Cidade florida, alegre e risonha – II

Amenidade, beleza e alegria de viver, numa época que, segundo Karl Marx, foi a idade de ouro do operariado europeu.

 

Vemos em Rothenburg uma pequena praça pública, na qual se entra por meio de um largo arco — sempre os tais arcos com torres — para permitir um trânsito abundante. Junto às fontes, vivacidade e ornato A primeira coisa que o passante percebe é uma fonte.

Era muito frequente, na Idade Média, a ideia de que a fonte deveria ter qualquer coisa de monumental, precisava ser bonita e não uma simples torneira de água. Por quê? Porque a água era rara, as casas ainda não havia água encanada, as pessoas iam recolhê-la na fonte, que era um ponto central de vida na cidade. As pessoas das classes média e baixa da sociedade — muitas vezes as próprias donas de casa —, iam pegar água na fonte com um jarro grande que elas levavam, em geral, em cima da cabeça. Mas enquanto enchiam um, dois, três jarros — e elas pagavam alguém para levá-los; é um arranjo de senhoras —, ficavam conversando. E era o ponto de mexerico da cidade. Os homens nunca iam pegar água na fonte, somente as mulheres. E elas faziam futrica e intrigas, contavam coisas, etc.; as senhoras boas exerciam apostolado e levavam pessoas para a igreja.

Então, para tornar mais alegre a vida dos habitantes, a Prefeitura, que era eleita por eles, mandava construir um ornamento na fonte. Observamos ali um ornamento um pouco pós-medieval: uma bonita coluna, cercada com um gradeado também agradável, um monumentozinho em cima, o qual representa uma criatura humana que está em pé — talvez seja Nossa Senhora — e a fonte que serve para esse bairro da cidade.

Notem as casas altas com os tetos em forma de “V”. Qual é a razão disso? No inverno, para não acumular neve nos tetos — que é muito pesada e os faz ruir —, estes são dessa forma para que a neve escorregue e vá para o chão. Que o solo fique cheio de neve não importa, o problema é salvar o teto das casas.

Como, entre a base e o alto do teto, havia um espaço coberto muito grande, eram feitos andares. Esses são prédios de apartamentos de classe média baixa — mais da classe baixa do que da média; qui é um ambiente mais simples do que o da primeira praça que vimos. Os prédios são menos bonitos, exceto aquele que se vê no fundo, o qual deveria ter provavelmente uma utilização municipal ou eclesiástica, do município ou de uma paróquia da Diocese de Rothenburg.

As flores e as folhas

Numa outra fotografia, percebe-se que é verão e nota-se uma coisa característica das cidades alemãs, que lhes dá um encanto especial: é serem floridas. Ao longo das paredes, jarros de flores que ornam — quando elas florescem — a cidade muito alegre, risonha, onde se mostra, também nas cortininhas, a alegria de viver do povinho. É típico de casa alemã, mesmo muito modesta: cortininha bem arranjadinha e, quando chega o verão, põem-se do lado de fora jarras com gerânios e outras flores de cores vivas. E fazem concurso para saber quem expôs as flores mais  ivas. E isto constitui um ponto de amor-próprio que atrai toda a atenção da cidade, e concentra as conversas e a atenção deles em coisas inocentes, bonitas, que elevam, educam, e não têm nada do cinema e da TV moderna.

Tenho a impressão de que aquela torre é de uma igreja, porque no ápice dos torreõezinhos me parece haver cruzes. E, provavelmente, no cume do telhado central deve existir uma cruz ainda mais evidente. Tem algo indefinido de edifício religioso. Será talvez a torre da principal igreja da cidadezinha.

Em outra fotografia nota-se a beleza da vegetação da Europa. Nossa vegetação sul-americana, centro-americana, tem coisas lindíssimas, mas Deus a cada qual concedeu as suas coisas. À América do Sul, e creio que também à do Norte, o Criador deu lindas flores. Deu-as também, em alguma medida, à Europa: as tulipas da Holanda, por exemplo, são qualquer coisa de maravilhoso, mas o que  nós não temos como eles são as folhas maravilhosas.

Comparemos as folhas que estamos habituados a ver em nossas cidades, com essas que são verdadeiras exposições de pedras preciosas. As folhas são de um colorido bonito, meio douradas, e tem-se a impressão de que cada uma delas é uma pedra preciosa. São finas e o sol as atravessa; por causa disso, quando se olha, tem-se a impressão de que o astro rei mora dentro delas. São muito bonitas na primavera, mas a sua beleza muitas vezes é maior no outono, quando elas ficam velhas. É um fenômeno com poucos exemplos na natureza: quando a velhice enfeita.

No inverno, quando começam a cair, essas folhas têm uma cor de “champagne”, de vinho, cores fantásticas; várias vezes estando na Europa tive vontade de fazer uma coleção de folhas, para mostrar aqui em São Paulo. Mas não foi possível, eu não tinha tempo, porém vontade não faltava.

Vejam como todo esse arvoredo, aquém e além do muro externo da cidade, faz um ambiente maravilhoso. Tudo isso enfeita as velhas pedras e a torre da catedral ou da paróquia. Forma um  ecanto lindo!

Povo muito alegre, expansivo e comunicativo

Em outra fotografia vemos a beleza assombrosa do inverno, com a neve. Tem-se a impressão de que as árvores são feitas de cristal; são, portanto, lindíssimas! Nesse edifício mais baixo, nota-se que a neve cobriu o teto e se acumulou a ponto de revesti-lo inteiramente. Fica agradável de ver e, apesar da ideia de frio que esta neve dá, tem-se  ma sensação de aconchego e faz supor ali dentro uma lareira acesa, na qual se queimam troncos de árvores com uma resina perfumada, junto à qual se encontra, sentado numa grande poltrona de couro, um homem lendo um daqueles livros escritos em pergaminhos colossais,  fumando um cachimbo e gozando o seu domingo.

O prédio à esquerda, com aquele balcão, pertence à Prefeitura. Embaixo, desenvolvem-se danças tradicionais onde moços e moças da cidade se dão as mãos e cantam. Vê-se a alegria inocente de  udo isso, com trajes moralizados. É a alegria medieval.

Aqui podemos observar uma rua de Rothenburg. As casas não são palácios, mas residências simples. É uma cena agradável de olhar e nos dá, muito ao vivo, uma ideia do que seria uma cidade medieval em dia de festa popular. O povo alemão é muito alegre, expansivo, comunicativo. E quando, em torno da cerveja, estão reunidos muitos alemães, eles cantam. Não por ficarem bêbados, as por estarem bem nutridos e alegres.

Não existe uma coisa que esteja em desordem; tudo bem arranjado e bonito. A decoração da parte de cima das casas é feita só com madeira, mas madeira entalhada; nada disso é rico, tudo é simples. Vemos como o bom gosto da classe popular pode formar uma vida plebeia digna. Assim eram, por exemplo, os móveis populares medievais. Não eram fabricados para reis, nem para  ondes ou barões; contudo, eram entalhados à mão, e hoje custariam uma fábula por serem muito raros. Uma verdadeira beleza! Por espantoso que seja, eu termino citando Marx. Karl Marx, o fundador do comunismo, numa história que ele faz do operariado na Europa, diz isto: “A idade de ouro do operariado europeu foi a Idade Média!” Isso os revolucionários não afirmam. Por quê?  porque a Revolução é mentirosa quando fala e até quando se cala; essa é a Revolução.

 

Plinio Corrêa de Oliveira – Revista Dr Plinio 200 (Novembro de 2014)

Mãe de misericórdia

A invocação de Nossa Senhora das Graças quer dizer que Ela tem em suas mãos todas as graças, porque é a depositária de todos os tesouros de Deus. Mas também significa Nossa Senhora dadivosa, misericordiosa, que tem as mãos abertas para mostrar que Ela quer dar tudo.

Ela é a Mãe de misericórdia, que deseja tocar todas as almas, inundá-las de benefícios, encher o mundo inteiro das manifestações soberanas e celestes de sua bondade e de seu poder.

 

Plinio Corrêa de Oliveira – Revista Dr Plinio 176 (Novembro de 2012)

(Extraído de conferência de 26/11/1970)

 

 

Mãe da Divina Providência

O amor materno de Maria tem força regeneradora para elevar e santificar uma alma; Ela é a Medianeira das graças necessárias para a justificação daquele a quem Ela ama. Confiemos a todo instante em Nossa Senhora, lembrando-nos sempre de sua extrema meiguice para conosco, de sua compaixão para com as misérias de cada um de nós.

Tenhamos presente que, na Salve Rainha, Nossa Senhora é chamada “Mãe de misericórdia”, e que o Lembrai-vos acentua a bondade d’Ela para com o pecador arrependido.

Sem nos compenetrarmos da misericórdia de Maria Santíssima, nada de bom faremos. Cultivando-a, nossa alma se cumula de confiança, de alegria e de ânimo. Tendo a Mãe da Divina Providência como nossa própria Mãe, nada nos deve abater. Ela tudo resolverá se, confiantes, implorarmos seu maternal socorro.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 16/11/1965)

Revista Dr Plinio 224 (Novembro de 2016)

Modelo perfeito de bispo

São Carlos Borromeu não foi apenas um grande bispo contrarreformista, mas, em algum sentido, o Bispo da Contra-Reforma. Não só por ser um homem de grande preparo e cultura, que irradiou sua sabedoria em seu tempo, mas por ter realizado o modelo  perfeito de bispo.

Não basta redigir obras refutando isso ou aquilo. A pessoa precisa ser a personificação, o próprio símbolo, o tipo humano das obras que escreveu. O trabalho que ele realizou, sendo o Bispo da Contra-Reforma e o modelo de bispo, foi de uma eficácia para a Igreja certamente maior do que a dos próprios escritos dele.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 30/10/1963)

São Carlos Borromeu, o Bispo da Contra-Reforma

A Pseudo-Reforma Protestante foi um dos grandes lances da Revolução. Porém, em contrapartida, Deus suscitou almas que muito contribuíram para explicitar e definir as verdades negadas pelo Protestantismo. Uma delas foi São Carlos Borromeu, grande figura da Contra-Reforma.

Sobre São Carlos Borromeu há os seguintes dados. Apesar de curtos, creio serem muito elucidativos:
Feito cardeal aos 23 anos, São Carlos Borromeu foi suscitado por Deus para a verdadeira reforma da Igreja.

Presidiu sínodos e concílios, estabeleceu colégios e comunidades, renovou o espírito de seu clero e das ordens religiosas.

À sua prudência deve-se, em grande parte, a feliz conclusão do Concílio Tridentino.

Modelo de Bispo da Contra-Reforma

São Carlos Borromeu tornou-se uma grande figura da Contra-Reforma, a qual nos interessa especialmente. Se a Pseudo-Reforma foi um dos grandes lances da Revolução, a Contra-Reforma foi, evidentemente, um dos grandes lances da Contra-Revolução.

As grandes figuras da Contra-Reforma auxiliaram muito a definir, na Igreja, todas as verdades que o protestantismo negava. Representam um grande exemplo para nós, tendo sido o contrário de certos teólogos vazios, que não têm os olhos postos nos problemas do tempo, mas escarafuncham, por curiosidade, questões dentro dos jardins da Teologia. Os personagens da Contra-Reforma tinham sua atenção posta no mal como se apresentava naquele tempo, e tomaram posição contra esse mal; por essa forma fizeram progredir muito a doutrina católica.

Uma categoria de pensamento do contrarrevolucionário é exatamente não estar fazendo estudos no ar, os quais não têm relação com o aspecto que a Revolução apresenta no momento; mas realizar estudos a serviço da Igreja, para salvar as almas, refutar ideias falsas e, mais ainda, em que o suco do pensamento é acrescido pela análise acurada do erro.

É próprio do sentido cultural de nosso Movimento conhecer a verdade por duas formas.

Primeira: deduzindo as verdades ainda não sabidas daquelas que já são conhecidas. Segunda: analisar o erro e, ao refutá-lo, conhecer melhor e mais profundamente a verdade estudando a negação dela. Não aproveitando os fragmentos de verdade existentes no erro, mas, por exclusão, entendendo a verdade que se deve sustentar. Por essa razão, os doutores da Contra-Reforma nos são muito caros.

São Carlos Borromeu foi, não apenas um grande bispo contrarreformista, mas, em algum sentido, o Bispo da Contra-Reforma. Não só porque ele era um homem muito preparado, de grande cultura e que era irradiada por ele a toda a Igreja em seu tempo, mas por ter realizado o modelo perfeito do bispo. Muitos dos bispos bons, que viveram desde a Contra-Reforma até nossos dias, tinham o ideal de serem bispos como o foi São Carlos Borromeu.

Eficácia do tipo humano

Não basta redigir obras refutando isso ou aquilo. A pessoa precisa ser a personificação, o próprio símbolo, o tipo humano, das obras que escreveu. O trabalho que ele realizou, sendo o Bispo da Contra-Reforma e o modelo de bispo, foi de uma eficácia para a Igreja certamente maior do que a dos próprios escritos dele. Não quero dizer que sempre o exemplo vale mais do que o escrito –– seria exagerado. Mas, nesse caso concreto, ele valeu mais pelo exemplo do que pelos seus escritos.

Para não me alongar demasiado, conto um fato da vida desse santo:
Naquele tempo, julgava-se — como também nós julgamos — que um cardeal deve revestir-se de pompa, de grandeza, de solenidade, para fazer brilhar a glória de Nosso Senhor Jesus Cristo diante dos homens. São Carlos Borromeu pertencia a uma grande família italiana; além de Príncipe da Igreja ele era, até certo ponto, senhor temporal de Milão e, durante certo tempo, foi Cardeal Secretário de Estado. Por todas essas razões devia cercar-se de grandeza, e de fato ele assim o fez.

Certa vez, ele andava numa esplêndida carruagem, com acolchoados, e toda a pompa, pelas ruas de Milão — ou numa estrada, não me lembro exatamente — quando passa perto dele um frade simples, pobre, montado a cavalo. Cumprimentos de parte a parte, e o frade lhe diz: “Eminência, como é agradável ser cardeal! Viaja-se de modo mais cômodo do que um simples frade!” O Cardeal Borromeu voltou-se muito gentilmente para o frade e convidou-o então a viajar com ele. O frade entrou na carruagem, sentou-se e começou a dar gritos devido aos cilícios existentes por debaixo do banco. O cardeal viajava sobre cilícios, sofrendo com as sacudidelas próprias de uma estrada ou rua daquele tempo, embora metido nas sedas, nos cristais e púrpuras de uma carruagem provavelmente toda dourada e ainda com plumas e lacaios.

A santa prudência

Quanto à “prudência” de São Carlos, não significa que ele tenha sido um homem cauteloso, que evitou qualquer risco. Esse é o sentido comum da palavra prudência. A prudência é a virtude cardeal que nos faz conhecer e aplicar bem os métodos necessários para os fins que temos em vista.

Por exemplo, um membro prudentíssimo de uma empresa de contabilidade é aquele que emprega as boas regras para tocar para a frente a escrituração. Nós agimos com prudência em relação à legislação trabalhista, não só pagando o necessário para evitar problemas, mas também tomando as necessárias providências para receber aquilo a que temos direito. Quer dizer, a prudência é o acerto no agir. Então, o texto da ficha elogia São Carlos Borromeu porque teve esse acerto. Para a conclusão do Concílio de Trento ele empregou, com grande sabedoria e prudência, os métodos adequados.

Na Ladainha Lauretana se invoca Nossa Senhora como “Virgo Prudentíssima”, a Virgem que com muito acerto fez as coisas para chegar ao fim que a super excelsa vocação d’Ela pedia ou indicava.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 30/10/1963 e 4/11/1968)

O valor do sofrimento e a majestade da morte

O valor do sofrimento, aceito por amor a Deus, e a majestade da morte constituem duas importantes verdades negadas pelo mundo moderno, cuja meditação é necessária para o progresso na vida espiritual. A respeito delas, Dr. Plinio colhe preciosas lições da Comemoração dos Fiéis Defuntos.

 

O  dia de Finados representa muitíssimo para nós. Antes de tudo, por ser a ocasião em que rezamos pelas almas de todos os fiéis falecidos e que, porventura, estejam no Purgatório. Mas é também o dia em que a Igreja, com aquele tato que lhe é próprio e absolutamente inconfundível, torna presente para nós a realidade da morte.

”Lembra-te que és pó…”

A Igreja como que abre um precipício debaixo de nossos pés e nos faz ver uma multidão de almas em estado de pena, de sofrimento, ou seja, o infortúnio daqueles que, ao morrerem, não foram diretamente para o Céu. Tudo isso se torna presente diante de nós.

É bonito ver na Liturgia as frases de Jó, as lamentações que lembram o homem levado até às beiras da loucura; e depois aquele que penetra pelas fauces da morte, inteiramente isolado, e seus ossos vão se desfazendo, sua carne virando pó, um imenso pranto inunda sua alma separada do corpo, e a desventura daquela criatura pecadora, posta numa atmosfera de punição, esperando a misericórdia de Deus e a compaixão dos vivos. Isso faz muito bem!

De quando em quando devemos meditar sobre a morte, para compreendermos o que há de profundamente real naquela advertência do sacerdote na Quarta-Feira de Cinzas: “Lembra-te, homem, de que és pó e que voltarás a ser pó”. E isso nos faz dar uma dimensão exata a todas as coisas desta vida.

A qualquer momento podemos ser julgados por Deus

Nós todos, neste momento, podemos estar movidos por desejos tão vários. Mas o que são eles, quando calculamos o que somos? É uma coisa tremenda! No momento em que estou falando, é possível que um coágulo esteja a um centésimo de segundo para chegar ao meu cérebro e que eu não acabe de pronunciar esta frase, e caia morto.

Se sou algo de tão inconsistente que um coágulo partido de meu calcanhar liquida com todas as minhas aspirações, todos os meus desejos, todos os movimentos que eu tenha em relação às coisas desta vida; tão débil que, em última análise, sei que morrerei, e, ao passar pelo cemitério, vejo ali o meu destino fixado: é virar pó… Então sou levado a considerar com equilíbrio as coisas desta Terra.

Ponderem, por exemplo, o modo horroroso pelo qual se dá a decomposição dos nossos corpos. Primeiramente, o corpo começa a apodrecer e adquire, muito frequentemente, um estado de sebo ou de gelatina. Olhem-se no espelho, vejam seus traços definidos e pensem como será quando tudo isso tiver um caráter repugnante e gelatinoso…

Isso serei eu, esta carne, estes ossos, cujo impacto estou sentindo, ficarão reduzidos a esqueleto. Muita gente passará perto e dirá: “Que alívio!” Um ou outro lamentará: “Coitado!” Algum se lembrará de rezar por mim…

Pergunto: não é boa essa meditação para refrigerar muitos ardores, criar muitos desapegos, humilhar muito orgulho e fazer-nos compreender que podemos cair, de um momento para o outro, no julgamento do Deus vivo? Quem de nós sabe se vai chegar a sua casa hoje, se daqui a uma hora não estará sendo julgado por Deus, e em seguida queimado pelas chamas do Purgatório?

Como era o luto no início do século XX

Ora, sem essas incertezas a vida não tem grandeza nenhuma. Nada é belo, nada é atraente, a não ser com um pano mortuário no fundo. Porque é só pelo contraste com essa miséria fundamental, que compreendemos como é pouco tudo quanto queremos nesta Terra, e a grandeza do outro destino que nos espera.

A civilização moderna tem pavor do luto. Eu conheci o tempo em que as viúvas ainda usavam um luto, trajando-se de preto de alto a baixo, com um véu negro sobre a cabeça, mais espesso atrás e mais diáfano na frente. E quando elas iam fazer visitas para agradecer os pêsames, apresentavam-se com esse traje, levantando o véu para conversar e abaixando-o novamente ao sair.

Havia também o luto moderado. Aliviava-se o luto seis meses ou um ano depois da morte, conforme o grau de parentesco da pessoa falecida: esposo, pai, mãe, etc. Usava-se, então, o branco juntamente com o preto até que, ao cabo de um ou dois anos, suprimia-se completamente o luto.

Alguns dizem: “Isso é pura formalidade, eu não gosto disso”. Tais pessoas, na realidade, têm pânico da morte e por esta razão têm medo até dos trajes de cor preta. É, portanto, o medo de morrer que as fazem rejeitar o luto.

Nós devemos ver a morte com serenidade e com grandeza, inclusive no que ela tem de aflitivo e de tremendo. Há uma miséria grandiosa na morte, que nos leva a dizer: O ser inteligente, capaz de morrer e de passar por catástrofe tão enorme, tem uma tal capacidade de grandeza que, certamente, uma outra vida e um outro destino o aguarda. E nisso compreendemos, então, toda a nossa grandeza.

O papel do sofrimento na vida do homem

Digo mais: não é só a consideração da morte que faz bem, mas inclusive a visão da dor. Às vezes, sinto-me inclinado a fazer o papel de cicerone, levando alguns para um hospital do câncer, para a Santa Casa, para hospitais onde há gente que sofre de úlcera exposta na mão, no rosto, para compreendermos qual é o papel do sofrimento na vida, e como não se pode levar uma vidinha de boneca de louça, ignorando essas coisas, sem ter coragem de vê-las de frente.

Gostaria de fazer, algum dia, comentários de alguns trechos do Livro de Jó, que tem algumas descrições, as mais faustosas, da dor. Nunca vi tanta majestade na dor e fora da dor, como no Livro de Jó.

A meu ver, assim como Nosso Senhor disse que Salomão, em todas as suas glórias, não se vestiu como um lírio do campo — sentença admirável e inteiramente verdadeira —, acho que se pode afirmar que Luís XIV, em todo o seu esplendor, não teve a majestade de Jó no seu monturo. As lamentações de Jó são das coisas mais majestosas que tenha havido na Terra.

Compreendemos, assim, a majestade da tragédia que chega aos últimos limites, a grandeza que o homem tem conservando-se sapiencialmente sereno diante dessa tragédia.

Reflexo da majestade de Deus “puniente”

A propósito do dia dos fiéis defuntos, essa é a lição que a morte e os mortos nos dão. É uma lição incomparável de profundidade, de força de alma, de coragem, de grandeza.

Antigamente havia reportagens sobre a morte até em jornalecos ordinários, em que o redator, quando descrevia alguém que morreu, para falar do momento de seu falecimento, dizia: “Por fim expirou e a majestade da morte revestiu os seus traços”. Era uma ideia muito bonita. Há uma majestade da morte e, sobretudo, de certos mortos que refletem a própria majestade de Deus “puniente”, do Altíssimo enquanto castiga; existe a majestade do trovão, do relâmpago, do terremoto, dos cataclismos, e que é preciso conhecer e amar. Porque quem não conhece e não ama isso, não é capaz de ver Deus inteiro, na sua afabilidade, na sua meiguice sem fim e na grandeza de sua justiça também infinita.

Todas essas são meditações úteis para se fazer a respeito do dia de Finados.

Proponho rezar pelos fiéis defuntos nos seguintes termos: Desde que Nossa Senhora — detentora de todo o valor de nossas orações — nisso consinta, que as orações desta noite sejam para as almas do Purgatório mais abandonadas, e para as quais ninguém reza; almas que talvez tenham ainda mil anos de penas para cumprir, e não há quem peça por elas.

Mas com uma condição: que elas nos obtenham a compreensão, o amor e o entusiasmo por todas as sombras com que a morte enriquece a estética do universo e os panoramas verdadeiros da vida humana.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 2/11/1966)

Revista Dr Plinio  Novembro de 2013 (Reflexões Teológicas).

 

Um chamado para todos

No calendário litúrgico o mês de novembro se abre com a Festa de Todos os Santos, estendida à Igreja Universal no século IX, a fim de homenagear a multidão dos justos: aqueles que habitam a Jerusalém Celestial, canonizados ou não, bem como os vivos que se encontram na graça de Deus e conservam a sua amizade.

Nesse sentido, esta efeméride entrelaça a Igreja Triunfante, cujos membros já receberam a palma da glória eterna, e a Militante, vivendo neste mundo na prática da virtude, à espera da felicidade  futura. Consiste tal celebração, portanto, em mais um apelo para a vocação universal à santidade, dirigido por Deus a todo homem. Precioso convite ao nosso alcance e conforme aos melhores anseios de nossos corações, como salienta Dr. Plinio: Por sua natureza, a criatura humana é dotada de possibilidades e valores os quais deve procurar cultivar e aperfeiçoar, caso deseje se realizar  por inteiro. Nessa busca, ela não pode ter ambição mais bela e mais nobre diante de si, do que a de ser santa.

Enganar-se-ia quem pensasse ser o ideal da santidade exclusivo dos expoentes da humanidade que um dia chegam à glória dos altares. Não. Pela ação da graça divina, todos podemos ser cortesões do Rei dos reis no Céu, desfrutando de uma felicidade sem jaça, imorredoura, pelos séculos sem fim. Todos fomos feitos para essa imensa, criteriosa, sábia, mas ousada aventura, na qual ordenamos nossa alma para Deus, a purificamos e embelezamos, dispondo-a à bem aventurança eterna, à corte celestial onde um assento nos está reservado.

É, pois, na esperança de podermos viver, de batalhar pela nossa santificação e de morrer na paz de Deus, confiantes em Nossa Senhora, agradecendo a Ela porque nos obteve graças para nos tornarmos outros heróis da Fé e príncipes do Céu, que devemos atravessar nossos dias neste chão de exílio. Cumpre lembrar que a Festa de Todos os Santos precede a celebração da memória dos  fiéis defuntos, ou seja, da Igreja Padecente no Purgatório, ela também partícipe desse hífen maravilhoso que liga a Terra ao Céu.

Quão sensível era Dr. Plinio a esse universo aberto, no qual a Igreja Triunfante e a Penitente se unem à Militante! Entusiasmava-o sobremodo considerar essa grandiosa epopeia da santidade, a todo momento enriquecida pela ação da graça divina, dispensada a rogos de Maria em favor de todos, e impetrada por nossas orações, pelos méritos infinitos do Santo Sacrifício de Jesus renovado nos altares do mundo inteiro, assim como pela  intercessão de nossos Anjos da Guarda e padroeiros celestes.

É uma situação simplesmente admirável a que somos chamados — exclamava Dr. Plinio —, fazendo- nos santos, postos na visão e na adoração contínuas da Trindade Santíssima! E o homem que santificou sua alma, no instante de transpor os umbrais da eternidade poderá dizer as palavras mais magníficas que imagino postas nos lábios de um moribundo, repetindo São Paulo: “Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé; resta-me agora receber a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me entregará naquele dia!” (II Tim 4, 7-8).

 

Justiça e misericórdia

A Igreja, tendo comemorado condignamente, no dia 1º de novembro, os seus filhos que exultam no Céu, pretende, sem demora, socorrer com seus piedosos sufrágios os que ainda gemem no purgatório para que possam, o quanto antes, juntar-se aos cidadãos do Céu.

Essas palavras do Martirológio, comentava Dr. Plinio, “explicam o motivo pelo qual a Santa Igreja instituiu uma celebração própria a convidar os fiéis a alcançarem, com suas preces, a libertação das almas do purgatório.

“Neste lugar de purificação devemos ver um aspecto maravilhoso da sabedoria divina, cujo equilíbrio nele reluz de modo especial, isto é, a conjunção da justiça e da misericórdia infinitas de Deus, adornadas pela insondável solicitude materna de Nossa Senhora que desempenha particular papel em relação àquelas almas.

“Com efeito, podemos contemplar como o Criador, de um lado, não poupa a essas almas a expiação que têm de cumprir por conta das faltas cometidas neste mundo; de outro, admiramos como Ele as ama, pois passaram desta vida na graça de Deus e possuem a imensa alegria, a suprema consolação de se saberem merecedoras da eterna bem-aventurança, na qual hão de ingressar após seu período de purificação.

“Ora, para os espíritos que já não se encontram ligados a corpos mortais, que já não consideram as coisas com a fraqueza de um homem unido à carne perecível e, portanto, compreendem melhor o significado de eternidade, essa certeza do Céu representa um regozijo sem fim. Sabem que possuirão a visão beatífica e o amor de Deus para sempre, sabem que tudo quanto sofrerem no purgatório é pouco em comparação com o oceano de deleites, de alegria e felicidades infindos que as aguarda no Paraíso Celeste.

“Essa garantia traz para a alma do fiel defunto um alento indizível, fazendo-a sentir a predileção de Deus para com ela, como se o Senhor lhe dissesse: “Tu és minha filha, e minha filha dileta. Durante toda a eternidade me contemplarás, e Eu terei a alegria — de dentro de minha felicidade substancial e perfeita — de contemplar a ti!”

“Não será difícil perceber como essa promessa divina é de um valor superior a qualquer tesouro que possamos imaginar. Tanto mais se, à misericórdia divina, somarmos o carinho materno e o amparo sem limites de Maria Santíssima para com as almas do purgatório. Não sem razão A cultuamos como a vida, doçura e esperança nossa, e Ela o é, de modo todo particular, para os que purgam suas faltas a um passo do Céu. Segundo certas revelações particulares, a Mãe Deus, durante o ano inteiro (para usarmos a linguagem terrena) obtém a libertação de almas do purgatório, porém o faz de maneira especial no dia em que a Igreja celebra alguma festa mariana. Nossa Senhora desce até lá, e onde Ela entra, envolta como que num orvalho celestial, as chamas fogem, os tormentos se pacificam, as almas se tomam de um maravilhamento indescritível e muitas delas acompanham de volta o Refúgio dos Pecadores até a glória eterna, à qual doravante pertencem.”

Essas consoladoras reflexões a propósito da Festa dos fiéis defuntos, Dr. Plinio as concluía com este judicioso conselho:

“Peçamos à Santíssima Virgem, nossa esperança e doçura nesta vida e na futura, obtenha-nos a graça de nos compenetrarmos de tudo quanto significa o purgatório, como dolorosa expiação, assim como de transição para a eterna bem-aventurança, iluminado pela misericórdia de Deus e de Maria. Queira Ela nos auxiliar a termos almas limpas e íntegras, que procuram evitar não só o pecado mortal, mas também o venial, tão detestado por Deus a ponto de Este o punir com aqueles padecimentos.

Tal seria a súplica adequada a fazermos a Nossa Senhora nessa celebração.”

Plinio Corrêa de Oliveira

Santidade “victa et non picta”

Santo Afonso Rodrigues conseguiu fazer um bem imenso à Espanha e a todo o mundo, ocupando um posto humílimo. Ele era porteiro de um convento situado numa ilha que naquele tempo tinha comunicação difícil com o continente. Ali ele consumiu quarenta e cinco anos de sua existência.

Apesar de estar nesse recanto, o bom odor de Jesus Cristo que havia nele espalhou-se por toda a ilha de Palma de Mallorca, pela Espanha e depois pelo mundo, com a figura venerável desse porteiro velho, acolhedor, afável, sempre ao alcance de todos na portaria e, portanto, podendo ser consultado por quem quisesse. Isso fez de sua cadeira de porteiro um trono da sabedoria. Todos iam lá para vê-lo e ouvi-lo.

Foi uma vida toda integrada e empregada no serviço de Deus Nosso Senhor e da Santa Igreja Católica, porque a santidade, ou seja, a sabedoria, tem uma irradiação própria que a nada se compara. Não é tão importante que o Santo esteja num lugar onde todos veem, porque onde ele se encontre o afeto e a admiração confluem para lá. Basta que seja um Santo autêntico, com uma santidade – como diziam os antigos – “victa et non picta”, isto é, conquistada e não pintada.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 30/10/1967)

Rainha de todos os Santos

Eleita pela Sabedoria divina como Soberana de todo o universo, Nossa Senhora é, por isso mesmo, Rainha de todas as ordenações dispostas por Deus nos vários âmbitos da Criação, de modo particular no que tange a natureza humana. E nesta, quando fiel à moral, a ordem corresponde à virtude e, portanto, a uma certa forma de santidade.

Pode-se dizer, pois, que a Senhora de todas as ordenações é, em conseqüência, a Rainha de todas as santidades que existiram, existem e ainda existirão, possuindo-as nos seus píncaros respectivos — “Regina Sanctorum Omnium”.

Plinio Corrêa de Oliveira