Lírio entre os espinhos

No Pequeno Ofício da Imaculada Conceição há o seguinte responsório: “Como o lírio entre os espinhos, assim é a minha predileta entre os filhos de Adão”.

Estas palavras podem ser aplicadas também a uma porção de coisas boas que, em nossas vidas, restam no meio dos espinhos, os quais temos que aturar para podermos nos deleitar com o perfume de um lírio.

Existe, por detrás, uma verdade enternecedora: Nossa Senhora quer que tenhamos pena daqueles que representam os espinhos em torno do lírio d’Ela. E tendo paciência com eles, sabendo perdoar até o estapafúrdio, sendo inalteravelmente os mesmos, nós transformamos os espinhos em lírio.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 12/2/1988)

Luz brilhantíssima da Igreja nascente

Dr. Plinio salienta o papel da Santíssima Virgem enquanto Medianeira de todas as graças, nas etapas iniciais da vida da Igreja.

 

Comentaremos trechos de um livro sobre Nossa Senhora(1) , o qual contém pensamentos muito piedosos e bonitos, próprios a intensificar nossa devoção à Santíssima Virgem.

É um tanto difícil, conhecendo nós as poucas palavras de Nossa Senhora referidas no Evangelho, formarmos inteiramente ideia, do que possa ter sido a mentalidade e o espírito dEla.

Naturalmente, o mais poderoso dos meios que temos para retraçar o perfil moral de Nossa Senhora é compará-La com Seu Divino Filho.

Mas Nosso Senhor é tão alto — Ele é Divino — que, mesmo se referindo à Mãe dEle, a comparação tem qualquer coisa pela qual não se ajusta bem. Aliás, toda comparação claudica, e essa especialmente.

Então, somos obrigados a procurar outras formas para conhecer algo do espírito de Maria e do conteúdo de Seu Imaculado Coração. Um dos meios bonitos consiste em estudar a vida de São João Batista.

Porque São João Batista foi santificado no seio de Santa Isabel pela palavra de Maria Santíssima comunicando ao Precursor, misteriosamente, o espírito dEla. E tudo quanto São João Batista fez em sua vida decorreu dessa graça inicial a qual, pelos rogos dEla, foi constantemente intensificada, até chegar ao auge, quando ele morreu.

E São João Batista, enquanto asceta austero, pregador do Cordeiro de Deus que viria, herói que enfrenta Herodes e morre como mártir sublime de grandeza e de serenidade, é uma das facetas do espírito de Nossa Senhora.

Outra faceta muito bonita, é a seguinte: Nossa Senhora é a Sede da Sabedoria; portanto, nEla está contida toda a sabedoria que vem de Deus para depois ser concedida  aos homens.

E como tal — a respeito disso pouco se fala — estando a Virgem Maria presente entre os Apóstolos, é impossível que estes tenham trabalhado, ensinado a respeito de Nosso Senhor Jesus Cristo sem consultá-La. E que os evangelistas tenham escrito os Evangelhos, sem recorrerem freqüentemente a Ela porque o espírito dos Evangelhos é o próprio espírito de Nossa Senhora.

Essa relação da Virgem Maria com a pregação da Igreja nascente, e mais especialmente com o Evangelho, fica expressa em termos bonitos por este trecho do livro:

“Nossa Senhora foi o oráculo vivo que São Pedro consultou nas suas principais dificuldades.”

São Pedro, o primeiro Papa, o chefe da Igreja.

“A estrela que São Paulo não cessou de olhar para se dirigir em suas numerosas e perigosas navegações.”

Naturalmente, refere-se às navegações, em sentido figurativo.

“Nada se fez senão de acordo com o conselho e a direção de Nossa Senhora.”

Temos então uma linda visualização: a Igreja nascente, com todos aqueles lances maravilhosos, foi inspirada e dirigida por Nossa Senhora.

É verdade que São Pedro era o Papa e detinha o poder sobre a Igreja. Porém, estava ele completamente submisso a Nossa Senhora e, em São Pedro, era a Santíssima Virgem que dirigia os demais Apóstolos.

“Então Ela verdadeiramente preencheu a significação de seu nome simbólico.”

O autor apresenta uma linda interpretação do nome de Nossa Senhora, como Sede da Sabedoria —o foco da ortodoxia e da boa doutrina — que me pareceu muito bonita.

Pois, diz São Boaventura, o nome de Maria pode traduzir se por essas palavras:

Maria é aquela que é iluminada por cima e espalha, por todo lugar, e em todas as direções, a luz. Quer dizer, é verdadeiramente a medianeira da luz. Toda a sabedoria e toda a luz que vem de Deus, passam por Ela e através dEla, como Medianeira, se difundem por todos os homens.

Então, quem quiser receber a sabedoria, e progredir nessa virtude, deve recorrer a Nossa Senhora que é, por definição, pelo mesmo conteúdo de seu nome, um foco de luz celeste que se espalha pela humanidade inteira.

O autor argumenta muito bem: era possível haver entre os Apóstolos este foco, sem que ele não os iluminasse? Tudo quanto os Apóstolos fizeram e os evangelistas escreveram não era senão a luz que procede desse foco!

Então, estudar a Virgem Maria como inspiradora da mentalidade, do espírito dos Apóstolos e evangelistas, aos quais forneceu as informações para pregarem e escreverem é uma coisa que nos faz entrever cenas maravilhosas.

Imaginemos a Mãe de Deus, tendo ao seu lado São Paulo, São Pedro, São João Evangelista, contando, explicando, interpretando, ajudando-os a ver melhor tais e tais fatos da vida de Nosso Senhor, pondo em realce este, aquele outro fato, sendo, portanto, o aroma do bom espírito perfumando a Igreja inteira!

Compreendemos assim o papel de Nossa Senhora presente e visível na Igreja nascente, o que é uma coisa verdadeiramente maravilhosa.

Continua o autor:

“Se os evangelistas quiseram recolher os principais fatos da vida de Jesus e seus ensinamentos mais importantes a fim de nos transmitir os seus escritos autênticos, eles recorreram a Maria.

“Foi a Ela que eles pediram os esclarecimentos necessários sobre a Encarnação.”

De fato, a quem pedir informações e esclarecimentos sobre a Encarnação, a não ser a Ela?

“Pois, disse o Cardeal Hugo, Ela fez de seu coração o tesouro das palavras e das ações de Seu Filho, a fim de os comunicar em seguida aos escritores sagrados.”

Mais uma vez se apresenta esta ideia: Nossa Senhora é o vaso que recolheu todos os ensinamentos de Nosso Senhor os quais foram distribuídos para os Apóstolos e à Igreja desde seu nascedouro até hoje. Não só, portanto, no que está escrito, mas, em importantíssima parte, na Tradição da Igreja.

“Nenhuma criatura, diz Santo Agostinho, jamais possuiu um conhecimento das coisas divinas e do que se relaciona com a salvação, igual à Virgem bendita. Ela mereceu de ser a mestra dos apóstolos e é Ela que ensinou aos evangelistas os mistérios da vida de Jesus”.

É um santo que escreveu isso. Vejamos agora o que afirma um grande autor espiritual, o abade Rupert:

“E os outros, é verdade, diz o abade Rupert, podem ser chamados Doutores. Mas Maria é muito mais do que isso, Maria é a Mestra dos Doutores. É a Doutora dos Doutores.”

Vemos assim o esplendor da alma santíssima de Nossa Senhora, bem como o papel da ortodoxia e da sabedoria em Sua santidade. Não é um papel colateral como a “heresia branca(2)” imagina, mas fundamental. Aí temos um vislumbre que nos pode ajudar a aumentar nosso amor a Maria Santíssima. 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 11/7/67).

 

1) Por não ter sido feita a devida anotação quando Dr. Plinio pronunciou esta conferência, desconhecemos o nome do autor e o título do livro citado.

2) Expressão metafórica criada por Dr. Plinio para designar a mentalidade sentimental que se manifesta na piedade, na cultura, na arte, etc. As pessoas por ela afetadas se tornam moles, medíocres, pouco propensas à fortaleza, assim como a tudo que signifique esplendor.

Maria fons

No hino “Flos virginum”, Nossa Senhora é chamada “Maria fons”. Ora, como se deve entender esta invocação? Em que sentido Ela é fonte?

Nossa Senhora é simbolizada por uma fonte encontrada por alguém que está vagueando pelo deserto, com sede.

Quer dizer, Ela é a fonte na qual podemos nos dessedentar.

Mas fonte de quê? Ela é a fonte de todas as graças, pois estas nos vêm de Nosso Senhor Jesus Cristo através d’Ela.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 18/8/1965)

São Guilherme: A beleza dos extremos harmônicos

Comentando a vida de São Guilherme, Dr. Plinio aponta o sublime modo de proceder da Igreja, encaminhando a sociedade e as almas por um determinado sentido, enquanto a algumas almas eleitas indica o rumo oposto, obtendo assim o equilíbrio e a harmonia social.

 

Gostaria de comentar uma ficha biográfica tirada do livro “La Vie des Saints”, de autoria de Daras.

São Guilherme nasceu no ano de 1085, numa cidade do Piemonte. Seus pais eram nobres e ricos.

Muito jovem ainda, decidido a viver para Deus, fez uma peregrinação a Roma, retirando-se depois a um monte abrupto e elevado, chamado Virgiliano, para lá viver como solitário.

Guilherme reuniu discípulos e ergueu no local um mosteiro e uma igreja a Nossa Senhora. O santuário deu um novo nome à montanha: o Monte da Virgem.

Um dia, os monges indispuseram-se contra seu superior por causa de sua liberalidade para com os pobres.

Guilherme não deixou de orar por eles. Fundou outra casa e visitou o reino de Nápoles, onde aconselhou sabiamente o soberano. Perto de morrer, voltou à sua primeira fundação, na qual encontrou grande disciplina e paz, devido, supõe-se, às suas infatigáveis preces.

Morreu no dia 25 de junho de 1142, em Guilhemeto. A Congregação chamada do Monte da Virgem não existe mais. Porém, o mosteiro não desapareceu. Pertence à reforma de Nossa Senhora do Monte Cassino. Os religiosos usam o hábito branco de São Guilherme para lembrar a sua união com esse grande santo.

A grande atividade da Idade Média

Esta ficha é muito bonita. Sobretudo quando vista em seu contexto, nela se notam admiráveis harmonias. Recordemos os tempos da Idade Média, onde esse santo constituiu seu mosteiro e onde levou a vida que passo a comentar.

A Idade Média, contrariamente ao que muitos imaginam, tinha uma vida de atividade intensa. Tal atividade era sobretudo agrícola, pois, apesar de o Império Romano ter conseguido aproveitar agricolamente boa parte de seu próprio território, restando somente algumas partes incultas devido à insuficiência de população, quando o Império foi invadido pelos bárbaros quase toda a agricultura sofreu grande ruína, a ponto de só restar o suficiente para manter miseravelmente a população local. Por outro lado, havia a parte selvagem e bárbara da Europa para ser cultivada.

Por isso, a atividade agrícola na Idade Média precisou ser muito intensa, e o foi de tal maneira, que de uma ponta a outra da Europa havia plantações, as quais se estendiam até mesmo pela Rússia, Suécia, Noruega, Dinamarca, Norte das Ilhas Britânicas, e outras regiões de cuja existência os romanos nem sequer tinham noção.

Naturalmente, a agricultura trouxe consigo o comércio. A abundância das plantações traz consigo a exportação e a permuta de seus frutos com outros artigos. Assim, iniciou-se também uma indústria caseira, a qual se transformou mais tarde numa indústria verdadeira, dotada de estabelecimentos especiais, desligados da atmosfera doméstica.

Abriam-se, então, estradas, iniciava-se uma organização à maneira de polícia, como os cavaleiros andantes e outras forças locais, as quais se encarregavam de manter a segurança das vias, impedindo roubos e assassinatos. Os medievais viajavam muito. Para só analisar as peregrinações que então se faziam, consideremos o seguinte:

De toda a Europa, peregrinos acorriam a Santiago de Compostela a ponto de, em certas épocas do ano, alguns trechos tornavam-se verdadeiras ruas, devido à intensidade do tráfego.

De outro lado, havia na Idade Média a atividade intelectual, da qual muito já se conhece. Mas havia também a atividade guerreira, sumamente glorificada por alguns historiadores, do ponto de vista das Cruzadas, mas tão denegrida e exagerada por outros no que diz respeito a guerras domésticas entre famílias, casas e feudos.

Isso tudo forma a verdadeira imagem da Idade Média: uma época borbulhante de vida.

A Igreja, centro e ponto de equilíbrio da Idade Média

Na raiz dessa vida estava a Igreja, enquanto fonte de toda harmonia e perfeição. Seu modo de proceder consistia em impulsionar a sociedade em determinada direção, o que fazia com tanta serenidade, sabedoria e naturalidade, que poderia até mesmo causar a impressão de irrefletida. Contudo, era ainda capaz de, ao mesmo tempo, incentivar alguns a seguirem o rumo extremamente oposto dos demais, conservando assim a harmonia do corpo social.

Um claro exemplo disso encontra-se no fato da Igreja ter estimulado extraordinariamente o desenvolvimento intelectual na Idade Média, ao mesmo tempo que impulsionava vigorosamente o trabalho manual, o extremo harmônico daquele.

Assim, toda a movimentação do corpo social na Idade Média era largamente estimulada pela Igreja; mas também, Ela estava constantemente suscitando a formação de grandes famílias de almas, as quais procuravam retirar-se a lugares ermos, a fim de viverem no completo isolamento.

A Igreja inspirava algumas almas a se afastarem inteiramente do convívio humano, vivendo a sós. Desta forma, perpetuava-se na sociedade o hermetismo absoluto, surgido na antiguidade e mantido, de certa forma, até os dias atuais.

Era grande o contraste entre o borbulhar de vitalidade que havia na sociedade medieval, e a vida tranquila, serena e meditativa de um número impressionante de eremitas, os quais abandonando tudo, iam viver em lugares distantes, na exclusiva consideração das coisas de Deus enquanto Motor imóvel, da eternidade e de outros assuntos cuja cogitação é geralmente evitada pela superficialidade de espírito de muitos homens.

Desta forma, como fruto da verdadeira Igreja, constituiu-se o ponto de equilíbrio da sociedade medieval, bem como de cada alma individualmente.

Pelo contrário, a atitude de uma igreja falsa seria a de estimular exclusivamente o hermetismo, ou a atividade, causando assim a desestabilização.

Do auge da atividade ao máximo recolhimento

São Guilherme é um característico exemplo deste modo de proceder da Igreja, enquanto propulsora dos contrários harmônicos. Ele, por sua condição de nobre, era naturalmente destinado a uma vida de guerra, de corte, de governo e de movimento. No entanto, com o consentimento de seus pais, ele abandonou tudo e se retirou para um lugar ermo e solitário a fim de glorificar Nossa Senhora. Para ter garantia de não ser importunado por ninguém, dirigiu-se a uma alta e fria montanha, onde pretendia levar vida de penitência. Porém, é admirável verificar como as almas que se isolam por amor a Deus, acabam tendo muito mais poder de atração.

Assim, como tantas vezes aconteceu ao longo da História da Igreja, em torno dos eremitas se constituem comunidades, a ponto de, muitas vezes, aqueles que tinham deixado tudo para viver isolados acabam por se transformar em cenobitas, levando vida comunitária.

Tal foi o que se deu com São Guilherme, cujo exemplo atraiu muitos outros.

Certamente, muitas pessoas passavam aos pés daquela montanha: cavaleiros, estudantes que caminhavam conversando, rindo e cantando, peregrinos entoando canções sacras. Pode-se supor que no alto do monte houvesse um cruzeiro junto ao qual se encontrava a choupanazinha de São Guilherme.

Os que por lá passavam, inevitavelmente, deviam procurar saber quem vivia no cume daquela montanha, sendo-lhes respondido tratar-se de Guilherme, um nobre, que deixou tudo para viver em oração.

Com isso, cada vez mais pessoas desejavam poder um dia subir aquela escarpada montanha a fim de conhecer o nobre Guilherme.

Além disso, deviam circular notícias de que alguns, estando em dificuldades, foram ter com Guilherme, e este rezando por eles obteve-lhes imediata solução.

Assim crescia o número de pessoas que subiam ao monte para rezar. Em baixo havia o bulício próprio às estradas medievais, enquanto em cima se gozava da quietude e da serenidade da companhia de Guilherme.

Ao longe, talvez alguns permanecessem contemplando São Guilherme rezar ou preparar lenha para fazer sua refeição, após a qual começa a varrer sua pobre habitação. Tudo isso feito de modo tão direito, sábio, calmo, piedoso e composto, que devia dar às pessoas uma indizível paz, ânimo e arrojo interior.

Aprendendo pela contemplação

Conta-se a respeito do Bem-aventurado Miguel Rua, segundo Superior Geral dos salesianos, sucedendo a São João Bosco, que sendo ainda seminarista, este frequentemente era destacado para servir de secretário a São João Bosco. Perguntaram-lhe, então, certa vez, se não lhe incomodava o fato de não poder estudar durante esses dias. Ele respondeu: “Em três dias que passo servindo a D. Bosco eu aprendo mais Teologia do que estudando em livros o ano inteiro”.

Do mesmo modo, quantos podiam contemplar por alguns momentos a São Guilherme, deviam em sua presença aprender mais a respeito da Igreja do que através de muitos estudos e pregações.

Então começaram a surgir alguns que decidiam permanecer na companhia do santo. Estes talvez dissessem aos que os tinham acompanhado: “Ficarei aqui. Diga àqueles com quem tenho relações que eu fiquei ao lado de Guilherme, mas que no Céu nos encontraremos. Aqui estarei rezando por eles.”

Desta forma, aos poucos foi se constituindo um cenóbio, depois uma Ordem Religiosa, e começavam então as maravilhas de Guilherme.

A força de um santo

Porém, não tardou em acontecer-lhe algo de muito trágico e doloroso. Sendo pai de uma família religiosa, dela foi expulso por seus próprios filhos espirituais, os quais certamente andavam mal e não davam contentamento a ele. Porque, sobretudo o que é muito mais sério, eles não davam a glória devida a Nossa Senhora. São Guilherme, aos olhos de seus discípulos, devia atrapalhá-los na vida torta que tinham adotado. Apesar de terem vindo morar no alto da montanha a fim de gozar da companhia de São Guilherme, chegaram ao desvario de expulsá-lo.

Então, o santo desce sozinho a estrada, apoiado num bordão. Enquanto a porta se bate à sua saída e um monge revoltado grita: “Afinal, estamos sós e independentes desse homem demasiado severo!” São Guilherme, tranquilo e rezando, vai descendo por caminhos desconhecidos, até chegar a uma estrada que o conduziria a Nápoles.

Mas, quem pode expulsar um santo quando este quer ficar? Qual a força que nessa vida é comparável à de um santo?

São Guilherme não quer a perdição daqueles monges; por isso, ao andar pelas estradas, ele vai rezando por eles. Ele pede a Nossa Senhora, sob cuja égide o mosteiro estava construído, a expulsão dos demônios que ali entraram, promovendo assim a volta de seus discípulos ao bom caminho.

Rejeitado pelos discípulos e acolhido pelo Rei

Tranquila e serenamente, por alguma razão ignota, o santo vai a Nápoles. Lá ele encontra um cenário muito diverso. Antes de tudo pela vista da célebre baía de Nápoles, tendo ao fundo o Vesúvio fumegando; depois, por ser uma cidade populosa, com um porto movimentado, donde se vislumbra o palácio do Rei de Nápoles, um dos potentados da Península Itálica, essa cidade era um centro de cultura e de civilização, certamente uma corte em franco progresso e expansão da arte e do bom gosto.

Não tardou para o Rei ser informado da presença deste santo. Mais uma vez sua vida passaria por uma transformação: de abade tornou-se peregrino, agora passaria a ser conselheiro do Rei.

Porém, com a mesma serenidade, tranquilidade e sabedoria, ele continua rezando, mas também aconselhando o Rei, o qual nutria grande apreço por aquele que a loucura de uns monges desvairados tinha sido a causa de sua presença junto a ele. Muitos tiveram que galgar uma alta montanha para encontrar Guilherme, enquanto o Rei o encontrou ao lado de seu trono.

Em meio ao esplendor do cenário da corte de Nápoles, com suas belas tapeçarias, feéricos vitrais e magníficas construções em granito, pode-se imaginar o Rei despachando, com os olhos postos em Guilherme, atento a seus conselhos. Quando, em certo momento, surge-lhe uma dúvida, apressa-se em perguntar a opinião de Guilherme. Assim, aquele santo humilde, apagado e posto de lado, reina por sua influência sobre o soberano.

Contudo, as saudades vibram no coração de Guilherme e o fazem tomar a resolução de ir visitar seus monges. Perdoando-os como o Bom Pastor que ama suas ovelhas, a ponto de ir à procura das que se desviaram, e mais ainda se revoltaram contra ele, expulsando-o do meio delas, ele, como uma espécie de anjo da guarda, paira sobre o convento, para que ele não desapareça.

Alegria do superior pelo progresso dos subalternos

Assim, após algum tempo, ele volta para visitar os monges ingratos. Suas preces venceram a dureza daqueles corações, encontrando-os, cheios de fervor. O contentamento que Santa Mônica terá sentido ao ver seu filho convertido deve ter sido muito menor do que a deste abade e fundador ao ver convertida toda a sua Ordem Religiosa. Algum tempo depois, ele morreu naquele monte onde tinha constituído seu convento.

Dir-se-ia estar terminada a história. No entanto ela continua, pois a Ordem fundada por São Guilherme, por diversas razões, não consegue manter-se sozinha, acabando por extinguir-se, enquanto o convento foi dado aos beneditinos, cuja sede principal, o Monte Cassino, ficava a pouca distância de lá.

O suave perfume de uma flor conservada pela Tradição

Os padres beneditinos deram uma prova da boa recordação que conservaram de São Guilherme. Pois os beneditinos que foram morar no monte onde este santo fundou seu mosteiro, continuaram usando o hábito da Ordem Religiosa fundada por São Guilherme, manifestando assim um lindo espírito de tradição. Deviam ter a ideia de que lá não se podia usar outro hábito a não ser o de São Guilherme, para dar a entender que os que lá vivem estão como hospedes, pois o dono da casa é São Guilherme; por isso, eles só residem lá para manter a ordem do local, à espera do dia em que filhos do dono, suscitados pela graça, venham para restaurar a Ordem e reocupar a casa paterna.

Como seria bonito que, em meio aos desvarios do mundo moderno, um europeu suscitado por Nossa Senhora, tomasse a resolução de restaurar a Ordem Religiosa de São Guilherme, fazendo reviver dentro da Igreja essa flor conservada pela piedade beneditina dos grandes tempos.

Morrer sob o amparo de Maria

Os dados biográficos não narram a morte de São Guilherme. Alguns poderão imaginá-la como tendo sido repentina, a qual para um santo tem sua beleza, pois ele de repente passa das agruras desta Terra para a visão direta de Deus.

Porém, outros podem figurar uma morte lenta e longa, na qual o santo passa para o Céu, mais ou menos como um grande rio entra no oceano, vagarosamente, até exalar o último suspiro.

Pode-se também conceber um tipo de morte, o qual sempre me impressionou, e que vi representada num vitral do Mosteiro de São Bento, em São Paulo. Nele estava São Bento, em pé, acabando de dar a seus discípulos uma última lição, a qual alguns ouviam entusiasmados, outros recolhidos. Na legenda embaixo, lia-se: “Eflavit spiritum — Ele rendeu seu espírito”. Após as últimas palavras de edificação ele foi para Deus!

Enfim, a morte de São Guilherme pode ser imaginada de múltiplas formas, porém, certo é que, tendo ele fundado um convento dedicado a Nossa Senhora, Ela o protegeu especialmente na hora de sua morte.

Por isso, nós não devemos nos importar como morreremos, mas somente devemos desejar neste momento estarmos postos nas mãos de Maria Santíssima.  v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/6/1976)

 

“Que as vossas cogitações sejam as minhas”

Ó Mãe indizivelmente grande, ó Rainha inexprimivelmente doce e acessível, ó arco-íris que reúne numa síntese incomparável os dois aspectos da grandeza, isto é, a superioridade e a dadivosidade: suplico-Vos me ajudeis a observar, a analisar, a compreender e a enlevar-me com vossa grandeza. Concedei-me que, pela meditação da vossa grandeza, as vossas cogitações e vias sejam as vias e as cogitações [deste filho]. Atendei a essa súplica, ó Coração Régio, Sapiencial e Imaculado de Maria. Amém.

(Oração composta por Dr. Plinio, na década de 60)

O socorro maternal que por nós intercede

O simbolismo mais tocante da imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro está contido no gesto com que o Menino Jesus se apóia em Nossa Senhora, a qual segura as mãos d’Ele, significando que Ela governa os movimentos de Seu Divino Filho. Este era um antigo símbolo de homenagem e de obediência, o qual consistia em que o inferior colocasse suas mãos entre as do superior. Isto significava o domínio, o poder, deste sobre aquele, porque um homem que segura as mãos de outro evidentemente segura-o por inteiro.

Representando o Divino Infante desse modo o artista foi muito feliz e conseguiu indicar o que de fato acontece: a Santíssima Virgem pode tudo sobre o Menino Jesus e, nesse sentido, sua oração O “governa”!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 18 de novembro de 1968)

Nossa Senhora do Perpétuo Socorro

Tendo diante de si um quadro de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, invocação mariana que lhe tocava o mais fundo da alma, Dr. Plinio ressalta a importância de se recorrer a Maria Santíssima sob este título tão consolador: o socorro que nos vem sempre, a todo momento, maternal e infatigável.

 

Ao contrário de nossos costumeiros comentários sobre o Santo do mês, desta feita não os basearemos em biografia, mas numa gravura que retrata a imagem de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, cuja festa se celebra no dia 27 de junho.

Linda invocação de uma imagem bizantina

Preliminarmente, convém esclarecer um ponto que poderia ser levantado pela minha caríssima geração nova.

Este quadro é de inspiração bizantina, e não se deve ver nele o gênero de beleza que apresentam as imagens ocidentais, como, por exemplo, Nossa Senhora Auxiliadora, Nossa Senhora do Carmo, Nossa Senhora de Fátima, etc. Analisando-as, percebe-se que seus rostos são entalhados com requinte e esmero, como a face de uma boneca. Embora não seja esse o tipo de graciosidade refletida na fisionomia de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, pintada há vários séculos, entretanto ela nos revela uma intensa expressão.

Difundida na Igreja pelos padres redentoristas, trata-se de uma linda invocação, pois indica a misericórdia invariável de Maria Santíssima. O perpétuo socorro é um auxílio, um ato de clemência, de piedade, ininterrupto, que nunca se detém nem se suspende. “Nunca” significa em nenhum minuto, em nenhum lugar, em nenhum caso. Por pior que seja a situação de quem recorra a Nossa Senhora, sendo a Mãe de misericórdia, Ela sempre o atende.

Sobre o fundo áureo da glória

Esse quadro possui um fundo dourado, bastante usado durante o antigo império romano do Ocidente e do Oriente, e parte da Idade Média, nas pinturas de personagens eminentes, os quais não eram representados pelos artistas em salas, quartos ou paisagens, mas sobre o ouro, a fim de exprimir a ideia de que estavam desligados de qualquer outra coisa que não fosse a glória. Assim, essa imagem representaria o esplendor da Rainha do Céu, com sua fronte circundada por uma auréola ricamente lavorada, como o é também a que emoldura a face do Divino Filho ao braço da Mãe.

 Nossa Senhora está revestida de um manto azul que Lhe envolve igualmente a cabeça. Constitui uma espécie de xale, no qual refulge um adorno semelhante a uma estrela. Sob esse manto, a Santíssima Virgem traja uma túnica vermelha frisada com galões de ouro e enfeixada, à altura do pescoço, por uma pedra preciosa.

Todos esses aspectos têm seu simbolismo, por isso devemos notá-los antes de apontar o valor e o alcance de cada um deles.

O Menino Jesus se acha sentado sobre a mão esquerda de Nossa Senhora, inteiramente encostado n’Ela, como uma criança muito familiarizada com sua mãe e tendo prazer de estar junto a seu regaço. Entretanto, se distrai com alguma coisa para a qual está olhando. Dir-se-ia haver, da parte do artista, uma certa imperícia, pois o Divino Infante é um tanto grande para ser carregado dessa forma por Maria Santíssima, dando a impressão de desequilíbrio nas proporções dos personagens. O próprio tipo do corpo d’Ele, sem falar do tamanho, transmite mais a ideia de um adolescente do que um menino. Seja como for — e apesar de algum crítico por demais exigente apontar outros aparentes defeitos, que não são senão expressões do estilo próprio da época e dessa cultura — tal imagem é considerada uma grande e interessante obra de arte.

Vestindo uma túnica verde, o Menino-Deus traz na cintura um tecido róseo e, sobre o ombro direito, uma capa dourada que lhe envolve o resto do corpo. Sendo esta muito ampla, forma numerosas pregas, as quais me parecem bem estudadas, dando a impressão, juntamente com a túnica e a faixa, de naturalidade.

Em cada lado da imagem há um anjo ostentando instrumentos da Paixão. Ambos aparecem de asas e auréola. O da direita, com vestes vermelhas, porta a Cruz que, curiosamente, possui três braços de tamanhos distintos. O da esquerda, de túnica verde, segura uma lança e a esponja na qual foi embebido o fel oferecido a Nosso Senhor no alto do Calvário.

Extraordinário afeto materno

A imagem de Maria é sobremaneira expressiva, devido à atitude profundamente materna que Ela demonstra. É a Mãe que carrega seu Filho com naturalidade e afeto extraordinários, transparecendo a intimidade magnífica da Santíssima Virgem com o Menino Jesus. A expressão de seu olhar é recolhida, de quem reza. Ela segura o Filho com desvelo e, ao mesmo tempo, com imenso respeito e veneração. Está certa de que tem nos braços o próprio Deus encarnado e a sua atitude é de adoração.

A face de Nossa Senhora talvez pudesse ser um pouco mais bem desenhada. Embora a boca seja delicada, o pescoço parece rígido demais, e o nariz se estende num comprimento excessivo. Mas esses pormenores secundários não diminuem o sopro da arte autêntica, patenteado na expressão recolhida e carinhosa da fisionomia, bem como na nobreza do porte.

Tocantes simbolismos

Analisemos agora o simbolismo. Nossa Senhora está revestida de uma túnica vermelha e um manto azul. Nos primeiros séculos do Cristianismo, a cor azul distinguia as virgens e a vermelha, as mães. De maneira que essa conjugação cromática nos apresenta Maria como a Virgem-Mãe. Trata-se de uma bela combinação, um simbolismo acertado e discreto que define Nossa Senhora.

No meu entender, o simbolismo mais tocante está contido no gesto com que a Mãe segura as mãos do Menino Jesus, envolvendo-as suavemente, indicando como Ela governa seu Divino Filho. Tal atitude representava, nos tempos antigos, a homenagem e a obediência do inferior para com seu superior, e do poder deste sobre aquele, pois uma pessoa que segura as mãos de outra evidentemente a domina por inteiro. Então, para mostrar como a virgem pode tudo junto a Deus, através da oração, com muita naturalidade o artista representou o Menino Jesus prestando este ato de submissão à sua Mãe Santíssima. A posição d’Ele é tão natural e freqüente entre as crianças que, sem conhecer esse simbolismo, não se diria que o pintor teve a intenção de exprimi-lo.

É próprio de quadros como esse que o significado dos símbolos quase não aflore, e assim, quem o contemple, pode ter o gosto de adivinhar o sentido de cada um deles. Trata-se de uma ocupação piedosa e nobre, que retém a atenção e é incomparavelmente superior às distrações do tipo palavras-cruzadas, por exemplo…

Nossa Senhora segura o Menino Jesus o qual olha para dois anjos portando instrumentos de sua Paixão. Quer dizer, ao mesmo tempo em que se lembra n’Ela a Virgem e a Mãe, recorda-se n’Ele o Redentor do gênero humano, esperado pelos Patriarcas e Profetas.

O socorro por um fio

Pormenor pitoresco, no pé esquerdo do Divino Infante vê-se a sandália bem presa, porém a do pé direito está desatada, quase caindo, como que obrigando-O a um movimento necessário para retê-la. Penso que esta última significa a situação da alma pecadora, sustentada pelo Menino-Deus para não cair no abismo da perdição. Indica, portanto, o perpétuo socorro: é Nossa Senhora que intercede pelo faltoso, junto ao Filho que Ela segura nos braços e pode salvar o homem acabrunhado de culpas.

Tenho conhecido em minha vida tantas almas suspensas, como esta sandália, e depois se erguerem e ficarem firmes como a outra, que não seria desprovida de beleza se tal fosse a explicação desse pormenor.

Aliás, no verso de um “santinho” dessa imagem que me foi presenteado certa vez, vinha esta linda interpretação: “A sandália desatada, quiçá símbolo de um pecador preso ainda a Jesus por um fio, o último — a devoção a Nossa Senhora”.

Nos ângulos superiores do quadro há algumas letras gregas que significam “Mãe de Deus”; à direita do Menino Jesus, outras que querem dizer “Jesus Cristo”. As que aparecem acima do anjo à esquerda significam “São Miguel Arcanjo”, e as que estão sobre o anjo à direita, “São Gabriel”.

Por fim, a estrela que refulge no manto de Nossa Senhora indica, uma vez mais, seu perpétuo e maternal socorro, sua misericórdia infatigável a nos guiar em meio às vagas tormentosas desta vida, rumo ao Céu.

 

“Dos que me destes, não perdi nenhum”

Nos momentos de provação e angústia, lembremo-nos de que Nossa Senhora, por disposição divina, se acha junto a cada um de seus filhos provados, ajudando-o a lutar e a vencer as dificuldades. De tal sorte que dia virá em que Ela, afetuosa, amorosa e pacientemente deitará um olhar misericordioso sobre todo o seu rebanho de devotos e repetirá a Nosso Senhor Jesus Cristo essas palavras magníficas que o próprio Redentor pronunciou: “Dou-vos graças meu Deus, porque de todos os que Vós me destes, não perdi nenhum!” (Jo 17, 12)

Na verdade, Maria Santíssima nos acompanhará pelos extravios, pelas infidelidades, prostrações e conspurcações, pelos olvidos, pelas ingratidões, por toda a poeira e por toda a lama do caminho: mas, a todos e a cada um, em determinado momento, Ela dirá infalivelmente a palavra que o poderá salvar.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 26/4/1974)

Maternal bonança

Maria Santíssima nos socorre em meio às intempéries espirituais que todos padecemos ao longo de nosso palmilhar rumo ao Céu.

Tempestades das lutas face às tentações, ao pecado, à tibieza, ou diante das aflições do dia-a-dia.

Tempestades da vida, tempestades da alma. Em todas essas circunstâncias mais borrascosas ou menos, Nossa Senhora vem ao nosso encontro, como a mãe que se debruça, sôfrega de solicitude, sobre o filho necessitado. Acode-nos imediatamente, 

A poderosa intercessão de Maria

Nossa Senhora nos quer tão bem que tudo quanto Lhe peçamos, certamente obteremos. Por pouco que valham nossas orações, Maria Santíssima recolhe nossas preces e, com os méritos d’Ela, torna-as magníficas.

São Luís Grignion de Montfort faz uma comparação muito bonita. Ele fala de um camponês que queria oferecer uma homenagem a um rei, mas a única coisa que ele possuía era uma maçã. Então, ele procurou a mãe do rei e lhe disse:

— Senhora, esta maçã não vale nada, mas se vós a oferecerdes ao rei, ele sorrirá e a comerá. Eu vos peço, oferecei ao rei esta pobre maçã. Apresentada por vós, ele lhe dará valor e a aceitará.

A rainha o fez, e o rei ficou muito contente: comeu a maçã porque sua mãe lhe havia dado.

Assim são nossas orações; entretanto, devemos oferecê-las a Nossa Senhora, dizendo:

— Mãe nossa, nossas orações valem muito pouco, mas, por favor, oferecei-as a Deus, porque por vosso intermédio elas serão muito bem recebidas.

Por causa disso, deveremos sempre rezar com muita confiança de que seremos atendidos. A Mãe de Deus nos tirará de nossos erros, de nossas faltas e obterá perdão para nossas culpas.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 1/2/1991)