A respeito da devoção a Santa Teresinha, houve muita incompreensão, pois foi entendida num sentido contrário ao da epopeia: fazer os pequenos sacrifícios para evitar os grandes. E transformar a existência numa vidinha que, levada sempre com um sorrisinho, resultava numa saída muito cômoda para o caminho da cruz do católico.
Sua espiritualidade é muito vasta, tendo ela defendido duas teses: Uma pessoa pode levar uma existência de epopeia, mesmo quando as circunstâncias não lhe proporcionem gestos de audácia, ou não exponha diretamente sua vida.
E, mesmo para as almas fracas, a realização da epopeia é possível. Isso explica o fato de que ela — uma mulher, carmelita reclusa, vivendo numa França na qual não havia circunstâncias para reproduzir o feito de Santa Joana d’Arc — realizou tanto quanto esta última.
Por essa razão, embora sendo uma alma não destinada a enfrentar grandes lances, ela transformou, pelo auxílio da graça, em grandes, os pequenos fatos da vida cotidiana. Levou uma existência de tão contínuos sacrifícios que, em seu conjunto, sob esse ponto de vista, foi uma epopeia.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 10/7/72)
Há dez anos Dr. Plinio entregava sua alma a Deus, no tríduo da festa de Santa Teresinha (outrora celebrada no dia do falecimento de Dr. Plinio, 3 de outubro). Ele próprio fizera o oferecimento de si como vítima do amor misericordioso por aquelas almas e aqueles acontecimentos que esperara, baseado na leitura das obras da Santa de Lisieux (cfr. Editorial, página 4). Transcrevemos a seguir, um dentre os diversos comentários tecidos por Dr. Plinio à edificante vida e missão de Santa Teresinha.
Em fins do século XIX a Divina Providência suscitou Santa Teresinha do Menino Jesus para despertar uma nova forma de espiritualidade própria a conduzir grande número de almas a Nosso Senhor. Foi uma resposta de Deus às manobras feitas para encharcar de Revolução a mentalidade do homem ocidental. Essa réplica consistiu na famosa pequena via a qual conforme afirmação profética da Santa, haveria de levar incontáveis almas ao Céu.
Um caminho para os menos fortes
A pequena via é própria aos espíritos mais débeis, sem meios naturais para realizar extraordinários atos de generosidade interior que marcaram tantos santos do passado os quais se flagelavam de maneira espantosa, faziam penitências terríveis, sofriam cruzes e provações pavorosas, porque eram assistidos pela graça e esta encontrava neles uma natureza capaz de grandes feitos.
Quando Santa Teresinha surgiu, as pessoas já estavam profundamente infiltradas de Revolução e, portanto, sem a coragem e disposição para lances heroicos de virtude. Por desígnio da Providência, ela abriu às “pequenas almas” (como as chamava) o caminho para o Céu.
Trata-se da via do reconhecimento da própria fraqueza e da ausência de coragem, de força de vontade para enfrentar imensos sacrifícios . E da convicção de que Nosso Senhor se compadece das almas fracas, diminutas em comparação com as do passado, e que assiste àquelas com bondade, afabilidade, abundância de graças que substituem nelas, vantajosamente, aquilo que a natureza não lhes proporcionou.
Santa Teresinha já como Carmelita professa
Desde muito jovem Santa Teresinha sentiu o chamado à perfeição, e dedicaria seus breves anos de vida a ensinar às “pequenas almas” o caminho para o Céu.
Quer dizer, para as pessoas dos séculos anteriores atingirem o pleno amor de Deus eram necessários — valendo-me de uma expressão inadequada — tantos quilowatts de sofrimentos. Porém, as do tempo de Santa Teresinha, e a fortiori as de nossa época, são incapazes de suportar tais graus de ascese. Então, a rogos de Maria Santíssima, a graça lhes concede vigor para carregar menores quantidades de cruzes. Porém, elas o fazem com tanta intensidade de amor que acabam suprindo a quota de sofrimentos pelos quais não suportariam passar. Pois aos olhos de Deus, o importante não é o quilowatt da dor, e sim a intensidade de amor com que é padecida.
Dessa sorte, o que as grandes almas conquistavam apenas no fim de sua existência, depois de muitos tormentos, as da pequena via recebem gratuitamente logo no começo da vida espiritual, unindo-se a Nossa Senhora, à Santíssima Trindade, por uma particular bondade de Deus. Esta graça encurta o caminho e faz amor nascer cedo, tão veemente que, com uma “quilowatagem” menor de sofrimento, brilha com uma luz fulgurante.
Admirável exemplo de Santa Teresinha
O modelo característico dessa via foi a própria Santa Teresinha do Menino Jesus, uma pequena alma típica, cônscia de sua incapacidade de suportar grandes sofrimentos. Entretanto, recebeu ela tal intensidade de amor a Deus que, desde menina, fidelíssima à sua vocação, fazia meditações e amava tanto as coisas do Céu que sobrepujava em virtude a um número incontável de pessoas.
Levou uma existência de verdadeiro sofrimento no Carmelo de Lisieux, tendo sido acometida por uma provação muito freqüente no claustro, embora no seu caso se apresentasse mais profunda: a aridez contínua, devido à qual ela não sentia consolações na piedade, nem no imenso amor a Deus que possuía.
“Santa Teresinha solicita autorização de seu pai para entrar no Carmelo” – Buissonnets, Lisieux (França)
Nessa situação, própria a afligir qualquer um, ela sempre manteve confiança cega na Providência, e reafirmava a cada instante seu desejo de morrer como vítima do amor misericordioso de Nosso Senhor para com aqueles que seguem a pequena via.
E, de fato, certa noite, quando já se achava deitada para dormir, Santa Teresinha sentiu o peito incomodado e expeliu uma golfada. Veio-lhe logo a idéia de que poderia ser sangue, indício da fatídica doença daquela época, a tuberculose. Essa enfermidade tornou-se comum em fins do século XIX, e a medicina não lograva combatê-la eficazmente, pois não descobrira ainda os medicamentos existentes hoje. Assim, grande era o número de vítimas dessa moléstia.
Ora, Santa Teresinha experimentou tal alegria diante da hipótese de estar tuberculosa, que ofereceu a Deus o sacrifício de não examinar de imediato o lenço sobre o qual golfara durante a noite, e fazê-lo apenas na manhã seguinte, à luz do dia. Verificando depois ser mesmo sangue, transportada de júbilo, ela compreendeu que sua derradeira paixão começava.
Manifestou-se desse modo a tuberculose, doença lenta, trágica sob vários aspectos, sobretudo naquele tempo, quando tantos dela sofriam e morriam. Era, pois, uma via comum, na qual a noite escura e o abandono se tornaram cada vez maiores.
Santa Teresinha passou a ser provada com tentações contra a Fé (também assíduas na vida dos santos), e chegou a afirmar serem estas tão violentas que só acreditava porque queria crer, tanto as razões de fé se tinham obnubilado em seu espírito. Sentia que estava morrendo, e na Terra nada mais havia para ela. Porém, a morte vinha aos poucos, a conta-gotas, no meio do sofrimento e da Dor.
Relíquia de Santa Teresinha – Carmelo de Lisieux
De seu leito, ouviu um dia a conversa entre duas freiras sobre seu fim próximo, e este comentário: “Quando falecer nossa Irmã Teresa do Menino Jesus, e for preciso escrever uma circular às demais comunidades contando como transcorreu a vida dela no claustro, não sei realmente o que será narrado. Porque ela não fez nada. Ao longo dos anos passados aqui, realizou apenas coisas pequeninas…”
Vítima do amor misericordioso, Santa Teresinha ofereceu as dores comuns do dia-a-dia, bem como as grandes provações durante a doença, com intensa caridade, salvando assim um incontável número de almas.
Nossa Santa sentiu-se consolada ao ouvir essas palavras, pois de fato ela oferecera somente sacrifícios menores a Nosso Senhor, que os recebia por meio de Nossa Senhora. Entretanto, devido ao amor com que eram aceitos, o Redentor os acolhia com sumo agrado. Assim, ela salvava um incontável número de almas. Ela abria dessa forma a pequena via.
Santa Teresinha em seu leito de dor
Então, uma característica da espiritualidade de Santa Teresinha é esse modo de oferecer as dores comuns do dia-a-dia, as quais Deus pede habitualmente a todo mundo. Porém, trata-se de oferecê-las como o fez a vítima do amor misericordioso de Nosso Senhor.
Uma inundação de graças…
Santa Teresinha nunca se vira favorecida por graças místicas extraordinárias, como visões ou revelações. Até que no último momento de sua vida foi arrebatada num êxtase, ficou transportada de alegria, ergueu-se na cama e disse palavras de entusiasmo diante daquilo que via. Depois, reclinou-se e expirou. Seu corpo jazia nesta Terra, mas sua alma já ingressava na eterna bem-aventurança.
Dentro da extrema pobreza carmelitana, seus funerais foram esplêndidos, porque um quintessenciado aroma de violeta, procedente não se sabe de onde, dominou literalmente o lugar em que o corpo dela se encontrava exposto à visitação pública. Como uma de suas primeiras intercessões junto à misericórdia divina, obteve a conversão da superiora de seu convento, que tanto a tinha amargurado.
De lá para cá, Santa Teresinha inundou o mundo com graças,sendo considerada a mais solícita em atender os pedidos feitos, inclusive os relativos aos bens terrenos. Nesse sentido, célebre é o caso passado em um convento na cidade de Galípoli, na Turquia. Essa comunidade se achava em grandes apuros financeiros, sem nenhum dinheiro para pagar suas despesas. A superiora implorou então o auxílio de Santa Teresinha: no dia seguinte, ao abrir o cofre da casa, encontrou a quantia necessária e mais ainda.
Obtendo-lhes donativos materiais, Santa Teresinha atrai s almas para que peçam bens espirituais. E ela as atende.
Destinada a socorrer a Terra
Tinha ela certeza de que seria canonizada, e nos últimos dias de sua vida recomendava conservassem fragmentos de suas unhas ou fios de suas sobrancelhas, dizendo: “Guardem-nos, porque após minha partida, haverá pessoas que ficarão felizes tendo isso”. Quer dizer, seriam distribuídos como relíquias após sua glorificação nos altares.
Em diversas ocasiões pronunciou ela essa linda frase: “Passarei meu Céu fazendo bem sobre a Terra”. E também afirmou: “Só estarei inteiramente livre das coisas da Terra depois que o número dos eleitos estiver completo”. Se pensamos que esse total dos escolhidos só será atingido no fim do mundo, esse dito significa que ela intervirá em nosso favor enquanto houver homens atuando na Terra.
“Passarei meu Céu fazendo o bem sobre a Terra”, costumava dizer Santa Teresinha, prometendo interceder pelos homens até o fim do mundo”.
Foi, portanto, uma Santa especialmente designada pela Providência para fazer grande bem à Terra. Muitos eleitos há cuja memória, por assim dizer, desaparece, perde-se, devido à versatilidade humana. Algum benefício eles fazem, porém menor se comparado com o realizado por uma Santa que vai para o Céu com o programa de continuar a agir intensamente nos acontecimentos terrenos, apenas repousando quando o número dos escolhidos estiver completo.
Alegria com a felicidade dos habitantes do Céu
Para Santa Teresinha, cada ano que passa é um período de ação, de vitória, de esplendor. Pois no dia de sua festa, a um título especial, comemora-se um aniversário que a torna intensamente feliz e aumenta sua glória no Céu. É verdade que esta, no Paraíso, não cresce após ter terminado o mundo. Mas, enquanto tal não suceder, é passível de aumento. Por exemplo, se um bem-aventurado escreve um livro, e 200 anos depois de sua morte essa obra é ocasião de instrumento para a salvação de alguém, a alegria e a glória dele se avolumam no Céu.
Alguém poderia objetar: “Dr. Plinio, sinto-me um pouco insultado pensando em meus sofrimentos aqui no mundo, nesse vale de lágrimas, e o senhor anuncia que Santa Teresinha, já muito feliz, recebeu uma felicidade a mais no Céu. Parece uma distribuição desigual dos dons divinos…”
Ora, os planos de Deus não são igualitários, e, sobretudo, os relativos aos que estão no Céu e na Terra. Permanecemos aqui para sofrer e expiar, e os santos no Paraíso para desfrutar a verdadeira felicidade. Se padecermos, lutarmos e expiarmos bem, seremos também daqueles que irão para o Céu, felizes por toda a eternidade.
Dessa maneira, há uma inteira proporção, não igualdade, entre a nossa desventura e a ventura de Santa Teresinha.
Mais. Devemos nos rejubilar com todos que se acham no Paraíso, pois nos precederam nesta Terra com o sinal da Fé. Viveram antes de nós com o signo da Cruz. São nossos irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo, em Nossa Senhora, e nos cabe desejar a alegria deles: a felicidade de um irmão interessa a outro irmão.
Por fim, cumpre considerarmos que, ao ver nosso contentamento pela felicidade dela, Santa Teresinha há de se tornar particularmente propensa a nos alcançar graças cada vez maiores. Do Céu, ela nos acompanha com afabilidade, com um sorriso todo dela, e dirige à Santíssima Virgem uma empenhada prece por nós: para que aumente nossa fé, nossa crença, nossa esperança e nosso gáudio com as glórias futuras que nos aguardam na venturosa eternidade, junto a ela e aos Sagrados Corações de Jesus e Maria.
Santa Teresinha tinha uma certeza interior — baseada em indícios muito bem escolhidos, definidos e analisados de sua vida espiritual — de que ela seria uma vítima expiatória do Amor Misericordioso, e de que deveria realizar isto no Carmelo.
Diante dos maiores obstáculos, ela não teve nenhuma dúvida de que entraria para o Carmelo, e de que o Amor Misericordioso a chamaria, em determinado momento, para consumi-la como vítima.
Assim, ela teve ocasião de dizer, no meio de todas as amarguras pelas quais passou, que a taça dos seus desejos estava cheia até os bordos. Essas amarguras eram os desejos dela, os sofrimentos que ela queria ter.
Isto é a confiança! Santa Teresinha tinha uma sólida convicção de que era esta a finalidade dela, e a certeza de que a Providência faria todo o necessário para que se realizasse este objetivo.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/8/1973)
Quando os medievais se referiam aos Anjos, falavam muitas vezes da Cavalaria Angélica. Diziam que os espíritos celestes foram os primeiros cavaleiros porque lutaram contra os primeiros maus: os anjos revoltosos.
Não nos é fácil compreender como foi o “prœlium magnum”, esse grande combate travado no Céu entre os Anjos e os demônios. Como um puro espírito luta contra outro? Quais são os recursos de um espírito para vencer o outro, a ponto de precipitá-lo no Inferno? Como se dá a expulsão de um espírito por outro, de um determinado lugar?
Por certo, esta guerra deu-se de um modo intrinsecamente muito mais nobre do que as Cruzadas. Aqueles espíritos angélicos, no momento em que se punham em luta contra os demônios, eram confirmados em graça e conquistavam para todo o sempre a coroa eterna.
O chefe dessa Cavalaria Celeste é o Arcanjo São Miguel que, constituído o patrono dos cavaleiros, resume em si todo o espírito das Cruzadas, da Cavalaria e, consequentemente, todo o espírito da Idade Média.
Nós achamos tão nobre alguém derramar seu sangue por uma grande causa. Mas a nobreza de um espírito como São Miguel, desdobrando toda a sua força contra o demônio, é inimaginável! É tal a beleza do Príncipe da Milícia Celeste que o intelecto humano não é capaz de captar, mas de algum modo pode suspeitar, entrever, conjecturar, à maneira de um degrau para imaginarmos a infinita perfeição de Deus.
Sem dúvida, também nessa guerra incruenta em que estamos engajados – guerra psicológica, de graças e carismas contra as tentações e insídias diabólicas; de um espírito de inocência contra o de cumplicidade e toda espécie de indecência, de crime e de fraude da Revolução – há muito maior nobreza do que na própria Cavalaria terrena.
Contudo, não poderemos contrarrestar a ofensiva revolucionária se não formos tais que os Anjos se reconheçam afins conosco e nossos naturais aliados; sem que estabeleçamos com a Cavalaria Angélica essa consonância por onde os celestiais guerreiros venham lutar conosco e dentro de nós com uma naturalidade como se o abismo que nos separa deles não existisse.
Este vínculo entre Anjos e homens, e de homens por assim dizer “angelizados” entre si, agindo sobre a opinião pública no sentido contrarrevolucionário, em continuidade com a Cavalaria Celeste, é isto que deve nos caracterizar(*).
* Cf. conferências de 16/10/1970, 12/2/1978 e 6/10/1981.
O Arcanjo São Gabriel é aquele que mais conhece a Deus e comunica melhor este conhecimento. Daí o papel dele na Encarnação. Seu conhecimento não é meramente abstrativo, teórico, doutrinário, mas é evidentemente todo amoroso, com um amor que se manifesta na luta entendida assim: Luta espiritual cheia de amor, amor cheio de doçura. Há, portanto, uma espécie de “prœlio” no qual está, como ponto de origem e ponto terminal, o amor.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 5 e 12/12/1976)
São Jerônimo representa na Igreja, por excelência, o espírito da polêmica. Os seus escritos são de uma energia incomparável. Ele dava respostas de fogo e admiráveis, deixando todos tremendo diante dele.
Este é o zelo da Casa de Deus que devora o homem. É uma das formas mais características, santas e legítimas do zelo. Desde que isso seja feito por amor a Deus, e não por ressentimentos pessoais, é uma coisa santíssima: ser um gládio vivo de Deus.
Não conheço elogio maior do que dizer de alguém que ele é a espada viva de Deus, por toda parte cortando.
São Jerônimo pode ser considerado o padroeiro do espírito polêmico.
A índole das instituições feudais, as quais eram hierárquicas, conduzia à santidade, enquanto as instituições que pressupõem uma igualdade completa levam ao contrário da santidade, que é o espírito da Revolução.
A respeito do Beato Carlos de Blois, o General Silveira de Mello, no livro “Os Santos Militares”, diz o seguinte:
Herda o Ducado da Bretanha
Carlos de Blois era filho do Conde de Blois, Guy I, e da Princesa Margarida, irmã de Filipe de Valois.
Recebeu educação esmerada e foi muito adestrado militarmente.
Casando-se com Joana, filha de Guy de Penthièvre e sobrinha de João III da Bretanha, por morte deste último, Carlos de Blois recebeu, com sua esposa, o ducado como herança, no ano de 1341. Assumiu o governo dessa província com grande entusiasmo dos nobres e dos seus vassalos mais humildes.
O povo do seu ducado da Bretanha, olhando para ele, pensando nele, admirando-o, venerando-o, tinha nele um reflexo de Deus na Terra.
Batalha de La Roche-Derrien
Biblioteca Nacional da França
Entretanto, o Conde de Montfort, irmão do Duque falecido, reclamou o direito à sucessão e pegou em armas para reivindicá-lo. Foi apoiado pelos ingleses, enquanto a França tomava o partido de Carlos.
O jovem Conde de Blois fez frente ao seu contendor. 23 anos durou essa luta que os ingleses sustentavam de fora.
Em 1346, no combate de La Roche-Derrien, Carlos sofreu um revés e caiu prisioneiro. Encerraram-no na Torre de Londres, onde permaneceu encarcerado durante nove anos. As orações que rezou neste cativeiro foram de molde a assegurar a continuidade do governo da Bretanha.
Nunca afrouxou seus exercícios de piedade
A Princesa Joana, sua enérgica esposa, assumiu a direção dos negócios públicos e da guerra e manteve atitude de energia pela libertação do marido.
Livre, Carlos prosseguiu com maior denodo as operações militares.
Sucederam-se reveses e vantagens de parte a parte, até que por fim, em 1364, aos 29 de setembro, festa do Arcanjo São Miguel, o santo e bravo duque caiu morto na Batalha de Auray. Esta jornada heroica, última de sua vida, iniciou-a Carlos com a recepção dos Sacramentos da Confissão e da Eucaristia.
Morreu como vivera, pois, em meio a todas as lutas que enfrentava, nunca afrouxou seus exercícios de piedade e austeridade, assim como nunca deixou de empreender obras de interesse para a Religião e para seus súditos.
Tão evidentes foram as suas virtudes, que logo após sua morte, em 1368, deram início ao processo de beatificação. São Pio X confirmou o seu culto em 14 de dezembro de 1904. É venerado no dia de sua morte, 29 de setembro.
Luta contra um vassalo infiel e revoltado
Trata-se de um Santo que é, de um modo especial, o patrono dos guerreiros. Há dois modos de ser patrono dos guerreiros: um, considerando o guerreiro enquanto guerreiro da Fé, lutador pela Doutrina e pela Igreja Católica. Mas neste caso é a função do guerreiro com um acréscimo que lhe é extrínseco e não necessário à condição do guerreiro. Quer dizer, o guerreiro realiza a maior sublimidade de sua vocação quando ele luta pela Fé, mas nem todo guerreiro luta necessariamente pela Fé.
O próprio do guerreiro é lutar, e o normal dele não é lutar apenas pela Fé. Mas o guerreiro pura e simplesmente, que não acrescenta a seu título essa auréola de cruzado, é aquele que luta na guerra justa pelo seu país, para defender o bem comum, ainda que seja o bem comum temporal daqueles que estão confiados à sua direção.
Temos aqui o exemplo do Bem-aventurado Carlos de Blois. Como vimos, ele era Duque da Bretanha, em virtude de uma herança recebida de sua esposa. Mas o tio desta, contestando a legitimidade desse título, revoltou-se e moveu uma guerra contra ele. Ele era, portanto, a legítima autoridade em luta contra um vassalo infiel e revoltado.
Além disso, tratava-se da integridade do reino da França, porque o tio da Princesa de Blois era ligado aos ingleses, que queriam dominar a França. E ele lutava então pela integridade do território francês, batalhando pela independência da Bretanha em relação à Inglaterra.
Combate com um remoto significado religioso
Essa luta pela França, por sua vez, tinha um remoto significado religioso, mas que ele não podia prever, não estava nas suas intenções. A França era a nação predileta de Deus, a filha primogênita da Igreja. A Inglaterra era nesse tempo uma nação católica, mas futuramente haveria de tornar-se protestante. E se ela tivesse domínio numa parte do território francês, daí a alguns séculos isso seria muito nocivo para a causa católica.
Entretanto, esta consideração de ordem religiosa, que nos faz ver o caráter providencial da luta, não estava na mente desse Beato. Ele tinha em vista, como Duque, lutar pela integridade do território de sua pátria próxima, que era a Bretanha, e de sua pátria mais genérica que era a França.
Ele levou nesta luta uma vida inteira. Foram perto de 30 anos de reveses, nove dos quais ele esteve preso. Mas o Beato soube comunicar o seu ardor guerreiro à sua esposa que, durante os nove anos em que ele ficou encarcerado na Torre de Londres, também lutou valentemente para conservar o ducado.
Ao beatificá-lo, a Igreja quis elevar à honra dos altares o senhor feudal perfeito, governador e patriarca de suas terras, aristocrata e, além disso, batalhador que sabia derramar o sangue pelos seus. Esta é a síntese do senhor feudal.
Para determinados revolucionários que vivem falando contra o feudalismo, e apresentam o cargo e a dignidade de senhor feudal como intrinsecamente má, o exemplo do Beato Carlos de Blois e o gesto da Igreja beatificando-o constituem um desmentido rotundo, porque mostram bem que o cargo pode e deve ser exercido digna e santamente, e que através dele se pode chegar à honra dos altares.
Mostra-nos, com mais um exemplo, quantas pessoas de alta categoria da hierarquia feudal se tornaram santas.
Vemos também por este exemplo a índole das instituições. As instituições têm uma índole, uma psicologia, uma mentalidade como os indivíduos. A índole das instituições feudais levava à santidade, enquanto que, de outro lado, as instituições que pressupõem uma igualdade completa levam ao contrário da santidade, que é o espírito da Revolução.
Acabando com as desigualdades, se elimina a ideia de Deus
Algum tempo atrás, tive a oportunidade de ler um livro de um dos chefes do Partido Comunista Francês, chamado Roger Garaudy, que sustentava a seguinte tese: É ridículo nós querermos fazer suprimir no povo, por meio das perseguições, a ideia de Deus. A ideia de Deus, o povo a tem por causa das desigualdades. É considerando pessoas desiguais que o homem inferior pensa, concebe a ideia de um Deus, o qual é a perfeição daquilo de que o seu superior lhe dá certa noção. Por causa disso — diz ele — nós não devemos primeiro exterminar a Religião, para depois acabar com a hierarquia política e social. Precisamos eliminar as desigualdades políticas, sociais e econômicas, para depois então exterminarmos a Religião. E afirma ele que, implantada por toda parte a igualdade, os símbolos de Deus desaparecem, e a ideia de Deus morre na alma dos povos.
O exemplo do Beato Carlos de Blois nos faz pensar nisto. O povo do seu ducado da Bretanha, olhando para ele, pensando nele, admirando-o, venerando-o, tinha nele um reflexo de Deus na Terra. A duplo título, porque o santo é um reflexo do Criador na Terra, e o general, o governador, o chefe, o mestre é um superior que representa a Deus. Assim, olhando para ele, a ideia de Deus se tornava mais clara na mente de seus súditos.
O gesto da Igreja beatificando Carlos de Blois mostra bem que o cargo pode e deve ser exercido digna e santamente, e que através dele se pode chegar à honra dos altares.
São Tomás abençoa a desigualdade, Garaudy blasfema contra ela
Aliás, é precisamente o que ensina São Tomás de Aquino quando trata da desigualdade. Ele diz que deve haver desiguais, para que os maiores façam às vezes de Deus em relação aos menores, e guiem os menores para o Criador. É o pensamento do Garaudy, a mesma concepção a respeito da relação entre a desigualdade e a ideia de Deus. Entretanto, enquanto São Tomás de Aquino abençoa essa desigualdade, porque ela conduz a Deus, Garaudy blasfema contra ela, por esta mesma razão.
Assim, nós vemos bem como a hierarquia feudal encaminhava as almas para Deus, e como este Santo brilhou como a luz colocada no lampadário, iluminando a França e a Europa do seu tempo com sua santidade.
Essas considerações conduzem a uma oração especial para ele.
Nós estamos numa profunda orfandade! Neste mundo de ateísmo, nesta época em que o igualitarismo fez por toda parte devastações tão tremendas, podemos olhar para o Bem-aventurado Carlos de Blois como verdadeiros órfãos que não têm o que ele representou para os homens do seu tempo.
Então, podemos pedir a ele que se apiede de nós nesta situação em que estamos, e que pelas suas orações faça suprir em nossas almas essa deficiência. Que o amor à desigualdade, à sacralidade, à autoridade, o gosto de venerar, a necessidade de alma de obedecer, de se dar, de ser humilde brilhem em nossas almas de maneira tal que possamos dizer que verdadeiramente é a Contra-Revolução que vive em nós.
Numa hipotética analogia com aspectos da vida humana, seríamos levados a atribuir aos três arcanjos — Miguel, Gabriel e Rafael — predicados pelos quais eles reluzem na história sagrada. Assim, São Gabriel é o anjo da contemplação, do ideal, da chama que leva a alma a embevecer-se com o Espírito Santo, como o fez diante da Santíssima Virgem, ao representar junto a Ela o seu Divino Esposo. São Miguel, o anjo da justiça, paladino da supremacia de Deus sobre todas as criaturas, o anjo da luta vitoriosa pelo bem. E São Rafael, o anjo da caridade, da confiança, protetor dos desvalidos, dos Tobias da vida de todos os dias, amparando-os com requintes de bondade e misericórdia.
Temos em São Rafael um intercessor celeste de alta categoria que leva nossas preces a Deus, porque é um dos sete espíritos mais elevados que assistem junto do Altíssimo e, portanto, são os canais naturais das graças que desejamos.
Houve uma mística que, ao lhe ser dado ver seu Anjo da Guarda, ajoelhou-se em adoração, pensando tratar-se do próprio Deus, tão elevada, nobre e excelsa era a natureza daquele ser. Ora, sabemos que os Anjos da Guarda pertencem à hierarquia menos alta do Céu. Em comparação com isso, é inimaginável um Anjo das mais altas hierarquias. De que alegria vamos estar inundados no Céu quando pudermos contemplar um Arcanjo como São Rafael, e tudo quanto nele veremos de Deus!
Peçamos a ele para termos essa contemplação, e que a consideração dessa ordem angélica ideal e realmente existente nos conforte para uma esperança do Céu e do reinado de Maria, dissipando toda a tristeza crescente destes dias em que os castigos previstos por Nossa Senhora em Fátima vão se aproximando tão rapidamente de nós.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/10/1964)
São Vicente de Paulo era um homem obstinado no amor de Deus. O zelo com que ele, como hábil diplomata, defendia os interesses da igreja nos altos círculos onde tinha contatos, transformava-se em uma santa sofridão ao tratar dos pobres e necessitados. Queria a grandeza da religião católica, como desejava remediar todos os infortúnios.
Em última análise, movia-o uma firme e extraordinária vontade de ver o bem acessível a todos, porque Deus é o bem. Daí ter-se tornado o mais conhecido vulto de toda a epopeia de caridade dos vinte séculos de civilização cristã.