A Paz de Cristo no Reino de Maria

Na Sagrada Família, o menor de todos era o chefe: São José. Em seguida, vinha a Mãe, enormemente superior ao esposo; e depois o Filho, infinitamente maior do que os dois.

Em torno dessa Família se reúnem, desde os primeiros dias, os grandes e os pequenos da Terra: expressão significativa de que Cristo Nosso Senhor veio trazer a paz como característica das relações entre as classes sociais.

São José, nobre como um príncipe e humilde como um carpinteiro; os Magos, dignos como reis e súplices como mendigos; o jovem pastor, um casto adolescente que parece trazer no cordeiro o símbolo de sua pureza e ver no Menino-Deus a fonte de toda castidade.

Queira a Sagrada Família obter para nós, para nossas famílias, para nossa querida nação, que se afastem tantos fatores de preocupação e de tensão, por efeito da única solução que uns e outros podem ter validamente: a Paz de Cristo no Reino de Maria.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 30/8/1977 e 16/12/1991)

Meditação sobre o Natal – II

Quais seriam nossas emoções se, logo após o nascimento de Jesus, entrássemos na gruta de Belém e contemplássemos a majestade, a acessibilidade e a misericórdia do Menino-Deus, bem como o ambiente que O cercava? Eis o tema do segundo estilo de meditação explanado por Dr. Plinio.

Passarei a fazer uma meditação inteiramente diversa da anterior(1) para, depois, efetuarmos a comparação.

Suponhamos que cada um de nós tivesse a alegria de entrar na gruta de Belém e ver Nossa Senhora com São José, o Menino Jesus, os pastores, o boi e o asno. E visse também os Reis Magos — entre os quais o Rei negro Baltazar — vindos do Oriente, se aproximando com suas caravanas, seus cortejos, a estrela; adoram o Menino-Deus e Lhe oferecem ouro, incenso e mirra.

Como imaginariam a cena? Sob que aspecto ela lhes causaria mais alegria na alma e por onde se sentiriam mais próximos do Divino Infante?

N’Ele, poderíamos considerar, entre muitos outros pontos, a infinita grandeza, a infinita acessibilidade, e também o infinito amor.

Infinita grandeza do Menino Jesus

Quanto a sua infinita grandeza, podemos imaginar uma gruta enorme, alta, quase como uma catedral, que não tivesse evidentemente uma arquitetura definida, mas suas pedras nos fizessem pressentir vagamente as ogivas de uma catedral da futura Idade Média. O berço do Menino Jesus estaria colocado bem no ponto majestoso da encruzilhada das várias naves laterais, naturais, e uma luz celeste toda de ouro pairaria sobre Ele naquele momento.

O Divino Infante, embora deitado em seu presepe e sendo uma criança, é o Rei de toda majestade e toda glória, o Criador do Céu e da Terra, Deus encarnado e feito Homem, tendo desde o primeiro instante de seu ser — portando já no ventre de Nossa Senhora —, mais grandeza, mais manifestação de força e de poder do que todos os homens que houve na Terra, incomparavelmente mais inteligente do que São Tomás de Aquino, mais poderoso do que Carlos Magno, Napoleão, Alexandre; Ele sabia todas as coisas extraordinariamente mais do que qualquer cientista moderno, e na fisionomia sempre variável do Menino Jesus, de vez em quando esta majestade feita de sabedoria, de santidade, de ciência, de poder, haveria de aparecer.

Então, imaginem que encontrassem isso misteriosamente expresso na fisionomia deste Menino. Que Ele, às vezes, se movesse e no seu movimento se percebesse um rei; abrisse os olhos e o fulgor de seu olhar tivesse uma profundidade tal que se sentisse n’Ele um grande sábio; haveria uma atmosfera circundando-O e que nimbasse de virtude todos aqueles que d’Ele se acercassem; algo puríssimo, de tal maneira que as pessoas não poderiam aproximar-se dali sem antes pedir perdão por seus pecados, mas ao mesmo tempo atraídas e incentivadas a se corrigirem de suas faltas, pela santidade que emanava daquele local.

Majestade de Nossa Senhora

E aos pés d’Ele Nossa Senhora, Ela também como uma verdadeira Rainha — a Virgem Santíssima era e é Rainha —, com uma dignidade e imponência, que não precisava de roupas nobres nem de tecidos de grande qualidade para se fazer valer.

Todos sabem que Santa Teresinha do Menino Jesus era tão imponente que seu pai a chamava “minha pequena rainha”. O jardineiro do Carmelo, no processo de canonização, contou uma vez que viu uma freira, que estava de costas, fazer tal coisa e era Santa Teresinha. Então o advogado do diabo perguntou: “Mas como o senhor sabia que esta freira, estando ela de costas, era Santa Teresinha?” A resposta foi: “Pela majestade da santa, porque ninguém possuía a majestade que ela teve”.

Podemos imaginar Nossa Senhora majestosíssima, transcendente, puríssima, rezando para o Menino Jesus, os Anjos invisivelmente cantando, em volta, canções de glorificação, e toda a atmosfera saturada de valores tais que se diria haver, naquela pobreza e miséria, um ambiente de corte.

E nós nos aproximando do presépio, sentindo a grandeza do Menino Deus e, como contrarrevolucionários que somos, amando n’Ele tudo quanto é nobre, belo, santo, intransigente e combativo; adorando aquele Menino que, ao mesmo tempo, atrai junto a Si todas as formas de grandeza que dimanam, são reflexos e uma participação na santidade d’Ele, e rechaça para longe de Si o pecado, o erro, a desordem, o caos, a Revolução, que nem sequer ousa levantar os olhos para aquela cena magnífica em que a ordem, a hierarquia, a pompa e o esplendor dominam completamente.

Acessibilidade do Divino Infante

Consideremos agora outro aspecto: o Menino Jesus imensamente acessível.

Suponhamos que esse Rei tão cheio de majestade, em certo momento abrisse os olhos para nós e notássemos — mas cada um deve imaginar-se visto por Ele — que o olhar puríssimo, inteligentíssimo, lucidíssimo do Divino Infante penetra em nossos olhos profundamente, vê o mais fundo de nossos defeitos bem como o melhor de nossas qualidades; e naquele momento toca a nossa alma, como tocou, trinta e três anos depois, a São Pedro, e nos dá uma tristeza profunda de nossos pecados.

Conta o Evangelho que o olhar de Nosso Senhor para São Pedro foi tal que este se retirou e chorou amargamente. Então, imaginemos o olhar d’Ele nos dando o horror de nossos defeitos e nos mostrando seu amor às nossas qualidades. E também o seu amor à nossa condição de criatura feita por Ele; apesar de nossos defeitos, fomos criados por Ele e destinados a um grau de santidade e perfeição, que o Menino Jesus conhece e ama enquanto podendo existir em nós.

De maneira que, embora pecadores, quando menos esperássemos, por um rogo amável de Nossa Senhora, Ele sorrisse para nós e, apesar de toda a sua majestade, sentíssemos as distâncias desaparecerem, o perdão que invade a nossa alma, e algo nos atraísse de tal forma que caminhássemos para junto do Menino-Deus, e Ele afetuosamente nos abraçasse e pronunciasse o nosso nome: “Fulano, Eu te quis e te quero tanto, desejo para ti tantas coisas, perdoo-te tanto, não pense mais nos teus pecados, daqui por diante pensa apenas em servir-Me. E em todas as ocasiões de tua vida, quando tiveres alguma dúvida, lembra-te dessa condescendência, dessa amabilidade, desse beneplácito e recorre a Mim por meio de minha Mãe, e Eu te atenderei, serei o teu amparo, a tua força que há de levar-te ao Céu para ali reinares ao meu lado por toda a eternidade”.

Sua compaixão sem limites

Imaginemos a misericórdia do Menino Jesus, olhando não só para o que há de bom e mau em nós, mas também para nossa tristeza, para a condição miserável de todo homem na Terra, para o sofrimento que cada um de nós traz em si, para o sofrimento passado e o sofrimento futuro que Ele conhece. Contemplando inclusive o risco que nossa alma corre de ir para o Inferno, para os tormentos eternos; todo homem, enquanto vive nesta terra, está exposto a ir para o Inferno. E o Divino Infante olhando para o Purgatório e os tormentos que ali nos aguardam, se não formos inteiramente fiéis. Então é um olhar de compaixão, de pena, de uma participação profunda na nossa dor; e um desejo de removê-la em toda medida que for possível, de nos dar forças para suportá-la na medida em que a dor for necessária para nos santificarmos.

Então, notarmos n’Ele aquilo que consola tanto o homem, e que Jesus não teve quando chegou sua hora de sofrer. Qualquer pessoa, no momento da dor — está na natureza humana e é reto —, se consola em ter alguém que sinta pena dela, pois a compaixão divide o sofrimento. O homem é feito de tal maneira que, quando ele está alegre e comunica a sua alegria, esta se duplica, quando está triste e comunica a sua tristeza, esta se divide. Assim também, e a “fortiori”, passa-se conosco em relação ao Menino Jesus.

Então, em todos os sofrimentos de nossa vida, quando a taça para beber for muito amarga, repetiríamos por meio de Maria Santíssima a oração de Nosso Senhor: “Meu Pai, se for possível afaste-se de Mim este cálice, mas faça-se a vossa vontade e não a minha”(2). Quer dizer, pediríamos, em todos os momentos, que a dor passasse, mas se fosse a vontade d’Ele a dor viesse sobre nós. Assim, durante nossos sofrimentos, teríamos compaixão d’Ele, como se nos dissesse: “Meu filho, Eu sofro contigo. Vamos padecer juntos porque sofri por ti, e há de chegar o momento em que tu participarás eternamente da minha alegria”. E o olhar compassível de Jesus não nos abandonará um momento em nossa existência.

Três presépios representando cada um desses aspectos

Então, ao fazermos essa meditação durante todo o tempo de Natal, ao longo das vicissitudes da existência quotidiana, devemos nos lembrar destes três pontos: a majestade infinita, a acessibilidade infinita, e a compaixão sem limites do Menino Jesus em relação a nós. E ter a recordação sensível, porque procuraríamos compor um pouco o quadro.

Alguém me diria: “Mas Dr. Plinio, o presepe não poderia ter esses três aspectos ao mesmo tempo”. Não é verdade. Em Nosso Senhor todas as perfeições, todos os estados de alma perfeitos coexistiam na sua natureza humana em graus e modos diversos, conforme as circunstâncias da vida. Portanto, Ele era cheio de majestade, de acessibilidade e de compaixão para com os homens desde o momento em que entrou na Terra. E é natural que, apesar de ser Menino, conforme as almas que d’Ele se acercassem, ora uma qualidade, ora outra, aparecesse.

Seria até muito bonito que numa igreja, em vez de um presépio, houvesse em três altares diferentes três presépios, em que as figuras e toda a ambientação representassem, em cada altar, um desses aspectos para facilitar às almas a meditação sobre esses pontos como, aliás, sobre outros que também se poderiam considerar.

Como pintar o olhar do Menino-Deus?

Aqui estaria um outro tipo de meditação sobre o Santo Natal. O primeiro é um estilo de meditação que chamaríamos mais teórico, mais doutrinário; o segundo seria uma recomposição mais sensível, tocando-nos mais de perto.

Na segunda meditação, há lógica também, pois sem lógica não há meditação; mas a parte do embebimento da fantasia, da sensibilidade para preparar o jogo da lógica é muito grande. A primeira é muito mais seca. Aí está a diferença entre as duas escolas. A geração posterior à minha é muito apetente de embebimento e de preparação desta natureza, conforme a segunda meditação.

Como eu gostaria de ter em nosso Movimento pintores ou desenhistas que soubessem, por exemplo, pintar três presépios de acordo com esta concepção, ostentando toda a grandeza, ou toda a acessibilidade, afabilidade, ou toda a compaixão de Nosso Senhor! Como seria bonito! Mas o difícil é que seria preciso saber pintar aquilo que é o centro do presépio: um Menino recém-nascido que, sem perder as características de menino, tivesse tudo isso e, sobretudo, um olhar onde essas perfeições se refletissem. Como pintar um olhar infantil capaz de dizer tudo isso? Antes de ser pintor, que psicólogo o artista precisa ser para imaginar este olhar! E, depois de imaginado, como pintar? Este seria o pintor que iniciaria nossa escola de pintura, porque tenho a impressão de que, no pintar expressões de olhar, nossa escola estaria largamente representada.

”Minha alma é eminentemente inaciana”

Essa meditação sobre o Santo Natal conduz à seguinte convicção: convém fazer um estilo e outro, porque há diversas vias espirituais, e não devemos nos fixar só num estilo. Vale a pena alternarmos, meditando ora de um modo, ora de outro, para atender aos anseios de todas as almas.

Se me perguntassem o que me impressiona mais, eu responderia que, embora tendo composto o segundo tipo, me impressiona mais o primeiro, talvez por ser mais próprio de minha geração ou do meu feitio de espírito. Aquilo que é inteiramente racional e que eu posso ver amarrado por um raciocínio inexorável, me enche e me basta. Compreendo que outros não sejam assim, a tal ponto que tomei o trabalho de compor, para uso de outros, uma meditação diferente, e dou o meu tempo por muito bem empregado.

Nessa opinião transparece a seguinte posição: na Igreja há várias escolas espirituais, todas aprovadas por ela. Em geral, inauguradas e seguidas por santos, essas escolas são esplêndidas, e cada um deve seguir o que sua alma lhe pede. Minha alma é eminentemente inaciana e o sistema de Santo Inácio me encanta. O raciocínio simples, claro, límpido, que conclui e que arrasta, e a respeito do qual não há tergiversação nem sofisma, me deixa entusiasmado! Sejamos cada um como Deus o fez para a glória d’Ele.

Que Nossa Senhora nos ajude para que possamos tirar proveito de qualquer dessas meditações, de maneira a compreendermos cada vez mais a Ela e ao Menino Jesus.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 29/12/1973)

1) Revista “Dr. Plinio”, n. 189, p. 20-25.
2) Cf. Mc 14, 36.

Majestade e sofrimento

Com a alma pervadida de enlevo, veneração e ternura, Dr. Plinio imagina como seria o convívio diário na Sagrada Família, abordando desde os assuntos mais comezinhos até os mais sublimes. E compõe uma oração própria de uma pessoa que não foi maculada pela Revolução.

Encontramos diversas estampas pitorescas, várias delas muito respeitáveis, decorosas, apropriadas e dignas, representando a santa casa onde residiu a Sagrada Família.

Simplicidade sublime

Em geral essas ilustrações se empenham em representar a casa de Nazaré com uma pureza diáfana, uma luz que não era apenas a de um dia lindamente luminoso, mas uma luminosidade persistentemente matinal, ao lado de uma grande simplicidade e uma limpeza absoluta.

O que dizer da limpeza dessa casa?

É difícil imaginar, porque talvez nem sequer os Anjos tinham o privilégio de limpá-la. Era Nossa Senhora, a Rainha dos Anjos, São José, o castíssimo esposo d’Ela, e às vezes, quando estavam cansados, o próprio Menino que, diante de todos os coros angélicos extasiados, limpava a casa para que seus pais descansassem.

Num canto, um jarro simples do qual se levanta uma açucena, muito ereta, como a virgindade, como a pureza, perpendicular, da qual brota o cálice de uma flor maravilhosa; é a única coisa que fala de arte, de gosto; o resto é muito simples.

Mas olhando para qualquer madeira tosca, para o ponto em que um pé de cadeira encosta no chão, o ponto em que uma prateleira suporta três ou quatro pequenos objetos indispensáveis para viver, fica-se extasiado, sem saber o que dizer diante dessas sublimes bagatelas, tão comuns na vida de qualquer um, mas que por estarem postas naquela luz tomam um caráter maravilhoso! 

E para muito adequadamente realçar a humildade de personagens tão puros, apresentam dentro deste décor, a Sagrada Família: São José que, sentado, está torneando algum móvel; Nossa Senhora fazendo uma costurinha; o Menino em pé, tão pequeno ainda que se apoia, não na mesa, mas em uma cadeira vazia, sobre a qual brinca com dois ou três objetos, como se aquilo fosse uma mesa.

Atentos aos gestos, à voz, ao olhar do Menino Jesus

Um silêncio no qual ninguém diz nada, mas todos se entendem superlativamente. Ao mesmo tempo, juntando a vidinha de todos os dias de uma pobre família operária e o encanto de considerações metafísicas, sobrenaturais, de Nossa Senhora e de São José que viviam inundados pela presença do Menino, com tudo quanto essa presença significava e era.

O Menino, nascido da Virgem-Mãe, da raça de Davi e, portanto, da mesma estirpe de São José — que possuía sobre Ele um autêntico direito de pai, por ser a criança o fruto das entranhas de sua esposa —, mas que era o Filho gerado pelo Espírito Santo no seio virginal de Maria.

O que dizer disso? Não há palavras que bastem!

A Santíssima Trindade, por assim dizer, “Se movia” ao menor movimento do Menino, brincando com algumas pedrinhas ou mexendo com uma coisa qualquer, enquanto sua infância ia se desenvolvendo segundo a ordenação posta por Deus na natureza humana, mesmo sendo esta tão elevada e tão distante do pecado original, como era a do Menino-Deus, Filho de Maria Virgem, concebida sem pecado original desde o primeiro instante de seu ser.

Poderíamos, assim, imaginar as cenas mais comuns na vida de uma criança, como procurar algum objeto, hesitando sobre se estaria aqui ou lá, e não encontrando onde procurou, para depois buscar no lugar certo porque Nossa Senhora ou São José tinha mudado de lugar o objeto, ou o vento soprou e tocou para longe o paninho que Ele tinha separado…

Que repercussão episódios tão simples teriam nas relações das três Pessoas da Santíssima Trindade?

Por outro lado, São José e Maria Santíssima também cuidando dos afazeres domésticos, mas, tanto quanto possível, procurando não perder um gesto, um movimento, atentos à mínima emissão de voz d’Ele como a uma música inefável. O menor olhar d’Ele era um tesouro sem conta, o menor movimento tinha uma majestade e uma graça inexprimíveis! E eles sabiam que era o Homem-Deus que estava ali, hesitava, Se movia, falava… Podemos imaginar o enlevo sem fim que os inundava!

Como seria o convívio diário na Sagrada Família?

Deveria acontecer também que, pelas contingências da vida concreta, pela necessidade de prestar atenção nos afazeres, às vezes eles desviavam a atenção do Menino. De repente, tinham uma surpresa com alguma atitude e comentavam-na entre si, cochichando baixinho.

Em outras ocasiões, um dos dois esposos tinha estado fora e, quando voltava, recebia encantado o “jornal falado”.

Outras vezes era o próprio Menino Jesus que tinha saído para brincar com outra criança no jardim, enquanto São José e Nossa Senhora ficavam dentro de casa, confabulando: “O que estará fazendo Ele?”, sabendo não se tratar apenas da satisfação de um desejo infantil de ter um companheiro, mas considerando como tudo quanto Ele fazia tinha um significado muito profundo.

Como seria o relacionamento entre os três, na casa de Nazaré? Teriam entre Si um contato, uma interlocução tal que a todo o momento fizessem referência à natureza divina de Jesus? E o Menino, à virgindade fecunda de sua Mãe e à virgindade milagrosa, florindo num casamento casto, de São José? Ou esses eram temas que eles sabiam, veneravam, mas sobre os quais falavam pouco, deixando-os implícitos e conversando sobre eles apenas nas grandes ocasiões, quando baixavam do Céu luzes extraordinárias e, contemplando o Menino, o santo casal tinha êxtases místicos?
Com exceção desses momentos, talvez o resto do tempo transcorresse em uma vida comum, com os assuntos cotidianos:

— José, meu esposo, fostes vós que abristes aquela porta? Quereis porventura sair levando um banco que acabastes de fazer, ou quereis ainda ficar aqui?

— Senhora, eu ainda preciso ficar aqui, exceto se vossa vontade for outra…

Algum tempo depois, diria São José:

— Senhora, Vós vos distraístes — ele bem sabia que Ela tinha estado conversando com os Anjos! — e o almoço já vai longe no nosso pequeno fogareiro; vede um pouco como está… Enfim, poder-se-ia imaginar tudo.

Refulgindo como no Tabor

Eu seria propenso a achar que, na maravilha desse convívio interno, as coisas mais diferentes se davam simultaneamente. Entretanto, tudo se juntava em uma fórmula maravilhosa que não sabemos qual é, mas podemos intuir.

Seria uma fórmula que comportaria momentos de uma seriedade extraordinária, de uma gravidade maravilhosa, em que a Santíssima Trindade se manifestasse ao santo casal? Ou que o Menino — que quando adulto reluziu no Tabor entre Moisés e Elias, de um modo tão esplendoroso — de repente aparecesse a eles com um brilho cada vez mais intenso, num momento inopinado em que Ele viesse pedir licença para brincar um pouco no jardim. E ambos passassem um tempo sem conseguirem responder ao Menino que, entretanto, esperava reluzente a resposta; e eles completamente transportados para outra esfera, pois estavam diante de Deus!

Poderia ser que, depois de terem visto esse esplendor, não comentassem. E Maria dissesse a José:

— Está ficando tarde, não é? Vou recolher a roupa que está lá fora.

E ele diria:

— Senhora, preciso acabar este objeto que me encomendaram para hoje à tarde.

Enquanto Ela ia pegar a roupa e ele trabalhava no objeto, este tomava rapidamente a forma que ele queria. Nossa Senhora, entrava, via o objeto pronto e dizia:

— Senhor, já está pronto o objeto? — suspeitando ter sido concluído pelos Anjos.

E ele, discreto, responderia:

— Senhora, às vezes as coisas correm depressa…

Há um matiz nesse convívio da Sagrada Família que eu não vejo reproduzido na iconografia, e compreendo, porque não é fácil reproduzir. Isso tudo estava impregnado de uma respeitabilidade, de uma majestade, de uma seriedade augusta, de uma determinação forte, para dizer tudo em uma palavra só, de uma seriedade e de uma dor desconcertantes.

Prefiguras da Agonia no Horto, do levar a Cruz ou da coroação como Rei

Em certos momentos, o santo casal deveria ver que o Menino brincava e Lhes aparecia, de repente, chagado dos pés à cabeça, esmagado de dor, e brincando com dois pauzinhos que Ele carregava às costas. E era o precônio da Cruz.

Eles ficavam com o coração partido, e viam o Menino andar de um lado para outro, determinadamente, fazendo um gesto ao Padre Eterno. E era um primeiro, um segundo, um quinto lance prefigurativos da Agonia no Horto. Que dor, que nobreza, que grandeza, que majestade!

Outros dias Ele aparecia como Rei, em comparação com o qual os Césares não eram senão moleques.

Poderíamos, assim, imaginar formas de venerabilidade as mais augustas.

Acredito que os que quisessem habitar na dor seriam pouco numerosos. Mais raros ainda seriam os que não se cansassem da majestade.

Escudo e espada para defender o Menino-Deus

Contudo, quem, considerando a grandeza dessas cenas, não tivesse nenhuma nódoa de Revolução na alma, diante dessa majestade se ajoelharia e diria:

“Ó Majestade divina, dentro desse mar imundo de vulgaridade que é hoje a Terra dominada pela Revolução, quanto Vos procurei sem saber que era a Vós que eu procurava! Quanto Vos desejei, quanto me comprouve em pegar os menores fiapos de majestade que encontrei pelo meu caminho e me deter diante deles conscientemente, pensando em Vós que eu não conhecia!

“Mas afinal, ó Majestade, eu Vos encontro! Majestade, eu Vos compreendo! Vós tendes todo o império dos Anjos, sois tudo quanto há de grande!

“Quando apareceis a mim, ó Majestade, penso no estrondo das cataratas mais caudalosas que, entretanto, são minúsculas torneiras abertas diante de Vós. O oceano parece um dedal de água em vossa presença, e todas as grandezas da Terra não são nada em comparação convosco.

“Ó Majestade, quanto eu Vos procurei, ó pátria de minha alma! Afinal Vos encontro!

“Quando eu fitava a Igreja e renovava enlevado o meu ato de Fé, não sabia que um dos nomes dela era “Majestade”. Agora compreendo. A Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, receptáculo da Majestade, vaso de honorificência!

“Se eu visse Maria, que majestade! Se eu visse José, o modesto carpinteiro, que majestade! Se eu visse o Menino, minha alma procuraria rimas para celebrar-vos, ó Majestade!

“Meus braços ansiariam por um escudo e por uma espada para Vos defender! Meu corpo inteiro se retesaria diante da possibilidade de Vos proclamar diante dos homens, ó Majestade!

“E precisamente porque Vos compreendo, ó Majestade, compreendo também que na vossa imensidade cabem todas as outras coisas: não há amor paterno nem materno, nem carinho fraterno, nem amizade, nem socorro, nem proteção, nem nada do que o coração humano possa produzir de mais suave e de mais terno, que não more em Vós, ó Majestade! Vós sois todas as grandezas, todas as magnificências, até mesmo das coisas pequenas.

“Vós sois o meu repouso quando estou cansado; a tranquilidade e a harmonia do meu sono; a alegria do meu despertar.”

Morar no santuário da majestade

Quem compreende que no santuário incomensurável da majestade há um altar, bem no centro, colocado para o sofrimento? Portanto, também para esta forma de dor de espírito, que é a ascese, por onde o homem abandona o que é frívolo, superficial, fútil, e se volta para o que é profundo, sério, para o esforço da mente na procura da verdade, para o esforço do corpo inteiro na procura do bem e do belo; holocausto mil vezes feito de todos os modos pela alma à procura da verdade, do bem, e da beleza.

Sem essa dor, para nós, concebidos no pecado original, não teria sentido o santuário infinito da majestade. Essa é a verdade.

Há a dor, há a cruz. A Cruz sacrossanta de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Quem ama a dor? Quem ama a cruz? É tal a ligação entre a cruz e a majestade que, a partir de certo momento da História cristã, nenhuma coroa houve que não fosse encimada pela cruz. O píncaro da majestade, a cruz pequena sobre a coroa, como se a cruz estivesse numa altura tal que mesmo sobre a coroa ela fosse difícil de ver. Tal é a majestade da cruz!

Quem amará esses pensamentos? Quem se habituará a conviver com eles? Quem quererá morar no santuário da majestade, ajoelhado aos pés da cruz?

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/11/1982)

A Sagrada Família

Imaginando aspectos da Santa Casa de Nazaré, Dr. Plinio comenta as sublimes realidades do dia-a-dia da Sagrada Família, bem como o enlevo e a admiração do Santo Casal por seu Filho-Deus.

É comum encontrar estampas com pitorescas representações da casa onde viveu a Sagrada Família. Muitas são respeitáveis e bastante apropriadas. Em geral, combinam uma pureza diáfana com uma luz que não era apenas a de um dia belamente luminoso — luz persistentemente matinal de um horário que já não é matinal. Em síntese, apresentam uma simplicidade absoluta junto a uma limpeza absoluta.

Isto é o que nos apresentam tais figuras, mas fica-se sem saber o que dizer a respeito do que acontecia na Casa de Nazaré. Imaginemos, então.

Imaginando aspectos da casa e do dia-a-dia

O que comentar, por exemplo, da limpeza desta casa?

Era Maria Santíssima que, diante dos coros angélicos extasiados, fazia a limpeza da Santa Casa. Às vezes era São José, seu castíssimo esposo, quem a fazia. Noutra ocasião, quando estavam cansados, era o Menino quem limpava a casa para que os pais a encontrassem em bom estado… É difícil crer, mas nem sequer os Anjos tinham o privilégio de limpá-la.

Num canto da casa, há um simples jarro, do qual se levanta uma açucena, reta como a virgindade. É a única coisa que fala de arte; o resto é tão simples…

Entretanto, olhando para qualquer madeira tosca, para o pé de uma cadeira, por exemplo, ou para uma prateleira que suporta três ou quatro pequenos objetos indispensáveis para viver, fica-se extasiado! Não se sabe o que dizer diante dessas “sublimes bagatelas”, tão comuns na vida de qualquer um, mas, que por estarem postas naquela casa, assumem um caráter todo especial.

Sublimes realidades

Imaginemos São José sentado, torneando alguma coisa, enquanto Nossa Senhora faz alguma costurinha, e o Menino que, tão pequeno ainda, brinca com duas ou três pedrinhas, em pé, apoiado numa cadeira vazia.

Não há palavras que bastem para nos explicar o que, na realidade, está se passando: este Menino — verdadeiro menino, nascido da linhagem de David — foi gerado pelo Espírito Santo nas entranhas de Nossa Senhora, a flor do gênero humano!

Enquanto o Menino Jesus brinca com suas pedrinhas, e n’Ele a natureza humana se desenvolve segundo a ordenação posta por Deus, que repercussão estará havendo nas relações das Três Pessoas da Santíssima Trindade? Entretanto, tudo tão simples, tão elementar.

Enlevo e admiração pelo Filho-Deus

Pode-se imaginar o enlevo sem fim que o casal tinha por cada olhar ou movimento do Menino. Enquanto trabalhavam em alguma coisinha, Maria e José ficavam atentos ao mínimo gesto de Jesus e procuravam não perder sequer uma emissão de voz d’Ele.

Quem não ficaria atento? Afinal, eles sabiam que era o Homem-Deus que estava assim Se movendo.

Isto representava para eles um tesouro sem conta.

O dia-a-dia da Sagrada Família

Como seria o relacionamento no seio da Sagrada Família?

Conversariam sobre a virgindade fecunda de Nossa Senhora? Teriam uma interlocução por onde, constantemente, faziam referência à natureza divina? Ou somente falavam sobre estes assuntos nas grandes ocasiões, quando, por exemplo, baixavam do Céu luzes extraordinárias, ou quando contemplando o Menino tinham êxtases místicos?

Eu sou propenso a acreditar que, na maravilha desse convívio interno, as situações mais diferentes se sucediam simultaneamente, e isto constituía uma forma de convivência celeste.

A vida comum de uma pobre família operária, e o encanto das considerações metafísicas e sobrenaturais de Nossa Senhora e de São José, que viviam inundados pela presença do Menino, uniam-se no dia-a-dia da Casa de Nazaré.

Numa ocasião comum, Nossa Senhora perguntaria:

— José, meu esposo, fostes vós que abristes aquela porta? Ireis porventura sair, levando o banco que acabastes de fazer?
— Senhora, responderia São José, preciso ainda ficar aqui por algum tempo, exceto se vossa vontade for outra.

Acrescentaria ele:

— Senhora, Vós Vos distraístes — ele bem sabia que Maria tinha estado conversando com os Anjos — e o almoço vai longe em nosso pequeno fogareiro; vede um pouco… Quem sabe ao certo como se davam estas coisas? Pode-se imaginar tudo.

Previsão do sofrimento e da glória

Noutra ocasião, o Menino — que quando adulto, no Tabor, reluziria entre Moisés e Elias de um modo tão esplendoroso —, no momento inopinado em que vinha pedir licença aos pais para brincar um pouco no jardim, apareceria diante deles com um brilho deslumbrante. Eles passavam alguns instantes sem poder responder ao Menino — o qual esperava reluzente a resposta —, completamente transportados para outra esfera: estavam diante de Deus.

Em certos momentos, Eles viam que o Menino Lhes aparecia brincando com dois pauzinhos que Ele carregava às costas: era o precônio da cruz.

Ficavam, então, com o coração partido, olhando o Menino Jesus andar determinadamente de um lado para outro na casa, fazendo um gesto ao Padre Eterno. Era um ato figurativo da Agonia no Horto.

Tudo estava impregnado por uma respeitabilidade, uma majestade, de uma seriedade augusta, de uma determinação forte, para dizer tudo em uma só palavra, de uma seriedade e de uma dor desconcertantes!

Que dor, que nobreza, que grandeza, que majestade!

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/11/82)

O olhar de Nosso Senhor Jesus Cristo

Se numa noite sem luar contemplarmos com espírito de Fé o céu estrelado, ele produzirá grande efeito sobre nós. E nos fará lembrar algo infinitamente superior: o olhar do Redentor, no qual há galáxias de santidade, de virtudes que pousam sobre nós como uma abóbada protetora.

Quando a pessoa se porta ordenadamente face à ordem do universo, pelo fato de seu próprio senso do ser procurar o maravilhoso nas coisas que constituem o universo que ela procura conhecer, tende ela a ver muito mais os aspectos espirituais do que os materiais nas criaturas que a circundam.

O sentido da vida terrena

Então, no exemplo tantas vezes utilizado da criança que busca o maravilhoso na teteia dourada, vermelha, azul, verde, etc., à medida que a criança vai se desenvolvendo, se ela tem, por exemplo, uma boa mãe, quando esta lhe oferece sorrindo a teteia, em certo momento, ela percebe estar querendo mais bem à mãe do que à teteia. Porque tomando contato, ao mesmo tempo, com dois seres excelentes — um relacionado mais diretamente ao corpo, como a teteia; outro dizendo respeito à alma, que é o carinho da mãe —, por aspirar ao mais maravilhoso, a criança deseja o carinho da mãe.

Ai da mãe que não tem com a criança esse carinho, e que não a ajude a sobrepor esse valor moral ao material! Porque essa é a missão de uma mãe, e ela tem obrigação de cumpri-la.

Mas ai também dos familiares que não criam em torno de seus pequenos um ambiente robusto, suculento e benfazejo de manifestação de qualidades do espírito, no qual a criança vá entendendo desde logo que esse convívio de alma é o fundamental da ordem do universo!

Este é um ponto muito importante, porque as criaturas de uma ordem mais elevada têm uma função normativa e orientadora em relação a todas as inferiores. E os espíritos são o que há de mais alto no universo. Conhecendo-os e estando voltados para eles, conhecemos melhor o que está abaixo.

Então, ser sensível às almas e querer encontrar para si uma ambientação, na qual o nosso senso do ser, do maravilhoso, nosso senso católico se sintam como o navio que atracou no cais e ali está na serenidade, longe das tormentas, este é o sentido da vida terrena.

O ambiente da Igreja do Sagrado Coração de Jesus

A alma encontra este sentido superior da existência quando é tocada pela graça a propósito de Nosso Senhor Jesus Cristo, de Nossa Senhora e de toda a ordem celeste propriamente dita. Quer dizer, ela “vê” espíritos — sobretudo um valor de alma —, almas de uma categoria, de uma beleza, de uma maravilha tais que ela fica compreendendo ser este o verdadeiro ponto em torno do qual tudo gravita, longe ou fora do qual tudo gira errado, e que a vida está em compreender e desejar isto, ou seja, mais especificamente, o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria.

As descrições que tenho feito do Sagrado Coração de Jesus, como deve ser visto, amado, dão inteira e linearmente isto. Ele é divinamente superior a qualquer consideração, por um lado. Por outro lado, na sua superioridade, Ele habita em nós mais do que nós mesmos. Ao mesmo tempo em que está no alto de um Céu inatingível por nós, Ele habita no fundo de cada um de nós e tem a possibilidade de tomar contato conosco, fazendo estremecerem cordas de nossas almas que não sabíamos existirem. Assim é Ele!

Para minha sensibilidade — não digo nem um pouco que seja uma coisa obrigatória —, o ambiente da Igreja do Sagrado Coração de Jesus traz isso. Existem na Europa milhares de igrejas de um valor artístico incomparavelmente maior do que o dela, mas há uma coisa qualquer nessa igreja por onde, estando lá, tenho a impressão de que os seus divinos olhos estão pousando sobre mim naquele momento, e me delicio em sentir-me visto e envolvido pela serenidade afetiva, doce e cheia de sabedoria de Nosso Senhor, mas ao mesmo tempo pelo império d’Ele, segundo o qual Jesus aceita quem for assim e rejeita quem não o for. E o pior que pode haver é ser rejeitado por Ele.

Mais alvos do que a neve

Tudo isso junto, formando um panorama que paira por cima. A sensação de grandeza que se tem, às vezes, quando se olha para o céu muito estrelado não é nada em comparação com essa impressão dos olhos de Nosso Senhor Jesus Cristo — que eu imagino castanhos quase claros — pousando sobre nós, olhando-nos a fundo, e nos fazendo entrar nessas imensidades de serenidade, de força e de tudo o mais que há n’Ele, e que são verdadeiramente incomparáveis!

Para quem não tenha haurido isso tão fundamente na alma que, a bem dizer, quase nem precise ir à Igreja do Coração de Jesus, aconselho irem, e procurarem rezar ali, impregnar-se daquilo, porque há qualquer coisa ali que não é propriamente o olhar de Nosso Senhor para São Pedro, mas é um olhar d’Ele. Nessa igreja, todos os mistérios da devoção ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria vêm à tona.

Por exemplo, quanto nós gostaríamos de nos ver fisicamente olhados por Ele! Tenho a impressão de que “asperges me hyssopo et mundabor, lavabis me et super nivem dealbabor”(1); o olhar de Nosso Senhor lavar-me-ia completamente, e eu ficaria mais alvo do que a neve!

Ali, diante do olhar d’Ele, eu diria: “Anima Christi, sanctifica me!” Eu estaria tendo o que desejo, o ideal de minha vida! Aquele olhar meio interrogativo, ligeiramente reprobatório, enormemente amoroso, envolvente e, para dizer mais, encomiástico, no seguinte sentido: não há barreiras, venha; elogio é isto!

E tocando, não o grosso bordão dos sinos de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas o sino leve e alegre de Nossa Senhora, a alegria do perdão. Ela põe junto dessa seriedade infinita de Nosso Senhor Jesus Cristo uma nota qualquer de louçania que fala em perdão, em esperança, em alegria, que a completa admiravelmente. Tudo isso está e tem fundamento n’Ele, mas Nosso Senhor é grande demais para, num olhar só, podermos abarcá-Lo. Então, olha-se para Maria Santíssima, e Ela diz: “Meu filho!” Porque ao cabo de algum tempo aquela imensidade nos faz sentir tão pequenos, tão pequenos, tão pequenos, “petit vermisseau et misérable pécheur”(2), que se tem vontade de dizer: “Senhor, não me esmagues de tanto me amar!” Mas entra Ela e dá um repouso, uma distensão, está feito tudo na perfeição.

Portanto, não é que exista n’Ela e não n’Ele; mas é alguma coisa que existe n’Ele e, através d’Ela, se explicita melhor.

Conhecimento por conaturalidade

Esses estados de alma constituem o afeto que devemos procurar na vida. Não tendo esse afeto, não adianta nada, porque nenhuma forma de afeto é autêntica sem isso.

Por exemplo, se alguém me informar: “Fulano de tal quer muito bem a você porque foi educado com você desde pequeno…”, diz-me pouco, porque se nossas almas são diferentes nesse ponto, o que fazer?

Entretanto, alguém que eu tenha conhecido, procedente de Chandernagor, em quem, olhando, percebo esse estado de alma no fundo, minha vontade é de abraçá-lo e dizer:
“Meu irmão ou — conforme a idade — meu filho, há quanto tempo nos esperávamos! Há quanto tempo nos pressentíamos!”

Eu falava há pouco do céu estrelado. Ele produz efeito muito grande, não tem dúvida. Mas se eu, ao contemplar esse céu estrelado, lembrar-me do olhar de Nosso Senhor Jesus Cristo pousando sobre mim, é algo infinitamente superior ao céu estrelado, mas que tem certa analogia, cujo analogado primário é o Céu, a partir do qual, na imensidade de suas virtudes e qualidades, Ele olha para mim. Há n’Ele galáxias de santidade, de virtudes que pousam sobre minha cabeça como uma abóbada protetora!

A partir daí vem o desejo da boa amizade segundo Deus, amar o próximo como a si mesmo por amor de Deus, podendo dar origem a um relacionamento humano que, com tal plenitude, creio eu, talvez não tenha sido tão frequente na própria Idade Média.

Suponho que se a Idade Média tivesse continuado, o Sagrado Coração de Jesus teria revelado essa devoção de qualquer forma. A grande maravilha d’Ele foi perdoar as rupturas da Idade Média e, apesar disso, chamar para essa devoção.

Infelizmente, essa devoção, de modo geral, foi muito rejeitada ou aceita de uma maneira sentimental, completamente errada.

Quando me refiro à sensibilidade em relação ao ambiente da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, às graças, etc., entendo a sensibilidade reta, pela qual o homem tem um conhecimento por conaturalidade.

Em geral, quando se fala de conhecimento, tem-se em vista somente o racional — tão nobre, elevado, digno —, entretanto, julgo necessário frisar o conhecimento adquirido pela sensibilidade para entender que nesse conjunto — razão e sensibilidade — encontra-se a cognição completa. O querer bem é, portanto, ver e entender outrem assim, por conaturalidade.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 6/2/1986)

1) Do latim: Asperge-me com o hissopo e serei purificado, lava-me e ficarei mais alvo do que a neve.
2) Do francês: vermezinho e miserável pecador.

Mãe do Redentor

Tendo a Virgem Maria dado sua carne e sangue para formar a humanidade santíssima do Filho de Deus, que n’Ela estava pronto para nascer, a união entre ambos atingiu um ápice insondável na noite de Natal, e Ela estava preparada para ser, em todos os sentidos da palavra, a Mãe do Redentor.

Que alma Nossa Senhora precisava ter para ser a Mãe santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo! Sua alma chegou à perfeição para o papel de Mãe de Deus no momento em que, na noite de Natal, num êxtase enorme, Ela foi elevada a uma intimidade superlativa com a Santíssima Trindade e deu à luz, virginalmente, o Verbo Encarnado.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/12/1968)

GLÓRIA A DEUS NO CÉU, E PAZ NA TERRA AOS HOMENS DE BOA VONTADE

As reflexões sobre o Natal es-critas em 1936 por Dr. Plinio parecem feitas, de algum modo, mais para os dias de hoje do que para aquela época, tanto no tocante às nuvens negras que toldam o quadro dos acontecimentos, quanto aos raios de esperança que o perpassam.

Enquanto os Anjos de nossos piedosos presépios ostentam dísticos em que se lê: “Glória a Deus nos Céus, e paz na terra aos homens de boa vontade”, a imprensa diária está cheia de notícias  terríveis que destoam tristemente da promessa angélica. […] Por toda parte só encontramos ódio, rancor, perseguição.

E, no entanto, cumpre que não desanimemos. Não seríamos dignos da graça inestimável do Batismo que recebemos, se permitíssemos que o pânico se apoderasse de nós. Nem na ordem natural, nem na ordem sobrenatural, há motivos que justifiquem a inércia e o pessimismo.

Cristo, como único Salvador do mundo: lição do Natal

O que a Igreja espera, hoje em dia, de seus filhos, é a realização de uma tarefa ao mesmo tempo muito grande e muito simples. Ela quer que todos os católicos (os católicos dignos deste nome, e  não a turbamulta dos pagãos que usam rótulo católico), com uma persuasão vigorosa e magnífica, se ergam no tumulto do mundo contemporâneo, proclamando o cristianismo como seu único Salvador.

Único, dissemos. E insistimos sobre esta palavra. Erraria crassamente quem supusesse que o Cristo só veio salvar a humanidade de seu tempo. Em todos os tempos, em todos os países, para todos os povos, em todos os perigos, em todas as dificuldades, apesar de todos os pecados, Cristo é o ÚNICO Salvador.

[Alguns países] pensam que podem atingir a prosperidade e a paz, por meio de pequenas receitas políticas em que misturam, em doses variáveis, a autoridade e a liberdade. Loucura e ilusão. Se  eles não aceitarem as normas sociais e morais da Igreja, se não derem ao catolicismo a influência preponderante a que tem direito, não escaparão à ruína. De reforma em reforma, rolarão para o abismo.

[Outros países] pensam que o braço vigoroso de um ditador lhes pode restituir a felicidade. Loucura, ainda, e ilusão. Porque o maior homem do mundo, dotado da mais lúcida inteligência, da mais alta moralidade, da mais vigorosa energia, do mais formidável poder, não conseguiria organizar convenientemente um povo que vivesse entregue à anarquia intelectual e efetiva que, fora da Igreja, é inevitável. Um povo é um conjunto de homens. Um povo disciplinado não pode ser composto de homens anarquizados no mais íntimo do seu ser, como um copo de água pura não pode constar de um conjunto de gotas de água impuras.

Cristo como base da civilização, e as formas do governo como aspectos secundários e acidentais da vida de um povo, eis aí uma das grandes lições do Natal.

Trabalhar, lutar, sofrer e rezar pela Igreja

Mas, dirá alguém, Cristo é um Salvador ausente. Eternamente mudo, atrás da cortina de nuvens que o escondem no Céu. Ele não se mostra à humanidade aflita. E esta então corre à busca de outros pastores.

É horrível dizê-lo, mas há entre católicos quem fale assim. Há ainda quem não ouse falar, mas pense assim. E há quem não ouse pensar, mas sinta assim! Daí o existirem católicos que têm mais  esperança na ação da política do que na ação do Cristo.

Ah! São esses os corações que recebem a visita eucarística do Cristo, mas não recebem o seu Espírito: “in propria venit, et sui eum non receperunt” (veio para que era seu, e os seus não o receberam).

Ah! São esses os corações que ouvem a palavra do Cristo, vinda do Vaticano, e não conhecem na voz do Papa o timbre da voz de Deus. A palavra do Papa ecoa no mundo, e o mundo não a conhece:  “lux in tenebris lucet, et tenebrae eam non conprehenderunt” (a luz brilha nas trevas, e as trevas não a envolveram).

Cristo, para o bom católico, não está ausente. Na Eucaristia, Ele está tão realmente quanto esteve na Judeia. E do Vaticano fala tão verdadeiramente quanto falou ao povo de Israel. A Igreja é tão  seguramente guiada por Cristo em 1936, quanto o eram os Apóstolos, antes da Ascensão.

O que Cristo quer fazer, fá-lo por meio da Igreja. O que Cristo quer dizer, di-lo por meio do Papa. Logo, a Igreja em certo sentido é onipotente e onisciente porque é instrumento da onipotência e porta-voz da onisciência de Deus.

Se Cristo é o Salvador único, a Salvação virá da Igreja. Trabalhar, lutar, sofrer, rezar, imolar-se ou sacrificar-se alegremente pela Igreja, deve ser o fruto desta meditação de Natal. Porque todas as  causas e todos os ideais devem vir depois da suprema Causa e do supremo ideal da Igreja.

GLÓRIA A DEUS NAS ALTURAS, E PAZ NA TERRA AOS HOMENS DE BOA VONTADE.

Plinio Corrêa de Oliveira (Excertos, com ligeiras adaptações, de artigo do Legionário nº 224, de 27/12/1936. Subtítulos nossos.) 
Revista Dr Plinio 57 – Dezembro de 2002

 

São João Evangelista

Como diz muito bem o Abade Dom Guéranger, “São João Evangelista era parente de Nosso Senhor segundo a carne, e enquanto outros foram Apóstolos e discípulos, ele foi amigo do Filho de Deus”, a quem Jesus tributava um sentimento mais próximo e íntimo que aos demais.

Na última Ceia, São João reclinou-se sobre o peito do Mestre e ouviu as pulsações do Sagrado Coração: naquele instante, pulsações de amor, mas também de dor e angústia, diante dos abismos de sofrimentos que d’Ele se acercavam.

Alma eminentemente virgem e unida a Nosso Senhor, predileta e devota do Sagrado Coração de Jesus, São João mereceu como recompensa um tesouro sem preço: aos pés da Cruz, recebeu por Mãe a própria Mãe do Redentor, Maria Santíssima. Mais do que isto, abaixo d’Ele, Deus não lhe poderia dar…

A paz da noite de Natal

Após ter assistido a uma representação da história do menino do tambor, Dr. Plinio explica que, por ocasião do Natal, o Menino Jesus não só recebe aqueles que O visitam na manjedoura, mas vai à procura de todos os homens, de todas as idades, línguas, condições sociais, e lhes diz alguma coisa que de um modo especial lhes toca o coração.

A lindíssima apresentação que tivemos aqui, desses reis magos poéticos, com seus turbantes, desse menino tão mais poético do que os reis magos, com seu chapeuzinho de cone truncado, lembrando um pouco o chapéu de São Charbel Makhluf, daqueles arenais imensos e sem fim, daquelas montanhas que não têm nome, porque o vento as faz e as desfaz. Panorama mutável do deserto, no qual se passa a infância séria, equilibrada, um pouco triste, mas profunda e alegre, daquele menino que, conforme a narração, foi educado pelo seu velho e pobre pai, pois perdera a mãe; portanto na orfandade dos carinhos que não recebeu, e na solidão dos companheiros — muitas vezes, maus — que não teve.

A realidade histórica e a realidade sobrenatural

O menino só conhecia o seu velho pai e a grandeza dos arenais do deserto; retinha um só presente que recebera do progenitor, mas fora galardoado pelo seu pai por um presente muito maior do que todos que poderia ter: a capacidade de alma de se alegrar com um só presente; isso vale mais do que ter mil presentes! E dessa situação ele tirou para si a condição de compositor. Um menino que brinca em produzir ritmos e melodias, que maravilha!

Como é bonita a figura desse menino, bem como a solução dada para o seu caso! Ele, afinal de contas, sabe do Menino Jesus e vai tocar o seu tamborzinho para o Divino Infante. É tocante imaginar o Menino Jesus, para quem os anjos, no mais alto dos Céus, estão cantando sinfonias inapreciáveis, e diante do Qual chega um menino rufando um tamborzinho. O Divino Infante abre os olhos e, com misericórdia, ouve aquele toque, se agrada e atrai aquela alma. Seria, talvez, o primeiro amigo do Menino Jesus. Que vocação maravilhosa!

Tudo isso é muito emocionante, mas se considerarmos um outro aspecto do assunto, talvez nos comovamos ainda mais. Nós temos o hábito de pensar no Menino Jesus, que estava na manjedoura, e as pessoas iam até Ele para adorá-Lo: os Reis Magos, os pastores — bem entendido, Nossa Senhora e São José —, e outros que terão passado por lá. Essa é a realidade histórica.

Mas há uma realidade teológica, uma realidade sobrenatural, que não se dissocia dessa, e é tão mais comovedora e não menos real: o Menino Jesus que, de um modo invisível, na noite de Natal, sai, digamos assim, tocando o seu tamborzinho pelo mundo afora à procura de almas, pedindo a esta, àquela, àquela outra que venham a Ele, que O amem, O conheçam, sejam d’Ele. O Divino Infante tem muito mais do que um tamborzinho para atrair os homens e encantá-los: são as sagradas e inefáveis pulsações de seu Coração.

Ao que corresponde isso de real?

Nosso Senhor se manifesta particularmente para cada um

Se deixarmos a metáfora e formos diretamente ao fato, isso tem de real o seguinte: Considerem as diversas imagens de Nosso Senhor Jesus Cristo; a que mais me toca — já entra nisso alguma coisa de subjetivo, de pessoal —, é o próprio Santo Sudário de Turim.

Não é Jesus Menino, mas Nosso Senhor morto. Não está nos braços de Nossa Senhora, amorosamente carregado, mas jacente no sepulcro. Todas as chagas da Paixão estão n’Ele representadas. Quando eu olho o Santo Sudário, a graça toca a minha alma — como a de todos os católicos. E, em função da minha mentalidade, da forma de virtude que nos planos da Providência devo ter, a graça me toca de um modo especial, de maneira a ver em Nosso Senhor, no seu Santo Sudário, este, ou aquele aspecto.

Então eu O aprecio, O analiso com a objetividade de uma mente, graças a Deus, sã e que vê a realidade como ela é. E aquilo tudo se ressalta de um certo modo, com certa fisionomia, certas características, que foram feitas para que eu as considerasse; de maneira que para mim, homem concebido no pecado original, o Santo Sudário apresenta uma certa forma de beleza, de atração que não mostrará para nenhuma outra alma do mundo, porque Nosso Senhor se manifesta sob um aspecto especial para cada alma.

Nenhuma alma é igual à outra, e cada uma delas, por mais humilde e modesta que seja, em um certo sentido é suprema e tem qualidades que Deus não deu a mais ninguém. Podem ser qualidades do tamanho de um centésimo da superfície de uma ponta de alfinete; mesmo assim o Criador deu somente a ela.

Assim também Nosso Senhor se manifesta a cada alma em consonância com aquilo que lhe deu, de maneira que ela ame a Deus daquele jeito. Portanto, cada homem que passe pela Terra tem a missão de adorar a Nosso Senhor Jesus Cristo, vendo um certo aspecto de sua Pessoa divina, sua santidade inefável, insondável e perfeita. Se tivéssemos aqui uma imagem d’Ele, todos estaríamos vendo a mesma imagem, mas focalizando alguma coisa, condicionada à santidade que Deus quer de cada um.

O Menino Jesus vai à procura de todos os homens

Ora, é noite de Natal. Nosso Senhor está numa manjedoura. E numa cidade católica se encontraria em todas as igrejas um presépio, e também em outros locais, em oratórios, em lugares públicos, numa vitrine de uma casa comercial especialmente adornada etc.

E um homem, que vai andando por meio de todas essas representações de Nosso Senhor Menino, é, de repente, tocado por uma delas mais especialmente destinada a ele, a qual se fixa em sua alma; ele para e diz: “Meu Senhor e meu Deus!”

Às vezes, entretanto, não é no momento. O homem para, olha e depois vai para casa. Em determinada hora, digamos, à noite, ao se preparar para dormir, lhe vem à memória aquela figura. Ele reza: “Meu Senhor e meu Deus!”

E isto mais ou menos se dá para cada homem. Numa noite de Natal aparece, de modo inteiramente definido, este aspecto de Nosso Senhor. Isto é mais subtil, mais complexo, é uma realidade de fundo. A realidade de superfície é menos marcada. A pessoa vê em quatro, cinco Natais, de quatro ou cinco anos consecutivos, uma mesma imagem, ou duas, três, ou cinco imagens diferentes. Em certo momento, na memória, essas imagens se sobrepõem e, de repente, a pessoa observa uma que tem tudo aquilo que ela sentiu nas outras; então, diz: “Ah! Meu Senhor e meu Deus! Aí está Jesus Cristo Nosso Senhor, como eu amo especialmente”.

Isto equivale a afirmar que o Menino Jesus, pela graça, visita todas as almas. E Ele faz o papel não mais daquele que recebe a visita, mas de quem vai atrás de todos os homens, de todas as idades, línguas, condições sociais, e os procura nessas noites. E lhes diz alguma coisa que lhes toca o coração de um modo especial.

Ao dar à luz, Nossa Senhora se encontrava num êxtase altíssimo

Há uma prova curiosa disso na canção “Stille Nacht, heilige Nacht”. Todos conhecem como esta melodia nasceu. O vigário da igreja de uma cidadezinha do interior da Alemanha e um professor compuseram a letra e a melodia dessa música, que exprimia a emoção deles diante da manjedoura. A Providência tinha preparado na alma deles uma emoção de Natal, que era para o mundo inteiro.

Stille Nacht! Heilige Nacht! Alles schläft, einsam wacht. Stille Nacht: Noite silenciosa. Heilige Nacht: Noite santa. Alles schläft: Tudo dorme. Einsam wacht: Fica sozinho acordado, isolado. Nur das traute hoch heilige Paar. O venerável e altamente santo casal.

Quem é o venerável e altamente santo casal? Quando se aproximou a meia-noite, Nossa Senhora e São José estavam em oração. Uma coisa admirável!

A Santíssima Virgem devia estar num êxtase altíssimo, como talvez místico nenhum na Igreja jamais tenha tido, quando bate nos relógios dos anjos a meia-noite. E, de um modo virginal, sem dor nem sofrimento para Ela, o Menino Jesus vem ao mundo: “Stille Nacht! Heilige Nacht”! De Nossa Senhora, virgem antes, durante e depois do parto, nasce o Menino Jesus!

Como a Santíssima Virgem e São José viram o Divino Infante

Como Ele se apresentou para Maria Santíssima? Se para cada homem Jesus tem um aspecto, como era o aspecto d’Ele para sua Santa Mãe? E para São José? São perguntas que se podem pôr. Evidentemente, eu creio não ser temerário afirmar que para Nossa Senhora, à Qual nenhuma outra criatura pode ser comparada, Ele deve ter aparecido, ao mesmo tempo, com todas as majestades, venerabilidades, todos os encantos, doçuras e afabilidades que teve para todos os homens, desde aquele momento até o fim dos tempos. Era a Mãe d’Ele, concebida sem pecado original e que nunca deixara de dar uma correspondência perfeita a cada uma das graças que havia recebido.

É claro que a Santíssima Virgem O viu e O entendeu completamente, como ninguém antes, nem depois; e que Ela O adorou totalmente. A adoração somada de todos os homens até o fim do mundo, a de todos os anjos, não dava a adoração de Nossa Senhora.

Se pudéssemos ver a São José adorando o Menino Jesus naquela noite, talvez ficássemos instantaneamente santos. Ele era o esposo de Nossa Senhora, o que mais se pode dizer? É possível haver honra maior do que ser o esposo, o alter ego, o outro eu mesmo de Nossa Senhora, o pai adotivo do Filho de Deus?

Pode-se imaginar o que nos ocorreria na alma só de ver, por uma fresta das pedras da gruta, São José rezar? Acho que qualquer um de nós podia se converter e tornar-se um grande santo. Acho que só de ouvirmos o respirar de Nossa Senhora, e sentirmos que seu Coração Sapiencial e Imaculado pulsava mais forte porque ali estava o Menino Jesus, nós nos converteríamos. Cada pessoa é chamada a adorar o Menino Jesus de um modo especial

Pois bem, se foi assim para Nossa Senhora, para São José, em proporções menores é para todos os homens. E nos dias que precedem o Natal, que já vêm ungidos com uma alegria natalina, a graça começa a nos trabalhar.

Ouvindo o Stille Nacht, vendo tal ou qual imagem do Menino Jesus, sentimos de um modo um pouco diferente. É Ele que vai atrás do coração de cada um de nós. E, sem percebermos, diz pela voz da graça no fundo de nossa alma: “Meu filho, assim sou Eu para você. Adore-Me, porque desse modo nenhum outro homem Me adorará.”

Percebe-se a beleza que há nisso, e como Nosso Senhor pode ser comparado àquele menino do tambor, neste sentido: o menino foi atrás d’Ele; Jesus vai procurar todos os homens, meninos ou velhos, grandes ou pequenos, sábios ou ignorantes, pecadores — e às vezes pecadores imundos —, e toca seus corações dizendo a cada um: “Meu filho, não queres vir a Mim? Pelo menos desta vez, neste instante, deixe-Me te comover um pouco! Aqui estou Eu à tua procura, no interior de tua alma.”

Esse é o sentido profundo da noite de Natal. Aquele palpitar das almas nessa solenidade é uma manifestação da graça obtida por Ele. E é por essa graça, a qual devemos pedir por intermédio da Virgem Maria, que nossas almas pulsam de um modo especial na noite de Natal.

Eu imagino o Menino Jesus apresentando-Se ao olhar de Nossa Senhora e de São José já com os braços abertos em forma de cruz. Podemos ver nisso o prenúncio não só do santo sacrifício do Calvário, mas das Missas incontáveis que, na noite de Natal, pela Cristandade inteira, e por toda a Terra, se celebra e as pessoas que vêm porque Nosso Senhor as atraiu, falando-lhes na alma de modo especial e que depois voltam para casa com algo que não percebem claramente, mas que é uma especial mensagem do Menino Jesus para elas.

Reúnem-se em torno de uma mesa, e todos estão de acordo, em harmonia entre os vários aspectos do Menino Jesus, que estão presentes na alma de cada um. Forma uma espécie de sinfonia, e esta é a paz da noite de Natal.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 22/12/1984)
Revista Dr. Plinio 177 – Dezembro de 2012

Meditação sobre o Natal – I

Em épocas de decadência, a ânsia pelos prazeres lança no desvario as pessoas que buscam neles a finalidade de suas vidas. No Presépio de Belém, o Menino-Deus nos dá três lições fundamentais para alcançarmos a santidade. Dr. Plinio as medita, na primeira parte desta sua conferência, seguindo a escola de Santo Inácio de Loyola.

Estamos nas festividades que lembram a infância de Nosso Senhor Jesus Cristo, das quais a principal é o Natal, e dentro de cuja atmosfera se passam todas as outras. Assim, parece-me muito apropriado meditarmos hoje sobre o Natal.

Vou apresentar duas meditações distintas para depois perguntar que modo de considerar o Santo Natal lhes fala mais, porque eu gostaria de analisar como se comportam os espíritos nas gerações que sucederam a minha.

A primeira meditação tem uma altíssima autoridade, pois é tirada de Santo Inácio de Loyola.

A sede de delícias, riquezas e honras

Nos períodos de decadência, como era a época em que Nosso Senhor nasceu, os homens, em sua grande maioria, vivem para si e não para Deus, e o egoísmo deles propende para um destes três objetivos: delícias, riquezas e honras.

Como delícias, Santo Inácio entende todos os prazeres que os sentidos podem dar. Primeiramente, os prazeres sensuais, mas também os da degustação, da vista, do olfato, do ouvido, enfim, tudo quanto a vida de luxo possa proporcionar de agradável, de gostoso.

Por riquezas ele entende a simples posse do dinheiro. É a avareza daqueles que procuram o dinheiro, não por causa dos prazeres que este pode trazer, pois neste caso o que os move é a sede dos prazeres para cuja obtenção o dinheiro é apenas um meio. Mas são aqueles que têm a mania do dinheiro, querem ser ricos por serem ricos, mesmo sem tirar muito proveito de suas fortunas, e vivem, às vezes, de um modo muito obscuro, apagado, banal, e até miserável, para terem a alegria de se sentirem continuamente de posse de uma grande quantia.

Depois há os prazeres da honra: pessoas que não procuram tanto o dinheiro nem a vida agradável quanto a consideração dos outros. Querem ser objeto de grandes homenagens, de grandes atenções, de grandes reverências, procuram o prestígio.

Esta classificação é perfeitamente bem feita. Em última análise, o egoísmo dos homens tem um desses três objetos, e todos poderão notar em torno de si — e talvez em si mesmos, fazendo um exame da consciência — que se cada um se deixasse levar pelas próprias inclinações, correria atrás de uma dessas três coisas.

Alguém me dirá: “Mas Dr. Plinio, esta classificação está muito esquemática, porque uma pessoa pode ir atrás das três coisas ao mesmo tempo: gostar muito do dinheiro, das delícias e do prestígio”. É verdade, mas é próprio ao espírito humano, necessariamente, que a pessoa goste de uma dessas coisas muito mais do que das outras, a ponto de, tendo experimentado todas, acabar se fixando numa delas e fazendo desta a finalidade de sua vida. Como ensina São Tomás de Aquino, há uma coesão no ser humano pela qual este é levado também a possuir uma unidade de objetivo; e quando um homem não procura a Deus como seu fim último, acaba buscando sua finalidade em um desses três prazeres.

Uma meditação para um católico coerente

Santo Inácio considera como Nosso Senhor Jesus Cristo veio ao mundo para provar aos homens que esses prazeres não valem nada. Evidentemente, esta prova só vale para os católicos, pois tem como ponto de partida a convicção de que Nosso Senhor Jesus Cristo é Homem-Deus e que, portanto, toda lição dada por Ele é infinitamente sábia e verdadeira. Um ateu não aceitaria essa prova. Mas como fazer uma meditação de Natal para um ateu, uma vez que ele nega os pressupostos do Natal?

Esta é, portanto, uma meditação para um católico. Não para um católico qualquer, mas para um católico com algum fervor, capaz de se impressionar, pelo menos em alguma medida, com as coisas da Religião. Os exercícios espirituais inacianos supõem um católico que tenha a possibilidade de se sensibilizar pelos temas da Religião, algum desejo de ser coerente com sua Fé, de maneira a tirar dos princípios religiosos consequências para seu procedimento, e que considera insuportável haver incoerência entre sua própria conduta e sua Fé.

O Criador de todas as riquezas quis nascer pobre

Santo Inácio começa por perguntar de que valem as riquezas deste mundo. Afinal de contas, Nosso Senhor Jesus Cristo, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, sendo Deus, criou o Céu e a Terra, porque as operações divinas são conjuntas da Santíssima Trindade, e por isso foram as três Pessoas da Santíssima Trindade conjuntamente que criaram o universo com todas as riquezas que ele contém.

Portanto, tudo quanto há na Terra de maravilhoso e capaz de fundamentar a prosperidade de um homem, foi Deus que criou. Ninguém pode ter uma riqueza comparável à d’Ele que, além de ter criado todas as riquezas existentes, possui o poder inesgotável de criar quantas queira, e sem o menor esforço, porque é onipotente e exerce sua onipotência com uma perfeitíssima facilidade. Basta olharmos as estrelas do céu para compreendermos que riqueza representa cada uma delas, e entendermos com que facilidade Deus cria tudo. Ademais, Ele é rico na sua essência, muito mais do que simplesmente por aquilo que criou.

Ora, esse Deus infinitamente rico quis vir à Terra como pobre. Ele quis ter como pai jurídico um carpinteiro; quis nascer de uma mãe que, como qualquer outra, executava serviços domésticos; quis ser deitado numa manjedoura, ou seja, no lugar mais pobre que se possa imaginar, tendo como aquecimento apenas o bafo de alguns animais e as roupinhas feitas por Nossa Senhora para Ele; e por asilo, não uma residência de homens, mas de bichos, porque a gruta onde Ele nasceu era o lugar aonde os animais iam para comer. Aí que nasceu o Verbo de Deus! Ele quis mostrar, desse modo, o quanto o homem deve ser indiferente às riquezas quando se trata de compará-las com o serviço de Deus, e, portanto, deve viver antes de tudo não para ser rico ou ter grandes cabedais, mas para servir, amar e louvar a Deus nesta Terra, para depois adorá-lo no Céu por toda a eternidade.

Suponhamos o homem mais rico do mundo cuja relação dos bens ocupasse um catálogo do tamanho de uma lista telefônica. O que seria isso em comparação com Deus Nosso Senhor? Absolutamente nada!

Então, todos esses homens que correm desenfreadamente atrás do dinheiro, fazendo da obtenção da fortuna a única preocupação de suas vidas, e das conversas sobre finanças seu tema predileto; que colocam toda a felicidade na ideia de possuírem dinheiro e nunca ficarem pobres; esses homens procedem como verdadeiros insensatos, pois calcam aos pés e não compreendem a lição que Nosso Senhor Jesus Cristo nos deu no presépio: que o homem pode desejar adquirir e conservar as riquezas, desde que não faça disso o objetivo supremo de sua vida, mas sim a glória de Deus e, portanto, a glória da Igreja Católica.

Renunciar às delícias pela glória de Deus e por amor às almas

Quanto às delícias, se Nosso Senhor Jesus Cristo quisesse, teria mandado reunir no Presépio as sedas mais deliciosas do universo, ordenado aos Anjos introduzirem no lugar onde Ele nasceu os perfumes mais agradáveis, poderia ter para ouvir uma música mais agradável do que todas as melodias existentes na Terra, porque se os Anjos cantaram para os pastores ouvirem, quanto mais cantariam para o Menino Jesus! E não há música terrena que, de longe, se possa comparar à música angélica. O Menino Jesus poderia ter tido agasalhos supereficazes, ter sido nutrido desde o começo pelas melhores comidas que há no mundo, em uma palavra, Ele poderia ter-Se enchido de delícias logo no primeiro momento de sua vida terrena.

O que Ele fez foi o contrário: quis nascer deitado sobre palha, material cujo contato não dá nenhum regalo para o corpo. Ele quis estar num estábulo, onde o cheiro normalmente não é bom, por mais que Nossa Senhora e São José tenham limpado o local antes. Ele quis estar tiritando de frio, nascendo à meia-noite de um mês em que, na região onde Ele nasceu, é inverno. E quis ter como música apenas o mugido dos animais que estavam junto a Ele.

Portanto, o oposto de todas as delícias que se possam imaginar. Ele quis assim para mostrar aos homens o quanto é uma loucura fazer das delícias a principal finalidade da vida. Desde que seja para o bem das almas e para a glória de Deus, devemos nos desfazer de todas as delícias, procurando apenas aquilo que possa favorecer a causa católica, embora com muito sacrifício e com muita renúncia.

A loucura da vaidade

O que vem a ser o desejo de honras? Segundo esta concepção de Santo Inácio, é o fato de alguém procurar ser objeto de reverências por possuir qualidades superiores aos outros, como por exemplo, ser mais inteligente, mais jeitoso, mais engraçado, mais diplomático, mais interessante, mais simpático, ou por qualquer outro predicado que a pessoa tenha ou imagina ter. Por causa disso julga-se no direito de receber dos demais uma atenção especial.

Por vezes, tal é a miséria humana que o homem se envaidece até das coisas próprias a não causar vaidade. Conta-se que o famoso São Paulo Eremita, tendo ficado muito velho e vivendo sozinho no deserto, em certo momento considerou que ele seria, provavelmente, o homem mais velho da Terra. Ora, o homem mais velho da Terra é o que está mais perto da sepultura, num estado físico — e às vezes mental, também — em maior desagregação. Realmente, não dava para ficar vaidoso!

Entretanto, ele teve que lutar contra a tentação de pensar: “Ah, eu sou hoje o homem mais velho, o maior anião de toda a Terra!” Se ao menos se julgasse a pessoa mais madura, que atingiu, embora efemeramente, o ponto de maior conciliação entre o que a idade pode dar e a juventude conservar, já seria errado, mas haveria um fragmento de lógica dentro disso. Mas envaidecer-se por ser o mais velho da Terra, é simplesmente um disparate! Mas até com isso um homem pode ser tentado a ter vaidade.

Nosso Senhor Jesus Cristo quis nascer despido de tudo o que pode envaidecer. É fato que Ele era príncipe da Casa de Davi, mas é fato também que veio ao mundo tendo por Pai jurídico um carpinteiro; nasceu, como eu dizia, de uma Mãe que fazia serviços domésticos, numa época em que a Casa de Davi tinha perdido seu poder político, seu prestígio social, seu dinheiro, e em que Ele não era absolutamente nada na ordem terrena das coisas. E nasceu como um pária, fora da cidade, porque nesta ninguém quis dar abrigo a seus pais. Eles iam de casa em casa pedindo lugar, mas não havia hotéis, hospedarias, e não os acolheram. Ele quis nascer numa manjedoura para provar até que ponto são loucos aqueles que conservam uma ideia fixa de parecer mais do que os outros; e que ao invés de procurarem servir a causa católica, fazem dessa vaidade o fim de suas vidas.

Aplicações à vida espiritual

O modo pelo qual um católico deve aproveitar esses raciocínios é fazer uma aplicação aos outros. Quando ele vê que alguém, que não vive segundo a Lei e para a glória de Deus, mas exclusivamente para sua própria vantagem — tal amigo da família, tal vizinho, tal colega de profissão —, que tem prestígio ou que leva uma vida deliciosa, ou que possui muito dinheiro, se ele tiver a tendência de admirar aquele homem só por isso, ele deve dizer:

“Não, este procedimento é censurado por Nosso Senhor no Evangelho. Nosso Senhor, que é Rei e a Sabedoria eterna, ensinou o contrário. Essas coisas são secundárias e esses indivíduos, pondo nelas todo o empenho de suas vidas, agem de um modo irracional e serão condenados por causa disto no último dia. Pelo contrário, bem-aventurados serão aqueles que renunciarem à riqueza, aos prazeres, às honras; ou tiverem riquezas, prazeres e honras, mas sempre na disposição de renunciar a qualquer minuto se a causa católica assim o pedisse. A esses, do partido da renúncia, eu vou admirar; aos outros vou desprezar, não vou me permitir ter admiração por uma pessoa que não vive como deveria viver.”

Depois aplicar a si mesmo também. Nas relações com os outros, o que eu procuro? Ser considerado pela minha riqueza, pela vida regalada que levo, por algum título de superioridade que eu tenha? Então, não valho nada, porque eu devo almejar não que os outros me considerem, mas que amem a Deus; encaminhá-los para o amor de Deus, e não fixar a atenção sobre mim, pois senão estarei roubando aquilo que é devido a Deus. Devo apenas me preocupar com a dedicação inteira de minha alma a Nosso Senhor, a Nossa Senhora e à Santa Igreja Católica.

Necessidade da oração

Então, segundo a escola de Santo Inácio, que é uma escola verdadeira, nós devemos ter, dia e noite, essas considerações diante dos olhos, e eliminar de nossas almas, com energia como quem arranca a erva daninha, as considerações mundanas que levam a adorar o dinheiro, os prazeres e as honras.

Isto supõe, naturalmente, muita oração, porque o homem não cumpre este propósito de pensar sempre nisso apenas com um ato de força de vontade. Este é um pensamento tantas vezes penoso para o homem, que ele tem dificuldade de tê-lo sempre em vista. E mesmo que o tenha, sentirá muita dificuldade de renunciar a esses prazeres. Ele necessita de oração, da graça, ele precisa mortificar-se para conseguir fazer isto. Mas se agir por esta forma, ele conseguirá e assim poderá agradar a Deus.

Então, o programa é ter esta meditação diante dos olhos e orientar as suas orações, o seu Rosário, a sua Comunhão, sobretudo as Missas a que assista, os atos de piedade ou de apostolado que faça; deve orientar tudo segundo esta ideia: desapegado do dinheiro, dos prazeres e das honras.

Aqui está uma meditação feita segundo a escola de Santo Inácio de Loyola.

(Continua)

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 29/12/1973)

Revista Dr Plinio 189 – Dezembro de 2013