Sob o signo da Cruz

E a vida e obra de Dr. Plinio, tanto em seu labor apostólico quanto nos combates pela Fé, encontraremos a inspirá-lo um acendrado amor à verdadeira Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo. Como podemos atestar pelos pronunciamentos selecionados a seguir, ele concebia o trabalho e a luta sempre sob o signo da Cruz.

Professor de História que sou, habituado desde minha remota juventude a me debruçar sobre os fatos históricos à procura das Leis com que Deus pauta a existência, o porvir dos povos, e neles inscreve os sinais de sua misericórdia e de sua justiça, sempre me chamou a atenção um fato que tem a sua projeção sobre a realidade natural, até mesmo no mundo animal e vegetal.

Não é verdade que atinge a grandeza efetiva, durável e plena o povo que apenas trabalhou pela sua própria grandeza. A grandeza verdadeira se adquire quando, ademais, o homem, tomando conhecimento de que ele encontrará em seu caminho o adversário a agredi-lo na justiça de suas vias e na santidade de seus propósitos, prepara-se para a luta, enfrenta-a, confia na Providência e vence nessa luta.

Os povos que sabem aliar a luta ao trabalho, sob o signo da Cruz, tornam-se verdadeiramente grandes.

Quando o Brasil tomar para si esse dever de aliar luta e trabalho, qual será a sua grandeza? Ninguém poderá dizê-lo. Ele terá a grandeza de alma proporcionada ao vigor da luta que as circunstâncias lhe tenham imposto e ele saiba travar.

Sobre ele, eterno, imutável, brilhará o Cruzeiro do Sul, que já Pedro Álvares Cabral viu quando as naus com o signo de Cristo vieram aportar em nosso território. E o Brasil de hoje, voltando o olhar para o Brasil de ontem, e enlevado com o Brasil de amanhã, poderá exclamar: “Vivemos dias amargos, mas, pela graça de Deus, soubemos ser grandes, à altura de nosso povo, de nosso território, do Sinal da Cruz esculpido nos nossos céus!”

Contudo, em nossos dias, mais do que nunca, a grande cruz do homem é a espada. Ser combativo até o fim, com toda a energia, sem nenhuma tolerância podre, sem qualquer defecção, nem recuo medroso, isto é carregar a nossa cruz. Por vezes, devemos representar dentro da Igreja a espada.

Há, por assim dizer, três seções da Igreja: a Igreja gloriosa está no Céu, ela já venceu tudo, está na glória de Deus por toda a eternidade; a Igreja penitente está no Purgatório; a Igreja militante está na Terra, no combate. Se deixa de combater, não é militante. E se não é militante, não é Igreja Católica.

O desabrochar de uma alma não é um processo pacífico como o de uma flor. As almas desabrocham crucificando-se. A cruz para nós tem forma de espada. Nossa cruz é lutar!

O Santo da combatividade e da caridade

São Vicente de Paulo era, ao mesmo tempo, o Santo da combatividade e da caridade.

Da combatividade em dois terrenos: o doutrinário, no qual ele combateu meticulosamente os jansenistas, de maneira política e estratégica, em Roma, na corte do rei, na nobreza, no clero, no povo, com sua imensa influência pessoal. Além dessa forma de combatividade intelectual, ele também quis armar uma Cruzada contra Túnis, e com este intuito dirigiu-se ao Rei de França.

Ao mesmo tempo, ele era o Santo da caridade, da compaixão. Encontramos nesta conjunção uma rara manifestação de bom espírito. Segundo a opinião corrente, quem é muito combativo é pouco compassivo, e quem é muito caridoso não é pugnaz.

Ora, se a combatividade e a compaixão são virtudes, não pode haver entre elas uma incompatibilidade. Pelo contrário, todas as virtudes são irmãs. Por isso, quem é santamente compassivo é combativo; e quem é santamente combativo é compassivo.

Nessa junção entendemos o que é o bom espírito envolvendo virtudes aparentemente antitéticas. Isso nos explica a alma do grande São Vicente de Paulo, ao mesmo tempo tão combativa e compassiva, bem como a de todos os outros Bem-aventurados, inclusive dos Santos cruzados, inquisidores e os que fundaram ou se santificaram em Ordens de Cavalaria.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/7/1965)
Revista Dr Plinio 258 (Setembro de 2019)

 

São Gregório Magno – Fundador da Idade Média

No início da Idade Média, o povo romano, embora participante dos males da época, discernia o homem santo do não santo e ia ao encalço do varão virtuoso para colocá-lo no Papado, como sucedeu na eleição de São Gregório Magno.

 

São Gregório Magno foi considerado o fundador da Idade Média no Ocidente. A respeito dele temos as seguintes indicações biográficas(1).

Enviado a Constantinopla pelo Papa

São Gregório nasceu em Roma, filho do rico senador Jordano. Uma juventude estudiosa o tornou, pela variedade dos conhecimentos, digno de ser elevado à dignidade de pretor pelo Imperador Justino, o Jovem. Ele se tornou, no cargo, tão notável pelas luzes de seu espírito, a maturidade de seu julgamento e o amor extremo da justiça, que ficou conhecido na Cidade Eterna.

A única coisa que se imputava a ele era um grande luxo e um esplendor inteiramente mundano em suas roupas e em seus hábitos, e tudo fazia temer que ele dissipasse a imensa fortuna que lhe tinha deixado seu pai. Mas, por ocasião da morte de seu progenitor, Gregório, cuja piedade tinha lutado incessantemente contra seu fausto, apareceu, de repente, como um homem novo. Ele fundou sete mosteiros, dos quais seis na Sicília e um em Roma; distribuiu aos pobres seus ricos trajes, seus móveis preciosos e tomou o hábito monástico no claustro de Santo André, do qual se tornou abade, contra sua vontade, pela escolha de seus irmãos.

O jejum, a oração e outras práticas de piedade tornaram-se suas ocupações únicas. Impressionado pela beleza de alguns jovens ingleses expostos como escravos, à venda no mercado de Roma, e sabendo com dor que esses insulares não eram cristãos, ele obteve do Papa Bento I a autorização de ir pregar a Fé na Grã-Bretanha. Entretanto, mal ele se pôs a caminho, o clero e o povo o obrigaram a retroceder.  

Feito diácono da Igreja Romana no ano de 578, ele foi enviado a Constantinopla pelo Papa Pelágio II, mais ou menos no ano de 580. Várias negociações importantes o detiveram por muito tempo na capital do Império do Oriente, onde ele adquiriu a estima de toda a corte.

Por ocasião de sua volta a Roma, o Papa Pelágio se esforçou para retê-lo junto a si, na qualidade de secretário. Mas Gregório não quis aceitar esse cargo e por isso, à força de orações, ficou, afinal de contas, com a liberdade de se retirar junto a seus monges. Porém, por ocasião da morte de Pelágio, as aclamações de Roma inteira o chamaram ao papado. Gregório estremeceu de temor. Ele fugiu da Cidade Eterna e escreveu ao Imperador para suplicar que não confirmasse sua eleição, e escondeu-se numa caverna. Mas o povo o descobriu, levou-o a Roma e o entronizou, apesar de sua oposição, no dia treze de setembro de 590.

Converteu os lombardos e destruiu o arianismo

Esse santo homem tinha, entretanto, inimigos que o acusaram de dissimulação e de hipocrisia. A sua vida inteira repudia essas acusações. Sua modéstia, sua humildade se manifestaram pela simplicidade de sua casa. Suas rendas foram consagradas ao alívio dos pobres. Sua constante ocupação era a instrução do povo.

De acordo com o Imperador Maurício, ele terminou com o cisma dos bispos da Ístria. A conversão dos lombardos e a destruição do arianismo foram também seu trabalho; e ele testemunhou uma alegria extraordinária pelo fato, nas cartas à Rainha Teodolinda. Gregório não tinha esquecido a Grã-Bretanha. Seus missionários que partiram em 595, sob a conduta do monge Agostinho, chegaram dois anos depois ao Reino de Kent, onde a Rainha Berta tinha preparado o ambiente. O Rei Etelberto e uma grande parte de seu povo se converteram.  

Gregório teve menos trabalho em reformar a Liturgia do que a disciplina. Depois de ter composto um Antifonário, ele elaborou o Psalmodius com salmos, orações, cânticos. Instituiu uma academia de cantores e, de chicote em punho, ele mesmo dava aos jovens clérigos lições de cantochão.

Quanto aos templos pagãos, ele queria que fossem respeitados, mas transformados em igrejas. Tantos trabalhos e fadigas não eram próprios a curá-lo das enfermidades que não cessavam de o assediar. A gota o retinha frequentemente por longo tempo de cama, e as horríveis dores causadas por essa doença não detinham sua atividade prodigiosa. Nenhum Papa escreveu mais cartas do que ele. Gregório tinha um tato maravilhoso para distinguir a verdade e a calúnia, nas acusações que lhe levavam contra os padres. Os falsários, os bruxos, os simoníacos, os cismáticos, tiveram nesse Papa um adversário terrível.

Esse grande pontífice morreu no dia doze de março de 604, depois de treze anos, seis meses e dez dias de pontificado. Os comentários que ele fez da Sagrada Escritura exerceram no pensamento cristão da Idade Média influência considerável, que lhe valeu o título de Doutor. É, com Santo Ambrósio, Santo Agostinho e São Jerônimo, um dos quatro grandes Doutores da Igreja latina.

Verdadeiro fundador da Idade Média

É muito merecida a consideração de que São Gregório Magno foi o verdadeiro fundador da Idade Média, porque, quer enquanto era um simples sacerdote, ou ainda um diácono, quer depois de ser elevado ao pontificado, notamos nos traços de sua vida que ele, de algum modo, acabava de fechar a última réstia da porta que separava os homens da antiguidade pagã, e abria, por outro lado, a porta para a idade nova que ia nascer.

Do ponto de vista da antiguidade pagã, vemos como São Gregório combateu os restos do paganismo. Determinou que as últimas igrejas pagãs ainda existentes não fossem destruídas, mas transferidas para o culto católico.

Ele exterminou o arianismo, que era uma praga proveniente ainda do tempo do Império Romano do Ocidente, quando os arianos penetraram na Europa, perverteram os bárbaros que invadiram esse Império. Liquidou com a imoralidade e com outros inconvenientes decorrentes da era antiga e, ao mesmo tempo, nos aparece como o construtor da era nova. Foi um grande fundador de conventos, e a expansão da vida cenobítica é um dos fatos mais característicos do começo da Idade Média.

São Gregório, de outro lado, trabalhou pelo cantochão. E é interessante imaginar o grande Papa, Doutor da Igreja, político eminente, ensinando cantochão para os seus alunos, não de vareta em punho, mas de chicote. A imagem é pitoresca e pediria uma iluminura, ou talvez um vitral.

Com a fundação do cantochão ele propriamente deu voz à Idade Média. Porque o cantochão foi a grande voz cantante da Idade Média, de ponta a ponta. E transmitiu o seu caráter à vida beneditina que São Bento tinha lançado, mas que ainda não tinha tomado todo o seu cunho de firmeza e definição que adquiriu com ele.

Todos os problemas do tempo passaram pela sua mente

É admirável, na vida de São Gregório Magno, o sentido missionário impulsionando as missões na Inglaterra e na Irlanda. Daí o deflúvio da grande corrente dos missionários que, da Inglaterra e da Irlanda, voltam para o continente onde iriam desbravar a Germânia e deitar as sementes da Idade Média.

Vemos, ao mesmo tempo, esse homem tratar, mas inutilmente, da grande chaga da Cristandade naquele tempo: o Império Romano do Oriente, cada vez mais tendente ao cisma. Esse império cambaleava sempre entre a heresia e a verdade católica. E por fim, como todos sabem, acabou ruindo. Mas ele tentou segurar esse muro da cidade de Jesus Cristo que ameaçava cair, e aí vemos mais um exemplo da suma ingratidão de Bizâncio diante do zelo dos Papas.

Mandar para lá homens como esse, que chegam até a ser benquistos e a conquistar influência, mas não conseguem arrancar a cidade maldita, a cidade pervertida, da sua imoralidade, moleza, imprevidência e de seu pendor para a heresia. Assim, pode-se dizer que todos os problemas do tempo passaram pela mente desse grande homem. Ele os analisou, os enfrentou e, ao mesmo tempo, escreveu obras que foram pilares do pensamento medieval.  Vida riquíssima, admirável, toda voltada ao sentir da Igreja Católica e da Civilização Cristã.

São Gregório se encontra no Céu. Se ele ressuscitasse, o que diria deste mundo de hoje tão diferente do mundo que conheceu?

Ele viveu numa época dura, de desordem e até de crimes berrantes. Contudo, o povo que participava dos males da época ao mesmo tempo aclamava um santo como Papa. O santo fugia do povo e este ia ao encalço do santo, e o colocava no papado. Era um povo capaz de discernir o santo de quem não era santo, e de preferir o santo em relação ao não santo. Hoje seria a mesma coisa? O povo iria ao encalço do santo para levá-lo ao papado? Como tudo mudou…

Roguemos a São Gregório Magno que interceda para conseguir que a nossa época, depois das punições purificadoras pelas quais deve passar, se transforme numa nova Idade Média, ainda mais requintada. Pedido que ele compreenderá, pois foi um dos fundadores da gloriosíssima Idade Média!

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 11/3/1967)

 

1) Não dispomos dos dados bibliográficos.

Errata: Na seção “Hagiografia” do n. 233, p. 21, na legenda onde está escrito “Papa São Silvestre”, leia-se “Papa Silvestre II”.

Admirável, austera e silenciosa Trapa

O verdadeiro apostolado não é feito em meio à aparente prosperidade de uma vida sem cruzes; pelo contrário, o sofrimento bem aceito promove o crescimento das obras de Deus. Estas são as considerações feitas por Dr. Plinio ao narrar um maravilhoso fato da Ordem Trapista.

 

Os trapistas constituem um ramo da ordem de Cister, que segue a regra de São Bento, o qual se dedica inteiramente à vida de recolhimento. Eles vivem enclausurados em mosteiros sem nem sequer receber visitas. Alternam a oração litúrgica — na qual aplicam a maior parte do seu tempo, sete horas por dia — com trabalhos manuais e estudos de caráter ascético e místico.

Os monges da Trapa têm por objetivo levar uma vida de muita penitência: jamais falam — a não ser em ocasiões da mais estrita e imperiosa necessidade —; praticam estritamente o jejum, jamais comendo carne, peixe ou ovos, a não ser por recomendação médica. Com um detalhe: nesses casos, os ovos podem ser comidos no refeitório, porém, a carne e o peixe só na enfermaria.

Essa Ordem admirável passou — como todas as coisas admiráveis passam — por muitas peripécias.

O verdadeiro conceito de admirável

O conceito que, hoje em dia, as pessoas têm de admirável é um tanto diferente daquele que se tinha antigamente.

Para os homens de hoje, alguém é admirável quando triunfa com facilidade sem jamais passar por provações sérias e duras. Quando, na realidade, é verdadeiramente admirável — no sentido cristão da palavra — quem passa por reveses e derrotas, por perigos e angústias, mas, com a graça de Deus, as acaba vencendo.

Percebe-se isto na vida de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele operou inúmeros milagres, foi aclamado Rei em Jerusalém no Domingo de Ramos, e passou por aquilo que, para os espíritos superficiais da época, pareceu súbita e inesperada derrocada: sua Paixão e Crucifixão.

Uma obra de apostolado só é autêntica quando as pessoas que nela trabalham compreendem o valor das cruzes. As luzes são fáceis de compreender. Todo labor apostólico passa, necessariamente, por altos e baixos, por luzes e por cruzes.

Narro-lhes um fato curioso que se deu numa Trapa durante a Revolução Francesa.

O exílio da Trapa

Com a Revolução Francesa foram extintas todas as Ordens Religiosas que havia na França.

Houve, entretanto, um Abade da Trapa, que, no dia 26 de abril de 1791, resolveu não permitir que sua Ordem se extinguisse e deliberou então sair da França: era Dom Augustin de Lestrange (1754-1827), homem muito empreendedor e corajoso. Com outros vinte e quatro monges empreendeu uma viagem em direção à Suíça, pois este era o ponto mais adequando para obter o êxito da iniciativa.

Num dos cantões suíços — espécie de província —, o cantão de Friburgo, havia um convento abandonado, antes propriedade dos Cartuxos, e, por uma graça da Providência, as autoridades locais o puseram à disposição de Dom Augustin e de seus monges.

Como fizeram eles tal viagem?

Empreenderam todo o percurso, da França até a Suíça, num grande carro fechado onde cabiam os vinte e cinco religiosos. O veículo era todo cercado por uma tela, a fim de que não rompessem o recolhimento religioso olhando para o exterior. Iam, durante todo o dia, cantando o Ofício e cumprindo o programa regular do mosteiro, dentro da carruagem.

À noite, dormiam ao relento — sobre um monte de feno ou sobre o chão diretamente — e nunca em hospedarias. Antes de dormir, se reuniam para cantar a Salve Regina, como faziam no Mosteiro da Trapa.

Depois de chegarem à Suíça e se instalarem, quando ainda agradeciam a Deus, que de um modo tão maravilhoso os tinha levado a esse remanso de paz onde podiam continuar sua vida religiosa, outro tufão: as tropas revolucionárias francesas invadiram a Suíça, e eles foram obrigados a fugir novamente, passando para a Rússia. Tudo isto com o mesmo estilo de vida, dentro do famoso carro. Resolveram, depois dirigir-se para a Inglaterra, e como lá não puderam ficar, viajaram para os Estados Unidos!

Fixaram-se nos Estados Unidos, lá permanecendo por algum tempo, até que a notícia da queda de Napoleão e da ascensão de Luís XVIII ao trono os fez voltar para a França e instalarem-se na mesma Trapa que tinham abandonado anos antes.

Derrocada ou triunfo?

Qual o resultado de tantas viagens? Durante o tempo das fugas, em todos os lugares por onde passavam, formavam novas Trapas, de maneira a constituir um número considerável de mosteiros fora da França, com um total de seiscentos religiosos. Quando eles partiram da França eram apenas vinte e cinco!

Admiremos os desígnios de Deus: a Providência quis espalhar essa Ordem, voltada ao sofrimento, pelo mundo inteiro.

Construíram, congregaram e venceram

Tarefa dificílima foi, sem dúvida, a de obter que tantas pessoas amassem a dura vida de contemplação e isolamento de um trapista. Para tal, era preciso possuir um senso apostólico extraordinário.

Esses homens, no auge da destruição, construíram; no auge da dispersão, congregaram; no auge da derrocada, venceram, transformando a derrota numa verdadeira apoteose. Vê-se com isto do que é capaz a Fé e o devotamento sem limite a um ideal.

Para humilhar os revolucionários, a Providência fez que tal perseguição fosse a ocasião da disseminação da Trapa. Sem essa perseguição, a Trapa jamais teria se expandido tanto.

Isto é uma verdadeira maravilha! Vinte e cinco homens que possuíam um ideal e, apesar de todos os reveses, dele não desistiram: não há mais convento, porém vive-se o cerimonial dentro de um carro; não há cama, dorme-se no chão; é-se expulso para um lugar, aproveita-se para lá fazer apostolado; e de lá enxotado, deixa-se uma semente plantada. Apesar de tudo pelo que passaram, o ideal trapista se manteve e, em vinte e cinco anos, sua Ordem atingira um assombroso desenvolvimento.

A árdua vida de um trapista

A vida de um trapista é, sem dúvida, árdua. Em certos dias, eles acordam à 1:00 hora da manhã, em outros à 1:30 ou 2:00. Quando no silêncio da noite toca o sino, todos se levantam.

O monge trapista dorme vestido com o hábito religioso e, ao levantar-se, vai com rapidez para a igreja — segundo a recomendação de São Bernardo — a fim de cantar as Matinas.

Alguém poderia objetar: “Apesar de tudo isto, a vida de um trapista não é tão difícil, pois ele não tem mais o choque que o comum dos homens tem com o mundo. O monge da Trapa rompeu com o mundo, de modo que as atrações deste já não o atraem mais”.

É verdade que o trapista cortou com o mundo, e o mundo não existe mais para ele. Entretanto, dou um exemplo que é o seguinte: quando, estando fora de um trem, alguém o vê passar, com aquelas cortininhas nas janelas dos vagões e a chaminé da locomotiva — no tempo que se usavam locomotivas com chaminé — deitando uma fumaça poética, e as pessoas que estão dentro serem levadas vertiginosamente para destinos complicados e épicos, tem a impressão de que o trem é uma coisa sedutora! É preciso entrar nele para se compreender que tal viagem é um verdadeiro horror, e que basta ele parar nas estações para todos saírem a fim de passear, porque não se aguenta estar ali dentro por muito tempo.

Pois bem, “tranca-se” o monge no convento e o que acontece? Ele perde a noção do que era o mundo e começa a ver o trem do lado de fora. É fatal! Começam então as ilusões, as tentações.

Poderia então alguém perguntar: “Ora, o que é mais fácil: viver no mosteiro ou fora dele?”

Quem não tem uma graça especial para a vida de clausura, não a aguenta; quem a tem, trate de não imaginar que o outro estado de vida é muito mais leve e compreenda que Deus põe a cruz no caminho de todos aqueles a quem Ele ama.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 27/6/1970)

 

São Gregório Magno

São Gregório Magno foi um dos fundadores da gloriosíssima Idade Média. Pois, de fato, pode-se dizer que todos os problemas daquele tempo passaram pela mente desse grande homem. Ele os analisou e os enfrentou, deixando escritos que são verdadeiros pilares do pensamento medieval.

Quer enquanto simples diácono ou sacerdote, quer depois de ser elevado ao Pontificado, em todos os traços sua vida foi admirável, voltada inteiramente para o sentir da Igreja Católica e da Civilização Cristã.

Ele, de algum modo, acabou de fechar a última réstia da porta que nos separava da Antiguidade pagã; e, por outro lado, abriu a porta para a idade nova que ia nascer.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 11/3/1967)

Rainha da Contra-Revolução

Nossa Senhora enquanto Rainha dos Anjos é a Rainha da Contra-Revolução. Ela dirige a Contra-Revolução dos Anjos que atuam sobre nós e os acontecimentos da Terra, de maneira a se passar tudo como Ela quiser.

Maria Santíssima tem todos os matizes, todas as glórias, todas as cores, todas as belezas da Contra-Revolução. É a Imaculada Conceição esmagando a cabeça da serpente, a Rainha dos Anjos que comanda o exército angélico, como o exército dos Santos – “Regina Sanctorum Omnium”, Rainha de todos os Santos. É a Rainha dos contrarrevolucionários, nossa Mãe, que nos guia e nos ama especialmente por esta razão. E Nossa Senhora é o arquétipo da virtude dos anjos que, tendo decaído, terminaram por ser lançados no Inferno, e que devemos substituir no Céu. Assim, há um nexo especial entre nós e Ela.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 28/5/1988)

São Raimundo Nonato – "Os exemplos arrastam…"

São Raimundo Nonato, religioso mercedário, ofereceu-se para substituir alguns cristãos prisioneiros na cidade de Túnis.

Tendo sido aceita a proposta, iniciou-se para ele uma série de horrendos tormentos: seus lábios foram cruelmente perfurados e transpassados por um cadeado de ferro, para que assim não pudesse falar de Jesus Cristo aos carcereiros.

Após oito meses de atrozes sofrimentos, alguns mercedários de Espanha acudiram com o valor necessário para resgatá-lo.

Com fortaleza de alma inabalável, de volta a Europa, São Raimundo foi por toda parte — com os lábios mal cicatrizados e com dores horríveis — pregando a Cruzada.

A eficácia de sua pregação era incomparável, pois — ante este homem que em meio a tantos sofrimentos permaneceu inquebrantável e ainda mais cheio de ânimo e coragem — não havia quem não se sentisse arrastado a segui-lo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 30/8/1967)

São Fiacre – O perfume da Idade Média

São Fiacre viveu no século VII e é o patrono dos jardineiros. Contemplando sua vida, nota-se a maravilha de uma graça que se evola e perfuma toda a História. Isso descansa nossas almas e nos  coloca diante da perspectiva de que o Céu e a Terra estão unidos e reconciliados.

 

No dia 30 de agosto comemora-se a festa de São Fiacre, anacoreta. A respeito dele vejamos uma linda ficha retirada do livro Vida dos Santos, do Padre Rohrbacher(1).

Filho de um rei da Escócia

São Fiacre nasceu no começo do século VII, de uma ilustre família irlandesa. Os escoceses afirmam que ele era filho de um de seus reis, e que foi educado com os seus irmãos pelo Bispo de Connan. Fiacre aproveitou bem essa educação, pois abandonou, jovem ainda, seus pais e sua família, para servir a Deus em terra estrangeira e na solidão.

Indo para a França, procurou o Bispo de Meaux para pedir que lhe cedesse algum lugar isolado em sua diocese. O Bispo de Meaux, que era também um Santo, encheu-se de alegria e disse a Fiacre:  Tenho, não longe daqui, uma floresta de meu patrimônio, que os habitantes chamam Breuil, e acredito ser própria à vida solitária.”

Os dois Santos foram visitar o lugar e o bispo deu ao emigrado irlandês o que lhe seria necessário. São Fiacre, com a bênção do prelado, limpou o bosque, ergueu uma igreja em honra da  Santíssima Virgem, com uma casa ao lado onde habitava, e recebeu  os hóspedes que ele alimentava com o produto de seu jardim.

Mais tarde construiu uma espécie de hospital, onde ele mesmo servia os pobres e, muitas vezes, os curava pela virtude de suas orações. Mas não permitia nunca que as mulheres penetrassem em  sua ermida. O artigo que impede as mulheres de entrarem em mosteiros de homens é uma regra inviolável  entre os monges irlandeses.

São Fiacre não se desfez dessa regra enquanto viveu, e ainda hoje vê-se, por respeito à sua memória, que as mulheres não entram no lugar onde ele vivia em Breuil, nem na capela, onde foi enterrado.

Ana de Áustria, Rainha da França, dirigindo-se para esse lugar em peregrinação, contentou-se em rezar à porta do seu oratório. Os escoceses contam que, durante esse tempo, tendo vagado o trono da Escócia, os deputados desse país vieram implorar a São Fiacre que subisse ao poder, mas ele recusou, humilde, mas firmemente. O santo anacoreta morreu a 30 de agosto de 670, e foi  enterrado em seu oratório.

Milagres sem conta tornaram seu nome célebre na França, onde geralmente os jardineiros o honram como seu patrono. Com efeito, rezando em seu oratório e trabalhando no seu jardim, São  Fiacre mereceu um trono no Céu. Um jardim, também como um oratório, pode tornar-se um lugar de meditação e de prece.

Modelo de fidelidade ao primeiro propósito

Não sabemos o que mais especialmente assinalar nessa narração: a beleza das várias peripécias que a vida desse Santo teve, ou o conjunto dos fatos que se ligam para deixar um perfume de  legenda em torno dele.

Do ponto de vista da pulcritude das peripécias, poucas coisas são mais belas do que imaginarmos um Santo, filho de um rei, que vai para um lugar distante, foge das pompas da realeza, põe-se  numa floresta, encontra-se com outro Santo, e os dois se dirigem juntos a um lugar na floresta onde acham um ponto adequado para viver; e esse príncipe passa lá a vida inteira, renunciando às  honras da realeza.

Mas, depois de praticar por longo tempo a vida eremítica, ele recebe uma oportunidade de se arrepender do que fizera, uma ocasião para voltar ao trono do qual talvez tivesse nostalgia. Ele recusa  essa segunda possibilidade, e morre como simples jardineiro e humílimo guardião de hospital, na floresta de Breuil, na França, na Diocese de Meaux.

Acho que talvez a segunda recusa seja mais nobre e bela do que a primeira. Porque uma coisa é um homem deixar algo dele. Muitas vezes, pelo costume que ele tem daquilo que vai abandonar, o  indivíduo não sente a falta que lhe fará; depois, ele ainda não experimentou a amargura daquilo para onde ele vai, não imagina bem a coisa como ela é. Pode-se conjeturar que para um príncipe  habituado a um palácio real, e um pouco farto das pompas régias, seja muito sedutor e atraente a ideia de, em certo estado de espírito, ser um solitário na floresta.

Mas depois que o príncipe deixou o principado e foi morar na floresta, ele viu quanto dói não ser príncipe, e a floresta já perdeu a sua poesia; ele passa a encetar uma luta contra bichinhos, contra  o calor, contra mil coisas prosaicas da vida de todos os dias, e tem a oportunidade de aquilatar bem o sacrifício que fez. Então, na segunda ocasião recusar pode ser muito mais nobre do que na  primeira.

Lembro-me de um caso contado por um ímpio inglês do século XIX, que em certa ocasião fora visitar uma Cartuxa na Espanha. Olhando para o lugar com um belo panorama, aqueles frades  procedendo muito bem, ele teve uma exclamação: “Que lindo local!” E o cartuxo – naturalmente é uma piada ímpia –, rompendo  a regra de silêncio, disse para ele: “Lindo para ver, horrível para ficar.”

E caiu no silêncio de novo, para terminar seus dias na Cartuxa. O dito era ímpio, mas exprimia algo de verdadeiro. As situações mais belas ao entrar, depois são, às vezes, duras de ficar. E vemos  esse homem que permanece a vida inteira fiel ao primeiro propósito de sua juventude. Aqui está uma beleza de fidelidade, de continuidade que devemos apreciar.

É próprio da Igreja civilizar e até dulcificar a natureza

De outro lado, notamos também que quadro extraordinário: o  silêncio da floresta de Breuil, na Diocese de Meaux, naquele isolamento – de uma natureza que era mais vigorosa do que a natureza  europeia de hoje –, entra dia, sai dia, entra noite, sai noite, ninguém passa, e apenas aquele Santo reza, isolado! E como é próprio da Igreja civilizar e até cultivar, plantar e dulcificar a natureza,  São Fiacre vai, aos poucos, empurrando a erva daninha e a natureza selvagem de perto de si, e assim vai nascendo em torno de sua cabaninha um jardinzinho. Podemos imaginar o Santo que acaricia a florzinha, planta mais um pouco e dá glória a Deus franciscanamente, pela admiração à flor que vem nascendo.

Depois, o viajante que é um perseguido e passa por ali, o Santo o consola, dá-lhe um bom conselho, e o forasteiro conta posteriormente na cidade que existe naquela floresta um eremita…Vem,  então, um doente que o Santo cura. Aos poucos, aquilo se transforma numa ermidazinha e num hospitalzinho, e aquela obra toda vai se ampliando e, mais do que isso, como um perfume de odor agradável a Deus, a reputação desse Santo se estende por toda a zona.

Vai além da floresta de Meaux, ganha as aldeias, chega até às capitais, e os príncipes e as princesas organizam excursões para beijar o pé do Santo, que os recebe com humildade, respeitosamente,  deixa-os fazer, cura-os, consola-os, etc. Então se diz que um novo Santo surgiu na França, é o grande São Fiacre. Assim, há um aroma de Jesus Cristo que se espalha por toda uma região.

Fiacre, um nome que repercute até os dias de hoje

Para termos ideia da sua personalidade basta notar isto: a permanência da proibição imposta por ele, não permitindo que as mulheres entrassem lá. Pois bem, as próprias mulheres amaram essa  proibição. E mesmo quando uma rainha esteve em visita ao local, ela que, como soberana, podia violar a clausura de acordo com o Direito Canônico, não a transgrediu porque São Fiacre não tinha  querido. Ela ajoelhou junto à porta e, com toda a majestade de Infanta da Espanha, de Arquiduquesa d’Áustria, de Rainha da França – não se podia ser mais do que isso! – osculou as grades que  outrora São Fiacre tinha feito para que ela não entrasse. Isso tudo indica uma espécie de veneração que se estende de geração em geração, e torna São Fiacre célebre na França.

Como vimos, São Fiacre é, até em nossos dias, o patrono dos jardineiros na França, e concorre com um outro Bem-aventurado Fiacre, que dirigia carros de rua em Paris no século XVI, e do qual  veio o nome de fiacre para os carros de aluguel, que durante algum tempo havia na Europa. Recebiam o nome de fiacre por causa do segundo São Fiacre. E assim o nome Fiacre vem retumbando até os dias de hoje.

Essa é a beleza da vida dos Santos, a maravilha dessa graça que se evola e perfuma toda a História, e descansa nossas almas. Depois de passarmos o dia com aborrecimentos, às vezes também com  decepções, considerar a festa de um São Fiacre é algo que nos dá repouso, distensão e nos faz compreender um pouco daquele perfume que, outrora, teve a Idade Média. Régine Pernoud escreveu   um livro intitulado A Luz da Idade Média. Nós poderíamos redigir um com o título “O perfume da Idade Média”, com todos esses imponderáveis que a Idade Média trazia consigo.

Em meio às trevas dos dias de hoje, podemos pensar no que será o Reino de Maria, após os castigos previstos por Nossa Senhora em Fátima. Quem sabe se ouviremos também falar da glória de  algum Santo que, num lugar inteiramente ermo, deserto, onde só há árvores – e sobre o qual algum erudito de então dirá ter sido a região central de uma grande megalópole contemporânea –, glorificará a Deus, num isolamento espantoso.

Então, diremos a um de nossos irmãos de vocação: “Lembra-se do tempo em que se comentavam as peculiaridades daquele centro urbano horroroso? Agora não resta nada, mas existe a glória de  tal Santo, de cuja vida se contam tais e tais episódios”. E nossos olhos se fecharão em paz, com a ideia de que o perfume do Céu voltou para a Terra, e o Céu e a Terra estão unidos e reconciliados.

Esta é a perspectiva que encontramos diante de nós.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 29/8/1968)

1) Cf. ROHRBACHER, René-François. Vida dos Santos. São Paulo: Editora das Américas, 1959. v. XV, p. 339-344.

Comentários à oração composta por Santo Agostinho ao Divino Espírito Santo

Prece ao Espírito Santo

Ó Divino amor, ó vínculo sagrado que unis o Pai e o Filho, Espírito onipotente, fiel consolador dos aflitos, penetrai nos abismos profundos do meu coração e fazei aí brilhar vossa resplandecente luz. Derramai vosso doce orvalho sobre essa terra deserta, a fim de fazer cessar sua longa aridez. Enviai os dardos celestes de vosso amor até este santuário de minha alma, de modo que nela penetrando acendam chamas ardentes que consumam todas as minhas fraquezas, minhas negligências e meus langores.

Vinde, vinde doce Consolador das almas desoladas, refúgio no perigo e protetor na aflição desamparada.

Vinde, Vós que lavais as almas de suas sordícies, e que curais suas chagas.

Vinde, força dos fracos, apoio daqueles que caem.

Vinde, doutor dos humildes e vencedor dos orgulhosos.

Vinde, Pai dos órfãos, esperança dos pobres, tesouro dos que estão na indigência.

Vinde, estrela dos navegantes, porto seguro dos que náufragos.

Vinde, força dos vivos e salvação dos moribundos.

Vinde, ó Espírito santo, vinde e tende piedade de mim. Tornai minha alma simples, dócil e fiel, e condescendei com minha fraqueza. Condescendei com tanta bondade, que minha pequenez ache graça diante de vossa grandeza infinita, minha impotência diante de vossa força, minhas ofensas diante da multidão de vossas misericórdias. Amém.

(Fonte: prière au Saint-Esprit tirée des oeuvres du grand Docteur de l’Eglise d’Occident)

 

Eu queria, antes de ser feita leitura, dizer o seguinte: o voo que essa oração tem, ainda quando não se detenha em analisar cada palavra. Mas Santo Agostinho começa e já vai voando não sei para que altura.

A oração é lindíssima e há passagens que é preciso considerar.

“Fiel consolador dos aflitos”. – A consolação não é apenas trazer um sentimento de doçura e de ânimo que possa compensar a aflição que se está sofrendo. Mas é o fortificador. “Consolador” propriamente é dar força. Então “fiel consolador” é quem dá força sempre. Tonificador e fortificador contínuo dos aflitos: isso nos dá muito mais precisão do que nós devemos pedir. Não é apenas que tenhamos uma sensação de alento, de ânimo, de doçura, nos abrolhos de uma provação muito profunda, mas que tenhamos a força para resistir a essa provação. E não se trata de uma força de bravata, de espadachim, é uma força forte mesmo! É disso que se trata.

“…penetrai nos abismos profundos do meu coração e fazei aí brilhar vossa resplandecente luz”. – Aqui também é necessário considerar a palavra “coração”. Ela abrange a afetividade e ocupa aí não um lugar de contrabando, mas um lugar digno, porém é muito mais: são os abismos da alma onde se desenrola a Revolução tendencial; é – digamos assim – um certo “subconsciente da alma”. Então pede que esta força do Divino Espírito Santo penetre aí e que dê à pessoa o que é próprio à força. É um lugar misterioso da alma em que há trevas: é difícil perceber o que lá dentro se passa.

Outro elemento a se observar: não pede tanto uma palavra quanto uma luz. Os senhores vêem o alcance da oração.

“Derramai vosso doce orvalho sobre essa terra deserta, a fim de fazer cessar sua longa aridez.” – Ele supõe que as profundezas desta alma estejam na aridez. É, portanto, uma alma que está atormentada pela provação da aridez. O que pede então para isso? “Vosso doce orvalho sobre essa terra deserta…” Os senhores estão vendo que aí está mais próximo da palavra “consolação” no sentido comum do termo, ou seja, é um bálsamo, uma suavidade, um orvalho, algo desse gênero.

“…vosso doce orvalho sobre essa terra deserta.” – Ele não se refere a uma terra seca, mas é uma terra onde não há nada, uma terra vazia. E é nesse vazio da alma que deve vir um doce orvalho. São esses vazios interiores que se tem e que se traduzem do seguinte modo: cada um de nós – isso constitui até uma obrigação de polidez – no trato, causa a impressão de bem-estar, de satisfação, etc. Porém há uma certa região da alma onde, por efeito do pecado original, a pessoa sente a saciedade de si mesmo e ao mesmo tempo uma espécie de insuficiência. Não se basta a si próprio, sente-se uma solidão interior que constitui um tormento. E querer fazer cessar esse tormento é uma das molas do instinto de sociabilidade. A pessoa fica com a ideia de que a companhia de A, B ou C pode estancar esse sentimento de carência e não há maior engano, porque ninguém pode fazê-lo a não ser o Divino Espírito Santo. E qualquer outra coisa que não seja isso, é uma ilusão e uma estupidez que não tem nome.

“Enviai os dardos celestes de vosso amor até este santuário de minha alma, de modo que nela penetrando acendam chamas ardentes que consumam todas as minhas fraquezas, minhas negligências e meus langores.” – Os senhores estão vendo que ele toma esta “terra deserta” e a trata ao mesmo tempo de “santuário”, porque há uma continuidade na descrição do estado de alma da pessoa.

Diz: “Enviai os dardos celestes de vosso amor até este santuário de minha alma“ – Esta terra deserta é ao mesmo tempo um santuário. Mas um santuário que ele figura abandonado, que compara a uma terra deserta. É um santuário que está no escuro. Como isso descreve bem certos estados de alma, certas crises espirituais, em que o interior da alma é ao mesmo tempo uma terra deserta e um santuário no escuro.

Não sei se lhes é tão claro quanto me parece a ideia do santuário no escuro que precisa ser penetrado pelas flechas vindas do Céu, que só elas podem penetrar até lá. Vê-se que ele não espera de outrem esta solução, nem este arranjo. São as flechadas, os dardos vindos do Céu que podem penetrar nesta terra deserta e fazer ali algo que só Deus pode realizar.

“Enviai os dardos celestes de vosso amor até este santuário de minha alma”. – O amor sobrenatural a Deus é algo que de Deus parte, que Ele mesmo dá. E que quando não dá, não vem de dentro da alma. É um dom dEle. E é pela oração que  devemos obter esse dom. E devemos pedi-lo por meio de Nossa Senhora, a Medianeira universal de todas as graças. E quando nossa alma está como terra deserta, ou santuário na obscuridão, é este o momento exato de pedir isto que vem do Céu, e que se acende porque só Deus pode iluminar isto. Só Deus pode acender, só Deus pode reacender e dEle é que tudo isso procede, a rogos de Nossa Senhora. Como é útil nós nos lembrarmos disso na nossa vida espiritual!

“…de modo que nela penetrando acendam chamas ardentes que consumam todas as minhas fraquezas, minhas negligências e meus langores”. – Então, é nesta terra deserta, nas sombras tenebrosas desse santuário que está no escuro, que há “faiblesse, négligence et langueur” (fraquezas, negligências e langores). A enumeração é muito saborosa, porque não menciona perfídias, maldades, intenções atrozes, crueldades. Ele toma uma certa família de defeitos e menciona. Esses defeitos são: as fraquezas; negligências, que são um fruto da fraqueza: quando o indivíduo não resiste à fraqueza, o fruto normal é a negligência; langores… É quase a causa e o efeito. Os langores vêm das fraquezas, estas e os langores produzem as negligências. É, portanto, a alma mole.

Isso é um estado de alma de um número incontável de fiéis de nossos dias diante da situação da Igreja Católica. E se os bons da causa da Contra-Revolução são tão isolados e tão abandonados, não o seriam se simplesmente essas almas não fossem nem negligentes, nem fracas, nem langorosas. Aqui Santo Agostinho tem em vista – por uma razão que não sei qual seja – uma linha especial de almas. Não são os bandidos, não são os que conspiram em guerras, os que querem morticínios, não é disso que se trata. Ele tem aqui especialmente em consideração os “santuários abandonados”, esse gênero de fraqueza e de moleza…

“Vinde, vinde doce Consolador das almas desoladas, refúgio no perigo e protetor na aflição desamparada”. – Considerem bem aqui a ideia de uma doçura forte, ou de uma força doce. É muito próprio ao sabor das coisas celestes nos fazerem sentir a bondade, a doçura de Deus, ao mesmo tempo que ipso facto comunicam uma força muito grande. Por exemplo, quando somos objeto de uma graça que nos fale da doçura do Sagrado Coração de Jesus ou do Imaculado Coração de Maria, e experimentamos tal doçura. Sem percebermos saímos mais resistentes às tentações, mais fortes no perigo, mais perseverantes na Fé. Quer dizer, uma doçura que comunica força! Não há, portanto, uma dicotomia entre força de um lado e doçura de outro. A doçura comunica força, a força comunica doçura. É  uma coisa só.

“…doce Consolador das almas desoladas”. – A desolação não é uma tristeza qualquer. É uma espécie de auge, de píncaro de tristeza. Na linguagem comum, quando se diz “estou desolado”, não se quer dizer apenas que estou muito triste. Mas “estou tristíssimo, em mim não há quase senão tristeza”. Não exclui naturalmente a fórmula de cortesia: “Estou desolado, estou…” Não exclui isso. Mas aí a palavra fica balofa, como tantas coisas que a cortesia neo-pagã torna balofas. Entretanto o sentido próprio da desolação é esse. Nós podemos falar da desolação de Nosso Senhor no Horto das Oliveiras, pois foi uma desolação.

“…refúgio nos perigos”. Quais são os perigos? Os perigos que ele tem em vista não são principalmente os do corpo, mas os que afetam a alma. A salvação da alma é continuamente posta em perigo por toda espécie de circunstâncias. O refúgio nesse perigo é o Divino Espírito Santo, com suas graças, sua ação nas profundidades de nossa alma, etc. E com isso eu gostaria – se me fosse possível – comunicar às almas uma certa segurança. As pessoas sentindo dentro de si o enigmático desse santuário no escuro e desta terra árida, ficam achando que têm dentro delas problemas que não vão vencer, e se põem meio desanimadas de continuar no caminho da salvação. Se se tiver em vista que o Divino Espírito Santo é o Esposo de Nossa Senhora, e que não recusa coisa nenhuma a Ela, as pessoas terão ânimo, porque para tudo isso o Espírito Santo é o remédio. Podem pedir as graças dEle e obterão.

“…Protetor na aflição desamparada” (détresse). – “Détresse” é uma palavra muito bonita. “Détresse” é uma aflição desamparada, um apuro muito carregado. Quantas situações de vida espiritual há assim? A pessoa está na “détresse”, pede ao Espírito Santo e contra o curso normal dos seus pensamentos, a concatenação normal das suas idéias, a pessoa sai da “détresse”. É uma impressão qualquer, uma coisa qualquer, que toca a alma e muda. É a ação do Divino Espírito Santo…

“Vinde, Vós que lavais as almas de suas sordícies, e que curais suas chagas”. – A construção da frase, se está bem traduzida do latim, é a seguinte: Vós sois quem por excelência lava as almas. Quer dizer, “Vós que fazeis isto”, inclina o espírito a admitir: “Vós que sois o único a fazer isto”. É para onde propende o espírito.

Aqui, mais uma vez, é um alento cheio de doçura. Porque as pessoas muitas vezes consideram o interior de suas almas e notam-no tão cheio de chagas purulentas, tão cheias de sordícies, que a pessoa desanima. Mas é claro que vai desanimar, porque ela não tem força para isso! É preciso uma força do Céu que lhe dê ânimo, que lhe dê meios para isto, ou que opere isto, por vezes sem que ela tenha que fazer outra coisa senão dizer “sim”. Entra aquela luz e cura a alma…

Mas por que, na nossa vida espiritual, não temos toda a esperança, todo o ardor que este modo de ver a ação do Espírito Santo comunica? É ou não verdade que essa consideração daria às nossas almas outro élan para subir, para continuar para frente do que habitualmente nós temos?

“Vinde, força dos fracos, apoio daqueles que caem”. – É tão claro que não tenho nada a dizer.

“Vinde, doutor dos humildes e vencedor dos orgulhosos.” – Isso é muito bonito! O doutor que esclarece, que ensina aos que são humildes, antes de tudo em face dEle. E que, portanto, não são orgulhosos que imaginam que sua cabeça contém a solução para todos os problemas, mas sabem que é o Divino Espírito Santo que possui a solução para todos os problemas. E que é preciso rezar, é preciso pedir, é preciso implorar, mas implorar muitas vezes e com humildade. Eu não resolvo, eu Plinio, porque não sou capaz de resolver! Mas se eu rezar, também não obtenho. Se eu pedir por meio de Nossa Senhora, Ela que é Mãe de misericórdia reza por mim e Ela obtém. Mas aí é fácil, é seguro e é rápido que obterei. Isso me mantém alegre e de pé no meio das aflições que todo homem tem no meio desse vale de lágrimas. Eu tenho receio de estar dizendo banalidades…

A oração tem uma concisão, uma substância extraordinária!

“Vinde, Pai dos órfãos, esperança dos pobres, tesouro dos que estão na indigência”. – Aqui também se deve considerar o lado da vida espiritual, que é sempre o que o Santo tem em vista antes de tudo: a santificação de quem vai rezar, que vai usar a fórmula.

“…Pai dos órfãos…” – Quanto órfão existe em matéria de vida espiritual! (…) Como o homem ao longo da viagem nesta terra é um órfão! Ainda que ele atinja os 81 anos, é um órfão! Então Ele é Pai dos homens que sentem a terrível orfandade desta vida. Esta vida é uma orfandade.

“…Pai dos órfãos, esperança dos pobres…” – É aquele que não tem nada para esperar, e que internamente é um pobre, quer dizer, não tem títulos para pedir, não tem direito quase de pedir, vive da misericórdia. É dele que o Divino Espírito Santo é Pai cheio de bondade, de acessibilidade.

“…tesouro dos que estão na indigência” – Não temos diante de Deus méritos nenhum para alegar. Estamos na indigência. Mas o Divino Espírito Santo é o nosso tesouro. Nós pedimos e Ele dá.

Estão vendo quanta substância contém essa oração e quão magnífica ela é?!

“Vinde, estrela dos navegantes, porto seguro dos que náufragos”. – São dois conceitos: um é a estrela dos navegantes. O que lembra a invocação a Nossa Senhora: Ave Maris Stella. Se Ela é a Estrela do Mar, Ela é a Estrela dos que navegam, evidentemente. Mas, então, por que se diz do Espírito Santo a mesma coisa que d’Ela se diz? Porque o que se diz da Esposa, se diz também do Esposo. E Ela é a Estrela dos navegantes porque Ela é a Esposa mística daquele que é a Estrela dos navegantes por excelência, que é o Divino Espírito Santo.

Ou seja, para todos que vão andando pela vida, com os seus riscos, com seus problemas, etc., a Estrela é o Divino Espírito Santo. Ele fala primeiro dos navegantes e depois dos náufragos. O náufrago… pode se imaginar o navio que se destroçou. O sujeito se agarra a um destroço, a uma “épave”, e vai por onde as águas tocam. De repente, as correntes marítimas o levam para dentro de um porto. Esse porto é o Divino Espírito Santo. Quer dizer, os vagalhões da alma, das paixões, levam o homem de um lado para outro e ele está entregue às apetências mais desregradas, aos orgulhos mais desordenados, às coisas mais sem remédio. Para ele não há mais porto. Não há mais!… Ou seja, não haveria se não fosse a oração de Nossa Senhora ao Divino Espírito Santo, que é o porto seguro dos que naufragaram. Entrou lá, está tudo resolvido.

“Vinde, força dos vivos e salvação dos moribundos”. – Vejam que bonita alternativa: força dos vivos e salvação dos que moribundos! Quase não se tem o que dizer… O homem está vivo, a vida é uma luta, ele precisa ter força. Mas ao morrer, precisa de uma graça autônoma de todas as que recebeu na vida: é a graça da boa morte. E esta salvação a pessoa tem se rezar ao Divino Espírito Santo.

Eu toda a vida considerei muito pungente aquela cerimônia que havia nas arenas antes de começar o martírio. Havia jogo de gladiadores, depois imolavam os mártires. E os gladiadores entravam em ordem, paravam diante da tribuna do Imperador, e diziam: “Saudação a ti, ó César, os que vão morrer te saúdam! – Ave Caesar, morituri te salutant!” Quer dizer, uma coisa pungente. Aquele César – em geral um soldadão tosco, boçal, semi-bêbado, sensual, ordinário, venal, que tinha subido comprando seu cargo, refestelado na segurança da tribuna imperial – vê chegar junto a ele os que vêm em marcha, fortes, jovens, com espadas, com tridentes, com redes, com lanças, etc., para começarem o combate. E sabe que vão lutar apenas para divertir aquele pândego que está ali em cima! Situação triste na vida, mas é isto: são os “morituri” (os que vão morrer). Todo homem, quando está na iminência da morte, pode dizer não a um César imundo, mas a Deus infinitamente perfeito: “Ave, ó Deus, o que vai morrer te saúda!” É a última saudação antes da morte! Pois bem, para que essa saudação seja perfeita, é necessário o auxílio do Divino Espírito Santo, sempre a rogos de Maria, sem A qual nós não conseguimos nada.

“Vinde, ó Espírito santo, vinde e tende piedade de mim. Tornai minha alma simples, dócil e fiel, e condescendei com minha fraqueza”. – É uma frase lindíssima, que a bem dizer perde sendo comentada, porque há uma beleza que qualquer comentário deslustra. É preciso tomar como uma fonte donde nasce a água. Não vale a pena captar a água; deixa brotar da fonte assim aos borbulhões. Assim está Santo Agostinho…

Enfim, para meter a camisa de força do comentário de alto a baixo do texto, vem então o seguinte: “Vinde, ó Espírito santo, vinde”. – Os senhores vejam a ênfase: “vinde, vinde!  E tende piedade de mim”. Aquele necessitado de piedade implora com insistência, pede duas vezes: “Vinde, vinde!” E agora vem a enumeração do que quer da piedade. O ter misericórdia dele, para seu caso concreto, o que significa? Então vem: “Tornai minha alma simples, dócil e fiel”. As três palavras devem ser consideradas juntas, pois constituem uma espécie de tríptico. Simples é a alma que não tem requebros, vaidades, complicações. O contrário, portanto, de quem não quer se ver a si mesmo direito, que não quer olhar-se de frente, que não é “pão, pão, queijo, queijo”. Nosso Senhor disse: “Seja vossa linguagem sim, sim, não, não”. “Seja o vosso pensar interior sim, sim, não, não. Tenha a coragem de ver a verdade e o erro, mas também no que diz respeito a vós! Não é só o mundo objetivo, externo a vós, mas também no que diz respeito a vós interiormente. Tende essa coragem!”

Esta é uma alma simples. A alma simples é dócil. Por que? Quanto mais uma alma é complicada em obedecer, tanto mais a essa alma falta simplicidade. Não sei se os senhores conhecem uma coisa que não sei se se usa hoje, mas antigamente, quando eu tinha tempo de prestar atenção nessas coisas, eu via os empregados às vezes passarem no chão uma espécie de carapinha de palha de aço para limparem o lugar, nem sei bem para o que era. Depois enceravam. Acho que era para tirar sujeira impregnada no chão.

Há almas complicadas como aquelas palha de aço! Engruvinhada uma coisa na outra… Então se propõe uma coisa: “Pode, mas se der tal coisa, se fizer assim, e se acontecer de outro jeito, e se der uma carambola assim… então eu estou de acordo”. São as almas às quais faltam docilidade. Complicadas no obedecer. Pelo contrário, as almas simples recebem um convite do Espírito Santo: “Pois não”. Vão e fazem!… Nós poderíamos examinar um pouco: somos parecidos com a palha de aço ou retos como a lâmina de uma espada? É uma pergunta que se poderia fazer.

Dócil e fiel. A fidelidade é muito difícil para a palha de aço; ela é muito mais fácil para o gládio. Alma-gládio e alma-palha de aço: não poderíamos fazer disso uma classificação para as almas? E se fôssemos nos analisar… Os senhores sabem o que acontece? A palha de aço começaria a ferver: “Não, é assim, mas é preciso considerar tal coisa, eu tenho tal atenuante! É verdade que tenho tal agravante… Eu vejo que você acha isso de mim e por isso é meu inimigo, você vê essa agravante! – como se ver a verdade em alguém fosse ser inimigo de alguém! – e também tem tal lado, tal, tal, tal! Em todo caso, você também tem tal coisa!” Eu não estou em jogo. Está em jogo você, meu caro! Vamos conversar… Isso é a palha de aço! Quanto há, por vezes, palha de aço em nossas almas.

Alguém poderia, enquanto estou falando, responder: “Mas, Dr. Plinio, não tem saída, eu sou palha de aço mesmo!…” Meu filho, não diga isso… Você ajoelhe, reze a Nossa Senhora com confiança para que Ela faça vir sobre si o Divino Espírito Santo, e as coisas mudem.

 

Mater mea, fiducia mea (Minha Mãe, minha confiança)

“…e condescendei com minha fraqueza…” – Eu não conheço a etimologia da palavra “condescendência”. Mas sou tentado a achar, pelo sentido da palavra mais do que pela composição dela, que é “descer com”: “Tende a bondade de descer dentro de mim até o fundo, mas com bondade, em espírito de perdão, uma tendência a curar-me, a sarar as minhas chagas, e não a castigar-me. Descei até esse fundo culpado de minha alma, descei até lá, mas descei como Pai, como médico, como curador. Tende pena de mim, e sarai as minhas chagas!”. É uma oração que se pode fazer, que se deve fazer.

E condescendei ao quê? À fraqueza. Mais uma vez é a preocupação com os lânguidos, etc. “Eu sou fraco, deveria ter energia e não tenho. Vejo outros que têm energia, e me pergunto: como é que vou sair desse buraco? Enérgico eu não sou…” Reze, meu filho! Reze com coragem, reze com ânimo! Você deixará de ser fraco.

“Condescendei com tanta bondade, que minha pequenez ache graça diante de vossa grandeza infinita”. – Um poca, por exemplo, que só gosta de conversar sobre coisinhas, só trata de assuntinhos sem importância, que não tem alma grande para nada… Ele vê, por exemplo, uma reunião onde todos os presentes estão preocupados com grandes temas, e pensa: “Eu estou achando isso cacete. Eu gosto tanto de tratar de coisinhas… Eu tenho que resolver a que horas amanhã vou levar meus sapatos para consertar. E gosto de pensar nisso. Estão aí estas águias voando alto e eu sou tão chulo, tão droga… Eu tenho vontade de me esconder até”… Não faça isso. Faça o contrário. Mostre-se! Mas mostre-se ao olhar de Deus, o Qual, aliás, vê tudo… quer eu me mostre, quer eu não me mostre. Ele vê tudo… vê também se estou querendo me esconder como Adão e Eva depois do pecado. Então é melhor eu dizer: “Vede, Senhor, eu sou tão zero, tão poca, tão nada! Mas Vós podeis dar-me aquele nível para o qual Vós me criastes. Vinde e agi!”

“…que minha pequenez ache graça diante de vossa grandeza infinita”. – O que significa “encontrar graça”? É Deus considerar do alto de Sua onipotência a minha impotência. E considerando exatamente a minha impotência, Ele vê nisso uma razão para sorrir e me tratar com bondade e me suspender, dar-me um poder que eu não tenho. Esse é o sentido dessa oração.

… minha impotência diante de vossa força, minhas ofensas diante da multidão de vossas misericórdias”. – Tal é a multidão de vossa misericórdia, que encontro – para qualquer espécie de culpa que tenha – a vossa bondade que vem de encontro a mim.

Isso seria o sentido da oração! A qual recomendo aos senhores que guardem. Eu peço a um dos senhores para dar ao Sr. Fernando a fim de guardar para mim, porque no meu bolso vai se transformar num “chiffon” a qualquer momento. E que a rezem de vez em quando, tendo um movimento para tal, pois seria sumamente conveniente.

Plinio Corrêa de Oliveira (Domingo, 20 de maio de 1990)

Uma verdadeira procura do Absoluto

No colóquio de Óstia, entre Santa Mônica e Santo Agostinho, vemos a beleza de dois Santos conversarem sobre como seria a vida eterna dos bem-aventurados, e a alegria daquela mãe santa em ver o filho, outrora perdido, incendiado de desejos de contemplar o Céu.

É uma verdadeira procura do Absoluto. Depois de terem considerado todas as coisas materiais, começaram a contemplar as espirituais e a alma, como elemento para se ter ideia da beleza da perfeição de Deus. Por fim, chegaram à conclusão de que, no ápice de tudo, figura a Sabedoria eterna e incriada.

Esses dois Santos mantêm uma conversa que é uma oração, a qual vai subindo de ponto em ponto até chegar, num êxtase, ao seu ápice. Tudo isso com tanta simplicidade, junto à janela de um quarto dos fundos de uma hospedaria de Óstia, dando para um jardim. Uma verdadeira maravilha!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 31/8/1965)