Uma ilustre conquista de Nosso Senhor Jesus Cristo

Ser um autêntico Amigo da Cruz significa nutrir na alma um particular amor aos valores sobrenaturais, e ter sempre em vista esta subida verdade: fomos engendrados durante a Paixão de Cristo; mil dores e gemidos precederam nosso nascimento, que se deu através da chaga aberta no flanco do Redentor. Dr. Plinio prossegue suas considerações sobre o opúsculo escrito por São Luís Grignion de Montfort.

 

Como vimos em nossa última exposição, São Luís Grignion estabelecia certas características fundamentais do autêntico Amigo da Cruz, entre elas, o possuir um espírito metafísico, desapegado dos interesses terrenos e voltado primordialmente para os valores sobrenaturais.

Cumpre formar as almas no amor às verdades metafísicas

Ora, para se ter esse feitio de alma é necessário uma formação católica que cultive, com seriedade, o amor às verdades metafísicas, que proporcionará ao fiel uma sólida disposição para abraçar a Cruz e o sofrimento. Infelizmente, tal formação não é corrente, e essa lacuna traz como funesta conseqüência, entre outras, o fato de pessoas se subtraírem às aulas de catecismo e abandonarem prematuramente a prática da religião. Afirmar, pura e simplesmente, que elas rejeitaram a ascese e por isso se expõem ao risco da condenação eterna, é um julgamento sumário.

Ponderemos. Foi-lhes explicada a doutrina da Igreja sobre as virtudes católicas em toda a sua importância e magnitude? Por outro lado, mostraram-lhes até onde chega a degradação dos vícios? Ou apenas se lhes falou dos Dez Mandamentos, com referências concisas, sem explanações complementares?

Quer dizer, há portanto toda uma ascese para se amar a Cruz, a qual, ao longo dessas exposições, à medida que o texto o favorece, procuramos apontar.

São Luís Grignion nos deu, até aqui, dois pressupostos para se tornar um Amigo da Cruz. O primeiro consiste na ternura diante dos padecimentos infinitos de Nosso Senhor Jesus Cristo no Calvário. Segundo, acima lembrado, o espírito metafísico por onde a pessoa se destaca da consideração das realidades meramente palpáveis e dirige seu pensamento para o invisível, para os bens sobrenaturais. Quem quiser se formar na escola dos Amigos da Cruz deve, pois, cultivar esses traços de alma.

Indivíduos particularmente chamados

Continuemos a analisar as palavras de São Luís Grignion:

Um Amigo da Cruz é uma ilustre conquista de Jesus Cristo crucificado no Calvário, em união com sua Santa Mãe…

Faço notar, uma vez mais, que em toda a Carta, São Luís escreve “Amigo da Cruz” com A e C maiúsculos, pois ser membro dessa sociedade por ele fundada é uma “ilustre conquista de Jesus Cristo”. Ou seja, Nosso Senhor conquistou cada um particularmente, derramando seu Sangue para que este e aquele fossem mais chamados e recolhidos no cenáculo dessa instituição. E — belíssima característica de São Luís Grignion — a referência nunca esquecida a Nossa Senhora:

…em união com sua Santa Mãe. É um Benoni ou Benjamin, filho da dor e da destra…

Refere-se aos dois nomes dados ao último filho de Jacó: o primeiro por sua mãe, Raquel, o outro por seu pai (Gn 35, 18). “Filho da dor e da destra”, bonita expressão, indicativa de traços da própria alma de São Luís Grignion de Montfort. Com efeito, embora ele não explique, entre a destra e a dor há certa correlação. Pode-se entrever que a dor propicia méritos para o indivíduo se tornar um filho da destra, isto é, um filho que é direito, sério, honrado, objeto de especial preferência. Não há destra sem dor, e toda dor santa tem algo de destra.

Filhos da dor, cobertos pelo Sangue de Cristo

… gerado em seu dolorido Coração, vindo ao mundo por seu lado direito atravessado e coberto da púrpura de seu Sangue.

Eis uma comparação em extremo contundente, própria a surpreender as almas superficiais. Imaginemos um marquês do Ancien Régime(1), trajado com roupas vistosas e de espírito frívolo, a quem São Luís Grignion afirma que deveria “ser gerado no dolorido Coração de Jesus, vindo ao mundo por seu lado direito atravessado e coberto da púrpura de seu Sangue”… A superficialidade do nobre receberia um duro golpe!

Pois outro não é o paralelo estabelecido pelo santo. Ele compara o nascimento do filho da destra, ou seja, do Amigo da Cruz, à gestação e ao parto dolorosos de uma criança; no caso, vindo à luz em meio ao sofrimento, através do Coração de Cristo aberto por uma lança. Aí nasceram os especialmente chamados, que vêm à Terra cobertos pelo Sangue do Redentor. São filhos da dor, da agonia e da morte, e não do prazer. Nasceram para as sublimidades dessas perspectivas e não para a frivolidade. Seu feitio de espírito é o oposto ao do homem mundano, que deseja viver apenas para a fruição das transitórias alegrias terrenas.

Esteio da mentalidade de um autêntico católico

Importa termos sempre em vista essa subida verdade: fomos engendrados durante a Paixão de Cristo. Mil dores e gemidos precederam nosso nascimento. Este se deu tragicamente, através da chaga do lado de Nosso Senhor, provocada pela lança de Longinos. Portanto, onde a última gota de água, o último sangue, a derradeira oblação, a extrema generosidade se fizeram notar. Compreende-se, assim, a diferença entre essa visualização e o mundanismo.

Recordo-me de que nas antigas cerimônias de Semana Santa, durante a Via Sacra se cantava: “Pelas lágrimas de Maria, tende de nós compaixão; por vossa última agonia, tende de nós compaixão; Jesus, perdão, perdão”. Nesse hino as pessoas se compraziam em considerar a luminosa e sublime tristeza de Nosso Senhor, e ao ouvi-las cantando, eu pensava comigo mesmo: “Embora muitos não estejam compenetrados, o fato de entoarem esse cântico lhes dá uma tal ou qual participação no valor daquilo que a letra da música exprime”. Ou seja, participavam do amor à Cruz de Cristo.

Reafirmo, portanto: nada em matéria de pensamento de vida interior vale qualquer coisa se não proceder desse sofrimento, do ato sacrifical de Nosso Senhor no alto da Cruz e de nossa gestação dolorosa aí realizada. Isto constitui o esteio da mentalidade de um autêntico católico. Todos os santos foram assim. E todos somos chamados a nos enternecer com a Paixão de Nosso Senhor, com sua Sagrada Face ensanguentada, desfigurada, machucada.

Mortos para o mundo, a carne e o pecado

Continua São Luís Grignion:

Dada a sua extração sangrenta, ele [Amigo da Cruz] só respira cruz, sangue e morte ao mundo, à carne e ao pecado, para estar totalmente oculto aqui na Terra com Jesus Cristo em Deus.

Trata-se, pois, da atitude em face dos adversários da Cruz, isto é, o mundo, a carne e o pecado. Além disso, refere-se o Santo à passagem da epístola de São Paulo aos colossenses: “estais mortos, com efeito, e vossa vida é toda oculta em Deus com Jesus Cristo” (Cl 3, 3). É uma metáfora com a qual ele indica que devemos morrer para as coisas materiais e carnais, utilizando-nos destas apenas na medida em que favorecem nossa união com Deus, e não para os meros deleites que podem nos proporcionar.

Enfim, um perfeito Amigo da Cruz é um verdadeiro porta-Cristo, ou antes, um Jesus Cristo, de maneira que possa, em verdade, dizer: “vivo, mas não eu, é Jesus Cristo que vive em mim” (Ga 2, 20).

Magnífica afirmação de São Luís Grignion, mostrando-nos o Amigo da Cruz como um porta-Cristo, ao mesmo tempo que nos faz essa soberba promessa de apostolado: aonde vai o Amigo da Cruz, este leva Nosso Senhor consigo. Portanto, sua evangelização se reveste de uma suprema eficácia.

Vê-se, assim, uma vez mais, a grande necessidade de formar as pessoas para compreenderem o atrativo da Cruz, amá-la e, desse modo, deixarem Nosso Senhor Jesus Cristo viver nelas. E isto supõe uma profunda gravidade de alma, contrária a tudo quanto podem pensar os espíritos superficiais.

 

(Continua em próximo artigo)

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 3/6/1967)

1) Período da história da França iniciado em princípios do século XVII e extinto em 1789, com a Revolução Francesa.

 

Santo Abércio, o fulminante

Para imitar o Divino Redentor, deve o santo ser sempre um derrotado? Ao comentar alguns dos extraordinários feitos de Santo Abércio, Dr. Plinio responde a esta pergunta e delineia o perfil do autêntico católico, mesmo quando sobre este se abate a derrota.

Tenho em mãos uma ficha a respeito de Santo Abércio, bispo e confessor, extraída de uma obra do Padre Emmanuel D’Alzon(1), fundador dos agostinianos assumpcionistas.

Destruindo ídolos e exorcizando possessos

Numa zona da atual Turquia, elevava-se outrora a cidade de Hierápolis, dedicada a Apolo e evangelizada por São Paulo. Ao subir ao poder Marco Aurélio, em 161, era Bispo de Hierápolis, Abércio, já conhecido por suas virtudes. Um acontecimento, contudo, ia tornar esse Bispo um nome particularmente famoso. O novo Imperador incrementou o culto aos ídolos e, como Hierápolis era cidade consagrada, cresceu o número de procissões aos deuses pagãos.

Abércio sofria muito com isso. E certa noite, enquanto dormia, foi despertado por um Anjo que lhe entregou uma vara e lhe disse:

— Levanta-te, é hora! Com essa vara vai derrubar os falsos deuses que iludem o povo.

Sem delongas, ele correu ao templo, agora silencioso, e com seu instrumento lançou ao chão Apolo, Hércules, Diana, Vênus, e os estraçalhou.

Os sacerdotes e guardas acorreram, por causa do tremendo ruído, e viram, surpresos, o Bispo.

— Ide, afirmou ele, dizei aos magistrados e ao povo de Hierápolis que seus deuses, empanturrados de carne e embriagados de vinho, rolaram uns sobre os outros e se fizeram em mil pedaços. Juntai agora esses destroços, que eles talvez sirvam para algum entulho!

E retirou-se sem que ninguém ousasse tocá-lo. Foi dar aulas a alguns discípulos, como fazia todas as manhãs.

Entretanto, vozes começaram a se ouvir pedindo sua morte. Pagãos furiosos o procuraram e, ao encontrá-lo, avançaram para exterminá-lo. Mas foram detidos por três possessos, famosos na cidade, que se atiraram ante o Bispo, mordendo-se e uivando. A multidão deteve-se, fixando os olhos em Abércio, cuja nobreza e doçura a enchia de admiração, ao mesmo tempo em que as contorções daqueles infelizes a aterrorizava.

O Bispo ergueu as mãos e disse:
— Deus Todo-Poderoso, Pai de Jesus Cristo, cuja misericórdia ultrapassa infinitamente a malícia dos homens, eu Vos suplico: livrai esses infortunados das cadeias de Satanás para que todo esse povo Vos reconheça como Deus verdadeiro.

Com seu bastão, já vencedor dos ídolos, tocou os três possessos, que caíram inanimados aos seus pés. Ele os ergueu salvos e os enviou para suas casas.

Ante esse espetáculo, a multidão a uma só voz gritou:
— O Batismo! O Batismo! O Deus de Abércio é o verdadeiro Deus!

O exército salvo por um milagre

Santo Abércio teve sua fama difundida por toda a Ásia após esse fato. De regiões longínquas vinham procurá-lo. Possuindo o dom dos milagres, várias vezes favoreceu maravilhosamente a família de Marco Aurélio, inclusive libertando sua filha, a Princesa Lucila, de uma possessão diabólica. Era estimado pelo Imperador que, entretanto, nunca se converteu.

No fim da vida, Santo Abércio recebe uma missão muito especial, que foi a de consolar os cristãos na Síria, então muito perseguidos. Após exaustivas viagens, algumas igrejas quiseram fazer-lhe doações em dinheiro. Como ele recusasse, os cristãos não se conformaram em não lhe manifestar concretamente sua gratidão. Um católico de família ilustre propôs, então, prestar ao santo um outro tipo de homenagem. Dar a Abércio o título de “Igual aos Apóstolos”. Acrescentaram-lhe então, o nome grego de Isapóstolos.

É interessante acrescentar que tendo Santo Abércio recebido um aviso sobre sua morte, escolheu sua sepultura e fez gravar em mármore uma inscrição bem detalhada. Ao ser descoberto esse túmulo, no século XIX, tais dizeres comprovaram vários fatos históricos, que historiadores céticos haviam negado. Um dos mais interessantes é o que se refere a um acontecimento da vida de Marco Aurélio:

Seu exército, cercado num desfiladeiro, ia perecer de sede e fome. Seus soldados, torturados, chegavam a abrir as veias e beber o próprio sangue. Marco Aurélio, que então perseguia os cristãos, teve a ideia de recorrer ao verdadeiro Deus. Procurou por soldados cristãos e, indignado, verificou que eram muito numerosos, principalmente porque ali havia toda uma legião cristã, de Melitene. Os soldados invocaram o Todo-Poderoso e, nesse momento, relâmpagos caíram como chamas sobre os bárbaros, enquanto uma chuva benfazeja reanimou os romanos. Marco Aurélio deu a essa legião de Melitene o nome de “Legião Fulminante”. O senado romano, na coluna que mandou erguer em homenagem ao fato, atribui o milagre a Júpiter.

Erro muito grave: julgar que todo santo é sempre um derrotado

Nota-se nessa ficha a resposta a uma pergunta que a leitura da vida de tantos santos suscita.

Com efeito, os hagiógrafos se comprazem, e a muito justo título, em mostrar que o santo é um sofredor, compreende que essa Terra é um vale de lágrimas, a vida é o caminho da cruz e que é preciso levar a cruz até o alto do Calvário, seguindo Nosso Senhor Jesus Cristo. E por causa disso, na história dos santos, muitas vezes acentuam com especial ênfase o lado do sofrimento. E como a derrota é um dos grandes sofrimentos desta vida, naturalmente eles destacam também as derrotas.

E disso se depreende, de um modo geral — para um espírito que não esteja suficientemente advertido —, a ideia de que o santo é necessariamente um derrotado. E que não ser sempre um derrotado, esmagado, não estar sempre por baixo, não sofrer de uma espécie de inferioridade diante do adversário, é não ser verdadeiramente santo.

De onde nasce o tipo de católico amolecido e sentimental, que tem uma espécie de escrúpulo de se sentir triunfante, vitorioso, que julga uma impiedade alguém ser combativo, inclusive em relação ao demônio.

Na realidade, muitas vidas de santos são uma série de derrotas; outras, embora não o sejam, têm na derrota, entretanto, sua característica mais sublime. De fato, na vida do católico nesta Terra, muitas vezes a aceitação do insucesso se impõe como um modo de se unir a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Mas daí se tirar a conclusão de que é inerente à santidade estar sempre derrotado, em posição de inferioridade, há um erro muito grave. A começar pelo fato de que o verdadeiro santo, mesmo quando perseguido, derrotado, não sofre nenhuma forma de complexo, e muito menos ainda o de inferioridade em relação ao adversário. O modelo de todos os santos é Nosso Senhor Jesus Cristo, e Ele morreu sobranceiro e divinamente majestoso no alto da Cruz.Um homem que esmaga a impiedade.

Mas há certas vidas de santos em que esse sentido da vitória, do triunfo, se realça de uma maneira particular.

É o que podemos notar de um modo sensível na vida extraordinária desse santo. Vemos que ele tem todas as qualidades de um homem habitualmente triunfante, e que esmaga a impiedade com a sua virtude, sua coragem, levando a impiedade de roldão.

Notem o primeiro fato interessante: ele sofria muito pelo fato de que havia na cidade na qual morava, Hierápolis, um grande número de ídolos, e por isso ele rezou muito a Deus. Ele não sofreu porque lhe faltava algo na sua vida particular. Nem sequer a ficha trata da existência particular dele, mas da causa de Deus em Hierápolis, e mostra como ele não encontrava alegria nem satisfação porque a glória do Altíssimo estava calcada aos pés nessa cidade.

Remédio: sentindo a desproporção entre os ídolos que ele quer abater e as suas próprias forças, o santo recorre à oração. E através desta vem a solução.

Ele é acordado por um Anjo de quem recebe uma vara milagrosa. Vai ao templo, que está naturalmente vazio durante a noite, e toca com a vara os ídolos que estão eretos em alguns altares. Os ídolos rolam pelo chão e fazem um barulho tremendo. O que se concebe, porque esses ídolos eram muito maiores do que o tamanho natural de um homem, e sempre esculpidos em pedra.

Podemos imaginar o barulho que haveria de fazer, numa pequena cidade romana do tempo de Marco Aurélio, durante a noite, quatro ídolos grandes que caem no chão com tanta força que se espatifam. Entram os sacerdotes, e então há cenas que mereceriam figurar num teatro.

Filme sobre Santo Abércio

Vou dizer mais: se algum dia devêssemos fazer um filme ou espetáculo de televisão, a vida de Santo Abércio seria o tema.

Primeira cena: À noite, um templo de beleza clássica, no qual penetra um pouco de luar e uma coruja ou morcego esvoaça no recinto. Surge Abércio sozinho, com grande túnica branca, manto lançado sobre os ombros, segurando na mão a vara e rezando. Ele para no limiar do templo e olha com santo ódio. Depois diz: “Em nome de Deus Todo-Poderoso e para a glória de Maria Santíssima…” Caem os quatro ídolos e se espatifam no chão.

Imaginem a majestade e a dignidade do gesto! Os ídolos tinham tanta massa que uma forte pancada não os derrubaria, mas por uma força sobrenatural eles vacilam e caem. E o olhar de Abércio, vendo os ídolos se espatifarem…

Segunda cena: Na vaga claridade do amanhecer, vêm correndo ao templo os sacerdotes, com tochas, e encontram Abércio calmo, que os enfrenta cara a cara.
Pasmos, eles perguntam:

— Que fez este homem? Como ele se justificará deste sacrilégio?
Abércio, então, se justifica daquele “sacrilégio” por uma “blasfêmia”:
— Juntem este entulho e podem jogar no lixo! São deuses empanturrados de carne e vinho. Não valem nada! Vejam se ao menos para o lixo servem…

E o santo sai lentamente, enquanto os sacerdotes ficam olhando para aquele homem que se retira como uma aparição.

É um prenúncio do grande triunfo de Constantino, uma espécie de antegozo da época em que o paganismo vai ser esmagado definitivamente, e será instaurado o Reino de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Depois disso, o que ele faz? Nada que seja gabar-se por seus próprios feitos. Vai com toda a calma retomar sua função de professor; senta-se e começa a dar aula para os alunos.

Representou a vitória e a glória de Deus na Terra

Fato curioso, a calúnia começa a trabalhar. Alguns dos alunos, para os quais os sacerdotes haviam contado o ocorrido, difamam Abércio. O ódio cresce em torno dele e, talvez, através das janelas da sala em que lecionava, ele ouvisse murmúrios e sinais desse ódio.

Sereno, tranquilo, terminada a aula, ele sai e defronta-se com a multidão. Podemos imaginar o que é uma população trabalhada pela calúnia, efervescente, com alguns bruxos pelo meio:
— Pega, é aquele homem! Derrubou os ídolos! Onde já se viu?!

E Abércio, calmo, sobranceiro:
— O que é?

O povo olha para ele, e é tal a superioridade, a maravilha, a harmonia da natureza e da graça, sobretudo uma tal plenitude de superioridade da graça que se encontrava no santo, que todos ficam pasmos.

Alguns procuram ainda sublevar a multidão:
— Apedreja, apedreja!

Mas outros respondem:
— Fiquem quietos, não façam barulho! Vamos ouvir o que ele tem a dizer.

Cheios de raiva, os caluniadores veem a população dispersar-se lentamente, comentando:
— Realmente, Abércio é um grande homem! Ele nos deteve a todos pelo espetáculo de sua superioridade! Nele há qualquer coisa de celeste, a qual vale mais que todos os nossos deuses.

E o feito de Abércio fica famoso. Depois de Deus ter querido que tantos morressem como mártires, de um modo infamante, o Altíssimo quis que esse santo representasse a vitória e a glória d’Ele na Terra.

Com Santo Abércio, a Igreja alcança a sua primeira vitória sensível.

Depois disso, a fama dele se espalha por toda a Ásia e chega aos ouvidos do Imperador, cuja filha estava possessa. E o Imperador deve ter ouvido falar daqueles três possessos libertos por Santo Abércio. Cena também lindíssima: Durante aquela confrontação com o povo, ele expulsa os demônios como quem manda embora lacaios asquerosos, ou como quem condena ao cárcere demagogos infectos.

O Imperador manda pedir a Santo Abércio que cure a Princesa. E ele a curou.

Temos, então, a confrontação deste grande santo não mais com a população, mas com Marco Aurélio, considerado um pináculo da sabedoria romana e o receptáculo de todos os ensinamentos morais dos grandes mestres do paganismo.

Vitorioso, fulminante e humilde

Acontece que Marco Aurélio, dentro dessa manifestação da veracidade da Religião Católica, não se converte e mostra bem o que ele é: um pagão empedernido no paganismo e de má-fé. Entretanto, há uma coisa ainda mais digna de nota e que se dá com a “Legião Fulminante”, a qual se encontrava num estado verdadeiramente desesperador. Os legionários estavam na iminência de morrer de sede e fome, e chegaram a romper suas veias para beberem o próprio sangue. Pedem o auxílio de Santo Abércio, em nome de quem acontece um milagre: há, de um lado, uma intempérie que derrota o adversário e, de outro, uma chuva benfazeja que cai sobre a legião, a qual recebe assim a água necessária para continuar adiante.

Marco Aurélio e o Império Romano deveriam considerar que a legião era fulminante?

De fato haviam caído raios sobre o adversário. Mas quem os fulminara não fora a legião — nem tinham raios nas mãos para fulminar! —, e sim Santo Abércio.

Eles deveriam, portanto, ter chamado Abércio “o Santo Fulminante”, que passou a vida inteira fulminando.

Pelo contrário, a maldade do paganismo: para a legião que ia morrer miseravelmente como um bando de ratos, se não fosse o santo, eles levantam uma coluna no Fórum romano em louvor de Júpiter.

Com isso Santo Abércio passa para a História mostrando o paganismo desmascarado, e a pequenez de espírito do mundo pagão, mesmo no que ele tinha de mais grandioso, isto é, o Império e o exército romano. Ele passa fulminando todas essas grandezas pagãs, e vai diretamente para a honra dos altares.

Nós deveríamos chamá-lo de “Santo Abércio, o Fulminante”. Sempre que, em nossa vida, queiramos ser fulminantes, à maneira deste santo, mas ao mesmo tempo humildes, atribuindo toda a glória a Nossa Senhora, saibamos recorrer a Santo Abércio!

De tal maneira essa figura e essa biografia me entusiasmam, que se tivéssemos neste momento alguma sede, serviço ou sala para inaugurar, eu gostaria que se chamasse “Santo Abércio, o Fulminante”. Porque realmente é com esse nome — “Santo Abércio, o Vitorioso e o Fulminante” — que ele deve passar para a História da Igreja.

Fica, assim — tantos séculos depois —, oferecida à fronte majestosa dele esse cognome, deixando de lado a paródia ridícula da “Legião Fulminante”.

Para finalizar este comentário, eu diria: “Santo Abércio, fulminante e humilde, tornai-nos fulminantes e humildes como vós!”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/4/1972)

1) Não dispomos dos dados bibliográficos da referida obra.

A liberdade e a virtude

Membros de uma civilização diametralmente oposta ao conceito medieval de liberdade, os homens hodiernos são levados a considerar a escravidão de amor a Nossa Senhora, proposta por São Luís Grignion de Montfort, como algo vergonhoso. Servindo-se dos ensinamentos de Leão XIII na encíclica “Libertas praestantissimum”, Dr. Plinio mostra como a verdadeira liberdade consiste em cumprir seriamente o próprio dever.

 

Quando estudamos a Idade Média, encontramos uma observação que os historiadores fazem cada vez com mais frequência: a comparação entre o direito medieval e o direito moderno. Conforme as leis modernas, o direito fundamental é de um homem sobre coisas, e coisas que valem dinheiro. Então, posso dizer: “Eu sou dono desta mesa; a família é proprietária deste prédio”. O ponto sobre o qual recai o direito é o objeto.

A única relação que não visa diretamente coisas, mas envolve o poder de pessoa sobre pessoa, é o direito de família. A relação entre esposo e esposa, pais e filhos, pode ter repercussões patrimoniais, mas de si não é uma relação patrimonial. O esposo tem o direito ao afeto, à fidelidade da esposa. O mesmo tem a esposa em relação ao esposo; são direitos pessoais, assim como o pai tem um direito sobre o filho, e este possui um direito em relação ao pai. São direitos que têm aspectos econômicos, mas não se cifram nisto. Trata-se de bens que não se aquilatam em dinheiro; são bens de alma.

Alguém perguntará: “E a relação patrão-empregado?” O patrão tem o direito não sobre o empregado, mas ao trabalho do empregado. O empregado vende o trabalho, o patrão compra o trabalho, a tal ponto que se fala em mercado de trabalho. Quer dizer, o trabalho é tratado — aliás, é uma coisa errada — como uma mercadoria. Este é o sentido do direito moderno.

Como os medievais concebiam o direito

Na Idade Média, o direito, de alto a baixo da sociedade, era concebido noutro plano. O principal liame jurídico era de uma pessoa sobre a outra, e não de uma pessoa sobre as coisas. Havia também o direito de uma pessoa sobre uma coisa, mas era num plano secundário. A principal questão do direito era de uma pessoa sobre outra.

Como isto se realizava? Havia três classes sociais: o clero, a nobreza e o povo.

O clero tem um direito sobre o povo, quer dizer, um direito de ser ouvido, ser seguido, ser venerado pelo povo; e também o direito de ser mantido pelo povo. Uma vez que um homem seja padre para o bem do povo, é natural que o povo lhe sustente, mas esses são aspectos secundários. O principal direito do clero é sobre as almas; o direito da Igreja se exerce sobre as almas, o que não se avalia em dinheiro; não é uma mercadoria, mas um vínculo de ordem religiosa.

Os nobres têm um direito sobre os plebeus. Não é principalmente o direito de fazer o plebeu trabalhar, mas o direito ao afeto e à fidelidade do plebeu. Este deve amar o nobre como o filho ama seu pai. Mas o plebeu tem o direito à proteção e ao afeto do nobre. De maneira que ele deve ser amado pelo nobre como o filho é amado pelo seu pai. Quer dizer, há um vínculo que os medievais chamavam de fidelidade, pelo qual um acreditava no outro, cumpriam as obrigações de parte a parte e assim estruturavam a vida.

Outrora os empregados quase pertenciam às famílias para as quais trabalhavam

Temos muito vagas reminiscências disto nos dias de hoje; restam coisas e situações de outrora. Creio que quase todos terão ouvido falar de empregados tão fiéis que ficavam trabalhando na família durante vinte, trinta anos; depois, o empregado tornando-se velho, a família o mantinha até morrer, obtinha colocação para seus filhos e netos, resolvia toda a situação da família dele. Quer dizer, o empregado ficava meio pertencente à família. Era uma espécie de adoção.

Eu mesmo vi ainda minha avó, que era do tempo da escravatura, conversando com uma antiga escrava negra. Minha avó era uma senhora muito imponente, bonita; apesar da distância muito grande entre ambas, havia familiaridade, bondade. Essa negra já estava velha e incapaz de fazer qualquer coisa; ela entrava em nossa casa, sentava-se perto de minha avó, e uma contava para a outra casos de antigamente; tinham fatos para contar a perder de vista, de gente que elas haviam conhecido; e repetiam os casos. Enquanto viveu, ela possuía a bolsa da minha avó à vontade.

De fato, tinha sido ali criado um embricamento de alma por onde a minha avó não tinha o direito de chegar para aquela mulher e dizer: “Quer saber de uma coisa? Pela legislação trabalhista eu sou desobrigada de você!” Existia entre elas uma relação viva e recíproca.

Essa negra tinha os seus pecúlios, ela não dependia propriamente de minha avó. Esta lhe dava dinheiro como presente e para apuros, ajuda etc. Mas quando não havia criados, ou alguém estava doente em casa, bastava mandar um recado: “Diga à fulana que venha aqui, pois eu estou precisando”. Não passava pela cabeça da antiga escrava de não vir. E ela não tinha o direito de não ir. Havia um direito de minha avó à fidelidade dela e um direito dela a esse carinho materno de minha avó, que valia muito mais do que a legislação do trabalho, do que dinheiro ou qualquer coisa.

Atmosfera de afeto risonho e distendido

É um vínculo à maneira de um vínculo de família, que se estabelecia entre essas pessoas e criava uma relação, a qual não era imposta pelas leis revolucionárias, liberais, mas valia muito mais do que as leis. Possuía outra solidez, porque quando uma relação chega a este ponto, podia-se modificar a lei que a relação permanecia. Tenho certeza que as duas nunca pensaram em lei trabalhista; se falássemos para elas a respeito de leis, nem entenderiam bem; era a antiga escrava e a antiga dona, amigas, está acabado, o negócio está feito.

Naturalmente, a família dos patrões tem sempre as características que não são as da família dos empregados, mas nisto existia uma atmosfera de afeto risonho, distendido, de que hoje em dia quase não se tem mais noção.

Era um direito de uma pessoa sobre a outra. Sobre o que da outra pessoa? O afeto, a dedicação, o carinho.

Sistema patriarcal vigente na época dos antigos coronéis do interior

Houve outro exemplo de relação desse tipo. Todos devem ter ouvido falar dos antigos coronéis do interior. Eram, em geral, fazendeiros com propriedades grandes e que protegiam uma série de pequenas cidades próximas ou dentro da fazenda.

Então, era o coronel que resolvia os problemas. Se alguém estava muito doente, o coronel sabia qual era o médico a ser procurado. Se um queria saber onde mandar o filho estudar, o coronel é que escolhia a escola. Se dois brigavam porque queriam casar com uma terceira, o coronel é quem resolvia o problema. Era o sistema patriarcal.

Todo mundo ia atrás do coronel, e na hora das eleições votavam em quem o coronel mandava. Quer dizer, era uma espécie de sindicato, mas sem o aspecto odioso de certo sindicalismo; era um sindicato afetivo.

E o coronel tinha escuderia. Quantos casos eu conheço de coronéis que, na hora do perigo, chamavam três, quatro capangas, e lhes dizia: “Vamos para o perigo!” Os capangas iam e expunham a vida pelo coronel.

Mas se o capanga precisasse de qualquer coisa, o coronel lhe dava. Ele garantia a região, por mais difícil que fosse. Era um pacto para a vida e para a morte, com um reflexo financeiro, é verdade; entretanto, o principal era o afeto que estabelecia um laço de obediência, de dependência, de proteção e de dedicação.

O binômio obediência-proteção caracterizava as relações na sociedade medieval

Em todas essas relações encontramos este binômio: de um lado, o direito de mandar e a obrigação de proteger; de outro lado, o direito de ser protegido e a obrigação de obedecer. É a relação pai e filho.

Essa relação existia entre os nobres e os plebeus. E também entre os nobres: a do nobre de grau menor em relação ao de maior grau. E também entre os plebeus. Nas corporações de artesãos havia três graus: o companheiro, o aprendiz e o mestre. Eles se protegiam uns aos outros. Mantinham uma fidelidade que era meio patriarcal e durava a vida inteira.

Podemos dizer, então, que à civilização da Idade Média caberia o título de “civilização da obediência”. Quer dizer, toda a hierarquia, todas as relações sociais eram estabelecidas na base de obediência, proteção e até dedicação. Obediência-proteção era o grande binômio que caracterizava as relações na sociedade medieval.

Civilização da igualdade e da autossuficiência

As relações da sociedade de hoje, igualitária, são completamente baseadas num outro princípio, o da igualdade completa de todos os homens, que tem uma consequência, na qual as pessoas não prestam atenção: se todos os homens são iguais, todos são autossuficientes. Resultado: nenhum tem razão para proteger o outro. É evidente.

Se dois indivíduos têm, por exemplo, os ouvidos igualmente bons, e um diz para o outro:

— Você quer prestar bem atenção para ouvir o que está dizendo o rádio do vizinho?

— Não. Para que existe orelha? Ouça você!

Quer dizer, não há razão para este pedido, uma vez que os ouvidos são igualmente bons.

Se todos os homens são iguais, todas as inteligências são iguais — porque é isto que a igualdade supõe —; portanto, os vínculos de auxílio, de proteção, de dependência, não têm razão de ser.

Então, como consequência, toda obediência, toda dependência é um sinal de insuficiência e, portanto, uma coisa da qual a pessoa deve envergonhar-se. E o ideal é o homem inteiramente livre, bastando-se completamente a si próprio para fazer tudo quanto ele quer. Este é o padrão do homem. Dessa forma nós estamos na civilização da igualdade, na civilização do “cada um carrega o peso do próprio corpo”. Quer dizer, não há vínculos entre as pessoas.

Atualmente a relação de patrão e empregado é uma relação trabalhista. Diz o patrão ao empregado: “Eu tenho capital e você tem trabalho. Eu lhe dou capital, aqui está tanto; você me dá trabalho, que vale tanto. O mais arranje com o Instituto de Aposentadoria e Pensões”. Ou seja, não converso com você, nem me interesso por sua pessoa, eu compro o seu trabalho.

A mesma coisa se passa no relacionamento do empregado com o patrão: “Eu do senhor quero o ordenado; saber como o senhor se chama, que problema tem em casa, se está aborrecido, precisando de alguma coisa, não me interessa, vá às favas! Eu quero o meu dinheiro no fim do mês. Dado o dinheiro, o senhor tome o seu caminho e eu tomo o meu”.

Quer dizer, é a civilização da autossuficiência e da independência completa.

Entre esses dois critérios passou a Revolução Francesa, que fez esta afirmação: “Toda dependência é uma vergonha, pois diminui o homem na sua dignidade. O homem não deve ser alienado, ou seja, não deve estar dependendo de um alheio”.

Reflexos causados pela civilização da liberdade

Daí encontrarmos grande estranheza quando se fala da escravidão de amor a Nossa Senhora. Porque a ideia da escravidão parece a própria ideia da vergonha. Em última análise, o que quer dizer “escravidão de amor a Nossa Senhora”?

A primeira vez que li esta expressão “escravidão de amor” — todos veem que eu não era nada revolucionário —, confesso que tive um calafrio: “Ficar escravo de Nossa Senhora? Bem, é Nossa Senhora, mas… escravo? Que futuro singular se delineia diante de mim!”

Depois de ler o “Tratado”(1), eu achei a escravidão à Santíssima Virgem uma coisa simplesmente fenomenal. Mas de início tive um arrepio.

A civilização da liberdade cria em nós reflexos que nos tornam um tanto surpreendente esta escravidão de amor a Nossa Senhora. Então, devemos considerar o fundo do problema. Ou seja, no que consiste a escravidão de amor à Virgem Maria; depois, se uma escravidão, ainda que a Nossa Senhora, é uma vergonha para um homem; se a obediência, a dependência é uma vergonha para um homem; o que devemos entender por obediência e dependência.

A escravidão na Antiguidade

Então, primeiro ponto: o que é a escravidão de amor? São Luís Grignion de Montfort explica isto muito bem. A escravidão entre os antigos era imposta. O pai tinha o direito de vender o seu filho como escravo. Era imposta, portanto, pelo pátrio poder; imposta pelos reis que podiam vender seus súditos; mas, sobretudo, imposta pela guerra. Quando um país ganhava a guerra contra outro, todos os súditos do país vencido passavam a ser escravos do vencedor. Por exemplo, se Roma ganhasse uma batalha numa guerra contra Atenas, todos os atenienses ficavam escravos de Roma. Esta mandava vir para Roma os que ela quisesse, e ordenava que os restantes fossem trabalhar em outros lugares. O vencido de guerra era um escravo.

São Luís Grignion explica bem que não é esta a escravidão de amor. A escravidão de amor é um vínculo de dependência que aceitamos em relação a Nossa Senhora porque A amamos. Quer dizer, nós A queremos tanto, temos n’Ela tal confiança que desejamos fazer tudo quanto Ela quer, como um escravo quer fazer tudo quanto o seu senhor deseja. Mas é uma dependência de amor, não é imposta pelo despotismo, pela força; é imposta pelo amor.

União nas cogitações e nas vias de Nossa Senhora

Nossa Senhora é a Rainha do Céu e da Terra. Se eu tiver todas as cogitações de Maria Santíssima, fizer tudo quanto Ela quer que eu faça, estou unido à Virgem Maria. E se a minha vida for continuamente assim, eu sou um escravo de Nossa Senhora. Mas sou escravo de amor porque, pelo amor que tenho à Santíssima Virgem, eu resolvi fazer isto. Nossa Senhora tem este direito e eu resolvi atender ao direito d’Ela.

Quer dizer, é uma alta, uma transcendental união de almas que por esta forma se exprime, mas que desabrocha de fato numa obediência: porque Ela pensa, eu penso; Ela quer, eu quero; Ela deseja que eu faça, eu faço. Eu dependo d’Ela em tudo.

Como isto se dá em concreto? Se eu quero pensar como Nossa Senhora, devo pensar como a Igreja. Se eu quero querer o que Maria Santíssima quer, eu devo querer o que a doutrina da Igreja me ensina que devo querer. Se eu quero fazer o que Nossa Senhora quer que eu faça, devo fazer aquilo que o meu espírito católico me indica que eu faça. Por esta maneira eu serei escravo de amor de Nossa Senhora.

Ensinamento de Leão XIII sobre a liberdade

Agora, trata-se de perguntar se é uma vergonha uma pessoa depender de tal maneira de Nossa Senhora; e, mais profundamente, se a obediência, a dependência, é uma vergonha; se a doutrina liberal a respeito disto, segundo a qual toda dependência é uma vergonha, é uma doutrina verdadeira ou falsa. Vejamos o que nos diz a Doutrina Católica sobre isto.

Leão XIII expõe este assunto numa encíclica muito bonita: “Libertas praestantissimum”. É uma encíclica muito técnica, doutrinária. Vou tentar pô-la ao alcance dos presentes neste auditório, o menos tecnicamente possível.

Consideremos um exemplo. Eu tenho a possibilidade de viajar de automóvel: inutilmente, só para me distrair, ou de ir para a minha casa a fim de, cumprindo o meu dever, descansar.

Segundo o mundo liberal de hoje, eu exerço a minha liberdade fazendo o que é agradável, indo passear. O dever me obriga a fazer o que eu não gosto; é uma limitação de minha liberdade. E a minha liberdade consiste, portanto, em fazer o maior número de atos que eu ache agradáveis, que me atraiam.

Em sentido contrário, se eu cumprir o dever em tudo, não sou livre; a canga do dever limita a minha liberdade.

Leão XIII nos ensina exatamente o contrário, expondo uma doutrina muitíssimo bonita, que para a compreendermos, tomemos fatos que até se passam fora da ordem humana.

O voo da gaivota e a trajetória do cometa

Uma das coisas de que eu gosto mais de ver, na beira-mar, é gaivota voar. É uma beleza: ela levanta voo, quando a gente pensa que a gaivota “esqueceu” o mar, ela mergulha! Pega um peixe e sai com ele no bico; fica feliz durante algum tempo pairando, se deixando levar pelo vento, descansando e comendo. Quando acabou de comer, ela está rapinando outro peixe no fundo do mar; efetua voos bonitos, com elegância.

Imaginemos que uma criança, por exemplo, conseguisse apanhar com as mãos uma gaivota e a segurasse na hora de levantar voo. Dir-se-ia que a criança de algum modo tolheu a liberdade da gaivota. Por quê? Porque está no primeiro impulso natural, ordenado, da gaivota, alimentar-se com os peixes que Deus fez para serem alimentos dela. Deus criou os animais de tal maneira que uns são feitos para serem alimentos de outros; portanto, a gaivota cumpre a ordem universal levantando voo, espairecendo e gozando aquele ar de um modo magnífico, e depois comendo peixes.

Um bicho não tem direito, e a liberdade é um direito. Mas dir-se-ia que a como que liberdade da gaivota foi cerceada.

Suponhamos que uma pessoa pudesse, por exemplo, com essas bombas supermodernas, interceptar o caminho de um cometa, e fizesse com que ele, sem se desintegrar, caísse na Terra. Teríamos a impressão de que a “liberdade” do cometa foi restringida, porque ele estava em sua trajetória bonita, natural, elegante, querida por Deus. O caminho natural, o caminho próprio — notem bem a expressão — o caminho da ordem, próprio ao cometa, foi interrompido por alguém. Um cometa não tem direitos, mas dir-se-ia que foi cerceada a como que liberdade do cometa.

A virtude é a liberdade, e o pecado, a escravidão

Então, diz Leão XIII, assim é também a criatura humana. Há uma porção de verdades que o homem vê. Por exemplo, é evidente que ele deve obediência aos seus pais e às autoridades constituídas; que ele não pode matar o próximo, nem ferir ou espancá-lo; que não pode caluniar o próximo, não pode mentir; que não pode se apropriar da mulher do próximo.

O homem pela sua natureza quer fazer essas coisas, porque o primeiro movimento da alma humana, o mais imediato, é de seguir o bem. De maneira que o homem quer praticar o bem, como a gaivota quer dar seu voo. E a liberdade do homem consiste em seguir este movimento, como a liberdade da gaivota consiste em dar o seu voo inteiro.

Entretanto, surge algo que diminui no homem a possibilidade de praticar o bem. É a tentação. Ele sente um peso que o leva para o outro lado. Esclarece Leão XIII: Qual é o efeito próprio da tentação? É diminuir a liberdade do homem.

Os homens seriam muito mais livres se não fossem tentados. A virtude é a liberdade. A tentação, o pecado, são o contrário da liberdade. Nós seríamos muito mais livres, como a gaivota no ar, se não fôssemos tentados.

A verdadeira liberdade consiste em cumprir o dever

Portanto, afirma Leão XIII, o homem verdadeiramente livre não é aquele que faz tudo quanto lhe passa pela cabeça, inclusive o mal, mas é o homem que aceita o seu primeiro impulso bom, o segue sempre e não admite embaraços que venham tolher este impulso. A verdadeira liberdade está no dever.

Volto, então, ao exemplo que eu citava há pouco.

Ao sair daqui eu poderia ter — não estou mais na idade de fazer isto — uma vontade desordenada de ficar andando de automóvel, sem rumo definido, pela cidade. Quantos rapazes fazem isto! Mas a minha consciência me mostra que devo descansar. Serei verdadeiramente livre se seguir o movimento natural de minha alma para o repouso. E escravo se me deixar arrastar pelo vício. De maneira que eu não serei livre se for passear; serei livre se eu cumprir meu dever. Esta é a verdadeira noção de liberdade.

Vemos que isto é muito verdadeiro, mas “bolostroca” a noção liberal completamente. Porque o conceito liberal cai por terra. O liberalismo fica reduzido a frangalhos diante deste conceito que entretanto é evidente.

Eu insisto com mais um exemplo. Um homem vê que ele se encoleriza com um outro, e que não lhe deveria dizer uma palavra ríspida; seria contra os interesses dele porque, inclusive, digamos, iria perder um bom negócio. Mas ele não se contém e diz a palavra ríspida.

Qual é o homem verdadeiramente livre? É o que, para fazer o bom negócio, se domina e não desagrada o outro, ou aquele que é ríspido, ainda que não queira, e perde o bom negócio? O primeiro é o livre, o segundo, o escravo.

Daí existir esta expressão corrente, de que todos já devem ter ouvido falar: “escravo do vício”. Por exemplo, escravo de jogo. Um de nós, pelo favor de Nossa Senhora, pode não pôr o seu patrimônio no jogo. Mas um jogador, que gasta seu patrimônio no jogo, não é o senhor, mas o escravo do jogo.

Então, a verdadeira liberdade consiste em praticar o dever. Não há um homem mais livre do que aquele que obedece às leis e às autoridades justas. Esta é a primeira noção que devemos fixar.

Saber consultar…

Há uma segunda noção, desenvolvida por Leão XIII, que é a seguinte.

Se eu me analiso a mim mesmo, constato que posso encontrar muitas verdades, fazendo uso de minha inteligência. Mas percebo também que há muitas verdades as quais outros notam melhor do que eu; e, às vezes, pessoas menos inteligentes do que eu percebem melhor certas coisas.

Daí o fato de que, às vezes, numa conversa, um indivíduo muito inteligente diz uma coisa, e um outro bem menos inteligente afirma: “Fulano, você notou tal coisa?” Espanto, ele não tinha notado. Por quê? Porque Deus nos fez de tal maneira que cada pessoa vê umas tantas coisas que nenhuma outra vê.

Então, chego à seguinte conclusão: se eu noto que outros veem coisas que eu não sou capaz de ver; se a minha liberdade consiste em ver a verdade inteira, em atender ao meu apetite de verdade, eu deveria saber consultar aqueles que são mais capazes do que eu para ver certas coisas, e seguir a opinião deles de preferência à minha. É evidente. Porque assim eu realizo o meu apetite de conhecer a verdade inteira.

Por essa razão se recorre a técnicos, a especialistas, a pessoas que têm muita experiência da vida, muita elevação de pensamento, que são capazes de, em certas emergências, dar um caminho para a vida que, por nós mesmos, não encontraríamos.

É a coisa mais natural do mundo. O homem verdadeiramente livre pede conselho, aceita ser influenciado para tornar-se mais livre, a fim de poder realizar aquilo que ele quer, no fundo: conhecer a verdade inteira.

…e ser dirigido pelos mais capazes

Há mais. Todo homem que não seja um “mega” debandado, compreende que quando se trata de se julgar a si próprio, ele muitas vezes é parcial; julga-se benevolamente. Quantas vezes um outro diz uma coisa a meu respeito, que me incita a prestar atenção e pensar: “Noto que ele me disse uma coisa que eu não tinha querido ver em mim!”

Em muitas ocasiões isto se deu, por exemplo, de minha mãe para comigo. Ela me dizia: “Meu filho, preste atenção em tal coisa!” E isto ocorreu até o fim de sua vida. Quando não tinha o que dizer, ela reclamava que eu tomava água em goles excessivos, e me dizia que fazia mal para a saúde, o que, aliás, parece ser verdade.

Às vezes, saindo de meu apartamento, eu descia correndo a escada; ela olhava e advertia: “Não desça depressa demais, meu filho; não convém”. E tinha razão, pois de repente poderia haver um acidente. Eu já era um homem formado, mas ela poderia dizer coisas que eu não atinaria por mim.

De maneira que um homem que queira ser inteiramente livre, quer dizer, atender ao seu impulso completo para a verdade e para o bem, aceita ser dirigido, ser controlado por outro mais capaz. Dessa forma, ele dá uma prova magnífica de sua liberdade.

Alguém indagará: “Mas não é uma carência da parte dele?” É. Imaginemos um homem que tem uma perna desconsertada, e quer subir uma ladeira; e, servindo-se de um apoio, com enorme esforço sobe a ladeira. Ele não dá mais prova de força de vontade do que outro que sobe a ladeira naturalmente? Dá.

Assim também temos que subir a ladeira da virtude. Muitas vezes precisamos de nos apoiar na bengala ou na muleta do conselho ou da autoridade de um outro. Aceitando esse auxílio, damos prova de força de vontade maior do que de um outro que julga não precisar de ajuda. É uma carência que dá ocasião à manifestação de uma força de vontade ainda maior.

Compreendemos assim que o próprio fato de ser mandado é a mais alta forma de liberdade.

A mais cristalina e mais sublime forma de liberdade

Temos, então, a consequência: na civilização da obediência ou da virtude, os homens sabiam o que podiam, mas também conheciam o que não podiam. Portanto, viviam de um misto de dependência e independência.

A civilização da pseudo liberdade é a civilização do vício. Cada um faz aquilo que acha agradável, mas o resultado é que fica escravo de todos os vícios. E a nossa pseudo liberdade de hoje resultou numa verdadeira escravidão. Assim se pode chegar aos maiores crimes e às maiores abjeções. Quis, é livre, fez. Disso decorre que a forma suprema de liberdade é aceitar a autoridade daqueles que nos ajudam a fazer aquilo que nós queremos, ou seja, a verdade e o bem.

Portanto, não há forma mais cristalina e mais sublime de liberdade do que sermos escravos de Nossa Senhora. O auge da dignidade humana é ser escravo de Maria Santíssima, porque significa fazer em tudo aquilo para onde as nossas melhores apetências nos encaminham.

Assim, quando formos nos consagrar a Nossa Senhora, devemos ter um espírito amoroso de autoridade. Quer dizer, compreendendo a função da autoridade, da obediência; e compreendendo que, fazendo-nos tão pequenos diante d’Ela, realizamos uma coisa sublime, altamente dignificante. Assim, devemos nunca nos envergonhar de obedecer, de seguir um outro, porque exatamente aí está a mais alta dignidade do homem.

O cruzado e o hippie

Alguém perguntará: “Mas Dr. Plinio, e aqueles guerreiros medievais tão ardorosos, tão combativos, os pares de Carlos Magno, aqueles homens tremendamente varonis, eles eram assim?”

Precisamente isto forma o homem capaz de uma epopeia, ou seja, que tem uma vontade tão firme que ele diz: “A verdade eu a quero até o fim e de qualquer jeito; o bem eu o quero até o fim e de qualquer jeito. Então vou me esforçar de todos os modos para conhecer a verdade e o bem. Mas, conhecendo minha falibilidade, vou fazer este ato de epopeia de não resolver tudo pela minha cabeça, mas de consultar o ensinamento da Igreja Católica, que vale mais do que está em minha cabeça. E, portanto, ter certeza daquilo que penso porque a Igreja assim ensina; esta certeza é muito maior do que a certeza que eu tenho pelo fato de pensar por mim mesmo, porque é uma Igreja divina, infalível, que me ensinou”.

E continua: “Eu quero fazer o que devo, mas a minha vontade é fraca, ela erra; então vou seguir aqueles que têm a missão dada por Deus de me mandar fazer aquilo que eu devo. E ainda que possa parecer um disparate, um absurdo, desde que não seja pecado, eu estarei mais certo de fazer o que desejo, que é o bem, fazendo a vontade daqueles que mandam em mim, do que agindo de acordo com a minha cabeça”.

Isto é uma forma de força de vontade que fazia com que aqueles cruzados — todos eles vassalos uns dos outros e, em última análise, vassalos do rei, obedientes como nenhum homem moderno é — tivessem dez quintilhões de vezes mais liberdade do que esses hippies que vemos perambular pelas ruas.

A nossa ufania é de sabermos obedecer. E obedecer por um ato de suprema força de vontade, não por moleza, como quem diz: “Ah!… ele pode zangar-se comigo; por isso vou fazer o que ele quer”. Não é por moleza, mas por essa suprema energia que devemos obedecer.

Como homens tão humildes construíram monumentos tão altivos?

Termino com um fato narrado por Montalembert(2), na introdução da vida de Santa Isabel da Hungria.

Ele conta que um xeque árabe tinha sido aprisionado pelos cruzados e passeava pela França; estava preso sob palavra. Naquele tempo havia uma coisa chamada honra; daí palavra de honra. E o indivíduo preso sob palavra de honra não fugia mesmo.

Então o xeque olhava as catedrais etc.; chegando provavelmente a uma abadia, onde estavam alguns irmãos leigos, perguntou: “Quem a construiu?” Apontando os irmãos leigos, foi-lhe respondido: “Foram eles”. Ele olhou-os e disse: “Mas como homens tão humildes podem construir monumentos tão altivos?”

Acho isso uma verdadeira beleza. As grandes almas altivas são aquelas que conhecem a glória de obedecer.

Aí estão alguns pensamentos que devemos ter quando nos consagrarmos como escravos de Nossa Senhora.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 28/4/1973)

 

1) Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, da autoria de São Luís Grignion de Montfort.

2) Charles de Montalembert, 1810­-1870.

São Pedro de Alcântara: personificação da penitência

Devido à explosão de orgulho e sensualidade promovida pela Renascença, havia no século XVI uma tendência geral das pessoas em procurar o gozo da vida e abominar a penitência. São Pedro de Alcântara enfrentou essa onda, e brilhou na Santa Igreja pelo seu espírito de mortificação levado até a sublimidade.

São Pedro de Alcântara era um santo sumamente penitente, a própria personificação da penitência na Igreja Católica, no século XVI. A respeito do caráter penitente deste religioso, podemos tecer algumas considerações.

Espírito de contemplação e de penitência, na sociedade civil

Na Santa Igreja Católica, nem todos são chamados a ser contemplativos, mas para que todos aqueles que vivam no século tenham a medida de contemplação necessária, cumpre haver algumas Ordens que levem o espírito de contemplação tão longe quanto possível. Essas Ordens dão uma espécie de sustentação à nota contemplativa que deve caber na vida comum de todos os homens, que querem realmente se santificar.

É muito expressivo que o próprio São Francisco de Assis tenha fundado a Ordem Terceira dos Frades Menores, para pôr cobro à generalização do desejo das pessoas, no século XIII, de entrarem para a Ordem franciscana. Tantos eram os que queriam ser franciscanos, que o século corria o risco de ficar abandonado. Então, para que o espírito franciscano pudesse florescer no mundo, ele fundou a Ordem Terceira que foi uma espécie de padrão para a fundação depois de Ordens Terceiras em outras famílias religiosas.

O que se diz da contemplação, pode-se afirmar da penitência também. Não há a possibilidade de todos os homens praticarem as penitências que os grandes santos penitentes fizeram, nem isso seria desejável. Se todos quisessem praticá-las, a Igreja poria um freio a isso.

Deve haver uma certa medida de penitência na vida quotidiana do homem comum, que quer seriamente se santificar; e os grandes santos penitentes, os grandes santos sofredores são exatamente aqueles que mantêm nos outros, pelo exemplo e pelo deslumbramento da penitência que praticaram, o espírito de penitência necessário.

A este título, são pilares da Igreja porque, como o sal que evita a podridão, eles conservam esse espírito na sociedade civil, nas Ordens religiosas não especialmente consagradas à penitência, no clero secular e nos mais altos degraus da Hierarquia eclesiástica.

E isto fez São Pedro de Alcântara numa época na qual o espírito de penitência era abominado, a Renascença estava tomando conta do mundo e, exatamente em virtude daquela explosão de orgulho e de sensualidade à qual me refiro em meu livro “Revolução e Contra-Revolução”(1), havia uma tendência universal para fazer da vida uma larga série de prazeres, até transformá-la num ininterrupto gozo.

Duas formas de penitência

Por penitência entendemos, antes de tudo, as doenças, os infortúnios, os desastres, as humilhações a que os outros nos sujeitam, as incompreensões, todas as coisas que nos fazem sofrer, permitidas por Deus ou que Ele manda e das quais não podemos fugir.

Além disso, existem as penitências voluntárias que impomos a nós mesmos por amor de Deus. A ladainha do Cardeal Merry del Val(2) sugere muitas penitências assim, implicitamente. “Que os outros possam ser louvados e eu desprezado, Jesus, dai-me a graça de desejá-lo!” Quer dizer, se tendo a oportunidade de ser honrado e não há glória especial de Deus nisso, faço uma bonita penitência apagando-me e permitindo que outros sejam honrados para, por esta maneira, eu sofrer, desapegar-me de alguma coisa, dar glória a Deus, Nosso Senhor.

Paradoxalmente, essas duas formas de penitência contêm em si a realização da promessa do Divino Salvador, pela qual aquele que deixasse tudo por amor a Ele receberia o cêntuplo nesta Terra e, depois, a vida eterna.

Se prestarmos bem a atenção, notaremos o seguinte: há uma categoria de almas na Terra que são felizes, e outra de almas infelizes. É feliz, alegre, cheia de bom humor, a alma que compreende o papel do sofrimento na vida. Quando lhe acontece um infortúnio, não toma isso como um “bicho de sete cabeças”, não se revolta, não se apavora, mas compreende que o próprio de nossa condição humana é sofrermos. E que seria uma coisa sem precedentes, sem explicação, não sofrermos frequentemente muitas coisas.

Quando uma alma assim recebe um sofrimento, ela sofre mesmo, mas sem frigir, não começa a “fritar”. Sofre achando aquilo natural, entendendo que a razão de ser do homem nesta Terra é de dar glória a Deus, e isso não se consegue sem sofrimento. Por essa forma, é normal que soframos e podemos aguentar o infortúnio.

Almas esquecidas de si mesmas, voltadas para Deus e a Santa Igreja

Tendo firmeza e decisão, o sofrimento cai sobre nós e o aguentamos como Nosso Senhor Jesus Cristo aguentou a Cruz. Às vezes até caindo sob o peso dela, porém nunca se desesperando nem tentando abandoná-la — achando que está lhe acontecendo um absurdo, mas compreendendo que aquilo faz sentido, tem razão de ser —, levantando-se de novo e carregando a cruz.

As almas assim são, antes de tudo, dotadas de bom gênio, nativamente ou pela força que se impuseram a si mesmas. Quando se lhes faz algo de mau, elas estão prontas a perdoar. Quando se lhes manda alguma coisa, estão prontas a obedecer. Quando alguém se esquece delas, não tomam isso em linha de conta. São almas que estão longe de serem insensíveis. Mas têm isto de particular: são sensíveis para o bem, mas não para o mal que se lhes faz.

Essas são as almas que saltam na defesa da causa da Igreja, caso os princípios sejam atingidos. Porque quem se esquece de tal maneira de si mesmo pode ter amor aos princípios. São, portanto, as almas doutrinárias, que sabem o que é a procura do absoluto, convictas de que na vida a única coisa que vale é defender as coisas que são, afinal de contas, a semelhança de Deus na Terra e por causa disso, mais do que tudo, a Santa Igreja Católica Apostólica Romana, a qual compendia em si todos esses valores.

O sofrimento é a lei da vida

Pelo contrário, uma alma que não se tenha compenetrado de que o sofrimento é a lei da vida, vive sofrendo. Porque cada coisa desagradável que lhe acontece é para ela uma aberração. Ela anda na rua, por exemplo, e tropeça, resmunga contra o calçamento; toma um táxi e o motorista não entende o caminho, ela acha um absurdo ter que explicar para o chauffeur como chegar ao destino; faz um passeio e, por mais que durante a viagem desfrutasse tudo do melhor — a hospedagem, um palácio; a comida, um banquete —, se teve algum enfado com companhias pouco interessantes, já é o suficiente para considerar frustrado o passeio. Por quê? Porque a pessoa imagina o seguinte:

“O normal, o banal é que me corra tudo perfeito. É a mínima das obrigações da vida para comigo. Alguma coisa que tenha saído de errado é um contrassenso. Como isso foi me acontecer?! Não entendo, não posso aceitar! Revolto-me!”

Às vezes, uma pessoa assim apresenta fisionomia muito alegre. Mas, vai-se ver por detrás e se nota uma tensão contínua, porque ela está, a todo o momento, com pânico de acontecer alguma coisa que seja um sofrimento. E, por outro lado, como os padecimentos vão surgindo, o indivíduo fica mais ou menos como um sujeito que tem a toda hora um pernilongo pousando em cima dele.

Quando não é pernilongo, é uma pedrada ou um tiro… Então a pessoa julga-se como uma espécie de tiro ao alvo, com os mil sofrimentos que lhe vêm sucedendo. Resultado: é a pior vida possível. Há um tipo de homem infenso à penitência porque julga estar nesta vida só para gozá-la, e não se preocupa com mais nada. Por isso, não quer aceitar a virtude e as dificuldades que ela traz consigo e, portanto, recusa toda e qualquer forma de sacrifício.

Uma segunda modalidade, que vem disfarçada com aspecto de virtude e, por isso, nos ilude mais facilmente, apoia-se na seguinte ideia: “Os sofrimentos necessários para não pecar eu aceito; porém, nenhum outro. Tenho o direito de gozar minha vida e quero fruí-la inteiramente, pois ela me foi dada para ser desfrutada. Eu me limito a não pecar; quanto ao mais, vivo completamente folgado”.

Quem pensa assim, na grande maioria dos casos, não se mantém fora do pecado e acaba por sucumbir nele, porque é um desvio completo da ideia da finalidade desta vida, que não consiste em que nós apenas gozemos dentro dos limites da virtude. A vida nos foi dada para conhecer, amar e servir a Deus neste mundo. E, entre os serviços que podemos prestar ao Criador, um dos mais insignes, sobretudo em nossa época, é lutar por Ele. Servir, amar e lutar por Deus em toda medida do possível: é para isso que existimos.

Soldados da Igreja militante

Quer dizer, a vida não nos foi dada para o prazer, mas para o heroísmo, para a luta. E devemos considerar um ou outro prazer que nós nos proporcionemos apenas como uma coisa transitória, para descansar e recomeçar a batalha.

Para saber se o prazer é bom ou mau, devo julgá-lo de acordo com este critério: se terminado um determinado deleite, estou mais disposto à luta, à seriedade, à mortificação, esse prazer é bom; se, pelo contrário, fico mais mole ou menos desejoso de seriedade e de coisas elevadas, então esse deleite é ruim.

Todo prazer, todo descanso não é senão um interstício para servimos melhor a Nossa Senhora. Mas, como filhos da Igreja militante, nossa finalidade é de lutarmos a vida inteira, e de aguentarmos todas as aridezes e dificuldades da vida combatente.

Imaginem um soldado que esteja sentado na trincheira, num momento de intervalo de luta, olhando para o campo: “Que bonito esse campo, que lugar pitoresco onde foi aberta essa trincheira!”
Alguém diz para ele:

— Fulano, você tem que se preparar para a luta de amanhã!
— Ah, eu não! Esse negócio de avançar, passar o dia inteiro lutando, não! Cumpro o meu dever mínimo de soldado, sem desertar nem trair em favor do inimigo. Não entrego um palmo de território nacional.

Com um homem assim perdem-se todas as guerras!

Ora, somos soldados da Igreja militante e devemos ter em mente que a vida nos foi dada não para o prazer, mas para o dever.

As almas com espírito de mortificação, que compreendem quanto é natural sofrer, estão aclimatadas ao sofrimento como no seu ambiente próprio. Elas podem até gemer e pedir a Deus que afaste delas a dor, mas considerando normal passarem por padecimentos. Essas recebem o cêntuplo nesta vida, e até mais do que isso.

Intrepidez e iniciativa na luta contra o mal

Aqueles que procuram fugir da dor sofrem muito mais. Não há coisa pior do que a vida empregada exclusivamente para o prazer. O gozo meramente terreno, sobretudo quando é imoral, não passa de uma ilusão. Nos primeiros momentos dá uma satisfação pseudoinebriante, mas depois não resta mais nada a não ser a frustração.

Verdadeiramente, o papel do sofrimento bem aceito é o de dar esta alegria, esta serenidade que os antigos chamavam consolação, em meio a uma nobre tristeza.

Se analisarmos bem a realidade, veremos que nos povos onde mais se busca o prazer e mais se foge do sofrimento, há maior número de psicoses. Naqueles em que há menos procura de prazer e mais resignação com o sofrimento, existe mais força, mais consolação.

São Pedro de Alcântara e outros santos penitentes nos dão exemplos, para admirarmos até o último extremo da admiração — termos uma dessas venerações que nos varam a alma de lado a lado — aqueles que sofrem; mas que sofrem com grandeza, com resignação, com entusiasmo.

Uma das mais profundas e importantes formas de sofrimento é aguentar a luta contra o mal. E não apenas aguentar, mas ter espírito de intrepidez e de iniciativa nessa luta, o espírito militante de um São Miguel Arcanjo, de espada na mão, pronto a ser o primeiro em todas as batalhas, a dizer “não” a todos os adversários da Fé. Esse ânimo de heroísmo e de intrepidez, enfrentando todos os trabalhos e todas as lutas, é a fina ponta do espírito de sofrimento.

É, sobretudo, isso que devemos querer ao pedirmos o espírito de penitência, o senso da mortificação, sem os quais não se pode ter o desejo das coisas espirituais nesta Terra nem das coisas celestes. Peçamos, então, a São Pedro de Alcântara que no-los alcance.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 19/10/1964 e 19/10/1965)

1) Parte I, Cap. III, 2. B.
2) Publicada na Revista Dr. Plinio n. 107, p. 13.

Inefável sorriso

O Divino Mestre nos convida a segui-Lo no caminho do Calvário, carregando nossa cruz. Caminho de lutas, de deveres e trabalhos por amor a Deus. Porém, para o fazermos, cumpre que O sigamos passo a passo, pondo nossos pés onde Jesus pôs os d’Ele, ou seja, na mais estreita e íntima união com o Redentor.

E tal só alcançaremos se, ao longo desse caminho, para auxiliar a nossa fraqueza, consolar os nossos corações, sentirmos que sobre nós paira aquilo que há de mais doce no Céu e na Terra, depois da clemência do próprio Deus — o sorriso inefável de Maria Santíssima.

(Extraído de conferência em 11/4/1964)

O Maravilhoso Medieval e o milagre de Avignon

O homem medieval era ansioso, sôfrego de maravilhoso; seu espírito voltava-se continuamente para o maravilhoso, como toda pessoa que crê em Deus.

Aquele que acredita em Deus e tende para Ele, que é o Maravilhoso, o Perfeito, ama as coisas na medida em que elas exprimem o Criador. E quanto mais elas são excelentes e admiráveis, tanto mais espelham a Deus.

É concebível que nestas condições o espírito medieval tenha sido ansioso para representar o maravilhoso em tudo. Um exemplo foi o que ocorreu no século XV, na cidade de Avignon.

Todos sabem que a Santa Sé tinha o poder temporal sobre um enclave no território francês, que era o condado de Avignon, onde moraram vários Papas franceses, que não deixaram na História uma memória particularmente esplêndida, a não ser um deles que, se não me engano, morreu bem-aventurado1.

Nesse enclave produziu-se, no século XV, um milagre. Em si o milagre é uma coisa maravilhosa.

Recentemente li o caso admirável de uma pessoa que viveu durante quinze anos engessada; parece-me que todo o seu corpo estava metido dentro do gesso. Esteve duas vezes em Lourdes para pedir a cura, mas não a conseguiu. Foi uma terceira vez; entretanto ela estava tão coberta de gesso que não podiam mais colocar água sobre seu corpo. Então, para que se beneficiasse de algum modo dos efeitos milagrosos da água, foi injetada em suas veias água de Lourdes.

Pois ela curou-se instantaneamente. E o mais extraordinário é que, tendo sido retirado o gesso, dentro do qual passara quinze anos, essa senhora começou a andar. O que de si é uma coisa absolutamente inconcebível.

O milagre foi atestado, provado, porque ela se submetera a operações. De si, o fato é maravilhoso, no sentido de que ele representa uma manifestação da onipotência de Deus e que causa maravilha. Não é um fato artisticamente maravilhoso; ele não tem um pulchrum debaixo deste ponto de vista.

Recordaremos agora um milagre que tem um grande pulchrum artístico e veremos como Deus Nosso Senhor, na sua condescendência, satisfazia os anseios de alma do homem medieval. Quer dizer, Ele manifestava sua onipotência — como no milagre de Lourdes —, mas de um modo muito bonito, artístico.

Ao atender também ao aspecto artístico, Deus satisfazia a sede de maravilhoso, da qual Ele mesmo era o Autor no espírito do homem medieval.

Passo a ler a narração, extraída da “Vida dos Santos”, Bonne Presse, Paris:

A Confraria dos Penitentes Cinzas de Avignon, que teve por fundador Luís VIII, pai de São Luís, possui sua sede na capela da Santa Cruz, chamada de Pénitents Gris. O Santíssimo Sacramento está aí exposto – com certeza já não é mais assim; até há pouco tempo era – noite e dia, desde 14 de setembro de 1226.

Isto já é uma verdadeira maravilha. Há quase 750 anos que o Santíssimo Sacramento não saiu da capela desse lugar2. Sendo que naquele tempo a exposição permanente do Santíssimo Sacramento não era hábito na Igreja.

A cidade de Avignon está situada a algumas centenas de metros da confluência dos rios Ródano e Durence, e atravessada por um de seus confluentes, o Sorgue. Em 1433, as chuvas torrenciais fizeram transbordar os três rios que inundaram as partes baixas à margem do Sorgue. A inundação tomou tais proporções durante a noite que, na manhã seguinte, os superiores da Ordem, temendo que a água atingisse o trono onde estava exposto o Santíssimo Sacramento, tomaram uma canoa e foram até a capela. Qual não foi a sua surpresa quando, depois de aberta a porta, constataram que as águas, à semelhança das do Mar Vermelho e do Jordão, se mantinham à direita e à esquerda, elevadas como grandes paredes, deixando absolutamente livre e seca a passagem que conduzia ao altar.

Podemos imaginar que aspecto lindo o de uma capela cujas paredes eram feitas de água, mas nenhuma gota caía. O sulco por onde os religiosos deveriam passar estava completamente seco. E no fundo aquela majestade misteriosa, adorável, mas quão real, do Santíssimo Sacramento exposto.

Gostamos de supor — e tudo leva a crer que assim o foi — que esses bons religiosos, depois do espanto, fizeram profunda genuflexão e adoraram o Sacramento Santíssimo, em homenagem a Quem o milagre estupendo se realizava.

O prodígio lhes pareceu ainda maior quando, chegados ao altar que fica ao nível da capela sem degraus, viram em volta tudo igualmente seco. As águas se levantavam ao longo das paredes como verdadeiras tapeçarias, formando arcobotantes ao alto, como uma espécie de teto.

Que maravilha! Como Deus quis glorificar o Santíssimo Sacramento, mas atendendo ao movimento de alma do homem que vê no belo um reflexo do Altíssimo. Deus presente, mas inteiramente oculto, no Santíssimo Sacramento, e agindo de um modo sensível, manifestando-Se por semelhança, precisamente nas águas que subiam e davam certo vestígio do esplêndido e da beleza d’Ele.

Assim diz o antigo relato conservado nos arquivos da confraria.

Não é, portanto, uma lenda que se transmitiu de séculos em séculos, mas é um relato conservado nos arquivos da própria confraria.

Os dois frades, depois de terem adorado o Autor desse prodígio, se apressaram a comunicá-lo aos outros confrades. Vieram doze. E todos juntos foram chamar quatro frades menores da Ordem de São Francisco, dos quais três eram doutores em Teologia. A água se mantinha no meio do banco que fica ao longo do átrio da capela, de maneira a deixar uma parte inteiramente seca.

Para comemorar o milagre, celebra-se com solenidade, todos os anos, a festa em 30 de novembro, dia de Santo André. Pela manhã, todos os membros da confraria comungam, percorrendo de joelhos, até a mesa da comunhão, o caminho sagrado, conservado milagrosamente pelas águas. Às vésperas, o pregador relembra o milagre, e o cântico “Cantemus Dominum”, que foi entoado por Moisés depois da passagem do Mar Vermelho, precede a adoração e a bênção do Santíssimo.

Durante mais de quinhentos anos se conservou férvida e ardorosa a lembrança desse milagre. Quanta beleza existe no fato de que, em todo dia 30 de novembro, uma confraria — cujos membros, pelo menos em parte, presumivelmente descendem daqueles que viram o milagre —, formando uma longa procissão acompanhada pelo povo, entram naquela igreja para celebrar essa maravilha!

Podemos imaginar com que devoção eles adentram na capela, adoram o Santíssimo Sacramento e entoam o cântico de Moisés, lembrando que Deus fez em Avignon aquilo que realizou no Rio Jordão e no Mar Vermelho. São verdadeiras maravilhas de Deus.

Qual é a beleza especial que apresenta a continuidade dessa tradição? É a pulcritude da lição que nos dá, pois os benefícios de Deus devem ser lembrados. Nós não podemos deixar de agradecê-los sempre. Como através das gerações, durante cinco séculos, eles se lembraram disso, com a Fé e a gratidão que se transmitiram. E o que dá muito mais calor à comemoração é a tradição.

Imaginemos que fôssemos fazer agora uma procissão numa igreja para adorar o Santíssimo Sacramento, a fim de comemorar e ilustrar o que se passou em Avignon. Seria com muito menos vida do que o que fazem em Avignon, porque aquele é o lugar onde o milagre ocorreu, e onde durante quinhentos anos, ininterruptamente, o milagre vem sendo glorificado.

A tradição confere um sabor, um calor, uma vida especial a uma ação de graças certamente muito bonita, muito justa, mas que perderia alguma coisa se não fosse tão tradicional. Aprendamos dessa maneira a amar a tradição, e compreender como ela adorna as coisas de Deus e de Nossa Senhora.  v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 22/7/1975)

 

1) Santo Urbano V.

2) Lamentavelmente, em 1793, a Revolução Francesa causou a completa destruição da Capela da Santa Cruz. Mais tarde, uma nobre família promoveu a construção de uma nova capela. Concluída a construção, o Arcebispo de Avignon restaurou ali a Adoração Perpétua do Santíssimo Sacramento (Cf. Eucharistic Miracles and Eucharistic Phenomena in the Lives of Saints, Joan Carroll Cruz, Tan Books and Publishers, Rockford, Illinois, 1987, p. 144).

Balduíno IV, o protótipo do católico – III

Ficamos maravilhados com as vitórias alcançadas pelo Rei leproso contra os inimigos da Igreja. Entretanto, ele travou dois combates simultâneos: um contra os maometanos e outro contra o lado  ruim que todo homem leva em si. A verdadeira e mais dura batalha do homem é a enfrentada dentro de si.

 

Pudemos realçar vários ensinamentos que se desprendem da vida heroica, santa e magnífica de Balduíno IV, o Rei leproso de Jerusalém(1). Eu gostaria, entretanto, de fazer um pequeno  complemento. É preciso dar com prontidão e alegria Tenho ouvido, às vezes, a frase: “Dar muito não basta, é preciso dar tudo e para sempre.” É bem verdade, mas faltam ainda dois elementos para que ela fique completa.

Quando se põe clara aos nossos olhos a necessidade de dar, deve-se fazê-lo imediatamente. A cada minuto que deixamos passar sem ter dado, a doação se torna mais difícil, e vamos nos  descolando mais penosamente do objeto de nosso apreço. No fim, acabamos não dando. Se alguém, ouvindo a narração da vida de Balduíno, o Rei leproso, forma o propósito de, por exemplo, pedir o espírito de sacrifício, o amor à cruz, não deve dizer o seguinte: “Mais tarde vou pensar um pouco nisso e depois, um belo dia, começarei a rezar nessa intenção…”

Se um impulso interior da graça me leva a rezar a ele, vou começar hoje e com uma jaculatória agora: “Balduíno, glorioso Rei leproso, dai-me o vosso espírito de sacrifício!” E para não fazer torcidas e retorcidas, dando algo e depois voltando atrás, define-se bem o que se dá.

Mas isso mesmo não basta. É preciso dar com alegria. Quem dá com tristeza, tendo pena de si mesmo, não deu nada.

Por exemplo, alguém toma a resolução de fazer a Deus um pequeno sacrifício: abster-se de seu melhor travesseiro, uma vez na semana. Digamos todas as sextas-feiras, tomando em consideração que Nosso Senhor morreu numa sexta-feira por nós, na Cruz. A pessoa deve privar-se disso com alegria, porque encontrou o modo de tirar melhor proveito do seu travesseiro, que não é dormir usando-o, mas dá-lo a Deus, a Maria Santíssima.

Então a pessoa reza: “Meu Senhor, dou-Vos graças por terdes morrido por mim na Cruz, e me concedido um travesseiro que sacrifico hoje por Vós.” E afirma isto com o coração alegre por ter  encontrado com que retribuir a Deus e a Nossa Senhora a imensidade do que fizeram por ela. Há uma frase da Escritura que diz: “Deus ama quem dá com alegria” (2Cor 9, 7).

Quem dá com pena de si não pertence à estirpe dos heróis

A lepra é uma doença terrível, que cobre o homem de feridas, úlceras, pústulas; depois vão caindo pedaços dos dedos, do nariz, das orelhas, o homem vai apodrecendo inteiro. No fim da doença,  ele é uma podridão ambulante. Pensem em Balduíno IV andando no meio dos outros homens e notando que ele é objeto do nojo e do horror geral. Percebe que os outros olham para ele  procurando disfarçar, mas tendo asco. Na véspera daquele dia ele ainda tinha nariz, naquela noite o nariz caiu, ou uma orelha, ou um dedo, e assim ele vai apodrecendo.

Ponha-se cada um neste papel: apresento-me para os outros, tendo perdido o nariz na noite anterior… As pessoas, por amabilidade, fingem não perceber e perguntam como passei a noite, mas interiormente pensam, rachados de dor: “O que aconteceu nesta noite com ele?”

Entretanto, diante de Balduíno IV, que na véspera de uma batalha perde o nariz, está o corcel. O Rei leproso monta a cavalo, ele todo é uma chaga e cada vez que o cavalo salta seu corpo inteiro dói. A dor aumenta e se renova à medida que o corcel apressa a velocidade, e a cada vez em que Balduíno ergue o braço para desferir um golpe com a espada.

Haveria dois modos de Balduíno partir para a batalha. Um seria: “Ai, meu Deus, então Vós quereis deste vosso pobre filho Balduíno mais este horror?” E na hora do combate: “Vós desferis contra ele um golpe que se os maometanos desfechassem seria cruel! Durante esta noite, Senhor, pelas mãos da lepra, Vós me arrancastes o nariz e desfigurastes a minha face, abrindo mais uma fonte de  dor em meu rosto. E Vós ainda quereis que eu combata! Ai que dor, que sofrimento! Senhor, eu me resigno vagarosamente, para que tudo doa o menos possível: ponho um pé no estribo, vou dar o salto para cima do cavalo e tenho medo da dor que vou sentir. Mas pulo, estou sobre o cavalo… Ai, que lancetada!”

Que horror! Ponho o pé no outro estribo…

“Agora, cavalo, martirizador meu, põe-te a caminho”. Ele teria vencido as batalhas que venceu se tivesse procedido assim? Não, porque não teria pertencido à estirpe espiritual dos heróis.

O verdadeiro seria dizer o seguinte:  “Senhor, eu vou para a batalha, entrego-me a todas as dores, e sei que daqui por diante, até a hora da vitória, não deixarei de sofrer dores cada vez maiores. Dores, vinde a mim!” Pula sobre o corcel e sai depressa. A dor deve ser aceita e sorvida com coragem Assim devemos fazer com sofrimentos tão menores que a Providência põe em nosso caminho.

É uma hora de estudo ou de oração; um companheiro que nos trata como não gostaríamos de ser tratados; um superior que não nos compreende bem. Seja o que for, devemos dizer: “Dor, venha sobre mim!” A dor deve ser aceita e sorvida como um homem tomaria a taça de um vinho perfeito. Alguns goles, e a dor está sofrida. É assim que o homem se torna corajoso. Ele luta contra os maometanos, é bem verdade, mas tem dentro de si um adversário pior do que os mouros: é o medo que ele tem da própria dor. Mas ele enfrenta!

Eu bem sei, por dura e amarga experiência própria, que é a alegria de minha existência, quanto o homem sofre na vida. Se ele entra nela com medo de sofrer, está mal engajado e não dá em nada que acerte. Ele deve entrar na vida à Balduíno, o Leproso.

Vimos o episódio da Batalha de Montgisard(2). Balduíno IV, com apenas trezentos guerreiros, tem diante  de si um exército de milhares de mouros. Um Balduíno chorão diria: “Meu Deus, mais essa ainda? Por cima da dor, da queda do nariz, de uma orelha que começou a apodrecer, tenho ainda que ver esses trezentos homens serem esmagados pelo adversário?!”

Esmagado nunca! Um filho de Nossa Senhora não pensa nisso. Ele pensa com ânimo, com alegria no esmagamento estupendo que vai infligir no adversário. Entretanto, sabe que isso não se obtém naturalmente, porque não é possível, e ele está encurralado contra o paredão da impossibilidade. Ele levanta os olhos ao céu e clama: “Salve Rainha, Mãe de misericórdia…” De um jeito ou doutro Ela tem pena dele, a batalha começa, e ele entra na luta com todo o corpo, mais do que isso, com toda a alma. Algum Anjo misterioso esvoaça no céu sobre os maometanos, espalhando o terror entre eles, e os católicos avançam. Pouco depois eles são uma cunha no meio dos mouros, que se tomam de medo e fogem correndo.

Meditações no Santo Sepulcro

Podemos imaginar Balduíno voltando a Jerusalém com seus guerreiros, depois da vitória e de terem recolhido as armas deixadas pelo adversário na fuga, preparando-se, assim, para outras batalhas. Entram na Cidade Santa e se dirigem ao Santo Sepulcro, junto ao qual meditam no que ali se passou.

Lembram-se de que nesse lugar esteve o Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo, pensam naquela sepultura fechada, na qual não penetrava mais nem o ar nem a luz, onde o Corpo do Salvador, transformado como se fosse o de um leproso, tantas eram suas feridas e chagas, jazia envolto no sudário com o qual os orientais envolviam os cadáveres, na escuridão completa, esmagado,   reduzido à inércia e ao isolamento da morte, enquanto a sinagoga maldita triunfava sobre Ele.

Ao cabo de três dias, àquela sepultura, sobre a qual dir-se-ia que nenhuma esperança mais pairava, os coros angélicos começam a afluir cantando, enchendo de luzes e de perfumes aquele local onde até há pouco só houvera tristeza. De repente, por um movimento vindo de  Si mesmo, Nosso Senhor ressuscita.

Sua Alma que estivera no Limbo consolando os justos do Antigo Testamento, anunciando-lhes que estavam redimidos, afinal, cumprida a sua missão, penetra no seu Corpo e O faz reviver. Todas aquelas feridas não apenas saram, mas se transformam em fonte de luz. De maneira que sua fronte sagrada, até há pouco coroada de espinhos, refulgia coroada de sóis que espargiam de cada furo produzido pela coroa de espinhos. 

Certamente, antes de aparecer a qualquer outra pessoa, Ele esteve num lugar quase tão triste quanto uma sepultura: o Cenáculo, onde Maria Santíssima, na penumbra, chorava a morte de seu  Filho, à espera do momento da Ressurreição. Quando de repente Ele entra radioso.

Sem dúvida, apraz-nos imaginar o último olhar de Jesus para Nossa Senhora, do alto da Cruz, quando Se olharam e, logo em seguida, Ele fechou os olhos e morreu. Uma coisa extraordinária!

Como terá sido, então, o primeiro olhar depois da Ressurreição? Como Ele A inundou de gáudio, de felicidade, e qual terá sido o diálogo dos dois naquele momento?

A maior batalha do homem é a  que ele trava dentro de si

Quiçá Balduíno IV teve em vista tudo isso no momento sagrado em que penetrou no Santo Sepulcro, passo ante passo, carregando todas as suas dores, todas as suas  glórias, talvez cingindo a coroa real em cima daquele monte de chagas que era ele, e osculando com indizível veneração e ternura aquela sepultura.

Não consta que tenha pedido a cura. Se ele a pedisse, provavelmente teria saído curado. Mas o Rei leproso travava duas batalhas simultâneas: uma era contra os maometanos; outra contra o lado ruim que todo homem leva em si. Ele não era concebido sem pecado original e, portanto, tinha lados ruins, como todos nós; mas ele os combatia. É muito mais duro combater o próprio lado ruim do que um mouro que se tem na frente.

A verdadeira batalha do homem não é a que ele trava fora de si, mas a enfrentada dentro de si. Balduíno rezou a Nosso Senhor e, a não ser no dia do Juízo, não poderemos saber o que o Divino Redentor respondeu a ele. O fato é que o “rei das dores” saiu de lá provavelmente mais chagado, mais dolorido, mais alegre e mais grandioso.

Por certo, ao lado da admiração que a figura excelsa desse rei leproso produz, nasce uma perplexidade: “Mas se Dr. Plinio pensa que eu devo encontrar coisas dessas no meu caminho, não tenho coragem nem meios de fazer isso! Ele levanta diante de mim uma montanha alta como o Himalaia, e depois me diz: ‘Suba!’ Mas ele não percebe que não tenho vontade de subir o Himalaia, nem quero sofrer tanto assim? Como é que Dr. Plinio me incita a uma coisa para a qual, em última análise, a qualquer homem se pode perguntar: ele terá coragem?” Respondo o seguinte: É bem  verdade, e se eu – que não tenho o direito de me comparar a Balduíno IV – tivesse sabido, quando jovem, tudo quanto iria sofrer, talvez não tivesse tido coragem.

Já em menino tive batalhas muito duras para enfrentar, e não senti coragem. Mas fiz uma coisa: ajoelhei-me diante de uma imagem alva, na Igreja do Coração de Jesus, e sem coragem de avançar,  as não querendo de nenhum modo recuar, disse: “Salve Rainha, Mãe de misericórdia, vida, doçura e esperança nossa, salve!”

Uma música que poderia ser o cântico de guerra de Balduíno

A palavra “salve”, em latim, é uma saudação, como quem diz “bom-dia”. Mas eu era menino e sabia uns arranhões de latim que se aprendia no ginásio. Eu pensava que “salve” queria dizer “salvai-me”, e então dizia neste sentido: “Salvai-me, Rainha! Dai-me forças, dai- me coragem, Vós que sois Mãe de misericórdia!” Nunca tinha prestado tanta atenção naquela oração como naquele momento em que eu estava aflito, e pensava: “Ela é mãe como mamãe… Como mamãe é boa, como ela tem pena de mim, como eu confio nela, e como a quero bem. Mas Nossa Senhora me quer mais bem do que mamãe me quer. Estou aqui como um trapo sujo aos pés d’Ela, não sinto força para ser bom, mas tenho certeza de que, pedindo à Mãe de misericórdia, Ela me dará esta força e acabarei, com o auxílio d’Ela, vencendo a batalha de minha vida, que consiste em ser verdadeiro católico apostólico romano.”

A partir desse momento, a Salve Regina foi a respiração de minha alma. Em todas as aflições de minha vida – quantas e quantas foram! – a coragem nunca me faltou, porque Ela dava. E isso porque a Santíssima Virgem resolveu ouvir a oração para lá de aflita de um menino aflito, e tenho certeza de que Ela mesma, naquele momento de aflição, movendo as coisas, fez com que eu fosse parar lá, diante do altar d’Ela. Posso afirmar que, em todos os transes de minha vida, nunca deixei de pedir forças a Nossa Senhora, e Ela nunca deixou de me dar as forças de que eu precisava.

Sei que pareço um homem muito decidido, muito forte; graças a Deus eu o sou porque Ela dá a força. Se Ela me abandonasse, eu cairia como uma pétala de uma flor no chão; vem a vassoura e a joga no lixo, está acabado! Eu tenho essa força porque Ela é a minha força.

Há uma canção lindíssima, que me enche o coração e a alma, cuja letra é a oração do paraquedista francês: “Mon Dieu, donne-moi la souffrance…”(3) Esse poderia ser o cântico de guerra de  Balduíno, o Leproso, na hora de montar no cavalo e avançar, em meio a cem dores e aflições, no auge do sofrimento, mas também entre mil atos de amor a Deus e de alegria por estar sofrendo por  Ele. E com sua alma limpíssima da lepra do pecado, derrubando a cabeça de quantos malfeitores empedernidos! Balduíno IV não está canonizado, mas nós podemos supor com que amor a alma dele foi acolhida por Deus, e com que glória nos aparecerá no dia do Juízo. Por certo ele está no Céu ouvindo este comentário, feito neste Brasil longínquo do qual não tinha ideia que pudesse existir naquele tempo; este Brasil no qual, no século XIII, habitavam apenas tribos de índios, em meio ao obscuro matagal das florestas brasileiras, mas onde hoje se elevam exclamações de entusiasmo pelo exemplo que ele deu. Exclamações de pessoas esperançosas de seguirem esse exemplo e serem verdadeiros batalhadores, dentro e fora de si mesmos. É o que eu lhes desejo de toda a alma.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/5/1991)

A realeza de Maria Santíssima

Em Fátima, com a promessa de triunfo do Imaculado Coração de Maria, começou a se delinear nas páginas da história a era em que a realeza de Maria deverá atingir todo seu fulgor.
Esmagando o demônio, príncipe deste mundo, com seu calcanhar puríssimo, Nossa Senhora reinará, triunfará!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 31/5/1965)

Modelo de penitente

Sumamente penitente, São Pedro de Alcântara foi a própria personificação da penitência na Igreja Católica, durante o século XVI.

Os grandes santos sofredores, os grandes santos penitentes, são aqueles que pelo exemplo e pelo deslumbramento de sua entrega, mantêm nos homens o espírito de penitência necessário.

Isto fez São Pedro de Alcântara numa época em que a Renascença começava a tomar conta do mundo e o espírito de penitência era abominado. Época em que, devido à explosão do orgulho e da sensualidade, manifestou-se uma tendência universal para transformar a vida num ininterrupto prazer.

Peçamos a São Pedro de Alcântara a graça de admirarmos e imitarmos o seu exemplo em nosso tempo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 19/10/1964)

Maria, Medianeira da Graça

Maria Santíssima exerce um papel preponderante na santificação de uma alma. Com efeito, Ela é a medianeira através de Quem recebemos as graças..

Imaginemos uma cidade no Tirol, ao pé daquelas grandes montanhas, para as quais vão pessoas do mundo inteiro, a fim de praticarem alpinismo. Havia lá um moço impossibilitado de se mover. Porém, de manhã vinha à sua casa um médico que lhe dava um remédio misterioso, desconhecido por todos, sob a ação do qual ele se curava e subia as montanhas corajosamente. À noite, tendo voltado para sua residência, cessava o efeito do medicamento e o jovem voltava a ficar imóvel na cama.

Esse moço não poderia dizer: “Eu sou um grande alpinista!” Ele poderia, isto sim, dizer: “Meu médico e eu somos grandes alpinistas!” Pois, na realidade, ele atingia o pico dos montes porque colaborava com o remédio fornecido pelo médico. Do contrário, permaneceria na imobilidade. Jovens que chegavam ao alto das montanhas, havia muitos. Médico que dava ao paralítico o meio de subi-las, existia somente um. De maneira que a ação do médico foi o principal fator do ato, embora o moço também tenha exercido seu papel: suou, segurou-se nas cordas, correu o risco de se espatifar no chão, teve o mérito do alpinismo. Mas apenas começou a mover-se a partir do momento em que o médico lhe deu aquele remédio.

Suponhamos que certo dia o remédio atuou mais longamente, e o rapaz, regressando da montanha, descansou em sua casa e depois foi passear na cidade, vangloriando-se junto a seus companheiros. Em determinado momento, passou o médico que cumprimentou o jovem, o qual respondeu à saudação de modo desdenhoso. Perguntaram-lhe, então, seus amigos:

– Quem é aquele senhor?

– É um velhinho que conheço e, às vezes, de manhã me visita, respondeu o moço.

O médico não teria o direito de ficar indignado com o rapaz? Afinal, se ele não fosse no dia seguinte à casa do jovem, este permaneceria na horizontal! Então, aquela vaidade é nada. O médico é quase tudo nos feitos do moço.

Este conto não nos dá uma ideia inteiramente exata, mas sim próxima, da realidade; ajuda-nos a compreender alguns aspectos do problema da graça e, portanto, de sua ação em nós, ou seja, a virtude. Todo homem é completamente paralítico para a virtude. Porém, a partir do momento em que recebe a graça, ele se torna capaz de praticá-la.

Quando temos vontade de adquirir virtudes que julgamos não estarem ao nosso alcance, podemos dizer a Nossa Senhora: dai-nos. A devoção à Santíssima Virgem é fundamental elemento de nossa vida espiritual; aquilo que Lhe pedimos, Ela nos obtém.

É claro ser necessária a nossa cooperação, pois Deus, que nos criou sem nosso auxílio, não nos salvará sem nossa colaboração. Embora indispensável, essa cooperação é secundária. O principal fator de nossa salvação é a atuação da graça em nós, a qual recebemos por meio de Nossa Senhora, Rainha e dispensadora de todos os dons divinos.

Quando Nossa Senhora nos concede a graça, somos como o jovem cheio de disposição para subir as montanhas, mas se não a pedirmos, ficamos estendidos na cama, paralisados. Esse é o papel da Santíssima Virgem em nossa santificação.  

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 5/5/73)