Vós voltareis!

Senhora, está patente que, sem Vós, eu nada sou e nada posso.

Vede o que eu sou!

Contudo, é também manifesto que, convosco, uma vez eu já pude, o que portanto, convosco uma vez eu já pude o que, portanto, convosco poderei de novo. Sendo assim, eu suporto a escuridão em que me encontro, na esperança de que Vós voltareis.

Vós voltareis, Senhora. Convencei-me, dai-me a segurança de que voltareis, e voltareis de qualquer jeito, a qualquer hora, daqui a um mês, um dia, um minuto, daqui a um segundo. Mas Vós voltareis! E quando voltardes, terei saído dessa escuridão mais purificado, pois tal escuridão purifica.

Na verdade, imerso nessa treva espiritual, tenha a impressão, ó minha Mãe, de ver só os meus próprios defeitos. Isto é uma provocação tremenda e um tédio tão terrível que me parece carregar esse chumbo com resignação, com confiança, quando Vós vierdes eu estarei mais limpo e, sobretudo, Senhora, Vós estareis mais brilhante, porque os meus olhos terão adquirido mais luminosidade, melhor capacidade de Vos ver.

Vós estareis mais próxima de mim! Desse modo a cada noite escura que eu aguento, corresponde uma aurora mais bonita.

E quanto mais longa e completa for a noite, mais bela e magnífica a aurora que me espera.

Eu estou como num trem que vai subindo a montanha, passando por vários túneis. Depois de cada túnel o ar está mais limpo, o panorama é mais alto, tudo é mais belo.

Esse período de prova é terrível, minha Mãe, mas é também admirável. Importa que eu espere, e compreenda que o estado no qual me encontro é apenas uma aparência do fim, e não o fim.

Eu espero, minha Mãe, contra toda esperança, porque Vós voltareis! Assim seja.

Plínio Corrêa de Oliveira

Súplica a Nossa Senhora do Amparo

Ó Santa Senhora do Amparo, ponde em minha alma, totalmente carecedora de méritos e de forças, uma graça pela qual este vosso escravo confie em Vós cegamente durante a vida inteira. Uma graça que faça desta confiança cega o caminho pelo qual ele realize sua vocação, e chegue até Vós no Reino de Maria e no Reino dos Céus.

Vós bem sabeis que incontáveis vezes este escravo Vos será infiel. Ponde, porém, na alma de vosso escravo a convicção de que, de antemão, lhe perdoastes tudo, já perdoastes até o inimaginável, e de que depois de cada miséria Vós abrireis para este escravo as portas de uma misericórdia nova, mais suave, mais rica e mais insondável do que a anterior. Assim seja.

Plinio Corrêa de Oliveira (Composta em 4/9/1970)

Ação angélica na História

Para compreendermos a perspectiva pliniana da História, devemos considerar que os acontecimentos históricos eram analisados por Dr. Plinio sob a luz do dom de Sabedoria, que lhe conferia um particular discernimento dos espíritos aplicado aos povos e às civilizações. Este carisma lhe permitia elaborar uma Teologia da História vista, por assim dizer, de dentro dos olhos de Deus, compreendendo e amando os planos divinos mesmo quando estes parecessem frustrados. Certa ocasião(*), comentava ele a este respeito:

Ao analisar a história de certos povos, tenho o conhecimento do que Deus teria querido para eles e de como estava na essência divina ordenar os acontecimentos de determinada maneira. Isso me dá, em relação ao que não se realizou, umas saudades que são o reflexo em mim daquilo que poderíamos chamar incorretamente a “tristeza” de Deus – n’Ele não há tristeza – porque aquilo não se deu.

Esse conhecimento não é uma composição minha, como um romance, mas um descobrir de olhos abertos fazendo a Teologia da História. Quer dizer, metendo-me nas ruínas da História para discernir as fórmulas que ela poderia ter tido, qual era o plano de Deus. Seria uma espécie de emanação – para usar uma palavra não muito adequada – da própria eternidade frustrada e atingida, se a respeito de Deus pudéssemos dizer “frustração”. São expressões antropomórficas para exprimir algo que sabemos não se passar n’Ele como se passa no homem.

As mais nobres cogitações de que o ser humano é capaz nessa ordem de coisas são impregnadas de saudades, porque a História quase sempre não realiza inteiramente aquilo que Deus quis dela. Assim, fica frequentemente uma faixa da História não realizada, não reparada ou não restaurada, que acompanha os passos da humanidade ao longo dos tempos como uma espécie de saudades.

A meu ver, certos planos não concretizados deverão voltar no Reino de Maria com Anjos que realizariam o plano original acrescido de algo.

As graças então recusadas pelos povos voltam aos esplendores do Pai celeste. Mas, o que significa voltar aos esplendores do Pai celeste? Não é cessar de estar presentes no mundo e nos acontecimentos da História. Os fatos se passam como se essa glória recusada, mas asilada nos esplendores do Pai celeste, ficasse representada por Anjos atinentes a essas perfeições, nos lugares por onde ela se irradiou.

De maneira que, rezando-se a esses Anjos, se obtenha um prolongamento da ação iniciada. Há, assim, uma espécie de batalha desses Anjos até o fim, no próprio território do país, contra os demônios, para que essas graças ressurjam. Aliás, nem é ressurgir, porque não estariam mortas, mas tornem-se sensíveis.

Nessa perspectiva, devemos admitir que refloresçam no mundo, até acrescidos, os Anjos que a Revolução foi enxotando. E porque esses espíritos celestes, por assim dizer, pairam no mundo, eles confluem nas nossas almas.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 232 (Julho de 2017)

 

* Excertos de conferências de 6/7/1980 e 13/7/1980.

 

Distinção e donaire

Uma ponte que exprime magnificamente duas virtudes cardeais, a temperança e a fortaleza; portanto, há por detrás dela uma beleza moral. Lampadários belos, esguios e nobres. Um palácio lindamente decorado por dentro e guarnecido de duas torres medievais pontudas, as quais constituem reminiscência de um episódio histórico.

 

Vejamos alguns monumentos, lugares, ambientes e objetos aos quais se podem aplicar o que eu disse a respeito da distinção, do donaire dos grandes personagens da História Católica(1).

Talento francês: graça e garra

Esta é uma ponte em Paris: Pont Neuf. Observem o material com que ela é construída: granito, um material bom, mas não caro. Trata-se de uma ponte comum que transpõe o Rio Sena. No entanto, ela poderia dar acesso a um castelo faustoso por causa de suas linhas, do seu lado artístico, o qual, embora sem enfeites, tem uma grandeza que a torna venerável.

A ponte é sustentada por colunas separadas entre si por arcos. Assim, cada arco é ladeado por duas colunas, de uma ponta a outra. São colunas grossonas – dão quase a impressão de pedaços, e não de colunas inteiras –, sérias. Os arcos são dignos, sérios, pesados e muito profundos, porque a ponte é muito larga. Quem a atravessa de barco tem a impressão de cruzar toda uma muralha espessa de um castelo mítico. Esses arcos simplesmente se repetem um ao outro, com uma seriedade e uma distinção completas. Não há aí nenhum brilhante, nenhuma safira; dinheiro se gastou pouco aí. O que entrou muito? A arte. Mas arte em que sentido? Alma. E alma em que sentido? Veem-se restos da seriedade grave, firme e forte da Idade Média.

No que se fundamenta essa impressão de firmeza e força? A ponte enfrenta uma porção de obstáculos. Ela tem, em geral, um fundo de leito de rio viscoso e precisa deitar as garras bem por baixo do lodo, na terra firme, para ter solidez. Por outro lado, ela carrega um peso muito grande, que é o tabuleiro da ponte, acrescido de tudo e de todos que passam por cima. A ponte precisa ser tal que se nós a imaginarmos, por uma razão qualquer, toda cheia de gente ou de veículos numa hora de trânsito muito obstruído, não há o menor problema: ela carrega com seriedade e com indiferença. A seriedade indiferente a obstáculos e agarrando as dificuldades, empunhando-as e impondo-se a elas, é o próprio aspecto da alma católica dotada da virtude da fortaleza. Essa regularidade nos fala da temperança, a qual é regular em tudo. Temos, assim, duas virtudes cardeais que se exprimem magnificamente nesse monumento. Logo, há uma beleza moral por detrás dessa ponte.

Vista à distância, o aspecto forte e pesado se dilui um tanto, e ela se torna mais graciosa, sem perder aquela garra e força própria às coisas que devem ser fortes. A mistura da graça com a garra é um dos traços do talento francês, um dos fatores do famoso charme. Observada por determinados ângulos, a ponte deixa ver uma parte do seu charme. Mas o que é esse charme? É o sorriso da alma católica.

Elegância aristocrática e majestade real  

Outras verdadeiras obras de arte que exprimem inteiramente o espírito francês são esses lindos lampadários localizados perto do Museu do Louvre, em Paris. Cada lâmpada, provavelmente de um cristal muito bom, é alta e encimada por algo que dá a impressão das flores de groselha, como as que se encontram nas coroas dos reis. Depois há um certo espaço e, por cima, umas coroinhas pequenas. Por fim, no ápice, a cruz.

É um misto de elegância aristocrática e de majestade real. Observem o braço dos lampadários: há um pino central e braços colaterais. Vejam a leveza com que cada braço desses carrega um lampadário num movimento natural, como quem está quase se distraindo e levando o lampadário na mão.

Para percebermos bem como isso é belo, imaginemos que o lampadário fosse preso à parte central por um eixo perpendicular o qual pegasse em baixo o lampadário. Ficariam três toquinhos pequenos e quadrados. Assim como foram concebidos, não são indiscutivelmente mais belos, esguios e nobres? Em uma palavra: não há Contra-Revolução dentro disso?

Duas torres históricas

Outro monumento ligado à História da França, à Contra-Revolução e a um determinado tipo humano é o Palácio dos Rohan.

A família dos Príncipes de Rohan era de descendentes dos Duques antigos da Bretanha, mas colateralmente. Os Duques da Bretanha tinham toda a categoria de príncipes, as princesas casavam-se com reis. Eram mais ou menos como os Duques da Baviera, de Württemberg, grandes ducados, que se casavam com pessoas da realeza, absolutamente de igual a igual. Os Rohan não eram dessa categoria, mas pertenciam a um ramo dessa categoria. Eles constituíam, com algumas outras famílias da alta nobreza francesa, um verdadeiro escalão intermediário entre a família real e o comum dos nobres da chttps://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/6/64/H%C3%B4tel_de_Soubise-Marais-Paris.jpg/800px-H%C3%B4tel_de_Soubise-Marais-Paris.jpgorte.

O palácio deles, belamente decorado por dentro, é guarnecido de duas torres medievais pontudas que estão em contraste com o estilo já completamente dos Tempos Modernos, isto é, do período que vai do fim da Idade Média até a Revolução Francesa. Trata-se, portanto, de um estilo marcadamente anterior à Revolução Francesa, mas não é o medieval.

Entretanto, encaixadas nesse edifício, encontramos as duas torres medievais com os tetos em cone muito alto. Disseram-me – não tive ocasião de confirmar – que essas duas torres constituem uma reminiscência do seguinte episódio:

Antigamente elevava-se nesse lugar o Palácio dos Príncipes de Lorena, ramo francês dessa Casa principesca. Tinham muito poder na França, possuíam feudos, dinheiro, eram muito bons políticos, estabeleciam alianças políticas muito poderosas. O palácio deles foi derrubado para dar origem ao Palácio dos Rohan. Estes provavelmente o compraram e construíram esse palácio, de uma regularidade clássica muito bonita e distinta. Conservaram, porém, do Castelo dos Príncipes de Lorena aqueles aposentos localizados no andar térreo e as duas torres.

https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/fa/H%C3%B4tel_de_Soubise_-_exterior_view.JPG/1920px-H%C3%B4tel_de_Soubise_-_exterior_view.JPG

Estas são muito próximas uma da outra, e há uma sala que se espraia de uma torre para outra, formando uma só sala na base. Quando os Príncipes de Lorena, que foram os líderes dos católicos na luta contra os protestantes, tinham confabulações políticas importantes e muito secretas, iam para essa sala. A família toda se trancava ali e faziam as suas reuniões privadas, nas quais estavam presentes o que havia de mais decisivo do elemento político da ala católica da França, e que impediu a França cair no protestantismo. Então essas duas torres são históricas. 

Embora, dentre os Príncipes da Casa de Lorena, vários fossem objetáveis enquanto costumes, essa era uma Casa muito abençoada e que tinha no mais alto grau o charme. Basta dizer que pertenciam a essa Casa duas rainhas célebres na História, por seu charme único e ao mesmo tempo por seu infortúnio sem nome: Maria Stuart, Rainha da Escócia – que morreu decapitada, entre outras razões pelo fato de ser católica, e o Reino da Escócia ter passado todo para o protestantismo – e Maria Antonieta.    

(Extraído de conferência de 13/1/1989)

1) Ver Revista Dr. Plinio n. 231, p. 32-35.

 

Nossa Senhora dos Privilégios

Há um cântico a Nossa Senhora do Carmo em cujo estribilho se pede: “Carmelitis da privilegia” – aos carmelitas, dai privilégios. A correlação entre o privilégio e a devoção mariana sempre me encantou e me pareceu um elemento fundamental dessa devoção.

“Privilégio” é uma palavra de raiz latina que vem de privata lex – lei privada –, ou seja, a lei reservada a um indivíduo ou a um grupo e não a outros.

Maria Santíssima, como Mãe que é, não trata seus filhos de acordo com regras gerais. Embora estas existam, Ela sabe sempre abrir uma exceção, um privilégio, e cada filho de Nossa Senhora é um privilegiado por algum lado. Trata-se de procurarmos ter noção de qual é o privilégio que cabe a cada um de nós.

Essa noção, por vezes, é muito confusa: recebo alguma graça que me tocou mais profundamente a alma; anos depois, inesperadamente, vem outra, e mais adiante outra… Estudando o fio condutor dessas graças percebo haver um sentido que, analisado, faz-me compreender o privilégio pelo qual escapo da regra geral. Ali Nossa Senhora soube ter para comigo uma pena que não teve com ninguém. Para um outro, Ela terá outra coisa. Mas para mim concedeu aquilo, que me dá um fôlego, um ânimo como a mais ninguém. É o privilégio para mim.

Façamos nossa a bela oração dos carmelitas, dizendo: “Ó Maria, a esses vossos filhos, dai privilégios!”

Queremos ser anti-igualitários até no que diz respeito à vida espiritual, pois privilégio supõe desigualdade. Nossa Senhora das legítimas e harmônicas desigualdades é Nossa Senhora dos Privilégios.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/1/1977)

Um olhar que pode nos salvar

Nossa Senhora é chamada, muito a propósito, de Estrela Luminosíssima. Incontáveis astros reluzem no firmamento, porém Ela é o mais resplandecente de todos, ou seja, Maria é a mais luminosa das criaturas. E por que é simbolizada pela estrela?

Porque é durante a noite que cintilam as estrelas, e esta vida é para o católico uma noite, um vale de lágrimas, uma época de provação, de perigo e de apreensões.

Na eternidade teremos o dia, porém na vida terrena temos o escuro da madrugada. E nesta noite existe uma estrela que nos guia, que é a consolação de quem caminha nas trevas, olhando para o céu: Maria Santíssima, a mais fulgurante de todas as estrelas!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/8/1965)

Revista Dr Plinio 256 (Julho de 2019)

Não permitais que me separe de Vós

Minha Mãe, eu sei que sou tal que, se for só por mim, acabo me separando de Vós. Mas sei que sois tão insondavelmente boa e poderosa que podeis impedir-me de me separar de Vós. Então, a minha confiança em ser fiel resulta, minha Mãe, essencialmente disto: Não permitais jamais que me separe de Vós.

Tenho certeza de que, como nunca se ouviu dizer que tendo alguém recorrido à vossa proteção, implorado o vosso auxílio fosse desamparado, essa minha súplica também não deixará de ser ouvida.

Plinio Corrêa de Oliveira (Composta em 12/6/1971)

Revista Dr Plinio 256 (Julho de 2019)

Ação de presença de Dona Lucilia

A ação de presença de Dona Lucilia não era invasora e conquistadora, mas muito suave. Dr. Plinio sentia muito a sua presença no apartamento em que ela residiu por longo tempo, na Rua Alagoas. Quando ele ia ao seu escritório e se sentava numa cadeira de balanço que ela costumava usar, tinha a sensação de estar em seus braços, tal como em sua infância.

 

Uma das coisas mais difíceis de explicitar é a ação de presença. Há na ordem posta por Deus mil ações de presença. Por exemplo, o prédio velho do Êremo de São Bento(1). Dadas as ideias que eu tinha a respeito de São Bento de Núrsia, Patriarca dos monges do Ocidente, quando transpus os umbrais deste prédio pela primeira vez tive uma impressão singular, toda ela pessoal, e pensei o seguinte: “Mas, essa é a casa de São Bento! Só me falta encontrá-lo em qualquer canto”.

Exemplo de uma ação de presença

Essa é a mesma impressão que tenho até agora. Não há uma vez em que eu entre ali e não sinta uma verdadeira delícia, um verdadeiro regalo de minha alma. A minha velha admiração pelo espírito beneditino começou quando, meninote ainda, ouvi tocar os sinos do Mosteiro de São Bento, o famoso Cantabona, sério, grave, resoluto, indomável e harmonioso. Essa impressão perdura em mim.

Quando ouvi o Cantabona pela primeira vez, me veio a ideia seguinte, não com a precisão que estou dizendo agora, mas implicitamente era bem isto: certas almas têm internamente um timbre como os sinos. Eu até me lembro de ter lido um livro de poesia muito de segunda classe, pois estava doente e não tinha coisa melhor para folhear; não eram poesias imorais, mas uma coisa assim pseudo-literária. De repente, encontrei uma frase que dizia só isto:

“Sino, coração da Igreja; coração, sino da gente.  Um sente quando bate, outro bate quando sente.”

Esse poeta débil pegou bem essa analogia. Todo homem tem interiormente um sino. E eu me perguntava como seria a alma daquele do qual se poderia dizer que o sino do Mosteiro de São Bento era como o coração dele. Naturalmente a resposta é: São Bento!

Depois, tudo quanto li sobre São Bento – não foi muita coisa –, quanto peguei a respeito da Ordem Beneditina, frequentando o antigo Mosteiro de São Bento, dava-me esta impressão: algo que era semelhante ao toque do Cantabona.

Alguma coisa que se levantou em Núrsia, andou, passou também através de Cluny por glórias incríveis e por humilhações inenarráveis. Depois, o que foi a decadência da Ordem beneditina no “Ancien Régime” não tem palavras. No século XIX, Dom Guéranger realça a Ordem Beneditina, mas já os beneditinos que conheci na França, posteriormente, quão inferiores a Dom Guéranger… De repente, encontro em São Paulo essa afirmação. Isso é ação de presença. Como ela se exerce? É uma graça. Porém, como essa graça se torna presente, se faz sentir, não sabemos.

Há coisas que foram feitas para ficarem implícitas

Ora, se um prédio pode ter uma ação de presença, a “fortiori” os seres humanos. Porque, quer na ordem da natureza e, sobretudo, na ordem da graça, a presença de um ser humano é incomparavelmente maior do que a de um prédio. A graça pode estar presente num prédio como um jarro com flores. É uma coisa extrínseca ao prédio que alguém põe ali e ameniza, adorna o ambiente. Outra coisa inteiramente diferente é o modo pelo qual a graça habita na alma. Para usar uma comparação, claudicante como todas as comparações, tem algo de um enxerto que passa a viver uma vida nova na alma e que lhe dá um “élan” novo que a alma não tinha. Mas acabam convivendo no sentido mais íntimo da palavra, a pessoa passa a ter as duas vidas, natural e sobrenatural da graça, formando um só existir e um só ser.

Nessas condições, é claro que um Fundador possa tornar sensível a presença dos ideais de sua fundação, e a Providência tem desígnios especiais com esse ou aquele homem. Esta é a ação de presença. Entretanto, como explicitá-la? Como descrever o indescritível? Até vou dizer mais, é desse gênero de coisas muito imponderáveis que, se houvesse alguém capaz de dizer completamente o que era, empobreceria o tema, porque são coisas feitas para serem vistas no imponderável. A linguagem explícita tem um valor muito grande, mas há coisas que foram feitas para ficarem implícitas. E explicitar certas implicitudes seria o mesmo que acender dentro de uma catedral um farol enorme que tornasse tudo claríssimo. Uma catedral pede penumbras.

Há pouco vi um vitral e achei-o muito bonito. Mas não teria essa impressão se não houvesse penumbra no ambiente. Em nossas almas há assim não sombras, mas penumbras, e estas fazem parte do convívio. É até onde eu sei ir neste tema. A orla do grande mar da ação de presença é esta. Para além disso são vagalhões indecisos.

Isenta de superficialidade de alma

Eu pensava em mamãe enquanto fazia estes comentários. Ela, chamada para aquele ambiente da vida privada na qual viveu sua longa existência, não tinha essas ações de presença invasoras e conquistadoras. Possuía, pelo contrário, uma ação de presença muito suave de quem ligeiramente diz isto: “Se queres entrar nessa presença, há algo para ti. Se não queres, passa que eu nem te detenho, nem te peço, nem te reclamo nada, te olho com benevolência e rezo por ti. Podes passar…” Mais nada.

Era preciso que uma pessoa saísse de um certo estado de alma por onde se podia olhá-la como uma senhora qualquer, porque quem quisesse fazer isso era perfeitamente fácil, não havendo da parte dela um gesto, nem ideia de se impor.

Para mim, como eu a senti, era uma presença ao mesmo tempo riquíssima de expressão no primeiro contato, mas proporcionava outras impressões mais profundas, mais elevadas, mais ricas à medida que se ia caminhando para a frente de um modo insondável, em que a mesma impressão originária se acentuava. Mas se acentuando, revelava belezas novas; e, revelando belezas novas, ia atraindo e ensinando mais.

Era naturalmente uma presença muito variada e sempre muito expressiva para quem quisesse prestar atenção. Havia uma coisa que ela não tinha: superficialidade de alma. Aquele estado de espírito por onde se pega tudo assim pela rama, isso ela não possuía; nunca a peguei numa situação dessas. Se tivesse acontecido, o meu amor a ela decrescia um tanto. E se fosse crescente, empalidecia.

Discrição, respeito, consideração e humildade

Quando ela era mais moça, fazia bolos e doces, um deles chamado pavê, com biscoitos e chocolates. É um doce gostoso, mas corrente. Porém o bolo super-ornado, recoberto de glacê, umas balazinhas cor prata, umas guirlandas formando um desenho, desconfio que para cada aniversário ela compunha um traçado novo.

Tendo ficado mais idosa, de repente o bolo desapareceu. Eu fingi que não notei. Vi que as forças não davam mais e que ela mesma queria fazer, não deixava para a empregada.

Eu me lembro do jeito dela na copa de nossa casa, na qual há uma espécie de armarinhos, onde preparava o bolo. Acho que não colocava no forno, mas a massa ela mesma fazia. Ela ficava ali em pé, preparando, industriosa, mais para cá, mais para lá, ajeita ali…

Ela estava adiantada em catarata, e notava-se que tinha uma certa dificuldade de ver, mas mexia para cá, mexia para lá, empenhada. Era o pavê ideal dela.

Eu olhava só de relance para deixá-la inteiramente à vontade. Depois ficava trabalhando, rezando, ou fazendo qualquer coisa, mas vendo o viver dela. Em geral isso saía quase à última hora, e ela sempre um pouco apressada. Por sofrer do fígado, precisava descansar em certa posição. Então ia nuns passozinhos miúdos, rápidos, para o quarto dela a fim de ter um grande repouso. Depois se vestia, arranjava-se, iam chegando as primeiras pessoas da família, algum amigo, e começava a festa de aniversário. Quando chegava a hora de passar para a sala de visitas, ela estava conversando. Aí eu prestava atenção na preocupação dela – ultra-disfarçada – na hora em que entrassem os doces, para ver se eu comia bastante daquele que ela fizera. Se eu tivesse comido muito era porque o doce estava bem feito. Se comesse pouco, ela tinha fracassado… O doce era sempre bem feito.

Mas ela me conhecia tão, tão bem, que eu nunca fiz essa jogada – alguém julgaria acertada – de comer mais do que tinha vontade para agradá-la, porque ela sentia perfeitamente se eu estava gostando ou não do doce. Comia tanto quanto queria, mas eu via que ela olhava um pouco de relance o doce para ver se, cortado, estava com o aspecto que ela queria; depois um relance nos meus olhos para ver o que eu estava achando.

E se eu não dissesse nada, ela também nada dizia. Era, portanto, uma espécie de discrição e respeito pelo outro, ainda que fosse filho, consideração e humildade. Quando ela prestava seu serviço, se retraía, não pedia e não impunha mais nada, ela tinha atendido.

Saudades e esperança de reencontrá-la

Ora, o que estou dizendo aqui não é nada. A profundidade, o modo de doçura que havia em mamãe, e algo por onde ela, no fundo, reportava isso a Deus é uma coisa que precisava ter sido vista. Quem vê o Quadrinho(2) tem uma ideia. Era assim o dia inteiro, sob as mais variadas formas, constituindo um tipo de ação de presença inenarrável, que ainda está na casa dela.

Pelas escrituras públicas, sou o dono do imóvel, mas para mim aquela é a casa de Dona Lucilia, eu me regalo que seja casa dela. Para mim o charme da casa é ser a casa de Dona Lucilia, e tenho a impressão de que ela está presente lá. De que jeito, de que modo, também não sei. Mas quando se atende no telefone: “Casa de Dr. Plinio Corrêa de Oliveira!”, eu teria vontade de retificar e dizer: “Não! Casa de Dona Lucilia Corrêa de Oliveira, porque é a casa dela”.

Mamãe viajou raras vezes e saía pouco à rua. Quando era mais moça naturalmente saía um pouco mais, como todo mundo. Nas raras vezes em que ela viajava, eu ainda morava em casa de minha avó. Era dessas casas patriarcais com muita gente morando. Quando ela viajava, eu tinha a impressão de que a casa inteira estava vazia e que nada era nada. Podia ter gente, podia não ter gente: mamãe não estava, a casa estava vazia.

Pelo contrário, quando passamos a morar no apartamento da Rua Alagoas – só ela, eu e meu pai, mas ele viajava muito para negócios e, portanto, durante a maior parte do tempo estávamos apenas nós dois –, e eu viajava deixando-a só, tinha a impressão de que o melhor de mim mesmo ficara em casa rezando, e era a parte mais banal de mim que tinha saído. De maneira que, quando voltava para casa, eu tinha a impressão de que me encontrava com o melhor de mim mesmo e mais algo, que era a casa habitada por ela.

É o que ainda sinto quando volto para casa. Vou jantar, rezo as orações que mamãe rezava e sempre me lembro do lugar onde ela ficava durante o jantar, a cabeceira da mesa. No almoço ela sentava-se em frente a uma janela que dá para a Praça Buenos Aires, para ver a vegetação. Então não era a cabeceira, mas um lado da mesa. Entretanto, para fazer o gosto dela, eu concordava inteiramente.

Sempre que me sento junto à mesa, lembro-me dela, de como ela poria o braço… Mas com esta circunstância: tenho ainda a impressão de que ela está presente e que eu me encontro, de algum modo, com o melhor de mim mesmo quando estou na casa dela. A tal ponto que eu sinto mais a presença dela em casa do que junto à sua sepultura. E sinto a presença dela intensamente no quarto em que mamãe dormia, e também no resto da residência, porque ela habitava tão densa e tão ricamente a casa.

Inclusive no meu escritório. Quando me sento numa cadeira de balanço na qual mamãe costumava sentar-se, tenho a sensação de que seria como quando eu era criança: ela me punha nos braços dela. E assim são minhas saudades, a minha admiração e a minha esperança de reencontrá-la.

Um raio de luz lilás e prata

Outro dia passei pela Rua Vieira de Carvalho(3) onde nós moramos por alguns anos, no quarto andar de um prédio. Nossa sede ocupava o sexto e o sétimo andares, e todas as noites eu ia com membros de nosso Movimento para um restaurante chamado Fasano. Não sei de que maneira ela, que não ouvia bem, intuía mais ou menos quando descíamos para ir ao restaurante.

Após a refeição, ficávamos ainda conversando durante algum tempo na calçada. Ao sair do restaurante, eu batia naturalmente os olhos no prédio em frente. Evidentemente olhava para o quarto andar, que possuía uma janela quadriculada, e a via sempre no mesmo quadrículo, exatamente como está no Quadrinho, olhando. E todo o tempo em que ficávamos ali fora, às vezes era muito, eu via aquela cabecinha olhando. Pela discrição dela, não fazia nenhum sinal, mas estava profundamente entretida. Quando nos despedíamos, ela percebia que eu ia atravessar a rua e subir.

Então, ela não ia abrir a porta, mas ficava por ali rezando – a imagem do Coração de Jesus estava perto da janela. Eu abria a porta, entrava e ia falar com ela. Mamãe, às vezes, fazia algum comentário: “Como esse ou aquele te prendeu longamente…”, mas sem rabugice. “Em certa altura, tomei um susto porque passou um automóvel e quase pegou um de vocês…” Eram coisas assim.

O Quadrinho me dá a impressão exata daquela que eu via na janela. Era aquele raio de luz lilás e prata que atravessava a Rua Vieira de Carvalho bem larga, com umas árvores magníficas, mas que não atrapalhavam o caminho, e chegava até mim, que sorvia aquilo.

Se me fosse dado voltar ao quarto andar eu voltaria? Não sei. Não é melhor ficar com a imagem que tenho na memória? Nós mudamos de residência, o Fasano fechou, o trânsito se tornou torrencial e inundou aquilo. Eu tenho o Quadrinho e a Consolação. Mais do que isso, eu tenho a esperança do Céu.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 25/8/1980 e 20/11/1980)
Revista Dr Plinio 256 (Julho de 2019)

1) Localizado em São Paulo, bairro Jardim São Bento.
2) Quadro a óleo, que muito agradou a Dr. Plinio, pintado por um de seus discípulos, com base nas últimas fotografias de Dona Lucilia. Cf. Revista Dr. Plinio n. 119, p. 6-9.
3) Situada no Centro velho de São Paulo.

Santa Maria Madalena – Contemplação unida à penitência

Depois de arrepender-se, Santa Maria Madalena passou a representar claramente duas virtudes unidas: a contemplação e a penitência.

Ela representou a contemplação, por distinção com sua irmã, no famoso episódio em que Nosso Senhor disse a Marta: “Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada” (Lc 10, 42). Então, ela passou a representar a pura contemplação, não tanto unida à vida ativa, mas enquanto estado inteiramente contemplativo.

Ao mesmo tempo, por seu arrependimento enorme e sua fidelidade ao pé da Cruz, e pelo fato de ter sido a primeira a ter notícia da Ressurreição de Nosso Senhor, ela não representou apenas a contemplação, mas a penitência na sua glória, no estado do maior perdão, da maior intimidade com o Divino Mestre. A tal ponto que, com o exemplo de sua vida e de outros Santos, alguns teólogos pretenderam afirmar que o estado de penitência – uma penitência séria, profunda – é ainda mais bonito que o de inocência.

Plinio Corrêa de Olveira (Extraído de conferência de 22/7/1965)

Revista Dr Plinio 256 (Julho de 2019)

São Pedro e São Paulo – Arautos de Nosso Senhor Jesus Cristo

As figuras dos grandes Apóstolos Pedro e Paulo, como as retrata a iconografia católica, sugere a Dr. Plinio os comentários transcritos a seguir, pontuados de devoção e enlevo por esses baluartes da Igreja, os quais — juntos — confessaram com seu martírio a fé inabalável no Filho de Deus.

 

Certa feita, mostraram-me a fotografia de uma iluminura que representava o enterro de Nossa Senhora. Em linguagem piedosa, dá-se o nome de “dormição” (dormitio em latim) ao passamento de Maria Santíssima, a fim de significar que sua provável morte foi como um doce e aprazível sono. Seja como for, a ilustração apresenta o sepultamento da Mãe de Deus, cujo caixão é conduzido pelos Apóstolos, de modo saliente por São Pedro e São Paulo. E sobre estes cabe um comentário.

Vigor e venerabilidade próprios ao chefe da Igreja

São Pedro aparece como um ancião venerável, resoluto, de barba branca, abundante, caudalosa, voltada para a frente, indicando vigor e mais hombridade do que se fosse direcionada para baixo. O pintor o imaginou calvo, com uma moldura de cabelos formando tufos copiosos nas laterais do rosto. Tudo nele indica vitalidade, não possuindo as características rugas da velhice. Sua face é quase corada, rósea. É o grande São Pedro que ainda deverá lutar tanto pela Igreja Católica. Assim, à robustez da juventude ele alia a venerabilidade da idade madura, cujo aspecto respeitável é bem expresso pelo artista, dando-lhe o tônus conveniente ao primeiro Papa, chefe da Igreja.

Resolução e força de São Paulo

São Paulo, por sua vez, parece ser bem mais moço que São Pedro. Forte, sua fisionomia transpira resolução: o que ele deseja fazer, executa. Percebe-se nele o homem que percorrerá as regiões em torno do Mediterrâneo, enfrentando imensos perigos. Por exemplo, certa vez, para fugir dos que o perseguiam, ele desceu de um sobrado por uma cesta amarrada a uma corda, e se afastou correndo a fim de não ser capturado e morto. Noutra circunstância, estando num navio, sobreveio uma tempestade que fustigou a embarcação e os tripulantes durante vários dias, até naufragarem perto de uma ilha à qual todos chegaram sãos e salvos.

No martírio de São Pedro, a homenagem ao Papado

Os dois Apóstolos são vistos inundados de glória, participando do triunfo da Santíssima Virgem e, sobretudo, empenhados em exaltá-La. Sabe-se que esses dois atletas, arautos de Nosso Senhor Jesus Cristo, padecerão juntos o martírio e morrerão no mesmo dia.

Presos pelos romanos pagãos, sofreram diversos suplícios. São Pedro foi crucificado de cabeça para baixo, o que devia significar um doloroso processo de morte, pois o sangue, atraído pela lei da gravidade, aflui ao cérebro e não tarda em produzir derrame ou apoplexia. A crucifixão poderia ser feita por meio de cordas que amarravam o corpo à cruz, ou por cravos que pregavam no madeiro as mãos e os pés dos condenados, como sucedeu com Nosso Senhor Jesus Cristo.

Os que crucificavam o Príncipe dos Apóstolos não tinham ideia de quanto, procedendo daquele modo, prestavam homenagem ao Papado. Disse o Divino Mestre ao primeiro Papa: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18).

Para São Paulo, a celeste coroa de justiça

De outro lado, sendo cidadão romano, São Paulo pereceria pela espada. Prestes a ser decapitado, talvez tenha se lembrado de suas magníficas palavras, as quais me comprazo em recordar por muito admirá-las: “Bonum certamen certavi, cursum consummavi” (2Tm 4, 7) — “combati o bom combate, completei o circuito da carreira inteira que eu deveria percorrer”. Era uma alusão aos que disputavam corridas no circo romano. E acrescenta: “Guardei a fé. Resta-me agora receber a coroa de justiça que o Senhor justo juiz, me dará” (2Tm 4, 7-8).

Vale notar a extrema beleza do modo pelo qual a Providência guia as almas. São Paulo revela aqui a certeza de que ele não tem perdão a pedir, porque já está perdoado de tudo, tendo levado uma vida ilibada após a sua conversão. Nisto ele demonstra uma extraordinária segurança. Em linguagem contemporânea, dir-se-ia que São Paulo lança um “cheque” para o Céu: Resta-me agora receber a coroa da justiça. Senhor, Vós prometestes vossa glória a quem combatesse o bom combate e percorresse a carreira inteira que deveria percorrer. Eu o fiz. Agora, dai-me o vosso prêmio!”

Difícil não apreciar este modo varonil de se exprimir, próprio de um homem de fé que crê em Nosso Senhor Jesus Cristo, na Santa Igreja, e por isso não tem dúvida alguma de que será recompensado.

O carrasco cortou-lhe a cabeça e esta — segundo uma bonita lenda — ao cair no chão saltou três vezes. Em cada lugar do solo tocado pela venerável cabeça do Apóstolo teria nascido uma fonte. Donde o local em que houve este milagre ser chamado de “tre fontane”: as três fontes.

Objetos de inimaginável perdão

Frisamos o que há de imensamente belo no trato da Providência com os homens. Tal sobressai quando uma pessoa possui grande vocação e, apesar de suas infidelidades, a graça continua a lhe fazer insistências extraordinárias. Pode a alma se encontrar numa lamentável situação, mas o chamado de Deus conserva todo o frescor primitivo. Disso constitui a vida dos dois Apóstolos excelente exemplo.

O olhar de Jesus para São Pedro, durante a Paixão, é característica manifestação desse misericordioso procedimento divino. O Redentor teve pena dele, fitou-o e São Pedro, então receoso e pusilânime, passou a ser outro.

São Paulo, o Apóstolo das Gentes, confessa ter entrado para o colégio apostólico como um ente abortivo, depois de ter perseguido brutalmente a Igreja. Chegou a ser cúmplice do martírio de Santo Estevão, tendo vigiado as vestes daqueles que apedrejaram o primeiro mártir do cristianismo (AT 7, 58; 8, 1). Ora, em determinado momento este homem é convertido de modo extraordinário e levado por Nosso Senhor ao deserto, onde recebe graças que não foram concedidas a nenhum outro apóstolo. Quer dizer, Jesus o chamou do fundo da ignomínia e lhe deu aquele dom incomparável.

É uma tão sublime lição em meio a tantos perdões, e um tal perdão ao lado de tantas lições, que nossa pobre cogitação não alcança medi-los…

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências  em 20/7/1988 e 22/11/1991)