal não bastasse, o Divino Mestre ainda se transfigurou no Tabor. Para quê? Para transformá-los, para obter o amor daquela gente, pois o autêntico amor começa pela admiração.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 30/9/1969)