Um palácio digno e nobre

Alma voltada para as coisas mais elevadas, Dr. Plinio procurava sempre o maravilhoso. No Palácio dos Campos Elíseos ele via o maravilhoso na mediania, no equilíbrio e na harmonia. Mas discernia o que existe de revolucionário nesse edifício: uma solicitação para o gozo da vida, fator de amolecimento das almas.

 

Farei alguns comentários sobre o Palácio dos Campos Elíseos(1). Obedecendo ao princípio de pôr em realce também o óbvio, eu queria mostrar o seguinte: nele há um maravilhoso, o qual é feito — e aqui está o segredo do Palácio — de elementos que de si não conduzem ao maravilhoso. É a harmonia desses elementos que dá o maravilhoso.

Cada mansarda é uma obra-prima

Todos naturalmente notam que o Palácio é muito simétrico: ele tem um corpo central com duas galerias, uma inferior e outra superior. Na galeria de baixo, os arcos são um pouquinho mais largos — e também mais ornados — do que os da galeria de cima. Na galeria de baixo há uma espécie de moldura em torno de cada arco, tendo bem no centro um elemento decorativo que não existe em cima.

Em baixo, entre os arcos, existem medalhões de faiança, que em cima são substituídos por outras aplicações de cimento ou qualquer coisa assim, mas muito mais modestos.

Um espírito banal diria que o Palácio ficaria muito mais bonito se ele fosse tão belo em cima quanto em baixo. Mas perderia completamente. O segredo está exatamente num certo equilíbrio, por onde a parte de baixo parece suportar comodamente a parte de cima que já se perde um pouco no irreal; ela é mais imprecisa, menos nítida do que a parte de baixo. Essa ideia é acentuada ainda mais pelas três mansardas que são, cada uma, uma verdadeira obra-prima. Essas mansardas, por assim dizer, repetem de um modo já meio irreal a galeria.

Edifício sólido, mas tendente para o alto

De um lado e de outro há dois corpos de edifício que se projetam ligeiramente para a frente, mas o mesmo princípio está adotado aqui, quer dizer, a projeção é muito maior em baixo do que em cima. Na parte superior, o destaque é muito pequeno; em baixo, é bastante acentuado. De maneira que para compreendermos toda a harmonia existente aqui, deveríamos imaginar como seria o Palácio sem essas caixas embaixo. Ele não ficaria completamente lambido?

Vejam como tudo é bem estudado, e aqui se desmente a regra, pois as janelas de cima são mais ornadas do que as de baixo.

Então, alguém poderia me perguntar: “Por que essas janelas não pesam?” Porque elas têm essa caixa na frente, que aguenta o peso do ornato maior. Imaginem que essas janelas de cima não fossem mais ornadas, porém iguais às outras; o Palácio não perderia muito?

Então, essa discreta harmonia do Palácio é feita em mil equilíbrios.

Considerem as mansardas. Cada um desses corpos tem apenas uma mansarda. Comparem com as outras; é a mansarda do centro ampliada, mas uma ampliação esplendidamente harmônica com o tamanho do terraço e da parte situada embaixo.

Todas elas — para dar a ideia de que se perdem no ar — têm três bolinhas em três suportes em cima, que é o voo que o edifício toma, de maneira que temos a impressão de um edifício sólido, assentado na terra, mas tendente para o alto.

Não tem nada de angélico como um prédio gótico, mas como o homem é um misto de alma e corpo, há muita alma nesse corpo. Não é pura alma como no castelo de Saumur, por exemplo, mas tem muita alma dentro desse corpo, donde agora se explica o que para mim é o encanto do Palácio: ele não é grande nem pequeno; é médio. Ele não é riquíssimo, não é pobre; é digno. Ele não é faustoso nem esplendoroso; é nobre.

Equilíbrio e harmonia

Quer dizer, é um Palácio que nos dá tudo quanto pode haver de maravilhoso na mediania, no equilíbrio e na harmonia, e representa, nesse sentido, um valor absoluto. Poder-se-ia dizer que é um exemplo de Harmonia com “H” maiúsculo, porque tudo quanto é sensacional foi eliminado do Palácio. Mas ele, de si, é sensacional. Quando o olhamos, pelo menos a mim, ele se afigura sensacional.

Esta sensação, creio que a luz dourada, se estivesse bem focalizada, realçaria enormemente. Ele toma um ar de harmonia de sonho, de conto de fadas nessa visão, e é um dos aspectos do Palácio de que eu gosto muito.

Vou fazer uma comparação prosaica: já imaginaram o Palácio sem aquele portal do lado direito de quem olha? Pareceria uma cara sem a orelha direita, porque do lado esquerdo há outro portal. E ficaria uma coisa que terminaria bruscamente.

Vejam como aquela “orelha” está bem posta: o tamanho, a largura, mas não visa fazer sensação. Uma pessoa de espírito dito moderno faria uma super entrada com um lustre pendurado. Ele não teria percebido nada, porque é esta leveza discreta — de mãe de família adornada com gala, e não como mulher leviana — que constitui o charme do Palácio. Eu acho que o Palácio é maravilhoso pelo charme.

Uma coisa bonita é o abaulado do terraço.

O modo de se perceber a razão de ser de uma coisa é imaginar que ela não estivesse ali. Então, imaginem o teto chato clássico; ele não tiraria algo do Palácio?

Olhem os medalhões e as cerâmicas: que azul bonito! E ouro sobre azul é a combinação francesa…  São muito bonitos e têm categoria.

Vida de seriedade, de pensamento e de ação

Esse Palácio é feito para se levar uma vida de seriedade, de pensamento e de ação. Se morar aí um indivíduo que não for um homem de ação, ele apodrece dentro do Palácio. Tem que ter responsabilidade: é um Palácio para um governo. Responsabilidades gravíssimas, conselhos de Estado apertadíssimos, profundos pensamentos, planos políticos.

 Aqui se faria uma preparação para uma guerra justa, longe da rua e do barulho, uma coisa magnífica: “Ataco assim ou não? Onde é a moleira do adversário? Qual o modo e a hora de dar o golpe?”

É preciso entender o que é a doutrina de governo, que entra dentro disso. Governo não é principalmente viajar, nem tomar contato com muita gente, mas estar informado, coordenar dados e chamar pessoas.

Imaginem, numa manhã, um homem muito reflexivo neste Palácio, em seu escritório dando para as árvores, janelas abertas, tudo tranquilo, e ele está fazendo os seus planos.  Planejar é o auge. Aí dá para rezar, fazer meditação, etc.; uma verdadeira maravilha.

Podemos medir em que atoleiro nós estamos, porque isso no Reino de Maria não poderia existir. Nesse Palácio há Revolução. Estou apontando os lados positivos, mas isso é cheio de lados negativos. Entre outros, uma solicitação contínua do gozo da vida que amolece, e que nós não devemos tolerar.

Tenho medo desse estilo, porque o convite para o gozo da vida existe, embora precisemos saber ver o que ele tem de bonito.

Notem como há uma proporção entre um arco e o conjunto da fachada. Depois, entre a altura do arco, e o que resta da altura do edifício. E a porta de dentro, e até de uma portinha; porque essa portinha é indispensável. Se fosse tudo pedra, ficava pesadão.

Esse embasamento tem exatamente a altura necessária para se perceber que ele existe e para acentuar a ideia de que o Palácio flutua.

Esse Palácio, apesar de muito sério, é muito leve. Ninguém poderá dizer: “esse pastelão”. Gosto muito desse Palácio.

Esses prédios antigos têm lugares que nos convidam a estar olhando e pensando fixamente, sem sair. Naquela balaustradazinha, por exemplo, poderíamos ficar olhando o jardim maior e, por uma boa meia hora, estar pensando em tudo e em nada, e quando sairmos, muitas ideias estarão mais maduras. É desse modo que se matura. Assim como existe adega para guardar e decantar vinho, isso é para guardar e decantar gente. É “adega” de gente. v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 12/5/1974)

 

1) Situado na Av. Rio Branco, bairro Campos Elíseos, em São Paulo. Foi sede do Governo de 1915 a 1965.

 

Brasil: país de grande futuro…

Meditativo desde a mais tenra infância, Dr. Plinio teve ocasião de analisar o interior do Brasil durante uma viagem. A partir de então, concebeu para seu país um futuro de heroísmo e de glória.

 

Na vida de uma criança há um determinado momento em que ela começa a conhecer melhor os seus próximos e a analisar como é o pai, como é a mãe, como são os irmãos, os tios, o avô, a avó, como são os primos…

Estabelecem-se então, forçosamente, as afinidades e definem-se as heterogeneidades. Ela vai modelando um conceito e formando uma ideia da família em que nasceu e, também, de quem é ela mesma.

Essa criança passa a olhar-se no espelho, sem vaidade, e pensa: “Que fisionomia eu tenho? Que efeito causo nos outros e em mim mesmo? Como é o meu nariz? Como é a minha boca? E os meus olhos?” É mais ou menos como uma pessoa que vai dar início a um jogo e alguém lhe ensina quais são as cartas do seu baralho, para saber jogar…

Quando recebe um elogio, a criança presta atenção e reflete: “Então, sou capaz de tal coisa.” Ou, pelo contrário, ouve às vezes a deploração do pai ou da mãe:

— Coitadinho, para tal coisa ele não tem jeito.

E, assim, o menino vai fazendo o balanço da vida… Lembro-me de ter feito isso na minha infância.

Observando o país de origem

Depois, em certa ocasião, comecei a analisar também o meu próprio país, pensando: “Brasil… Dizem que é colossal. Aqui está o mapa!”

Nunca fui afeito a memorizar informações sobre quilômetros quadrados, mas, observando os espaços coloridos do resto da América do Sul, eu me dizia: “O Brasil tem um tamanhão mesmo!” Olhava um pouco o mapa da Europa e concluía: “Como a França, tão gloriosa, é pequena! Como a Itália, a Espanha, a Alemanha, a Áustria e a Inglaterra são pequenas em comparação com o nosso Brasil! Nosso querido Portugal, do qual descendemos: que mãe pequena para um ‘filhão’ enorme!”

O “miolo” do Brasil

Em certa ocasião, estando no litoral, de costas para o mar, eu olhava e pensava: “Aí está o Brasil… Que “Brasilão” grande! E pensar que isto se espicha até o Pará e, depois, até o Rio Grande do Sul… Que coisa extraordinária! Mas… isto é como um pão, do qual estou vendo apenas a casca, aqui na praia. Existe também o miolo do pão…”

Um dia, conheci o “miolo” do Brasil.

Eu era menino, tinha aproximadamente nove anos, quando fui com meus pais e minha irmã a uma estação termal que começava a se tornar conhecida no Brasil, e de cujas águas esperava-se muito benefício para o estado de saúde de minha mãe: Araxá, em Minas Gerais.

E fui, então, vendo o Brasil por dentro, entrando no “miolo do pão” até chegar ao coração de Minas Gerais. Eu ia tomando contato com os panoramas e conhecendo um pouco o interior do Brasil.

A certa altura da percurso, o automóvel em que viajávamos chegou diante de um rio muito vasto(1). Do outro lado havia umas montanhas, e continuava o Brasil. Mas eu percebi por algo imponderável que do outro lado tinha algo diferente.

Então perguntei:

— O que é que tem do lado de lá?

Disseram-me:

— Do lado de lá é Minas Gerais!

— Mas, então São Paulo acaba aqui?

— Sim, acaba aqui e ali começa o Estado de Minas Gerais.

— Mas é tudo Brasil?

— Tudo Brasil!

Um grande livro em branco

O panorama mineiro, feito de altas montanhas, de planícies muito grandes, me impressionava.

Ao longo da estrada, viam-se na planície alguns montículos. Perguntei, então, a algum dos mais velhos que viajavam comigo:

— Que montanhazinhas são essas?

Ele respondeu-me com naturalidade extrema:

— Ah! São cupinzeiros.

— Mas, como?! Estão cheias de insetos?

— Sim. Eles se reproduzem debaixo do chão e fazem galerias, às vezes até de um quilômetro, e isso causa certa pobreza no solo.

Aqueles montículos pareciam-me tumores que a terra não deveria produzir! Eu pensei: “É preciso raspar esses cupinzeiros. Como seria nobre e bonito apresentar uma terra restituída à sua fertilidade, porque o homem penetrou nas entranhas do solo e acabou com esses inimigos ridículos e pequenos, que são os cupins. As nações civilizadas, cujas fotografias são usadas como bonitas estampas nos livros de leitura para os meninos, não têm essas bolotas feias!”

De repente, vi passar umas aves grandes, semelhantes a cegonhas, mas feias, cor de chumbo, com pernas enormes, bico curto, que saíam correndo pela planície — planície sáfara, sem vegetação bonita.

Perguntei, então:

— O que é aquilo lá?

— São seriemas.

Eu pensei: “Por que essas aves são tão feias? Por que na Europa eu nunca vi essas feridas no chão que são os cupinzeiros? Qual é o papel de tudo isso num panorama? Isto é cenário para quê? Que gênero de fatos deve se passar aqui? Não há algo de futuro do Brasil no cenário que Deus pôs aqui?”

Em certo momento, avistei duas ou três seriemas e, por entre as pernas delas, vi uma parte das montanhas e um trecho da paisagem. Percebi a beleza que havia em tudo aquilo, e concluí: “Agora entendo para o que servem as seriemas: elas vão correndo por essas vastidões e me ajudam a compreender como é enorme o Brasil. As distâncias não são nada para elas, que correm com uma celeridade de deixar-me pasmo. Entretanto, elas estão apenas no começo de uma corrida pelo Brasil.”

Aquela imensidão me dava também uma ideia de bênção. De toda aquela natureza se desprendia uma certa atmosfera de possibilidades enormes de amar a Deus e de possibilidades de pecado pavorosas! Parecia-me sentir no ar uma promessa, se o Brasil procedesse bem, e uma ameaça medonha se, pelo contrário, agisse mal.

E, apesar da censura severíssima ao ambiente, foi-se formando no meu espírito, desde aquele tempo, a ideia de que o Brasil era como um grande livro em branco, onde os homens deveriam escrever uma história de heroísmo e de glória, numa atmosfera de serenidade e doçura, que um dia embelezaria as seriemas e acabaria com os cupins. Era a ideia de um grande futuro…

Era assim que o Brasil ia nascendo para o meu panorama.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 27/4/1985)

Revista Dr Plinio 158 (Maio de 2011)

 

1) Rio Grande.

 

No passado perene, o futuro…

Tomando parte na Liga Hanseática, a cidade de Bremen exerceu um importante papel histórico. Porém, foi a beleza de sua arquitetura que a fez atravessar os séculos.

 

No decorrer de tantos séculos de História, a cultura europeia revelou que possuía de forma incomum o gosto pelo maravilhoso, no sentido mais profundo do termo: almejava ela, coisas de grande valor e categoria, capazes de produzir no espírito humano uma sensação de enlevo e entusiasmo tão intensa que pareciam transcender a capacidade humana de maravilhamento. E que, ademais, por sua nobreza e distinção, preparavam, em última análise, os espíritos para que tivessem apetência das coisas divinas.

Esse anseio pelo belo era, portanto, um instrumento natural, utilizado para dirigir e dispôr as almas a fim de receberem o auxílio sobrenatural da graça de Deus, o qual reservara grandes dons para a vida futura, àqueles que Lhe foram fiéis na presente.

Não obstante, é possível verificar entre os povos outra atitude de alma diversa desta, na qual o maravilhoso não ocupa praticamente lugar algum. Tal como alguém que, vivendo diante de magníficos panoramas marítimos, edificasse sua casa de costas para o mar, não apreciando tão evocativo ambiente.

Como corretivo para tal defeito, nada há melhor do que exercitar a apetência pelo sublime. Ele pode ser facilmente encontrado nas construções, nos templos e até mesmo nas praças…

Um exemplo característico é a cidade de Bremen, Alemanha: uma gloriosa cidade medieval, à espera de quem vá contemplá-la.

Importante papel histórico

Bremen tomara parte na Liga Hanseática(1), que era constituída principalmente por Hamburg, Lü-beck e Dantzig. Tais cidades adotaram uma forma de governo pela qual a população elegia os representantes para constituírem a câmara municipal. Porém, na realidade, o governo acabava por tocar a uma aristocracia constituída por famílias que se dedicavam ao comercio e à indústria.

Tal era a pujança da famosa Liga Hanseática, que esta chegou a possuir marinha própria, auxiliando até mesmo aos imperadores do Sacro Império Romano Alemão, e sendo durante certo tempo uma das maiores potências da Europa.

Dentre as capitais desta Liga estava Bremen. Como essas cidades eram governadas pelas prefeituras, estas se tornavam os símbolos de autonomia da cidade, sendo ornamentadas com dignidade e beleza. Por esta razão, tanto na Alemanha como também nos Países Baixos, lugares em que o municipalismo muito se desenvolvera, encontram-se paços municipais que parecem ser verdadeiros palácios régios.

Irregular simetria?

Nesta pitoresca cidade há uma sede municipal chamada “Rathaus”, ou Casa do Conselho. Esta se encontra numa praça que tem ao fundo a Catedral da cidade. A Catedral forma um conjunto com o prédio e com as dependências e os edifícios análogos que se escoram graciosamente em suas paredes.

De forma irregular, que convém, entretanto, à simetria com a disposição dos edifícios, a praça, provavelmente mais recente, foi idealizada de modo judicioso e muito adequado, com um toque de leveza, devido ao mosaico de pedras que encontra-se no centro.

Caso fosse possível fazer em alguma parte desta praça uma fonte de água elegante, leve e bonita, até mesmo com as técnicas modernas de iluminação com coloridos diversos — como no Bois de Boulogne, em que há no fundo das fontes, luzes de magníficas cores, causando a impressão de pedras preciosas líquidas; são topázios, ametistas, rubis que estão continuamente elevando-se e caindo —, acrescentar-se-ia um toque ainda mais belo ao ambiente.

Colocada em lugar um tanto assimétrico, está uma torre antiga, condizente com os demais monumentos, que era provavelmente uma fonte. O urbanismo moderno infelizmente não utiliza fontes de água, o que poderia atenuar, em parte, a irremediável feiura das metrópoles modernas. Todo o ambiente é antigo e medieval, ou ao menos traz as reminiscências desta época, o que se faz notar pelas figuras que adornam os edifícios, a Catedral e até mesmo as ruas.

Um convite a elevar-se ou… a flutuar

Em certos períodos da História, o telhado foi muito utilizado pela arquitetura europeia como elemento de decoração. Como na Catedral de Santo Estevão em Viena, e em outros prédios, utilizavam-se diversas cores de ardósia formando belos desenhos. O cobre era também empregado na decoração dos telhados, pois com o passar do tempo ele azinhavra, adquirindo um lindo tom verde-esmeralda, assemelhando-se a uma grande pedra preciosa. O tipo perfeito de telhado não deve pesar, e por outro lado dar a ideia de algo que eleva e convida para subir. Tanto a cor quanto a forma pontiaguda comunicam ao edifício alegria e leveza, pois há um contínuo convite para elevar-se.

Como se tratava de edifícios públicos, havia reuniões e concentrações populares nas quais era preciso que o povo pudesse reunir-se no edifício, abrigado da chuva. Por essa razão a parte térrea dos prédios é composta de uma série de ogivas que dão para uma galeria aberta, onde as pessoas podiam inclusive passear.

A totalidade das construções dessa praça causa uma impressão encantadora de leveza, pelas formas pontiagudas e esguias que quase não tocam no solo, com um aspecto de conto de fadas. Para essa leveza concorre também a diferença de cores: verde-esmeralda, vermelho claro entremeado com o bege que se prolonga pelas pedras. Um jogo de cores tão delicado, tão leve, que se tem a impressão de que, colocados sobre uma jangada, esses edifícios passariam para as ondas a flutuar e não iriam para o fundo — aliás, seriam lindíssimos palácios flutuantes. O imponderável que deflui do prédio é de uma grande nave flutuando nesse mar de pedra que é a praça. Este é o Paço Municipal de Bremen.

Enquanto esse prédio sorri, a Catedral, pelo contrário, transmite uma atmosfera de majestade e de força. Aspecto majestoso, forte e sério que relembra uma das facetas da Santa Igreja, que é sua divina severidade. Quando bem construída, toda igreja espelha um aspecto da Religião Católica.

O efeito produzido pelas lindas e imensas torres da Catedral é como alguém que afirmasse: “Isso mesmo! Não só afirmo e finco o pé no chão, mas levanto a cabeça, e com toda a altura de minha estatura te olho, ó transeunte, para te dizer que a Igreja nunca muda, que a Igreja não passa, que Ela é eterna, e que tu tens que olhar com respeito para a severidade dos princípios que Ela emite.”

O tempo passou inclemente, mas as pedras aguentaram altaneiras os percalços e as intempéries, produzindo a impressão de consistência pelo embate de mil tempestades pelas quais tiveram de passar, o que lhes dá um aspecto de seriedade e de sabedoria. Isso produz um choque ou uma discrepância harmônica com o restante dos edifícios que compõem a praça. É o maravilhoso da severidade, do combativo, do altaneiro, ao lado do maravilhoso, do delicado, do gracioso, do harmonioso, do flutuante. São duas formas diversas do maravilhoso que, juntas, constituem pelo seu próprio contraste uma só única e harmoniosa maravilha. Essa é uma das mil maravilhas da maravilhosa Europa antiga…

A alma medieval era profundamente embebida pelo sobrenatural, ao ponto de realizar, mesmo sem a intenção expressa, maravilhas como esta. Era uma sabedoria esparsa por toda a Idade Média, e um patrimônio comum da Cristandade, que levava as pessoas a agirem bem e fazerem as coisas retamente, muitas vezes até sem saber bem o porquê; era o dom de sabedoria entranhado nas almas. Nesse estado de alma, era-lhes possível encontrar todos os tesouros da sabedoria. Pois os sentimentos mais profundos do homem apresentam-se muitas vezes da seguinte forma: para uma mãe que sabe tratar de seus filhos, não é necessário estudar Pedagogia para ser uma excelente mãe. Do fundo de seu amor materno, instintivamente, ela retira os recursos para ser uma boa mãe. É melhor do que se ela tivesse estudado.

A arte perfeita na era da perfeição!

As técnicas atuais descreveriam esse edifício de modo inteiramente oposto ao que foi aqui realizado. Entretanto, a técnica pura não move e, pelo contrário, tende a matar o espírito. Talvez dissessem: “Rathaus” da cidade de Bremen, século tal; material empregado: pedras especiais que se encontram em tal montanha, de onde lhe vem, por uma reação química, a consistência e a durabilidade de seu vermelho. Foram trabalhadas em estilo românico e renascentista, sob as ordens de tal mestre no século tal. Existem arcadas que medem tanto por tanto. Neste edifício passaram-se os seguintes fatos históricos: foi aí proclamada a famosa insurreição de Bremen contra seu governador; também aí soou pela primeira vez o alarme pela penetração das tropas napoleônicas em Bremen, em tal ocasião; duramente bombardeada durante a Primeira Guerra Mundial, serviu de Quartel-General aos aliados.

A explicação apresentada desta forma causa-nos a sensação da descrição de um cadáver reduzido ao esqueleto, onde não restou nada mais que a ossatura. Um jovem que fosse a um museu e lá ouvisse uma explicação como esta, dificilmente sairia entretido.

De outra forma, quando são realçados os aspectos sublimes e elevados desse ambiente, dos costumes aí vividos e da civilização que edificou este local, tudo parece tomar novo vigor, produzindo a sensação de perenidade. Pois se é verdade que Deus existe, não seria possível que uma coisa como esta estivesse definitivamente morta. Ele não pode permitir que algo assim desapareça, e que nunca mais algo de análogo venha a brilhar como um valor que oriente os homens. Se isso acontecesse, certamente o mundo acabaria, porque a glória de Deus não poderia permitir que haja novos séculos e novas civilizações construídas sobre o conspurcado.

A certeza de que virá algo imensamente superior e mais belo do que foi realizado no passado, enche-nos a alma, robustecendo nossa esperança na vinda de uma era onde Nossa Senhora reinará plenamente: o Reino de Maria. E nisso consiste a perspectiva última do maravilhoso: ver no passado o perene; no perene, o futuro.

Compete, portanto, aos filhos da luz, explicitar tudo aquilo que o medieval possuía implicitamente, pois esse é o requinte da perfeição. Explicitar para viver, mas também para dar maior coesão e consistência ao Reino de Maria, criando uma escola de pensamento que comunique uma intenção consciente e harmônica, porém não-racionalista, vinda do sentimento em sua boa espontaneidade, para a elaboração de um estilo artístico inédito.

Será a arte medieval? Será outro estilo de arte? Os românicos não podiam imaginar o gótico, e inesperadamente o gótico apareceu. Não se pode saber, mas não sendo o gótico, será algo mais gótico do que o próprio gótico. Pois o caminho foi encontrado, e desse caminho não se sairá mais. v

 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 14/8/1967)
Revista Dr Plinio 146 (Maio de 2010)

 

1) Aliança de cidades mercantis que manteve o poder de comércio sobre quase todo o Norte da Europa e o Mar Báltico.

 

Escravidão de amor, desponsório místico e troca de vontades

Cada pessoa deve procurar levar uma vida de tal modo unida a Nosso Senhor que seus pensamentos, olhares e gestos, por mínimos que sejam, se conformem à mentalidade do Redentor.

 

Pedem-me para comentar a frase de São Paulo: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20). Embora nunca tenha lido comentários de exegetas sobre isso, vou dar a impressão que me causa este texto tão conhecido.

Cada um deve atingir um tipo de santidade para imitar perfeitamente Nosso Senhor

Nosso Senhor Jesus Cristo tem a respeito de cada um de nós um desígnio enormemente abrangente. Um modo superficial de considerar o texto de São Paulo seria afirmar que “não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” significa realizar os desígnios de Nosso Senhor a meu respeito e, portanto, devo abandonar meu próprio egoísmo e fazer a vontade d’Ele. Nisto está a vida d’Ele em mim.

Tudo isso é correto, mas é uma concepção muito limitada a respeito dessa vida d’Ele em cada um de nós. A meu ver, chega-se ao fundo do assunto considerando o seguinte:

O desígnio de Nosso Senhor para cada homem não é apenas que um, por exemplo, seja religioso; outro chegue a uma alta posição num governo e faça um decreto estabelecendo a união entre a Igreja e o Estado, em termos muito convenientes para a Igreja; e que outro funde uma escola, uma Universidade Católica… Sem dúvida, isso tudo faz parte dos desígnios da Providência, mas nunca, absolutamente nunca, os desígnios divinos sobre um homem se cifram exclusivamente naquilo que se poderia chamar a obra da vida dele.

Deus tem o desígnio de que sejamos inteiramente configurados em nossa alma, de maneira a realizar um tipo de santidade, pela qual, sendo cada qual o que é, imite a Ele perfeitamente, dentro desta via que procede das peculiaridades de cada um. E seja, por assim dizer, uma reedição d’Ele. É isso que Ele quer.

A personalidade de Deus é imensamente rica. E todos os homens que Ele criou, desde Adão até os últimos que vão existir, constituem uma série dentro da qual cada um deve imitar a personalidade d’Ele num ponto, como se Ele não tivesse sido senão aquilo. Assim todos os homens repetem de algum modo, num grau maior ou menor, Nosso Senhor Jesus Cristo, à maneira de uma coleção. De maneira que, visto o conjunto, dê uma superimagem de Nosso Senhor que apresente no Céu uma noção global d’Ele. De modo que Ele, olhando a humanidade toda glorificada no Céu, Se veja representado. E nessa representação encontre sua glória.

Esse é um pensamento que tem seu fundamento no fato de Deus ter feito a Criação ao longo de seis dias, e no sétimo descansou. E ao contemplar os seres criados, viu que cada coisa era boa, mas o conjunto era melhor (cf. Gn 1, 31).

O modo de fazer todas as coisas envolve uma perfeição espiritual

Assim também a Nosso Senhor Jesus Cristo, enquanto Homem-Deus, vai ser dada essa glória de que todos os homens no Céu, no seu conjunto, representarão a Ele, como a Criação representa a Deus. Cada bem-aventurado no Céu O representa bem, mas o conjunto representa melhor, e proporciona uma noção global d’Ele que nenhum homem deu; exceção feita da Santíssima Virgem. Porém Ela também faz parte do conjunto que representa a Ele, embora seja a parte mais esplêndida, mais gloriosa — de longe! — entre as meras criaturas. A tal ponto que sem Nossa Senhora tudo isso não valeria nada; mas com Ela vale inimaginavelmente.

Então, Ele quer que eu toque toda a minha vida — mas a minha vida abrange meus olhares, meus pensamentos, meus gestos, por mínimos que sejam, e que, no fundo, exprimem algo de minha mentalidade. Ele quer que seja como a mentalidade d’Ele, vista nesse ângulo minúsculo que se chama “a individualidade de Plinio Corrêa de Oliveira”. Mas isso é assim com todos aqueles que andam pela rua, inclusive os que estão se perdendo.

Por exemplo, eu poderia agora querer um copo d’água. Do ponto de vista moral, é inteiramente indiferente que eu beba ou não a água. Mas se eu bebê-la agora de modo oportuno, temperante, agirei de acordo com Ele; se eu ingerir essa água de um modo inoportuno, intemperante, por uma razão sem fundamento, embora o beber água seja neutro, a ocasião escolhida por mim para ingeri-la envolve uma razão moral.

O modo de fazer todas as coisas neutras envolve uma perfeição espiritual, com vistas a fazer a vontade d’Ele e ser a cópia d’Ele em tudo, mas aquela cópia que só eu serei, e mais ninguém. Se eu ratear, ninguém mais fará; e se fizer bem feito, estará bem feito por toda a eternidade.

Isso envolve a nossa vida inteira, em dois sentidos: toma-nos por inteiro, de um lado; e, de outro lado, é por uma vida procedida d’Ele que somos capazes disso. Porque Ele vê que pela nossa mera natureza humana, em consequência do pecado original, somos incapazes de alcançar essa perfeição. Por esta razão recebemos d’Ele a vida da graça, dom criado por Ele, que é uma participação na sua vida divina. Recebemos essa participação e passamos a viver com uma categoria por onde participamos da vida do próprio Deus, o que nos torna capazes de realizar o plano d’Ele a nosso respeito.  

Portanto, se eu considero minha vida assim e me entrego a isso, posso dizer que já não sou eu que vivo; nesse sentido de que não faço os meus planos, senão os planos de Deus.

É Ele que vive, mas de um modo singular, porque não sou como uma marionete nas mãos de Deus. Eu entendo, quero e sinto por iniciativa minha, proveniente da graça d’Ele, como Ele queria que eu fizesse. Ou seja, é um penetrar fundo, como mais profundo não se pode penetrar.

Belezas que dão realidades extraordinárias

Assim, compreendemos também os segredos da misericórdia de Deus, porque entendemos bem o amor que Ele tem a cada um de nós, para chegarmos a tal ponto que estejamos unidos com Ele. Quer dizer, ao sermos criados Deus teve o plano de que tal perfeição d’Ele, que nunca ninguém teria conhecido — ao menos entre os homens e exceção feita, naturalmente, de Nossa Senhora —, brilhasse em nós; é como se Ele tirasse de dentro de Si mesmo um raio de luz e o desse para nós. E é um dos como que infinitos modos de ser d’Ele. Ou seja, fazendo-nos isso, não poderia deixar de nos amar infinitamente, porque Ele é infinito.

O amor que o Criador tem a nós é um reflexo do amor que Ele tem a Si próprio. Compreende-se melhor também por que Nosso Senhor morreu por nós: para termos a graça e podermos realizar esse plano.

Estou apenas coligando dados correntes da Doutrina Católica. Mas esses dados conduzem a um plano suntuoso, fabuloso! E de um gênero de união como não se pode imaginar que exista, nem d’Ele conosco, nem entre nós. Porque como duas quantidades ligadas a uma terceira estão ligadas entre si, vê-se como o nexo existente entre todos os filhos da luz é uma coisa seríssima, gravíssima, dulcíssima.

Há uma realidade mais bonita ainda, que é a seguinte: De fato, nós constituímos assim um todo chamado Humanidade, que Deus honrou unindo a natureza humana hipostaticamente a Ele. Mas essa Humanidade é apenas uma unidade do universo, porque nós fazemos parte da Criação. E na Criação existem os Anjos; se bem que a união hipostática não se tenha dado neles, os Anjos por sua natureza são muito superiores a nós, são puros espíritos. E os Anjos deveriam realizar um universo assim também. Mas eles não realizaram porque muitos deles apostataram, e se tornaram demônios.

Os planos se superpõem, de maneira que nessa sociedade dos homens, tomados os que se salvem e entrem para o Céu, eles preenchem o lugar dos anjos decaídos. E nós ao mesmo tempo formamos com os Anjos um todo à parte. É de uma grandeza desconcertante! E isso, mais o Céu empíreo, mais a Criação que vai continuar — Sol, Lua, tudo isso vai continuar — forma então o todo dos todos, no pináculo do qual está Nossa Senhora, que é mera criatura. E acima d’Ela, Nosso Senhor Jesus Cristo.

Compreende-se nesta perspectiva a Encarnação, o “Verbo Se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14); tudo isso forma, por sua vez, belezas que dão realidades extraordinárias, feitas para serem meditadas por cada um de nós.  

Às vezes nos regalamos, por exemplo, com um dito espirituoso francês. Entretanto muito mais são de regalar as coisas que Deus diz e faz. No Céu nós vamos contemplar isso eternamente.

E pensar que se põe em risco toda esta maravilha, por um mau olhar na rua… Cai-se morto na hora e vai-se para o Inferno. Quer dizer, o que nós nos expomos a perder, a qualquer momento, é uma coisa inimaginável! Somos uns doidos, uns cretinos, nem sei dizer o que somos, quando nos arriscamos a perder isso!

Desponsório místico que se realiza na alma de cada um que se entrega a Nosso Senhor

Há, entretanto, outra realidade a considerar que constitui um universo dentro desse universo.

Está na intenção de Nosso Senhor que certas perfeições d’Ele sejam especialmente representadas por outras criaturas; e para que essas perfeições brilhem bem, Ele quer uma família de almas. Então, às vezes, é uma nação; outras vezes, uma área de civilização; às vezes uma Ordem religiosa. São famílias de almas chamadas a representar de algum modo uma determinada perfeição ou uma constelação de perfeições d’Ele.

De todas essas representações, a família religiosa é a que tem mais riqueza de representação dos que as outras, porque a natureza do vínculo criado por ela é muito mais forte do que nas outras.

Entre os indivíduos de uma mesma pátria, por exemplo, há aquela vinculação natural baseada em tradições e laços históricos. Nesse conjunto natural há também os elementos sobrenaturais, que levam a constituir-se uma grande nação católica a qual pode formar um corpo místico dentro do Corpo Místico.

A doutrina do Corpo Místico chega a tal ponto que, por exemplo, eu vi certa vez uma referência antiga, da Idade Média, ao “corpo místico da Universidade de Paris”. A Universidade de Paris naquele tempo era uma espécie de crisol de ortodoxia muito especial, que a Santa Sé tomava muito em consideração.

Assim também uma família religiosa constitui um “corpo místico”, no qual o Fundador deve representar de modo mais excelente as qualidades que o corpo todo tem que espelhar. Mas cada um dos membros daquela família, chamado a espelhar determinada perfeição de Nosso Senhor, reflete essa qualidade enquanto existente no Fundador, e é uma repetição do Fundador, como o conjunto dos fundadores é uma repetição de Nosso Senhor.

Então, os vínculos de alma entre súdito e Fundador tomam toda a analogia com as relações existentes na sagrada escravidão a Maria, ensinada por São Luís Maria Grignion de Montfort.

A meu ver, a escravidão de amor não é senão o desponsório espiritual visto em seus efeitos. Porque se Nosso Senhor Jesus Cristo é o Esposo e a Igreja a Esposa, isso significa que a alma fiel deve portar-se face a Ele com a receptividade, o amor, a docilidade da verdadeira Esposa em relação ao verdadeiro Esposo.

Cada um de nós é um membro dessa Igreja. Portanto, esse desponsório místico se realiza na alma de cada um de nós.

Então, se alguém resolve fazer-se escravo de Nosso Senhor para ser obediente a tudo quanto os representantes d’Ele nos mandam, isto se dá por causa de um desponsório místico havido anteriormente, e que nós queremos tornar mais efetivo, mais consistente, mais durável, exatamente por meio dessa submissão.

Creio que a troca de vontades é a própria essência dos desponsórios. Feita a troca de vontades, está realizado o desponsório místico, o qual é um processo que se consuma no momento em que as vontades se uniram completamente. Assim, compreende-se que a escravidão de amor, o desponsório místico e a troca de vontades sejam aspectos de um mesmo processo unitivo; eles vão quase se revezando ou se sucedendo numa mesma realidade total.

Mas o ponto de partida é o momento em que nos enlevamos por Nosso Senhor Jesus Cristo, por Nossa Senhora, pela Igreja, e nos maravilhamos de tal maneira que aceitamos que Ele nos governe como acabo de expor. É a realização da frase de São Paulo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”. 

 

Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de conferência de 9/7/1988)

Maria vivendo em seus escravos

Quando lemos a Oração Abrasada de São Luís Maria Grignion de Montfort, que dá o perfil moral de um Apóstolo dos Últimos Tempos, percebemos serem aqueles varões ali descritos capazes de ir até o último ponto das realizações, porque têm uma estrutura de alma inteiramente metódica, uma convicção profunda e um amor completo.

Assim é a alma de um verdadeiro Santo(1).

Entretanto, para alcançar esta santidade a que se referia, Dr. Plinio considerava indispensável — tal como São Luís Grignion — uma completa união de alma com a Santíssima Virgem. Como “Christianus alter Christus — o cristão é um outro Cristo” — todo católico deve também, de certo modo e guardadas as devidas proporções, identificar-se com Nossa Senhora, como nos explica a seguir Dr. Plinio:

Ao manifestar meu desejo de que Nosso Senhor viva em mim vivendo em Nossa Senhora, não me refiro a um mero existir, mas isto significa Nossa Senhora vivendo, operando, fazendo tudo em mim. De maneira que de mim só saia o que Ela quiser, minha vontade e minha inteligência ficam ligadas às d’Ela e assumidas por Ela. Assim, só penso o que Ela quer que eu pense, só faço o que Ela deseja, só consinto nos sentimentos que Ela queira que eu tenha, minha vida é a d’Ela. Este é o sentido da palavra “vida”, e é este o significado da afirmação “Maria vive em seus escravos”.

Ainda mais: é importante considerar que quando Maria vive em alguém, não é Ela quem vive, mas é Jesus Cristo que vive nesse alguém. Estabelecer limites a Nosso Senhor seria um verdadeiro absurdo. Portanto, devo querer uma entrega ilimitada à Santíssima Virgem.

Essa entrega supõe, antes de tudo, um enlevo completo, seguido de uma veneração e uma ternura completas.

Nessa perspectiva, a atitude perfeita é dar tudo, dar-se a si mesmo, por uma exigência do enlevo e como uma necessidade de sobrevivência, para não decair na vida espiritual, a ponto de amar o espírito que Nosso Senhor pôs em Maria, de maneira a querer ser para Ela como Eliseu foi para Elias.

Quer dizer, ter o espírito d’Ela, porque vejo ser um espírito vindo de Nosso Senhor Jesus Cristo e, portanto, de Deus. É o espírito da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Se eu estiver inteiramente unido a Nossa Senhora, terei a graça inefável de unir-me a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Outros aspectos do mesmo tema poderão ser contemplados na seção “Reflexões teológicas”, à página 22 da presente edição.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

1) Conferência proferida no ano de 1967.

 

A "Virgo Potens" vencerá

Sem dúvida, uma das características mais marcantes do espírito de Dr. Plinio é sua entusiástica devoção à Virgem Maria. Profundamente “cristocêntrico” — como o provam incontáveis matérias já estampadas nesta Revista —, compreendeu ele, desde muito cedo, que o caminho mais rápido e seguro para chegar a Jesus e glorificá-Lo é unir-se a sua Mãe Santíssima.

Se, pois, o amor deste varão católico ao Divino Salvador é inseparável do amor à Rainha do Céu, também o é seu entusiasmo e sua fidelidade à Santa Igreja Católica.

Assim, Dr. Plinio não hesitava em associar à promessa de indestrutibilidade da Igreja — “as forças do Inferno não poderão vencê-la”(1) — Aquela que, por ser Mãe da Cabeça, o é igualmente do Corpo Místico.

Uma autêntica Teologia da História leva-nos a encontrar no afastamento dos homens em relação a Deus a causa das crises que, ao longo dos tempos, assolaram a humanidade.  Crises que, na era cristã, ameaçaram — e, por vezes, pareceram até conseguir — envolver a própria Esposa de Cristo.

Contudo, na medida em que os povos se abriam à salutar influência da Igreja, as borrascas se acalmavam, como os ventos e o mar de Tiberíades ao obedecerem à voz do Divino Mestre(2), emanada a partir da barca de Pedro.

Ora, essa voz era humana, porque produzida por um corpo também humano, gerado no claustro virginal de Maria. Entretanto, era ao mesmo tempo divina, pois as palavras foram pronunciadas pela Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.

Depois da Ascensão de Jesus aos Céus, a Providência determinou que, para acalmar os ventos e os mares revoltos que arrastam e submergem no caos a Civilização Cristã, os homens obedecessem à Palavra, agora presente e viva na nau de São Pedro. Também nessa barca, a Santa Igreja, tem Nossa Senhora uma sublime missão: a de manter os fiéis unânimes e perseverantes na oração à espera do Paráclito(3).

O seguinte discurso, proferido provavelmente no início da década de 1940 e publicado por ocasião do mês de Maria(4), atesta uma vez mais a inabalável confiança de Dr. Plinio no poder da Mãe de Deus, sob cuja proteção a Santa Igreja encontrará sempre a solução perfeita para todas as crises.

Graças a Deus, cria raízes cada vez mais profundas entre os católicos brasileiros a convicção de que os destinos da humanidade contemporânea estão indissoluvelmente ligados à Igreja, de tal sorte que o único modo eficiente de trabalhar para a solução da crise tremenda em que nosso século se debate é trabalhar pela expansão da Doutrina Católica.

A História registra o caso de nações que conseguiram firmar seus alicerces sobre outras bases que não a Igreja, e que conheceram um relativo equilíbrio. Mas, enquanto esse equilíbrio falso se transformou no Oriente em estagnação letal, no Ocidente mostrou-se tão precário que provocou as revoluções sociais, a corrupção moral e, por fim, o desabamento da civilização greco-romana, humilhada nos seus últimos estertores pela vitória brutal das hordas dos bárbaros invasores.

Quanto à civilização ocidental, nascida da Igreja, criada sob o influxo dela, e constituída para a realização de um ideal de perfeição e de progresso que só a Igreja soube apontar ao homem, não lhe é possível encontrar fora da Igreja nem sequer o equilíbrio precário das civilizações que a antecederam.

A civilização europeia e católica foi inspirada no Cristo, e sua aurora na Idade Média refulgia com algo daquela insuperável majestade e daquela indescritível doçura com que o Cristo deslumbrou seus Apóstolos no alto do Tabor.

No recesso de sua prodigiosa fecundidade, continha ela os germes de um arcabouço moral e material superior, em grandeza e magnificência, às concepções mais ousadas dos filósofos gregos, dos estadistas romanos e dos poetas orientais. E está na inexorável ordem das coisas que, se essa civilização eleita não perseverasse na sublimidade de sua vocação, despencaria pelos abismos insondáveis e diabólicos da apostasia, cujos frutos políticos e sociais são estas duas irmãs gêmeas, paradoxalmente tão diversas e tão parecidas: a anarquia e a escravidão.

Para o mundo contemporâneo, não há outro caminho senão a ordem perfeita do Catolicismo ou o caos completo da aniquilação. Não é, pois, sem angústia que até mesmo alguns espíritos, nos quais não arde a Fé católica, indagam se a Igreja não soçobrará ao vendaval da crise moderna.

É para estas almas cegas que a invocação da ladainha lauretana “Virgo Potens” constitui tema de uma proveitosa meditação. Não é das baionetas, nem do ouro, nem de qualquer outro recurso humano que a Igreja espera o grande triunfo que salvará mais uma vez a civilização. A Igreja é divinamente indestrutível e sê-lo-á amanhã, como já o era ontem. É só de Deus, Nosso Senhor, que lhe virão no momento oportuno os milagres que asseguraram o triunfo de Constantino, o recuo de Átila e a vitória em Lepanto.

A respeito de Maria Santíssima, diz a Sagrada Liturgia: “Só tu esmagaste todas as heresias”. Mais forte do que os modernos Césares, há uma Virgem Poderosa que esmagará o mal em nossos dias; Ela que já esmagou outrora a cabeça orgulhosa da terrível serpente. Sua força, já o dissemos, não está no ouro nem nos canhões. Sua força está na sua caridade invencível, na sua humildade incomensurável, na sua pureza indizível.

Conjuguem-se, embora, contra a infalível Cátedra de São Pedro, o demônio, o mundo e a carne, a Virgem Potente triunfará. E, no momento da derrota, todo o ouro dos seus adversários ser-lhes-á inútil como se fosse lama, e seus canhões inoperantes como brinquedos.

Ao ouvir estas palavras, é possível que um sorriso desdenhoso exprima em certos lábios céticos uma desaprovação irritada. Um dia virá, porém — e quem sabe se não será amanhã — em que a Virgem Potente triunfará suscitando uma nova legião de cruzados, ou dando ao Santo Padre a vitória incruenta e gloriosa que teve outro Papa, São Leão I, quando, armado só com a Cruz de Cristo, fez recuar o terrível Rei dos Hunos.

A despeito do riso dos céticos, das injúrias dos perversos e da incredulidade dos medrosos, é a “Virgo Potens” que vencerá!

 

1) Mt 16, 18.

2) Cf. Mt 8, 26-27.

3) Cf. At 1, 14.

4) Excertos de um pronunciamento cuja data exata não consta dos nossos arquivos.

Olhar de fogo, grandeza e seriedade

São Bernardino de Siena foi quem popularizou a devoção ao Santíssimo Nome de Jesus. Não foi tanto um homem de estudos quanto um pregador, que reunia em torno de si multidões imensas, em praças muito grandes. Quando ele falava, a multidão ia se deslocando conforme o vento, para ouvir suas palavras. Notem seu rosto sério, do homem que se sente revestido de uma missão divina, chamado a dizer verdades duríssimas aos seus contemporâneos, e que as disse de fato.

Ele está cumprindo sua missão; e as brasas estarão acumuladas sobre a cabeça de quem não o ouvir. É uma alma povoada de ideias, de convicções a respeito da transcendência e da perfeição infinita de Deus, e do alto destino eterno.

Vejam como tudo está bem apanhado neste olhar de fogo. Não há clima para conversar com ele sobre bagatelas. Quanta grandeza e seriedade!

Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de conferência de 1965)

QUANDO VIRGINDADE E GRANDEZA RÉGIA SE OSCULAM

Não há louvores que não se possam fazer à virgindade.

Ela é o auge da dedicação em relação a Deus, porque o homem inteiramente casto renuncia às comodidades e aos legítimos  atrativos e aspirações da vida de família para servir um ideal superior. Um ideal que não lhe dá prêmios na terra, mas oferece recompensas no Céu. Trata-se, é claro, de um ideal católico, pois nenhum outro pode ser considerado autêntico e verdadeiro, quando desprovido do sentimento católico.

A virgindade é, então, o ápice da dedicação. É, outrossim, uma forma de grandeza. Mais ainda, é a grandeza por excelência. Consideremos um rei santo. São Luís IX era um soberano puríssimo que tinha, entre outras missões, a de perpetuar a dinastia da França. Casou-se, teve filhos, e guardou plenamente a fidelidade conjugal. É maravilhoso.

Contudo, quando ouvimos falar do Infante Dom Sebastião de Portugal — o rei casto, puro, virginal, imolado numa batalha contra os mouros nos vastos campos de Alcácer-Quibir — sentimos exalar-se um conjunto de idéias e grandezas, que adquire seu maior fulgor no fato de Dom Sebastião ser virginalmente casto.

Resplandece nele aquela auréola da castidade perfeita, não a respeitável castidade do matrimônio, mas a da inteira abstenção de qualquer contato carnal. Um varão régio e virginal, numa couraça lisa e rutilante, brilhando sob o sol da África, com uma lança na mão e uma coroa de Rei Fidelíssimo na fronte.

O trono da França era mais elevado que o de Portugal. São Luís foi um santo autêntico, canonizado pela Igreja. Esta não canonizou o Rei Dom Sebastião, e talvez houvesse certa temeridade em suas ousadias guerreiras, razão para não inscrevê-lo no rol dos Santos.

Não obstante, sua figura é cercada de uma auréola, de uma poesia, de um perfume típico de grandeza que nem o grande São Luís, nem o grande São Fernando de Castela tiveram. Nem o próprio Carlos Magno possuiu. É a aliança entre a majestade régia e a castidade perfeita, entre a virgindade e a coroa.

Nossa Senhora, a morte dos crimes

Certas pessoas podem ter a ideia de que as evoluções do mundo extinguirão os crimes. Verdadeiramente, a morte dos crimes já veio ao mundo com o nascimento de Nossa Senhora. Ela, segundo um lindo cântico gregoriano, é a “Mors críminum”, a “Morte dos crimes”.

Por sua influência, mediação, oração e comunicação de graças, Maria Santíssima mata os crimes, extirpa os pecados e elimina o mal da Terra, triunfando permanentemente sobre ele.

 

Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de conferência de 18/8/1965)

Firmeza do guerreiro católico

Vemos aqui São Felipe Néri já idoso, com a barba inteiramente branca e o semblante de um homem que lutou muito, e ainda está no combate. E que está olhando atento e desconfiado para um adversário invisível para nós, mas que ele divisava ao longe.

Dir-se-ia que o Santo estava percebendo formar-se uma trama a certa distância dele, e que pensava na argumentação a ser dada e na rasteira a passar em quem avançava contra ele.

O caráter de luta, a meu ver, está não tanto no olhar, que dá muito a ideia de vigilância e de pugnacidade, mas no formato contorcido das sobrancelhas. Dir-se-ia que de tanto franzir as  sobrancelhas elas ficaram com essa forma singular. Como um guerreiro carrega as características da guerra, assim também as sobrancelhas dele carregavam o traçado de profundas preocupações.

Mas, se o olhar é vigilante, toda a atitude do rosto é plácida: é a firmeza do guerreiro católico que tem coragem.