O Coração de Jesus no interior do Coração de Maria

Na época histórica em que o Sagrado Coração de Jesus aparecia com doçuras de mãe para com o gênero humano, Nossa Senhora apresentava-Se geralmente como a Rainha da Contra-Revolução. A nós foi dada a tarefa de fazer uma síntese e encontrar o Sagrado Coração de Jesus no Coração Imaculado de Maria.

 

Nós, seres humanos, estamos colocados na junção entre o mundo material e o mundo espiritual; vemos abaixo de nós o mundo material em várias gamas e sabemos pela Fé da existência do mundo espiritual em muitas outras gamas. Temos ciência de que participamos do grão de areia, como da própria vida divina pela graça. Percorremos com nossa natureza todas as escalas.

Superioridade participada

Se temos um senso do ser inocente, este nos dá uma noção de nossa própria dignidade que nos faz medir, em nós mesmos, a superioridade de nossa alma sobre nosso corpo, e tudo quanto temos de mais digno por possuirmos alma, sem que sintamos vergonha por termos corpo. Mas notamos tudo quanto há de belo em possuirmos uma alma, e como ela é um céu em comparação com nosso corpo.

Nós sentimos a superioridade de nosso corpo sobre os animais, as plantas e os minerais. Percebemos que é uma superioridade participada. Eles e nós temos algo de tudo quanto existe, mas estamos no ápice da matéria, a tal ponto que somos uma montanha no alto da qual arde a chama denominada alma.

Estamos, portanto, num ápice, mas por cima dessa chama há o céu inteiro. Então a montanha é ao mesmo tempo altíssima, porém se medirmos a distância com as estrelas veremos que é um “formigueiro”. Tendo o senso do ser reto a pessoa sente ordenadamente tudo isso em si, todas essas grandezas, como todas essas pequenezes, proporcionando-lhe uma espécie de maravilhamento discreto, interno.

Lembro-me de que isso se deu em mim, por exemplo, quando pela primeira vez comecei a pensar a respeito do olhar humano, o que é o olho humano e tudo quanto confere de dignidade ao corpo o fato de ter olhos.

Acho que realmente a parte mais sensivelmente nobre do corpo humano são os olhos. Não se pode negar. E como o olho é bonito, quanta coisa exprime! É o único traço que o homem tem o qual nunca é feio! Pode existir um olho machucado, doente, mas um olho feio não há! A fisionomia, o porte, o passo e tantas outras coisas são reflexos da alma no corpo; os olhos espelham a alma.

Consideremos os bichos. Deus quer que alguns animais inferiores a nós sejam mais bonitos do que nós; mas são de uma beleza de segunda classe. De beleza de primeira classe somos nós.

O pavão, por exemplo, como ele é distinto, diplomata, se mexe com jeitos! Um certo modo que tem o pavão de jogar para trás a cabeça e o pescoço; os olhos  quase que se dilatam, e ele olha de frente e de cima, com nobreza. Ele de certo modo finge não estar vendo bem as coisas que se encontram diante dele, como se estivessem distantes. Depois ele se volta bem devagarzinho para receber o aplauso das multidões… É muito bonito!

As mais marcantes diferenças existentes entre os homens

Possuindo um senso do ser bem construído, nós sentimos essas hierarquias e compreendemos que umas estão para as outras numa forma de relação que deve encher de admiração as menores, porém de uma admiração grata! Porque sempre que a maior toca na menor não a humilha, mas a beneficia e honra.

Prestando bem atenção, ao considerarmos a relação entre nós e os Anjos, põe-se muito clara a seguinte pergunta: Como é o Anjo em face de quem é superior a ele? Ora, superior a ele, enquanto natureza, só Deus. Como natureza, Nossa Senhora não é superior ao Anjo, e nem sequer a humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo.

As mais marcantes diferenças que há entre os homens são de ordem sobrenatural. É o batizado para o pagão, depois o clérigo para o leigo. São relações como que divinas.

Somos membros do Corpo Místico de Cristo e em nós vive a graça de Deus; somos templos do Espírito Santo, escravos de Maria Santíssima, filhos d’Ela, portanto, a um título e de um modo todo particular.

Nós estamos para um pagão, na ordem da graça, mais ou menos como na ordem da natureza o Anjo está para nós. Somos “anjos” para um pagão. E um pagão que dissesse a um de nós: “Vou dar-lhe uma bofetada porque você é batizado”, ele esbofetearia em nós o sacramento do Batismo conferido indelevelmente. Sobretudo o bispo, que possui a plenitude do sacerdócio, é como que Deus para nós. Ele ensina, governa e santifica. Todos os sacramentos, toda verdade, a direção de nossos passos no rumo da vida eterna vêm por ele. É como que Deus presente entre nós, e algo de divino habita o bispo.

Na ordem natural há algo disso na relação pai-filho. Mas a Doutrina Católica sempre entendeu que honrar pai e mãe é honrar adequadamente todas as autoridades, na medida em que elas tenham um poder análogo à paternidade, por exemplo, o patrão, enfim, todos os superiores devidamente. Porque quando a autoridade é de um certo gênero, ela participa, na ordem natural, de uma superioridade análoga — não idêntica — à superioridade existente nas relações Deus-homem.

É isto que devemos saber reconhecer nos nossos superiores, e tocá-los, inclusive fisicamente, com respeito, porque neles habita isso.

Respeitabilidades amigas, o contrário da luta de classes

Dou um exemplo claro de ver: o professor e o bedel num colégio. O professor, enquanto está dando aula, tem uma superioridade pura e simples sobre o aluno. O bedel possui uma superioridade, mas uma superioridade que até é um título de inferioridade. Ele é um empregado do colégio para tomar conta dos alunos e, portanto, não imita, a não ser de um modo muito indireto, um vislumbre, o poder de Deus. Mas o poder do professor imita o poder de Deus, e um aluno que esbofeteasse seu professor, enquanto este ensina, pecaria contra Deus.

Sirvo-me, agora, de uma metáfora muito familiar: a nata e o leite.

Uma quantidade abundante de leite de alta qualidade posta numa panela, por exemplo, dá origem, por um lento, discreto e nada artificial processo de diferenciação, à nata que fica acima dele e constitui uma camada. Se cada gota de leite pudesse falar, diria para a dona de casa: “Olhe a nata!” E se a dona de casa sorrisse para a nata, esta falaria: “Mas olhe também de que leite eu fui formada!”

Disseram-me — e me parece bem provável — que as qualidades do ar têm algum efeito para a formação da nata. Logo, o céu atmosférico, a seu modo, age sobre o leite para que destile a nata. Portanto, esta não é puro produto do leite, mas do leite “tocado” pelo céu.

E notem: isso ocorre na ordem meramente natural, mas que nos ajuda a ter uma ideia do que significa essa superioridade divina, do que é Deus em relação a nós, e o que é um de nós perto de Deus, para compreendermos todos os abismos onímodos de inferioridade e de hierarquia e, depois, os graus intermediários como são.

Tomemos outro exemplo: o mármore. Dir-se-ia que o mármore é nata da terra, reservada por Deus em blocos e dada aos homens para fazerem suas igrejas, seus monumentos, palácios etc. Por isso eu falo do mármore com respeito.

Esta visão do mundo como uma espécie de jogo de respeitabilidades amigas, que se perdem quase ao infinito, é o contrário da luta de classes.

Respeitabilidades amigas que a mil títulos reluzem aos olhos do homem, fazendo entender tudo quanto vai desde a pequena respeitabilidade do bedel, quando ele transitoriamente dirige a fila, até a autoridade de um reitor de universidade. Há mil aspectos da superioridade que ficam cintilando como estrelas no céu, cada uma com um brilho próprio e, no fundo, cantando a glória do Superior dos superiores que é Deus.

Resolvendo um problema até o fundo

Tive um professor que, em certa ocasião, pôs a seguinte questão, de um modo inteligente e atraente:

“Nós existimos para Deus, mas hoje em dia não se tem uma ideia clara do que significa existir para alguém. Por isso, vou dar-lhes um exemplo. Se uma galinha tivesse inteligência, ela de tal maneira saberia ter sido criada para ser comida por um homem que, enquanto estivesse no galinheiro, ficaria frustrada de ver as outras galinhas irem para a panela e ela não. Agora, qual seria a reação dessa galinha inteligente quando fosse chamada para a panela? Seria uma reação de pavor, porque nenhum ser escapa ao instinto de conservação; ou uma sensação de alegria, porque afinal seria comida por um homem?”

Ele dizia que a galinha, ao se imaginar comida, sentiria ao mesmo tempo o horror e o gáudio da imolação, e desaparecia num sentimento contraditório.

De fato, ele não resolveu o problema até o fundo. O professor imaginava uma hipótese absurda de um ser que, ao mesmo tempo, é inteligente e mero animal. Daí as reações são contraditórias, porque o ser inteligente existe para Deus, mas não para ser comido por Deus. Aquele que é o fim do ser inteligente é tão superior a este que não o mata, mas lhe dá a vida. Isso o professor não soube dizer; donde um certo mal-estar que a pergunta causava.

Entretanto, este ponto me parece que ele viu bem: se a galinha fosse capaz de conhecer o homem, ela reconheceria nele, com encanto, o seu dono.

Quando o homem, por exemplo, agrada um cachorro, o animal toma, muitas vezes, uma atitude deliciosamente submissa, o que é um símile da posição que tomaríamos em relação a um Anjo. Um vegetal que pudesse sentir e compreender faria o mesmo com um animal, e um mineral a mesma coisa com um vegetal. Há uma regra que forma um certo gênero de relação que, conservadas as proporções, é sempre de sentir-se pequeno, mas repleto de honra.

Subindo ao ápice da Criação, vemos isso até nas relações de Nossa Senhora com Deus. Convidada a um título muito especial para ser Filha do Padre Eterno, Mãe do Verbo e Esposa do Espírito Santo, a resposta d’Ela foi: “Ecce ancilla Domini — Eis a escrava do Senhor” (Lc 1, 38). Ela Se sente muito pequena, porque, de fato, diante de Deus ainda que seja Ela, é-se infinitamente pequeno. Então um gesto, uma postura de respeito deliciado é uma atitude de alma que hoje as pessoas quase não sabem mais medir.

O Menino Jesus vivo no coração de Santa Gertrudes

Ora, o Sagrado Coração de Jesus tem algo que predispõe o espírito em todas as gamas para essa posição.

Evidentemente, as pulsações mais sublimes do Sagrado Coração de Jesus eram quando Ele rezava. As orações d’Ele citadas no Evangelho eu acho tudo quanto há de mais bonito!

Sempre o modo de dizer “Pai” sai com uma grande doçura e, ao mesmo tempo, tão honrado de ser Filho d’Aquele Pai. Ele, como Homem, dizendo “Pai” é quase que rezando para a sua própria natureza divina. É uma coisa tão bonita que prepara a alma para receber essas superioridades genéricas com uma espécie de devoção carinhosa e cheia de veneração.

É interessante notar que no período em que o Sagrado Coração de Jesus aparecia com doçuras de mãe para com o gênero humano, em suas manifestações Nossa Senhora apresentava-Se menos como Mãe de Misericórdia do que como a Rainha da Contra-Revolução e preparando a batalha. Ela é “castrorum acies ordinata”(1).

Com exceção de duas aparições d’Ela no século XIX — uma enquanto Nossa Senhora das Graças, em Paris, para Santa Catarina Labouré, e outra na Igreja do Miracolo, que é uma reversão, corresponde à mesma devoção, mas são dois milagres diferentes —, essa sensação de misericórdia requintada Maria Santíssima dá menos do que manifestava aos medievais, a São Bernardo, por exemplo.

Mesmo em Lourdes, onde a Santíssima Virgem difunde a misericórdia como sabemos, a nota dominante é a apologética. Diante dos séculos de ateísmo, Ela entra em luta contra este produzindo milagres a jorro e confirmando a Imaculada Conceição.

A nós, porém, foi dada a tarefa de fazer uma síntese e encontrar o Sagrado Coração de Jesus no Coração Imaculado de Maria.

Certa ocasião observei uma pintura representando Santa Gertrudes em cujo coração se via o Menino Jesus, o que deveria fazer referência a algum fenômeno místico que se deu com ela.

Se é legítimo apresentar o Menino Jesus vivo no coração de Santa Gertrudes, a um título muito mais literal, muito mais cogente, com outra ênfase, é legítimo mostrar o Coração de Jesus dentro do Coração Imaculado de Maria. É claro! E nós encontraremos tudo quanto estou dizendo — e muito mais — emoldurando o Sagrado Coração de Jesus dentro do Coração Imaculado de Maria.

De todas as boas imagens de Nossa Senhora que conheço, nenhuma delas me satisfaz inteiramente, porque não visam apresentar Jesus vivendo em Maria, concebendo tanto quanto possível a Santíssima Virgem como parecida com Nosso Senhor, fisicamente, mas de uma semelhança que era apenas uma imagem da similitude espiritual.

Sabe-se que muitos cristãos queriam conhecer São Tiago porque era primo de Jesus e muito parecido com Ele. Ora, se assim ocorria com São Tiago, primo em segundo ou terceiro grau de Nosso Senhor, imagine com Nossa Senhora o que era essa semelhança!

Eu me pergunto se não seria uma graça do Reino de Maria algum artista ou algum místico chegar a imaginar, na perfeição, uma imagem de Nossa Senhora inteiramente “cristiforme”, mas conservando toda a delicadeza da natureza feminina. Porque nós vemos isso pelo Santo Sudário: Ele era Varão, no sentido mais nobre da palavra; Ela, Mãe e Senhora, Dama e Rainha. Saber representar essa variedade em uma versão marial de Nosso Senhor!…

Assim, mesmo cenas da vida de Nosso Senhor se tornam muito mais cheias de vida e muito mais explicáveis. Por exemplo, os dois se abraçando na hora do encontro da Via Sacra, com essa semelhança de corpo e de alma entre ambos. Ele com a face como que d’Ela, desfigurada; e Ela com a face como que d’Ele, íntegra. De maneira que se olhava e percebia-se o contraste. Ela nobremente invadida pelo pranto sem que nada A descompusesse, e Ele aviltado pelas bofetadas e pela dor sem que nada Lhe diminuísse a majestade.

Um ósculo de Nosso Senhor na França

Quando falo com calor de Luís XIV e da devoção que ele deveria ter tido ao Sagrado Coração de Jesus, há pessoas que julgam entrar nisso uma espécie de atitude mundana, ou pelo menos terrena. Mas não é. A razão é que eu vejo nele o lampadário perfeito onde a lamparina do Sagrado Coração de Jesus deveria ter sido acesa.

Se ele fosse o devoto perfeito do Sagrado Coração de Jesus, nós teríamos tido uma figura de homem como não houve na História.

Para compreender o “meu” Luís XIV, a “minha” Versailles e o “meu” Ancien Régime é preciso entendê-los enquanto o Rei-Sol tendo sido fiel. E mais: foi no reinado de Luís XIV que São Luís Grignion de Montfort construiu o calvário dele, pregou aos camponeses e que Marie des Vallées(2) fez a troca de vontades com Nosso Senhor. Isso tudo tenderia a uma só coisa.

Então, era preciso concebê-lo criando uma atmosfera pela devoção ao Coração de Jesus, onde a escravidão a Nossa Senhora tivesse voado como uma águia em céu próprio.

É uma coisa maravilhosa! Não se tem ideia do que a infidelidade de meia dúzia de almas rateou na ocasião… Não se tem ideia da oportunidade perdida!

A partir disso fica compreensível também o meu furor contra a Revolução Francesa.

O Dauphin Luís(3) mandou colocar atrás do altar da capela do palácio uma imagem do Sagrado Coração de Jesus. Ele não teve a audácia de colocar na frente…

Mas isso significa durante quantas gerações se manteve a ideia de que uma consagração ainda salvaria a França. E a consagração que Luís XVI fez da França ao Sagrado Coração de Jesus, na Torre do Templo, prova que ele ainda levava no espírito essa ideia de que, se correspondesse, poderia ter salvado o país.

Durante todo esse tempo, a Casa Real e o “Ancien Régime” conservaram uma capacidade de receber. Essa receptividade era um ornato, e aquela possibilidade, naquele tempo, um “lumen”.

O grande pranto pela Revolução Francesa era o da esperança que não se realizaria mais, e pela extinção desse “lumen” que acompanhou a Casa Real até o fim.

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus ficou com uma ligeira nota francesa, é um ósculo de Nosso Senhor na França.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/9/1980)

 

1) Do latim: exército em ordem de batalha (Ct 6, 10).

2) Mística francesa (*1590 – †1656).

3) Luís Fernando de França, Delfim de França (*1729 – †1765), filho de Luís XV e pai de Luís XVI.

Elevação e bondade

Pelas descrições do Evangelho se percebe em Nosso Senhor uma elevação tal que ­suas palavras mais breves, seus gestos mais comezinhos externavam uma perfeição, um significado e uma manifestação do divino, indizíveis.

Por exemplo, ao partir o pão diante dos discípulos de Emaús: pelo modo todo característico e nobre como Jesus o fez, os dois O reconheceram. Quer dizer, uma maneira única e sublime, na qual transparecia toda a excelência d’Ele. Mas, compreendamos: essa elevação era, ao mesmo tempo, repassada de tanta bondade, meiguice e acessibilidade, que Nosso Senhor atraía as almas e as elevava consigo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de Conferência em 20/12/1986)

Carinho purificador

Não raras vezes, quando nos aproximamos de uma imagem da Santíssima Virgem, temos a impressão de se abrir para nós uma janela no céu da misericórdia d’Ela, através da qual nos inundam os fulgores maternos da compaixão, da bondade, da disposição de perdoar mais uma vez, e outra, e outra.

Algo indefinido e sublime, de um carinho purificador de todas as nossas fraquezas, como se Nossa Senhora nos tocasse, não com seus dedos virginais, mas com seu olhar imaculado: Ela nos viu, nos fitou, e só de sentirmos os seus olhos pousando sobre nós, qualquer coisa muda em nossa alma, para melhor…

Nossa Senhora das dores e o amor à incomodidade

Apresentamos aos leitores um comentário de Dr. Plinio acerca de um trecho de D. Guéranger, abade beneditino de Solesmes, a propósito da festa das Sete Dores de Nossa Senhora. Assim se denominava então a comemoração do 15 de setembro, que hoje se chama “Nossa Senhora das Dores”.

D. Guéranger mostra como Deus envia sofrimentos àqueles a quem ama, e como entre todas as  almas, depois da de Jesus Cristo, a mais amada por Deus foi a de Maria Santíssima, sujeita aos mais indizíveis padecimentos. Referindo-se às Sete Dores de Nossa Senhora, explica D. Guéranger que a Igreja se deteve no número sete pelo fato de este exprimir sempre a ideia de totalidade e universalidade, ou seja, todas as dores.

 

Hoje é festa das Sete Dores de Nossa Senhora, colocada com muita propriedade logo depois da festa da Exaltação da Santa Cruz. Essa festa mariana foi estendida a toda a Igreja por Pio VIII, em agradecimento pela intercessão da Santíssima Virgem na libertação de Pio VII.

A principal prova do amor que Deus tem por nós são os sofrimentos que nos envia São tantos os pensamentos que nos vêm a propósito do texto de D. Guéranger, que seríamos tentados a desenvolver excessivamente estas palavras. Parece-me entretanto oportuno concentrarmo-nos somente em duas idéias.

A primeira delas é esta: que Deus, tendo amado com amor infinito ao seu Verbo Encarnado, a Nosso Senhor Jesus Cristo, e tendo amado com amor inferior a este, mas superior a todos os outros amores, a Nossa Senhora, deu-lhes tudo quanto há de bom. E por isso, deu-lhes também aquela imensidade de cruzes que, no caso de Nossa Senhora, é representada pelo número sete. Sete dores é também o símbolo de todas as dores. E Nossa Senhora poderia ser  chamada perfeitamente Nossa Senhora de Todas as Dores.

Por causa disso, se é verdade que todas as gerações a chamarão Bem-Aventurada, a um título menor, mas imensamente real, todas as gerações poderão também chamá-la “infeliz”.

Se isso é assim, nós deveríamos compreender melhor que quando a dor entra em nossa vida, estamos recebendo uma prova do amor que Deus tem por nós. E que enquanto a dor não penetrar em nossa existência, nós não temos todas as provas desse amor de Deus. E eu acrescentaria que não temos a principal prova do amor de Deus para conosco.

O que isto significa? Há membros de nossa família de almas para cujas fisionomias eu olho e, depois de analisá-las, sou levado a pensar: a este, falta-lhe ainda sofrer, falta no fundo uma nota de maturidade, uma nota de estabilidade, uma nota de racionalidade, uma elevação que só tem aquele que sofreu, e que sofreu muito. Quem leva uma vida sem sofrimentos, leva uma vida em que essas notas não transparecem na fisionomia. E o que é muito pior: não transparecem na alma.

Nós devemos nos convencer de que isso é assim, ou seja que sofrer é um dom de Deus. E que quando começam acontecer os contratempos — as dificuldades com o apostolado, os mal-entendidos  com os amigos ou com nossos superiores, a saúde que anda mal, os negócios que dão errado, as encrencas dentro de casa — não devemos tomar tudo isso como um bicho de sete cabeças. Nós não devemos, imitando a mentalidade holywoodiana, exclamar impacientes: “Como foi que uma coisa dessas pôde acontecer?”

Não, essa não deve ser nossa atitude! Quando não sofremos, aí então é que devemos nos perguntar perplexos: “Como é que está acontecendo isto: eu não estou sofrendo nada!?” Pois o normal é  sofrer. Aquele a quem Deus ama, aquele a quem Nossa Senhora ama, esse sofre! Deus não pode recusar a um filho a quem ama aquilo que Ele deu em abundância aos dois entes que mais amou, que são Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora.

Devemos pois nos imbuir bem da ideia de que o normal na vida é sofrer. Sem dúvida devemos pedir à Providência que nos livre das privações, das provações, das crises nervosas e de toda espécie  de coisas penosas, mas se estiver nos planos da Providência que sejamos submetidos à prova, devemos bendizer a Deus, bendizer a Nossa Senhora por estar sofrendo.

São Luís Grignion chega a dizer que quem não sofre deveria fazer peregrinações e orações pedindo o sofrimento, embora ele condicione tal pedido à aprovação de um diretor espiritual, porque se trata de uma súplica muito séria. Mas ele diz isso porque sabe que quem não sofre não vai indo tão bem na vida espiritual quanto poderia ir, e às vezes vai indo inteiramente mal.

Todos aqueles que querem seguir a Nosso Senhor são incômodos

Bossuet tem uma expressão estupenda a respeito de Nosso Senhor Menino: “Aquele Menino incômodo”, que se aplica a todos aqueles que querem seguir a Nosso Senhor: são incômodos eles também.. Às vezes, tenho a seguinte sensação experimental: começo a dar um conselho, a dar um exemplo, a pedir um sacrifício, e no semblante do interlocutor vai aparecendo algo que revela serem incômodas as minhas palavras para ele. Como seria mais fácil para mim contar uma piada, fazer uma brincadeira, acabar a conversa com um tapinha nas costas e dispensar o outro de uma  obrigação! Como o mando seria agradável se fosse isso!

Mas mandar é o contrário. Mandar é estar exigindo que o subordinado tome as coisas a sério, que as olhe pelo seu lado mais profundo, mais alto e mais sublime. Que veja de frente sua própria alma, que se examine a si mesmo detidamente, procure corrigir efetivamente e seriamente seus defeitos. Mas como isso é incômodo! Pois bem, o peso de sermos incômodos é um dos maiores pesos que existe e também este nós devemos carregar.

Nossa Senhora teve um filho que lhe trouxe tantos divinos incômodos. Quando meditamos sobre a dor d’Ela, sobre a seriedade e a sublimidade da existência d’Ela e de nossa própria existência, Nossa Senhora das Dores também se torna para nós maternal e estupendamente incômoda.

A resignação alegre diante dessa incomodidade, a coragem de sermos incômodos em todas as circunstâncias, o amar de preferência aos nossos amigos incômodos, que nos lembram oportuna ou importunamente o dever: essas são as virtudes que no dia das Sete Dores de Nossa Senhora devemos pedir a Ela.

Plinio Corrêa de Oliveira

Nossa Senhora das Dores

Nossa Senhora das Dores, Vós sofrestes por mim. Que o mérito de vossas lágrimas afaste tanta dor que ameaça cair, a justo e a lindo título, sobre mim, porque não me sinto capaz de carregá-la. Sei que em algo a afastareis, mas compreendo que vossa oração pode encontrar a barreira que vosso Divino Filho encontrou, quando Ele disse: “Si fieri potest…” Então, se em algo não puder ser, dai-me forças! Tanto quanto possível, me refugio da merecida cólera de Deus junto aos vossos braços de Mãe. Contudo, se esses braços tiverem que me entregar, e eu sofrer esse holocausto por outros ou por mim, adoro essa cólera! Dai-me forças, e a suportarei.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/9/1981)

Misericórdia que chega aos extremos de nossa fraqueza

A sensualidade é, com o orgulho, uma das molas propulsoras da Revolução. Em sentido oposto, Nossa Senhora, Rainha e arquétipo dos contrarrevolucionários, praticou as virtudes da humildade e da castidade em grau inimaginável.

O que dizer da pureza d’Aquela que foi imaculada desde o primeiro instante de seu ser? D’Ela brota para toda a humanidade, como de uma fonte inexaurível, a virtude da castidade. E porque incomparavelmente pura, Maria é, mais do que ninguém, a protetora dos fracos, o socorro dos que se debatem nas tentações da carne.

Engano seria pensar que, por ser castíssima, Nossa Senhora tem invencível horror aos impuros. Ela possui, sem dúvida, aversão ao pecado de impureza, mas Se compadece daquele que o comete, e deseja a emenda e a salvação desse infeliz.

A Santíssima Virgem está pronta a Se inclinar sobre o mais miserável dos homens e lhe dizer: “Meu filho, em que pântano caíste?! Entretanto, continuo sendo tua Mãe, e por isso Me curvo até ti, por mais baixo que tenhas caído. Até aos extremos de tua fraqueza chega minha misericórdia, disposta a te salvar”.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 26/5/1972, 25/9/1990 e 12/7/1991)
Revista Dr Plinio 258 (Setembro de 2019)

Oração para pedir o sofrimento restaurador

Ó Mãe do Bom Conselho, tende compaixão de mim nos desacertos e nas perplexidades em que minha alma culpada se encontra. No meio de todas as minhas misérias, vossa graça me dá a convicção de que é melhor qualquer sofrimento a continuar como estou. E se, portanto, a condição para deixar este infeliz estado é me fazerdes sofrer, com os joelhos dobrados em terra e com as mãos postas, de toda a alma, ó minha Mãe, peço-Vos que me deis o sofrimento que seja necessário para eu ser inteiramente vosso e, ao mesmo tempo, a força para suportá-lo.

Nesse sentido suplico-Vos que, se for possível, eu me una inteiramente a Vós sem ser necessário esse sofrimento, e que afasteis de mim esse cálice. Mas se não for possível, a exemplo de vosso Divino Filho, digo: Faça-se em mim a vossa vontade e não a minha. A “vossa vontade”, Mãe de misericórdia, pois Vós sois o canal necessário, por desígnio de Deus, para subirmos a Ele e para que as graças venham até nós.

Mãe do Bom Conselho, mais uma vez eu Vos peço: tende piedade de mim!

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Si fieri potest…

Nossa Senhora das Dores, Vós sofrestes por mim. Que o mérito de vossas lágrimas afaste tanta dor que ameaça cair, a justo e a lindo título, sobre mim, porque não me sinto capaz de carregá-la. Sei que em algo a afastareis, mas compreendo que vossa oração pode encontrar a barreira que vosso Divino Filho encontrou, quando Ele disse: “Si fieri potest…” Então, se em algo não puder ser, dai-me forças! Tanto quanto possível, me refugio da merecida cólera de Deus junto aos vossos braços de Mãe. Contudo, se esses braços tiverem que me entregar, e eu sofrer esse holocausto por outros ou por mim, adoro essa cólera! Dai-me forças, e a suportarei.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/9/1981)
Revista Dr Plinio 186 (Setembro de 2013)

A exaltação da Santa Cruz, em nós e fora de nós

Cada um tome sua Cruz e siga-Me”. Nestas palavras de Nosso Se- nhor estava, para Dr. Plinio, a chave da felicidade humana. Só quem amorosamente aceita as cruzes que Deus lhe envia, encontra paz de espírito. Tema apropriado para este mês em que se comemora a exaltação da Cruz por excelência – a de Cristo.

 

A exaltação da Santíssima Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo é uma das mais belas festas da Igreja, como título e como significado.

Consideremos, antes de tudo, o que a palavra “exaltação” traz consigo.

Segundo a linguagem comum, impregnada de pieguice, o indivíduo exaltado é aquele que facilmente se irrita, derramando sua bílis sobre os outros. A verdadeira exaltação, porém, nada tem a ver com o mau gênio. Do latim “exaltere”, significa tornar-se alto, elevar-se, subir.

A exaltação da Santa Cruz de Nosso Senhor é, portanto, a festa pela qual a Igreja recorda e proclama aos olhos do mundo que ela ergue o símbolo da Redenção acima de todas as coisas, colocando-o na sua devida e suprema altura.

O auge das humilhações sofridas por Jesus

Este louvor se reveste de grandeza e de júbilo ainda maiores, quando consideramos que a cruz, originalmente, era um instrumento de suplício usado em toda a antiguidade, que representava a ignomínia e a vergonha para toda pessoa que sofresse a pena da crucifixão.

Por isso, ao ser pregado na cruz, Nosso Senhor Jesus Cristo sofreu tremenda humilhação. Esta equivalia a dizer que Ele morria como um bandido, um ladrão, equiparado aos dois facínoras com os quais foi crucificado no alto do Gólgota.

Neste sentido, a cruz representa o auge de todos os desprezos e escárnios que Jesus padeceu na sua vida pública, sobretudo nos trágicos dias da Paixão. Essas humilhações correspondiam ao desejo dos algozes de acrescentar aos tormentos físicos um martírio moral, ainda mais doloroso. Então, a coroa de espinhos, a túnica de bobo, a cana à guisa de cetro, as bofetadas, etc., na intenção de atormentar a alma adorável de Nosso Senhor, e não apenas o seu corpo santíssimo.

Mas, sendo verdade que a Cruz de Nosso Senhor foi o ápice de todas as humilhações sofridas por Ele, ela é também o começo de todos os desprezos que até o fim do mundo todos os católicos haveriam de suportar em nome do Filho de Deus. Porque a impiedade não se desarma nunca. Ela visa sempre menosprezar e abater a autêntica moral cristã. Raros, se não inexistentes, são os católicos que não tenham sido humilhados, de uma forma ou de outra, por causa de sua fidelidade a Jesus Cristo. O que constitui, aliás, uma bem-aventurança, pois significa ser perseguido por amor à justiça divina, contra a qual continuamente se erguem os ímpios.

Cumpre, porém, frisar que a Cruz de Cristo, e as cruzes que por Ele carregamos, são igualmente símbolos de nossa honra. Esta consiste em recebermos a humilhação com ufania, gabando-se dela. Mais: com um espírito de desafio. Em face daqueles que nos injuriam, proclamamos com brio e júbilo ainda maiores o supremo símbolo de nossa religião. O que corresponde inteiramente à ideia de exaltação: manifestar a glória da Cruz, com uma altaneria que esmague os ultrajes que os adversários procuram fazer a Cristo.

Vem a propósito recordar que essa ufania já fora ratificada nos primeiros séculos do Cristianismo quando, às vésperas da batalha de Ponte Mílvia, o Imperador Constantino teve uma visão da Cruz, circundada pelas palavras: “In hoc signo vinces — com este sinal vencerás!” Era um anúncio de que a Cruz se levantava no céu e iria ficar definitivamente no horizonte do mundo, humilhando por sua vez os maus.

Essa galhardia é o que falta ao católico piegas. Este, diante de qualquer humilhação, mostra uma cara preguiçosa, baba e foge. Enche de vergonha a causa que deveria proteger. Nossa religião precisa ser defendida com espírito de luta e, portanto, se alguém injuria a Cruz em nossa presença, devemos redarguir com destemor e bravura. Não como quem resguarda a própria honra, mas como quem responde pela honra infinitamente mais preciosa de Nosso Senhor Jesus Cristo e, em união com a d’Ele, a da Santíssima Virgem.

No alto das torres e das coroas

Paralelamente, essa honra do Homem-Deus é também reivindicada pela Igreja. E, por causa disto, os católicos tomaram a Cruz como sinal de distinção, como símbolo de tudo quanto há de mais sagrado e santo. E o colocá-la no alto de todas as coisas foi uma preocupação constante da Civilização Cristã. Vieram então as manifestações características dos tempos de Fé: a Cruz encimando as elevadas torres das igrejas e catedrais; a Cruz no topo das coroas de reis e imperadores, ou adornando os mais nobres galardões das famílias da primeira aristocracia, ou servindo de insígnia nas condecorações. E quando se queria significar a magna importância de um documento, iniciava-o com uma cruz. Enfim, em tudo quanto o homem concebia de supremo, estava a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, trazendo consigo a ideia de que, entre todas as maravilhas por Ele operadas neste mundo, o mais admirável e o mais adorável era o ter sofrido e morrido naquele instrumento de vergonha. Trazendo consigo, ainda, o revide a essa humilhação, um revide cavalheiresco e sobrenatural a exaltação da Santa Cruz!

A Cruz glorificada em nosso interior

Outro ensinamento há, porém, que encontramos na Cruz.

Nosso Senhor Jesus Cristo é o Redentor do gênero humano. Ele tinha de redimi-lo aceitando a morte. Por isto suportou a agonia no Horto das Oliveiras e os flagelos da Paixão, caminhou até o alto do Calvário e se deixou crucificar, a fim de cumprir a missão que O trouxe ao mundo.

A partir desse momento, a Cruz tornou-se a afirmação dos sofrimentos, dos tormentos e das dificuldades que o homem aceita para realizar os desígnios de Deus sobre ele na terra. Então enfrenta tudo, a exemplo de Nosso Senhor, para seguir a superior vontade divina. Tal é a lição que nos dá a Cruz: abraçar a dor, o sacrifício, o holocausto, num ato de fidelidade do homem à sua própria vocação.

Fidelidade esta que implica não só na luta de uma vida inteira para que a religião católica vença e a Cruz de Nosso Senhor seja elevada sobre todas as coisas, como também na vitória em nossos combates interiores. Com efeito, continuamente travamos uma batalha dentro de nossas almas, na qual se opõem virtudes e pecados. Este antagonismo redunda num atrito e numa fricção interna que, em determinados momentos, chega a ser pungente. Pois bem, esta luta, é preciso que a olhemos de frente, e que tenhamos sempre a iniciativa audaciosa de derrotar o pecado. Esta batalha é, de certo modo, a glorificação da Cruz de Nosso Senhor dentro de nós.

A verdadeira alegria está na Cruz

Essa consideração encerra um importante corolário.

Desde os primórdios do cristianismo, os homens se batizaram à sombra da Cruz, casaram-se sob a proteção dela, a colocaram no melhor lugar de seus lares, e, chegados ao derradeiro instante de suas vidas, morreram olhando para ela. Quer dizer, a Cruz tem marcado toda a existência do católico. É mais uma expressão da ideia

fundamental de que o cotidiano terreno foi feito para o sofrimento e para o heroísmo. E quem fala em heroísmo, fala em cruz.

A verdadeira alegria da vida não consiste em desfrutar prazeres grandes ou pequenos, em ter fartura no comer e no beber, nem qualquer outra espécie de conforto. A autêntica satisfação da vida é aquela sensação de limpeza de alma que se possui quando fitamos de frente a nossa cruz e dizemos “sim” a ela. Desse modo, agimos como Nosso Senhor Jesus Cristo que, sem esperar a chegada do sofrimento, previu-o e se dirigiu ao lugar onde haveria de encontrá-lo. Ele se entregou porque quis, e, com passo valoroso, carregou sua Cruz até o cimo da montanha onde seria imolado. Portanto, evitemos a ilusão das alegrias efêmeras, e muitas vezes falsas, que nos prometem as diversões mundanas, as vaidades e os êxitos temporais, porque não constituem a verdadeira essência de nossa existência. “Mititia est vita hominis super terram” a vida do homem é um constante combate, dizia o santo Jó . Como afirmamos, a essência da vida é uma luta dentro e fora de si, aceitando o sofrimento de frente e fazendo dele a sua alegria. Isto é verdadeiramente a exaltação da Cruz em nós.

E não há católico sincero que não seja um ardoroso amigo da Cruz. Que, confiante na misericordiosa assistência de Maria Santíssima, não compreenda e não fique feliz em saber que as dificuldades e penas ocupam parte saliente no seu peregrinar por esta terra de exílio. É conhecendo e aceitando essa condição de batalhador contra seus próprios defeitos, assim como contra a impiedade -, é unindo-se aos méritos infinitamente preciosos da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, que ele abrirá para si as portas da eterna bem-aventurança.

Imitemos Aquela que mais amou a Cruz

Tudo o que acabamos de considerar constitui o espírito de cruz, pelo qual se concebe crucificadamente todas as coisas, pelo qual batalhamos e vencemos, pois os grandes guerreiros da vida foram os que se revestiram desse espírito, desse amor à Cruz, dessa naturalidade no sofrimento, que caracteriza o genuíno filho da Santa Igreja e seguidor de Cristo.

Para adquirirmos esse espírito, nada melhor poderíamos fazer do que suplicá-lo a Nossa Senhora, pedir-Lhe que nos conceda o amor que Ela mesma teve à Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Podemos imaginar, sem ferir os ensinamentos da ortodoxia católica, que passados os tormentosos dias da Paixão, vividas as alegrias da Ressurreição e após a gloriosa partida de Jesus deste mundo duas grandes felicidades restaram a Nossa Senhora na terra: uma, a da presença de seu Divino Filho na Eucaristia; outra, a meditação da Cruz. Que pensamentos, que cogitações e preces fazia a Co-Redentora nas suas horas de solidão e recolhimento, recordando o patíbulo em que se imolou o Cordeiro de Deus?! Quanto Ela reverenciou aquela cruz! Quanto Ela a honrou! E que meditações sublimíssimas Ela fez aos pés do Madeiro, no próprio instante em que nele morria o Salvador! E a que alto grau, inimaginável, elevou-se n’Ela o espírito de sofrimento o espírito de cruz -, tornando-se para nós um luminoso exemplo de alma crucificada! Então, devemos pedir a Maria, em nome dessas meditações solitárias d’Ela diante da Cruz, nas quais talvez Ela tenha tido em vista a cada um de nós, esse mesmo espírito de cruz. Que nos incuta esse respeito, essa admiração e esse entusiasmo pelo verdadeiro sofrimento e, mais ainda, esse desejo heroico de sofrer, que é o característico do verdadeiro católico. Numa palavra, roguemos a Ela a graça dessa contínua exaltação da Santa Cruz em nós, para a exaltarmos continuamente fora de nós.

Errata: Por um problema técnico, no artigo de agosto desta seção faltaram as duas últimas linhas: “… segundo a promessa que fiz em Fátima o Meu Coração Imaculado triunfou!”

 

Plinio Corrêa de Oliveira

 

Trono da misericórdia

Na imagem de Nossa Senhora de las Lajas, a Santíssima Virgem está com um olhar sério e investigador de quem quer ser obedecida. Ela tem fisionomia de Mãe, mas não está sorrindo; e embora não esteja olhando com expressão de ameaça ou repreensão, seu semblante é de alguém que, se houver algo errado, passa um pito ou faz uma ameaça.

O Menino Jesus está muito amavelmente voltado para quem reza. Em lugar do quadro clássico do Divino Infante sério e Nossa Senhora sorrindo para o pecador, indicando que Ela obtém d’Ele a misericórdia e o beneplácito, temos o contrário: Ele se volta sorridente para o pecador, Ela está séria. Quase se diria que Ele está distribuindo favores sem que Ela tenha entrado muito no assunto.

Parece até inverter o papel da Medianeira.

Na realidade, o pensamento é muito profundo: Ele Se manifesta tão misericordioso, com essa alegria de dar, porque está sentado no trono da misericórdia.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 19/10/1974)