Oração pedindo a sabedoria

Ó Maria, Esposa Imaculada do Espírito Santo, dai-me a graça de ver os imponderáveis da Criação, de me enlevar por eles, e de ser impelido por um amor desinteressado à contemplação das perfeições que a alma humana possui pela natureza e pela graça.

Fazei-me subir dessa consideração à da natureza angélica e puramente espiritual, e, por fim, à de vosso Divino Filho que, na sua humanidade santíssima, é o ápice e a síntese de toda a Criação.

Fazei-me, em seguida, por um voo ainda mais possante de despretensão e de enlevo, fixar a minha mente na consideração da própria essência divina, da qual toda a Criação é imagem ou semelhança, de maneira que, analisando depois as criaturas, possa antegozar o Céu, preparando-me desse modo para entrar nele e Vos louvar por toda a eternidade. Amém.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

São Pio V, herói em meio às angústias!

A célebre batalha de Lepanto, na qual a Armada Católica logrou afastar o poderio otomano que se acercava do Ocidente Cristão, foi assinalada por insigne heroísmo. Entretanto, houve quem, apesar de não empunhar armas físicas, obteve de Deus o bom êxito dos guerreiros da Fé.

 

Tantos foram os comentários feitos a respeito da batalha de Lepanto, em vários anos sucessivos, que quase não há algo para acrescentar. Mas vou destacar um herói da batalha de Lepanto, a propósito do qual poucos historiadores falam. Esse herói foi o Papa São Pio V.

No século XVI, os cristãos da Europa estavam divididos

Em que sentido ele foi um herói, e por que é importante para nós reconhecermos o heroísmo dele?

São Pio V via o poder otomano crescer cada vez mais e o perigo de que eles se lançassem sobre a Itália, por exemplo, ou qualquer outra parte da Europa, e operassem uma invasão com efeitos talvez mais ruinosos do que a dos árabes na Espanha, no começo da Idade Média.

Isto porque no tempo de São Pio V, século XVI, os cristãos da Europa estavam divididos entre católicos e protestantes. Já havia, portanto, instalada entre os cristãos, essa lamentável divisão a qual enfraquece tanto as forças católicas e que nós desejamos remediar pela conversão de todos.

No século XVI, o protestantismo tinha um vigor incomparavelmente maior do que hoje;  estava ainda na sua fase de expansão, de luta. E era muito de se temer que os protestantes aproveitassem a agressão feita pelos maometanos a um país católico, para eles mesmos invadirem outros países católicos. Tanto mais que já havia disso uma experiência.

À Casa d’Áustria, que governava a Áustria e a Hungria, pertencia habitualmente, por eleição, o título de Imperador do Sacro Império Romano Alemão. Várias vezes ela se viu em dificuldades seríssimas por causa de combinações, ou ao menos de convergências claras, entre protestantes, do interior do Sacro Império, e otomanos, de fora dele, visando forçar a capitulação da Casa d’Áustria e liquidar de imediato o Catolicismo, pelo menos nos povos de língua alemã.

Assim, para a Santa Sé, a ameaça otomana era muito mais forte do que foi a ameaça árabe, a qual, entretanto, fora tão terrível. Porque no tempo de São Pio V os cristãos estavam divididos.

Indecisão de Felipe II

Nessa situação, São Pio V precisava apelar, naturalmente, para quem era o apoio temporal da Igreja em seu tempo: Felipe II, Rei da Espanha. Com efeito, o Papa só podia encontrar apoio, dentre as grandes potências católicas, em Felipe II e depois em Veneza, uma grande cidade marítima, a qual constituía uma república aristocrática, com largo desenvolvimento em todo o Mediterrâneo e com muitos bons navegadores e boas frotas. Se bem que o poder de Veneza fosse ponderável, o grande poder decisivo era de Felipe II.

Os historiadores reconhecem — mesmo aqueles que admiram Felipe II, e têm muitas razões para isso; eu sou um admirador dele —, entretanto, em Felipe II um homem extraordinariamente indeciso. Quando precisava resolver alguma questão, tinha vaivéns: concordava, depois discordava, mandava embaixadores, pedia prazo, deixava passar o prazo… Não era fácil vencer a indecisão de Felipe II.

São Pio V via o perigo crescer e todo o assunto ser resolvido numa sala do Palácio Real de Madri, ou do Escorial, por Felipe II sozinho, ou com seus auxiliares. Se, em última análise, Felipe II se retraísse, de repente a horda maometana desataria sobre a Itália, e depois atingiria toda a Cristandade; seria o fim da Civilização Cristã no Ocidente. Não seria o fim da Igreja porque Ela é imortal; mas ao que a Igreja poderia ficar reduzida ninguém sabe.

Pástor(1) narra as tratativas de São Pio V com Felipe II, e diz que constituíram para o Papa um verdadeiro martírio, tanto teve ele que pedir ao Rei de Espanha. Felipe II fazia exigências; São Pio V solicitava apoio para uns e para outros, a fim de atender as exigências financeiras e outras de Felipe II. Afinal conseguia, porém Felipe II queria mais. Depois Felipe II pedia que o Papa mandasse seus navios, mas o Pontífice não os possuía. São Pio V acabou arranjando os navios, e Felipe II já não queria enviar a esquadra dele. Entretanto, apenas os navios da Santa Sé não adiantariam…

É certo que, se não fosse a pressão de São Pio V, não haveria a batalha de Lepanto, porque a Espanha não teria mandado sua esquadra, a qual era o grande contingente decisivo entre as forças navais aliadas. Dessa forma, os historiadores de São Pio V reconhecem que para ele foi, ao pé da letra, um martírio lutar em tais condições; ele foi um verdadeiro herói em aguentar a angústia de tal situação, e ao mesmo tempo combater até o último momento, para conseguir afinal de contas que as tropas saíssem e a batalha se travasse.

Nossa Senhora aparece a São Pio V

Assim compreendemos melhor a razão pela qual houve a famosa aparição a São Pio V, quando ele estava reunido com cardeais, em Roma, tratando de algum assunto. Enquanto a reunião se desenvolvia, em certo momento ele se levantou e rezou um terço pela vitória dos católicos sobre os maometanos, porque ele tinha a noção de que, cedo ou tarde, deveria realizar-se uma grande batalha, a qual seria decisiva para a Cristandade.

Enquanto ele rezava, ou terminada a oração do terço, Nossa Senhora Auxiliadora apareceu-lhe e comunicou-lhe a vitória cristã na batalha de Lepanto. São Pio V, então, foi ao local da sala onde estavam reunidos os cardeais e informou-lhes: “Nós podemos nos tranquilizar. A batalha foi ganha. Eu tive uma revelação neste sentido.”

Naquele tempo não havia rádio, telégrafo ou televisão; e uma notícia dessas levaria um tempo enorme para, desde Lepanto, chegar até Roma. Entretanto, ele a recebeu no próprio dia da vitória. Ou seja, foi uma revelação sobrenatural feita por Nossa Senhora a São Pio V.

Por que a ele? Porque era o chefe da Cristandade, não tem dúvida. Mas também porque São Pio V tinha lutado a propósito dessa guerra e desenvolvido um esforço igual ou maior do que os batalhadores de Lepanto. Foi um verdadeiro herói, como Dom João d’Áustria e os outros grandes guerreiros que venceram em Lepanto.

Muitas vezes as dores morais atormentam mais que as físicas  

Alguém dirá: “Isso, Dr. Plinio, eu não compreendo, porque ele não arriscou a vida, mas ficou comodamente em Roma à espera de que viesse uma notícia. Se ele não arriscou a vida e não combateu, não pode ser herói”.

Este é o ponto, o prisma falso que devemos tirar de nossa cabeça.

Por certo, quem luta com as armas na mão é um herói. Mas a Doutrina Católica jamais admitiu a tese de que esta é a única forma de heroísmo.

O heroísmo não é apenas o ato pelo qual o homem enfrenta o risco de perder a vida ou a integridade física. Mas é a atitude pela qual o homem enfrenta qualquer grande dor ou grande infortúnio. Isso caracteriza o herói.

Há dores morais e dores físicas. E muitas vezes as dores morais atormentam incomparavelmente mais, sendo mais difícil enfrentá-las do que as dores físicas.

Um exemplo da heroicidade que há em enfrentar dores morais é a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, a qual se divide claramente em duas partes: a Agonia e a Paixão propriamente, onde Ele foi preso, torturado e depois crucificado.

Na primeira parte, a Agonia, o Redentor desenvolveu um verdadeiro e perfeito heroísmo, no mais alto sentido da palavra. Porque todos os sofrimentos morais ocasionados pelos pecados, pela ingratidão da Humanidade, pela maldade de que Jesus seria vítima, atingiram tal ponto que Ele pediu a Deus que, se fosse possível, afastasse o cálice. Ele chegou a suar sangue, dentro da perspectiva do que ia acontecer.

Sofrimento moral de Nosso Senhor no Horto das Oliveiras

A aceitação antecipada do sofrimento, a dor moral que Nosso Senhor teve no Horto das Oliveiras foi um autêntico heroísmo, embora ali não tenha combatido fisicamente contra ninguém. Mas Ele deliberou aceitar o tormento e a morte, apesar da inutilidade de seus sofrimentos para quem não correspondesse à graça e acabasse se perdendo.

Essa deliberação foi heroica. A dor de alma que tal deliberação Lhe causou foi uma dor autêntica, embora Ele fisicamente não estivesse combatendo.

Alguém dirá: “Mas Jesus ofereceu o risco da vida d’Ele; e esse risco é um elemento integrante do heroísmo.”

É verdade; entretanto Nossa Senhora não o ofereceu. N’Ela ninguém tocou. Seu sofrimento foi, de ponta a ponta, moral, sem nenhuma dor física. Ora, Maria Santíssima é chamada, invocada, aclamada pela Igreja como “Regina Martyrum” — Rainha de todos os mártires. Apesar de não ter sofrido fisicamente, ninguém, em toda a História do mundo, padeceu como Nossa Senhora pela Paixão e Morte de seu Filho.

Vemos assim que ter a força de alma para aguentar as decepções, calúnias, frustrações, enfim, tudo quanto o homem pode sofrer na vida, é um verdadeiro heroísmo. É uma tolice imaginar ser herói apenas quem combate de armas na mão.

Quanto a São Pio V, alguém poderia perguntar: “Dr. Plinio, na comodidade da sala do Palácio Pontifício, qual era o heroísmo dele?”

Foi um heroísmo de alma, que consistiu em enfrentar este sofrimento: ter lutado com Felipe II em condições tão difíceis, em vez de entregar os pontos e procurar não ver o perigo iminente. O que ele fez caracteriza o verdadeiro herói.

Confiança heroica

Devemos entender que, na nossa vida de todos os dias, temos ocasiões de praticar verdadeiramente o heroísmo. Inclusive aguentando os quotidianos  “rios chineses”, que nos fazem estar ziguezagueando continuamente em torno de algo que nunca chega ao fim. Isso é heroísmo.

Como foi heroico o profeta Simeão, esperando sempre, até a extrema velhice, para, afinal de contas, ver o Salvador que lhe tinha sido prometido! E Abraão que ofereceu Isaac, o filho da promessa, o qual ele teve na velhice!

Há uma confiança heroica pela qual nunca se desiste de esperar. Essa confiança dói, e a alma fica às vezes como que sangrando, mas a pessoa continua a confiar, dizendo: “A promessa interior, inefável, feita por Nossa Senhora não falhará! Eu confio na palavra d’Ela, cumprirei a minha missão. Vou para a frente. Que Maria Santíssima me ajude!”

 Qual é a palavra de Nossa Senhora? É uma voz da graça, uma apetência que sentimos, a qual nos leva a praticar a virtude e o amor de Deus. É com base nisso que devemos estruturar a nossa confiança.

Uma alma assim tem uma confiança heroica: por isso a oração dessa alma move as montanhas.

Em que consiste o verdadeiro heroísmo

Nossa Senhora só revelou a São Pio V o que tinha acontecido, depois de ele ter rezado um terço. Quer dizer, Ela quis mostrar o quanto Lhe é grato pedirmos tudo quanto precisamos por meio do rosário; por isso, resolveu esperar aquela ocasião para dar-lhe esse enorme galardão.

A Fé heroica move as montanhas.  Fé que crê apesar de todas as aparências em sentido contrário. Não desanima, não volta atrás. Continua a lutar apesar de ter apenas um palito, porque possui o que vale mais do que tudo: um terço na mão.

A nossa principal arma é a oração. E a oração é vitoriosa quando inspirada pela Fé que move as montanhas, segundo a expressão empregada por Nosso Senhor no Evangelho.

Imaginemos um exército católico, que se encontra bloqueado diante de uma montanha cujo túnel foi destruído. Um santo começa a cavar a montanha e milagrosamente a levanta com as mãos. O exército passa e o varão de Deus deixa baixar a montanha, abre o túnel e sai do outro lado. Consideraríamos esse santo um colosso. Um homem que carregou com as duas mãos uma montanha! Oh! Fantástico! Seria admirável. Porém, muito mais bonito é carregar uma montanha com a oração, do que com as duas mãos. Isso fez São Pio V por meio de sua prece.

Percebemos assim como é o verdadeiro heroísmo.

Nós devemos ter apetência de derramar o nosso sangue pela Igreja?

Pode ser que a graça nos dê essa apetência. Será uma coisa esplêndida!

O desejo de verter o sangue pela Igreja é uma vontade de doação total. É magnífico. Não tenho palavras suficientes para encorajá-los. Os mártires tinham esse desejo, e muitos morriam na alegria do sacrifício que faziam. Porém não posso aceitar que se entenda ser essa a única forma de heroísmo; que outras formas de lutar pela Igreja não são verdadeiro e autêntico heroísmo.

Então o que é o heroísmo? É a aceitação enérgica, firme, com espírito de Fé, de qualquer sofrimento extraordinário, seja físico ou moral, que põe em risco a nossa vida ou outros bens.

Heroísmo de um sacerdote que guardou o segredo de confissão

Houve um caso que se contava no Brasil antigo. Um assassino acabava de matar alguém numa igreja, e pediu ao padre que o atendesse em confissão. O sacerdote, vendo que ele estava contrito, deu lhe absolvição e logo depois foi ver no templo — cidadezinha do interior, de manhãzinha, a igreja ainda vazia — quem estava morto. Encontrou um homem apunhalado. O padre começou a tirar o punhal, que estava cravado no corpo da vítima. Entram pessoas na igreja que começam a gritar, dizendo que o sacerdote havia matado aquele homem.

O padre foi processado, condenado, preso, e passou muitos anos na cadeia, tido como um sacrílego, um degradado, um infame. O assassino tinha fugido e o sacerdote aceitou essa pavorosa humilhação, mas não declarou quem era o criminoso.

Uns dez ou quinze anos depois, certo dia o padre vê chegar à cadeia, onde ele cumpria a pena, pessoas tocando música, dando brados de viva ao nome dele.

O que sucedera? O assassino havia morrido e, pouco antes de falecer, tinha confessado que ele era o autor do crime e que o padre era inocente. Então o sacerdote foi absolvido e depois reintegrado no exercício do ministério sacerdotal.

Embora não tenha levado pancadas, esse padre sofreu intensamente. Acho que vários dos que estão aqui presentes prefeririam morrer a passar por isso. Ele foi um autêntico herói.

Heroísmo é a disposição de aguentar qualquer grande sofrimento, por amor a Nossa Senhora. E foi o que São Pio V suportou. Portanto, foi herói.

Compreendamos, então, o valor do heroísmo, ainda quando incruento. Admirando a quem Deus pede o sangue corpóreo na luta pela Igreja e pela Civilização Cristã, devemos entender que a muitos outros Ele pede o sangue da alma.

Quando temos uma grande dor, devemos dizer: “Quero sofrer isto, porque não há outro meio para chegar à finalidade que tenho em vista. Mas eu olho de frente tudo quanto estou sofrendo e meço grão por grão, milímetro por milímetro, todo o sofrimento que preciso aceitar. Está bem, eu aceito. Nossa Senhora me ajude e me dê força. Isto eu quero, porque o resultado vale mais do que eu sou”. Esse é o sofrimento heroico. 

(1) Ludwig von Pastor (1854-1928), historiador alemão, célebre por sua História dos Papas

(Extraído de conferência de 7/10/1975)  (RDP 164, novembro 2011)

 

A confiança não será decepcionada

A Providência permite muitas vezes que as circunstâncias mais desalentadoras se acumulem uma sobre a outra de um modo inimaginável, mas continuamos a confiar. No fim, há um sucesso que coroa a nossa insistência, porque coroa a nossa confiança. Daria para ter desanimado, mas confiando, Nossa Senhora do Bom Conselho de Genazzano acaba dando-nos a vitória. 

Há vitórias às quais se chega tendo passado por decepções e desagrados de toda ordem, dando-nos a impressão de que Deus nos abandonou, mas em certo momento nos mostram a presença da Providência na sua bondade, na sua generosidade, premiando a nossa confiança e a nossa coragem; esta é a glória do verdadeiro contrarrevolucionário.

Virá um momento em que meus filhos espirituais terão que lutar sem mim. Então, poderá haver movimentos de desalento com a ideia de que nada tem solução.

Tudo tem solução desde que confiemos sempre e, dentro dos maiores absurdos, digamos: “Confio em Deus, em Nossa Senhora; e essa confiança não será decepcionada. Vamos para a frente com passo firme e seguro, olhar para o Céu e terço na mão. A vitória será nossa!”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 28/1/1994

Nossa Senhora

Meu filho, aqui estou eu sozinha, no canto a que teu desprezo me relegou, cheia daquele amor que tua rejeição comprime em mim e impede que se expanda.

Tal amor, porém, se conserva intacto em sua intensidade e sua abundância, palpitando de ansiedade, tristeza e pressa, à espera de que retornes, para envolver-te, lavar-te e te cumular do dom de habitar nele, como do dom da inocência primeva e de todos os outros dons.

Brasil, à espera de um grandioso porvir…

Na memória e na sensibilidade de quem contempla as belezas naturais com as quais Deus ornou o Brasil, resta a impressão de que elas exprimem, à sua maneira, a vocação deste gigantesco país.

Muitos de seus lindos e abençoados panoramas refletem a especial vocação da alma brasileira de ser profundamente católica apostólica romana, de estar disposta a receber uma extraordinária comunicação do espírito da Santa Igreja.

Como corolário dessa disposição, o brasileiro é convidado a ter uma mentalidade afim  com a formosura de seus mares e litorais, com a elegância de seus ipês em flor, com a variedade de suas montanhas, ora graciosas e suaves, ora rudes e desafiadoras, com a grandeza de suas íngremes penedias que escorrem e se confundem com deleitáveis planícies…

Que dizer das praias do Brasil? Ele tem uma só praia, com alguns intervalos, que se estende do Rio Grande do Sul ao Amapá. É um dos seus mais belos aspectos naturais.

Dificilmente nos cansamos de ver o mar imenso, envolvendo ilhas que dão aos panoramas litorâneos uma nota semelhante à de pedras preciosas encastoadas num anel. E as ondas, acompanhadas de nuvens que parecem icebergs colossais caminhando em direção ao continente, têm um curioso movimento que exprime também certas habilidades da alma brasileira, certos jeitos, seja para acariciar, seja para louvar a Deus, seja ainda para fazer diplomacia…

Irmã da imensidade e beleza marítimas é a abundância das águas fluviais, correndo às quantidades pelo Brasil afora. Exemplo paradigmático são as cataratas do Iguaçu, em cujas quedas se pode avaliar a caudal e o ímpeto do líquido que se precipita majestosamente por toda a parte. Que extraordinário e fragoroso domínio!

***

Das águas para os campos e serranias. Em geral, montanhas não muito altas, sem píncaros que pareçam galgar até os céus. Dir-se-ia que existem, confiantes e contentes, sob as vistas do firmamento, sem necessidade de tentar arranhá-lo, porque sentem que ele desce até elas. Deixam-se banhar pacificamente pela luz do sol, e permanecem à espera de um futuro talvez não remoto.

Uma espera tranquila, doce, cordata, de quem sabe que, sem dúvida alguma, esse dia chegar á.

Suaves ondulações de terreno, cobertas de um verde ora alegre e risonho, ora um tanto escuro e sombrio, sem nada de trágico porém. Aqui e ali, aninham-se restos de antigas florestas, sobejos de matas virgens: é o Brasil da selva, do mistério primitivo, repleto de surpresas.

Ao lado das montanhas e ondulações adocicadas, cabem também os grandes gestos geográficos, o estupendo e o extraordinário rasgando aquela doçura, como para dar a entender ao nosso povo que, na placidez de seu temperamento, há de contar, nas ocasiões dramáticas, com lances heroicos.

Então surge, por exemplo, o famoso Dedo de Deus, na serrania que conduz a Teresópolis (foto da página 31). Quando se repara nele, tem-se a impressão de que houve algum dia ali um forte, onde guerreiros impávidos lutaram contra invasores que tentavam conquistá-lo. E que um murro formidável de um avantajado demônio dos antigos tempos arrebentou com quase tudo no seu cimo.

Porém, restou um dedo em riste, dizendo: ‘Ainda voltarei! A minha altura natural é esta e a ela não renunciarei. Dia virá em que a montanha inteira ascender á ao mesmo píncaro, que continuo
a reivindicar, na figura ideal desta fortaleza sonhada!’

***

Se nos voltamos para a exuberante e variegada flora brasileira, parece nos faltar o vocabulário para comentá-la de modo satisfatório. Haja vista um ipê na plenitude de sua floração, na riqueza estupenda de sua beleza, ou seja, no que ele tem de verdadeiramente único. É uma árvore de ouro. Sua copa não desenha uma esfericidade perfeita, pois tem reentrâncias diversas as quais fazem com que os jogos de luz sobre o dourado mudem de tonalidade, e se evidenciem os diferentes matizes dessa cor.

E quando o ipê floresce contrastando com uma paisagem seca e desoladora, dir-se-ia que ele é um protesto do futuro, a proclamar: Esperem! Alguma coisa ainda virá!

***

Praias, rios, cordilheiras, ipês… Panoramas, cenários e ambientes que convidam a cogitações, que sugerem planos, anseios, ideais, tendo no alto de si um grandíssimo descortino, meio feito de imponderáveis que nos levam a esperar os desígnios de Nossa Senhora para o Brasil.

Pois algo há de se passar aqui, à altura dessas imensidões. Elas não foram criadas sem que um dia surgissem homens a elas proporcionados. Por isso sobre elas paira uma graça carregada de belos prognósticos, uma bênção que faz dessas paisagens panoramas- argumentos. Dizem-nos da parte da Providência: “Esperai, porque este será o Brasil do Reino de Maria! Confiai! Vós não maginais
como será! Esses panoramas são apenas um sinal, um prenúncio daquilo que virá, se fordes fiéis. Um Brasil ainda mais lindo, maior e mais extraordinário. E que aí, na proporção do que virá, esse povo também se despertar á e estará à altura!

Sim, para isso foi criado o Brasil. O Brasil da Terra de Santa Cruz. O Brasil de Nossa Senhora Aparecida,  que vive à espera de seu grandioso futuro.

A Fé em Cristo Redentor

Não posso me esquecer de uma noite em que eu estava no Rio de Janeiro, na qual eu tinha os olhos fixados na estátua de Cristo Redentor no Corcovado, cercada pela neblina levantada do mar.

Durante algum tempo era apenas um foco de luz, no qual eu não discernia nada; em determinado momento, batia o vento, fazia-se um pouco de claridade e eu percebia um dos braços e uma das mãos do Cristo Redentor, iluminados com aquela luminosidade especial, pois a pedra sabão, de que é revestido o monumento, reflete a luz projetada sobre ele.

Continuando o vento a soprar, aparecia a face do Cristo Redentor, depois o seu peito onde pulsa seu Sagrado Coração, em seguida os seus pés divinos que todos nós gostaríamos de oscular. E eu prestava atenção: em nenhum instante, por mais densas que fossem as névoas, a luz deixava de encontrar certo ponto de apoio no monumento; sendo apenas uma luz fixa sobre uma silhueta ou uma das mãos, que protege e abençoa, um coração palpitante de amor, ou uma face cheia de solicitude, em nenhum momento a neblina conseguiu apagar a figura do Redentor.

Com esta fé caminhamos para o futuro, quaisquer que sejam as circunstâncias. Pode ser que provações muito difíceis toldem nos nossos olhos as perspectivas da vitória, ou circunstâncias imprevistas coloquem para nós problemas que hoje ainda não são os nossos. Mas, para além das névoas, para além de tudo quanto pode tapar a verdade, no horizonte visual do brasileiro há algo que nada tira: é a imagem do Cristo Redentor, a Fé em Nosso Senhor Jesus Cristo. Esta Fé há de nos salvar!

Meus caros, o Brasil há de vencer, e é rumo a esta vitória que todos caminhamos com o passo resoluto e a alma cheia de fé.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência 17/10/1978)

Refúgio dos Pecadores

Maria Santíssima é o refúgio perene, contínuo, que jamais se fecha a qualquer espécie de pecadores. Está na grandeza de Nossa Senhora ser um imenso e perfeito refúgio, porque tudo n’Ela excede a nossa capacidade de cogitação.

Um porto é um abrigo contra o mar revolto, e um navio encontra ali um refúgio. Dizemos que esse refúgio é tanto maior e mais esplêndido quanto mais navios couberem nele. Em uma enseada como a do Rio de Janeiro, por exemplo, onde não sei quantas esquadras poderiam entrar e sentirem-se completamente protegidas contra o mar bravio, vemos uma grandeza, uma magnificência e um esplendor incomensuráveis.

A Santíssima Virgem é assim. Ela pode dar refúgio a pecadores cujos pecados atingem um tamanho inimaginável, ingratidões inconcebíveis, insondáveis. Desde que a alma se volte para esta boa Mãe, Ela cobre tudo e aceita de dar toda espécie de perdão para toda espécie de pecados. Maria é, portanto, o refúgio por excelência.

Se sentirmos tristeza por notarmos que temos alguma culpa, devemos dizer a Ela:

“Temos culpa, é verdade. Mas Vós sois o Refúgio dos Pecadores, e está na vossa grandeza, ó minha Mãe, tomar os meus pecados e defeitos, e abrir para eles como que um porto para me defender do alto-mar das consequências interiores e exteriores das minhas desordens. À vossa grandeza corresponde também a grandeza de vossa misericórdia. Vós tereis pena de mim e me acolhereis.”

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 5/9/1970)

Santo Isidoro de Sevilha e a virtude nas boas maneiras

A compostura, o modo de andar, a gravidade nos gestos, podem não ser apenas meras atitudes externas, mas o reflexo de uma alma virtuosa. Verdade esta freqüentemente esquecida pelos adeptos desenfreados do estilo “descontraído” e “espontâneo”, porém lembrada de modo persuasivo nas palavras de Santo Isidoro de Sevilha, aqui comentadas por Dr. Plinio.

 

Comemora-se no dia 4 deste mês a festa de Santo Isidoro de Sevilha, Arcebispo, Confessor e Doutor da Igreja. Dele diz o martirológio ter sido insigne pela santidade e doutrina. Engrandeceu toda a Espanha com seu zelo pela fé católica e observância da disciplina eclesiástica. Considerado um dos homens mais doutos de sua época, lutou tenazmente contra os arianos(1). Irmão de São Fulgêncio, Bispo de Cartagena, de Santa Florentina, religiosa e de São Leandro, a quem sucedeu no arcebispado de Sevilha.

Sábios conselhos de um santo

Faço notar, antes de tudo, a beleza encantadora presente numa floração simultânea de santos como se deu na família de Santo Isidoro. Nas Obras escolhidas deste Doutor da Igreja há um capítulo intitulado Lamentações de uma alma pecadora, do qual destacamos o seguinte trecho:

“Em todos os teus atos, em todas as tuas obras, e em todo o seu trato, imita os bons, emula os santos, tem diante de teus olhos o exemplo dos mártires, considera os exemplos dos justos, imitando-os; que o exemplo dos santos e os ensinamentos dos Padres sejam para ti incentivo de virtude. Tem bom espírito, guarda tua boa fama e não a diminuas com nenhuma ação e não a deixes cair em descrédito.

“Demonstra o que professas em teu porte e andar. Haja em tua apresentação a simplicidade; em teu movimento, a pureza; em teu gesto, a gravidade; em teu passo, a honestidade. Que não demonstres o vergonhoso, o lascivo, o petulante, o insolente, o superficial. O gesto do corpo é o sinal da mente. Teu andar, por conseguinte, não represente tua superficialidade, teu passo não ofenda a ti ou a teu próximo. Não te prestes a ser espetáculo dos outros; não permitas que te denigrem; não te unas a pessoas vãs.

“Evita os maus, rechaça os indolentes. Foge das reuniões excessivas com homens, mormente dos que, por sua idade, são mais inclinados aos vícios. Acompanha-te dos bons, deseja sua companhia. Busca o convívio dos bons, junta-te aos santos. Se fores partícipe do seu trato, também o serás de sua virtude. O que caminha com os sábios, será sábio; o que caminha com os estultos, será estulto, pois os semelhantes gostam de reunir-se aos semelhantes. É perigoso viver entre os maus, é pernicioso acompanhar-se daqueles que têm vontade perversa. Tu te nutrirás de sua infâmia se te juntas com os indignos. É melhor sofrer o ódio dos maus que a sua companhia. Assim como muitos benefícios traz consigo o viver com os santos, assim muito mal traz a companhia dos maus, pois aquele que toca um imundo, é por ele contaminado.”

Devemos espelhar o que há de bom em nossa alma

Desse lindo trecho de Santo Isidoro de Sevilha devemos destacar, em primeiro lugar, o aspecto profundamente “ambientes e costumes”(2), quando fala do modo de apresentação do homem, da forma pela qual convém se externar aos olhos dos outros. Toda pessoa precisa compor para si um personagem. Ninguém deve ser inteiramente espontâneo — como pretendem certas pessoas “modernas” — no sentido de que sua presença exterior seja sugerida simplesmente por seus movimentos desalinhados, desataviados, incontrolados.

Em seu modo de ser, de olhar, andar, por seu porte e seu procedimento geral, o homem necessita procurar espelhar aquilo que há de bom em sua alma. Nem sempre as qualidades morais transparecem de maneira natural. Muitas vezes, alguém possui grandes virtudes, mas estas não se refletem no seu exterior se ele não tomar cuidado em manifestá-las e reprimir atos espontâneos que possam dar impressão do contrário.

E quanto aos nossos defeitos de alma, temos obrigação de evitar que transpareçam, não por hipocrisia e vaidade, mas por compostura, respeito aos outros e, sobretudo, a Deus, convictos de que o mal não tem direito de se expor à luz do sol.

Portanto, cada um tem necessidade de compor para si mesmo uma linha de conduta externa, um conjunto de gestos, de frases, de vocabulário, de modos de olhar, de ser, que são expressões autênticas de muitos aspectos de sua alma.

Isto não seria assim se o homem fosse concebido sem pecado original. Porém, tendo havido a queda de Adão, é preciso esse esforço. Por isso, nas civilizações que atingem certo grau de perfeição, ensina-se às pessoas a terem porte, maneiras e a constituírem para si seu próprio personagem. Lembro-me que o inimitável Saint-Simon(3) dizia: “Fulano transpõe os umbrais de uma porta com total inconsequência”. A expressão é muito interessante, porque todo limiar de porta que se ultrapassa, em si tem conseqüência. O umbral é um marco.

Noutra feita, criticando os modos de determinada pessoa, afirmava ele: “Trata-se de um homem a quem não se ensinou a dançar…”. As danças daquela época — que nada têm de comum com as de hoje — eram de alta compostura, superior finura de porte e apresentação, e proporcionavam ao indivíduo a arte de ter boas maneiras em tudo. Compreende-se, assim, o pensamento, a doutrina que estavam subjacentes a essas frases de Saint-Simon.

Incentivo à prática da virtude

Afirma Santo Isidoro: “Demonstra o que professas — quer dizer, o que pensas, o que és — em teu porte e andar”. Como se pode obter isso sem estudar uma postura e modo de caminhar adequados? Essa recomendação indica ser necessário o controle de si mesmo e que há certas maneiras de andar e de se portar significativas de algo bom e outras de alguma coisa má. Portanto, tal conselho nada tem de mundanismo. Pelo contrário, é um incentivo à prática da virtude.

Continua o Santo: “Seja tua apresentação a simplicidade”.

Simplicidade não é o mesmo que simploriedade. Aquela é o modo de ser do indivíduo não complicado nem afetado, sem ademanes e requebros inúteis. O homem simples procura ser útil, e age de maneira ao mesmo tempo intencional, produto da educação, e autêntica.

O gesto do corpo é o sinal da mente

“Em teu movimento, a pureza”.

Faço notar a beleza desta ideia! Os gestos da pessoa pura são diferentes dos da impura. Por exemplo, no volver a cabeça para atender alguém e perguntar: “O que é?”, pode-se perceber às vezes tratar-se de uma alma casta, ou então o contrário. Vê-se, pois, como é profundo o pensamento de Santo Isidoro.

Ele continua: “Em teu passo haja honestidade”. Ser honesto não significa tão-somente — como se julga hoje — não furtar. Em latim, “honestus” quer dizer composto, apresentando certa beleza, distinção e elegância.

“Que não demonstres o vergonhoso, o lascivo, o petulante, o insolente, o superficial. O gesto do corpo é o sinal da mente”.

Este é um magnífico princípio que deve nortear a vida do católico. E o Santo acrescenta: “Teu andar, por conseguinte, não represente tua superficialidade, teu passo não ofenda a ti ou a teu próximo. Não prestes a ser espetáculo dos outros, não permitas que te denigrem”.

Ouçamos as recomendações de Santo Isidoro

Em seguida, Santo Isidoro fala das boas e más companhias. Tais conselhos são muito importantes para combater certo erro moderno, segundo o qual se deve fazer apostolado introduzindo-se, sem nenhuma ou com pouca prevenção, no meio dos maus. Quando alguém se infiltra entre os ímpios para evangelizar, expõe-se ao risco de se tornar mau, assim como o convívio com os virtuosos pode tornar bom quem era ruim.

Isso se aplica de modo particular aos movimentos como o nosso, dedicados a atrair as almas para Nosso Senhor Jesus Cristo e a Igreja. Qualquer conselheiro Acácio(4) poderia dizer: “Se vocês frequentassem os ambientes mundanos, poderiam ter mais relações sociais e assim fazer maior bem”.

Ora, isso todo mundo sabe. Agir assim seria bom em tese, caso não houvesse inconvenientes: um deles, a fuligem inoculada nas almas de quem voluntariamente vive nos meios onde se ofende a Deus…

Temos aqui, então, comentadas algumas preciosas recomendações de Santo Isidoro de Sevilha, as quais devemos não apenas ouvir, mas praticar, adotando-as no nosso existir quotidiano como verdadeiros exercícios de piedade que nos façam crescer em perfeição, no amor a Deus, a Nossa Senhora e ao próximo.

 

1) Sectários da heresia difundida por Ario (280-336), padre de Alexandria (Egito), que negava a natureza divina de Nosso Senhor Jesus Cristo.
2) Dr. Plinio fez inúmeras exposições mostrando a importância dos ambientes e costumes para a formação ou deformação das almas. O aspecto “ambientes e costumes” de um assunto consiste em considerá-lo sob esse ângulo.
3) Duque de Saint-Simon (1675-1755), escritor francês que, em suas “Memórias”, descreveu com penetração, finura e charme a vida de corte em Versailles, na época de Luís XIV.
4) Personagem de uma obra do escritor português Eça de Queiroz (1845-1900). O conselheiro Acácio dizia, de modo sentencioso, coisas evidentes.

O Santíssimo Sacramento e a misericórdia de Nossa Senhora

Nosso Senhor Jesus Cristo está presente em todos os sacrários, em cada hóstia, em cada fragmento de hóstia. E basta querermos nos aproximar e falar com Ele que o Redentor ali está para nos atender. Não O vemos nem O escutamos, porém o mais importante é que Jesus nos vê e nos ouve.

 

A devoção ao Santíssimo Sacramento e a devoção a Nossa Senhora! São tantos os aspectos por onde essas devoções podem ser consideradas, tantos os fulgores, tantas as maravilhas, que não há palavras suficientes para exprimi-los.

Levando em conta que um bom método para fazer com que as pessoas se interessem e adquiram gosto por um assunto consiste em mostrar-lhes o nexo entre elas, seus problemas e o tema tratado, vou considerar as vossas dificuldades e de cada homem em concreto, à luz da devoção ao Santíssimo Sacramento e a Nossa Senhora.

Por que Deus não retribui sempre nesta vida o bem ou o mal praticados?

Começarei por falar do Santíssimo Sacramento.

Em um de seus livros, Santo Agostinho levanta uma questão: se Deus fizesse com que nesta Terra os homens fossem punidos por todos seus atos maus e premiados por todos seus atos bons, não seria um modo de organizar bem as coisas? Porque se a cada pecado mortal correspondesse uma doença tremenda, acompanhada de uma cirurgia pesadíssima com risco de morte; se cada pecado venial causasse uma nevralgia de arrebentar, uma dor de cabeça de atordoar, um reumatismo de se arrastar pelo chão, é claro que os homens tomariam muito mais cuidado em não pecar.

De outro lado, se houvesse prêmios: a cada tentação rejeitada, uma viagem à Europa; a cada ato de virtude praticado, um esplendor a mais apareceria na personalidade do homem, por exemplo, ficaria mais insigne, mais amável, mais atraente e mais dominador. Andando pela rua, os seus conhecidos o olhariam e diriam: “Ele praticou um ato muito bonito. Ei-lo, como está magnífico!” Para promoção da virtude e repressão do pecado, indiscutivelmente seria de uma grande valia.

Ser virtuoso por amor a Deus e não por interesse

E Santo Agostinho responde muito bem: se a cada ato de virtude praticado nesta Terra os homens recebessem uma recompensa, e cada ato mau tivesse como efeito uma punição imediata, eles não praticariam a virtude por amor à virtude, nem evitariam o mal por horror ao mal, mas por interesse. Seriam todos uns subornados. Deus subornaria as pessoas para irem para o Céu, e não lhes pediria uma prova de desinteresse e de amor tão intensa quanto é a do homem que, sabendo que nesta Terra talvez não seja punido, e provavelmente também não seja premiado, vence a tentação cruel por amor a Deus e ódio ao pecado, sem se preocupar com uma recompensa ou um castigo terreno.

Sem dúvida, como diz Nosso Senhor, o homem virtuoso terá o cêntuplo neste mundo, mais a vida eterna. Mas o cêntuplo nem sempre é a felicidade terrena; muitas vezes são graças e mais graças para suportar espinhos e mais espinhos, cruzes e mais cruzes. Ele viverá no reino da Fé, da Esperança e da Caridade, portanto, das virtudes teologais. Mas é um reino que não apalpamos e ao qual precisamos ter muito amor para sermos realmente fiéis. Assim, teremos as recompensas e evitaremos os castigos eternos. Porém se olharmos em torno de nós, notaremos quantas pessoas péssimas vivem felizes e desdenham o homem bom que passa perto delas.

A solidão após a subida de Nosso Senhor ao Céu

Não obstante, se Deus quisesse, tornar-se-ia visível aos homens. E poderia fazê-lo com tanta magnificência, com tanto esplendor que homem nenhum deixaria de praticar a virtude. Ora, Ele não o fez. Pelo contrário, após a Ascensão, Nosso Senhor Jesus Cristo deixou aqui sua Mãe, portanto o que na Criação havia de melhor. Mas não era Ele… Jesus subiu ao Céu. Podemos imaginar o quanto Ela sentia a ausência d’Ele, a solidão, e como Maria Santíssima comunicava essa sensação a todos em torno d’Ela.

Como terá sido a descida do Monte das Oliveiras, do alto do qual O tinham visto subir para o Céu? Todos ao mesmo tempo cheios do esplendor do que tinham presenciado, mas muito entristecidos: Jesus foi embora e voltará somente no fim do mundo, para julgar os vivos e os mortos. Que dilaceração! Ele subiu para esses céus visíveis e penetrou nos Céus invisíveis, onde se deu uma festa invisível para a qual não estavam convidados. Eles desciam as encostas e permaneciam na Terra, enquanto Nosso Senhor subia para o Céu. Oh, que rumos opostos e que separação cruel e definitiva: até o fim do mundo!

Aqueles homens morreriam e depois deles outros ainda, e as gerações se sucederiam. Vê-Lo-iam ao passarem os umbrais da morte, após terem feito a grande e terrível viagem. Mas nesta Terra não. Somente no Céu.

Como seria delicioso estar junto a Nosso Senhor, conversar com Ele um instante!

Lembro-me de que, ainda menino, vendo os desenhos de meu livro de História Sagrada, que eu reputava ultra expressivos — santinhos e outras coisas semelhantes —, considerava como seria delicioso estar junto a Ele, como seria maravilhoso, arrebatador, formativo, santificante conversar com Ele um instante! Que o olhar d’Ele se aprofundasse dentro do meu, ao menos por um momento, e já seria muita coisa! Mas não! Séculos antes de eu nascer, já Ele estava no Reino celeste. Séculos depois de eu ter morrido, Ele também estará no Céu. Nesta Terra eu não O verei! 

Eu sentia uma espécie de separação, como se as portas de ferro de um cofre contendo um tesouro maravilhoso e repleto de Anjos — eram as portas do Céu — estivessem trancadas. E eu do lado de cá, desejoso de ver, mas para mim não, para os filhos de Eva não!

Isso me dava uma sensação de solidão. Aquele a Quem eu quereria ter conhecido, que teria dado sentido à minha vida, a Quem eu teria seguido; Aquele que com um olhar poderia ter resolvido tantas dificuldades em mim, retificado tanto caminho torto, simplificado tantas batalhas, eliminado tantas incertezas, estava do outro lado! Era como se uma voz me dissesse: “Você, Plinio, caminhará sozinho. Terá outras ajudas, a Ele não. Para você o sol, que é Nosso Senhor Jesus Cristo, se pôs. Você nasceu na noite e morrerá na noite. Quando os seus olhos se fecharem e você tiver vencido a batalha desta vida — olhe em torno de si: quem está vivendo de maneira a ganhá-la?; você a ganhará? — então O verá. Mas é na outra vida, nesta não!”

E diante disso eu pensava: “Como estou só, como a luta é dura, Nosso Senhor está longe! Compreendo agora que Ele não poderia estar me aparecendo, e que eu não poderia estar no alto do Tabor com Ele continuamente porque não teria mérito na noite desta vida, na qual tenho a impressão de lutar só, não vejo nada e sou obrigado a reagir contra as minhas más tendências. Minha inteligência iluminada pela Fé me mostra o Bem, mas tenho que fazer esforço para ser fiel a Ele. Vejo, sobretudo, que este Bem que eu amo na Terra existe no Céu: um Deus pessoal e infinito que não conheço. Oh, que tristeza, que pena!”

”Meu filho, eu preparei para você esta maravilha: a transubstanciação!”

Aí surge a questão do mérito, e no mérito, o melhor de nossa vida. Era preciso que fosse assim. Nós ficamos nessa tristeza, mas diante desse drama de alma — porque para quem seja capaz de pensar, isto redunda num verdadeiro drama de alma — compreendemos o que a sabedoria e a misericórdia divinas prepararam para fazer companhia ao homem.

É como se a essas perplexidades Deus respondesse: “Meu filho, Eu quero lhe dar o mérito; não vou lhe aparecer, não vou premiá-lo nesta Terra, mas minha presença você terá. Sinto pena de sua solidão, tenho desvelo pela sua fraqueza e vontade de salvá-lo. Eu preparei para você esta maravilha: a transubstanciação!”

Sob as aparências do pão e do vinho, Nosso Senhor Jesus Cristo está realmente presente em Corpo, Sangue, Alma e Divindade em todos os sacrários da Terra. E a presença d’Ele se multiplica, portanto, incontavelmente por todos os rincões do orbe, onde houver uma igreja católica com o sacrário. De maneira tal que, ao passarmos por uma igreja, fazemos o sinal da Cruz para testemunhar nossa convicção de que Nosso Senhor ali Se encontra como outrora na Terra Santa, nos dias de sua vida terrena.

E se fosse só isto! Se Nosso Senhor estivesse apenas a dois passos de nós, como ficaríamos comovidos! Mas Ele quis ir além de toda cogitação e instituir o Santíssimo Sacramento, de maneira a poder ser recebido por nós na Sagrada Comunhão. Ele quis habitar em nós como num sacrário!

Todos nós que estamos nesta sala fomos sacrários por alguns minutos, durante todos os dias em que comungamos ao longo de anos. Seremos sacrários, se Deus quiser, por alguns instantes até o momento de nossa morte. Que felicidade e que companhia! Que intimidade, que penetração! Ser um conosco a ponto de vir morar dentro de nós! Ninguém poderá jamais, com a inteligência, esgotar a medida dessa união e compreender a forma dessa misericórdia.

Presença insensível, mas inteiramente real, e que às vezes se torna sensível

Portanto, Deus tem pena de nosso isolamento e nos diz: “As portas do Céu estão fechadas, mas assim como Eu transpus os muros do Cenáculo e apareci entre os Apóstolos, agora também transponho as distâncias que separam o Céu da Terra e resolvo permanecer em todos os sacrários, em cada hóstia, em cada fragmento de hóstia, inteiramente presente. E basta os homens quererem aproximar-se e falar comigo que Eu estarei ali para atendê-los. Eles não Me verão nem Me ouvirão, porém o mais importante é que Eu os veja e os ouça”.

De fato, é Nosso Senhor quem tem as riquezas, as graças. E se Ele conhece as nossas orações, é sensível a elas e as recebe bem, que importância há em sentirmos ou não que Ele as recebe? A Fé nos diz que Ele as acolhe. É Ele mesmo Quem nos dá a graça para crermos no Santíssimo Sacramento e sentirmo-nos atraídos para junto d’Ele. E quando nos ajoelhamos para comungar ou para adorá-Lo, para recitar o Ofício ou o Rosário diante d’Ele, seu olhar pousa com amor sobre cada um de nós como outrora sobre os Apóstolos.

Se, por um lado, temos a sensação de isolamento num regime onde nossa prova é contínua por não sentirmos a presença d’Ele, por outro lado, temos a certeza de que Ele está sempre presente. Presença insensível, é verdade, mas inteiramente real e quão maravilhosa! Que coisa insondável!

Presença sempre insensível?

Sem dúvida, muitas vezes comungamos na aridez. Em várias fases da vida espiritual pode acontecer que um ou outro não sinta o que vou dizer agora; não por culpa, mas porque a graça dirige cada alma segundo desígnios inefáveis de Deus, levando-a para onde Ele quer, com vistas a realizar uma determinada forma de santidade pré-estabelecida pela Providência.

Mas creio não haver um nesta sala que, entrando numa capela, numa igreja onde está o Santíssimo Sacramento, não tenha sentido — se eu ousasse me exprimir assim — algo de “insensível”. Não é uma impressão que entra pelos olhos, nem pelo tato, nem por qualquer outro sentido; os sentidos estão alheios a isso. Mas a pessoa entra… e diz: “Ele está ali.”

”Magister adest et vocat te”

Lembro-me de uma antiga capela em São Paulo onde há o tabernáculo com o Santíssimo Sacramento. No alto da parede estão escritas estas palavras tiradas do Evangelho: “Magister adest et vocat te — o Mestre está aqui e te chama”(1). Como é verdade! Ajoelhamos ali e dizemos: “É evidente, não sei como, mas Nosso Senhor está presente! Tenho a sensação de que Ele me ouve”.

Sei, pela Fé, que Ele me ouve, e a impressão, que pelo menos eu pessoalmente tenho tantas vezes diante do Santíssimo Sacramento é de que Ele me diz qualquer coisa que não consigo explicar, mas poderia ficar um dia inteiro ali, sem recitar o Pai-Nosso, a Ave-Maria, o Glória-ao-Pai — orações excelentes, porém depende do caminho de cada alma. Digo que não seria preciso rezá-las, mas simplesmente estar ali e pensar: “O Mestre está aqui e me chama.” Mais nada.

Quantas e quantas vezes, encontrando-me numa capela do Santíssimo, de dia ou de noite, nas penumbras eucarísticas — para o mistério, convêm as penumbras — de repente a chama da lamparina junto ao sacrário aumentava e as sombras cresciam, depois diminuíam; e naquele silêncio a lamparina, de vez em quando, estalava e eu ouvia o frigir do óleo e pensava: “Que silêncio é esse em que tais barulhinhos se ouvem? Que solidão é essa em que a mudança das sombras toma tanta dimensão? O que há aqui para isso falar tanto à minha alma?”

É o silêncio criado pela presença d’Ele. É uma certa forma de penumbra cheia de unção, que é a penumbra eucarística, também criada a propósito d’Ele, na qual as coisas insignificantes tomam um vulto muito maior. Na vida cotidiana não se observa isso, mas fica-se fora da vida cotidiana, pois o eterno está ali.

Santos que tiveram a graça da permanência eucarística

Há santos que receberam a graça de ter o Santíssimo Sacramento continuamente presente em si, por exemplo, Santo Antônio Maria Claret, que foi Arcebispo de Cuba e capelão do Palácio Real na Espanha, e tinha um título lindo: Patriarca das Índias. Quando comungava, a graça da presença real permanecia nele e, portanto, era um sacrário até o momento da outra Comunhão, em que as espécies anteriores desapareciam, o fenômeno da digestão se operava e elas se transformavam, dando lugar às outras. Assim, ele tinha noite e dia a presença real.

Tenho ideia de ter lido a história de um ou outro santo que recebeu da Santa Sé o privilégio de carregar permanentemente consigo uma teca com o Santíssimo Sacramento. Eu gostaria de imaginar o grande São Tomás de Aquino — que, aliás, acho que possuía também esse privilégio da permanência eucarística — com uma teca contendo o Santíssimo Sacramento suspensa ao pescoço.

É lindo! É menos glorioso do que tê-Lo dentro de si durante o tempo inteiro. Mas podemos imaginar que companhia! E como o homem fica companheiro de Nosso Senhor!

Uma rosa nascida do Santo Sacrifício do Calvário

Monsenhor de Ségur(2) fala das três rosas dos bem-aventurados, que são a devoção à Eucaristia, a Nossa Senhora e ao Papa. Uma das rosas, portanto, é o Santíssimo Sacramento; rosa vermelha, purpúrea como o Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não é possível considerar tudo isto sem pensar no Santo Sacrifício do Calvário do qual a Missa é a renovação incruenta. A presença real dá-se no momento da Consagração na Missa quando então se renova, sem a efusão de sangue, o Sacrifício do Calvário.

A piedade eucarística não pode consistir apenas em deleitar-se com a beleza desta rosa de cor púrpura. Se nós recebemos tanto desta rosa e a amamos, devemos provar nossa fidelidade e nossa coerência.

Importância de se fazer sério exame de consciência

Quantas vezes uma atitude corajosa, uma impostação de alma enérgica consigo mesmo, um ódio profundo aos próprios defeitos, um verdadeiro amor às qualidades que o Santíssimo Sacramento fez nascer em nós impõem ações mais duras do que um combate físico!

Era muito meritório o que em certas Ordens os religiosos faziam, não sei se ainda fazem: o sacrifício de se flagelarem todos os dias. É belo, muito nobre! Mas isto não é flagelar a alma. E o homem tem muito mais dor com o que lhe toca na alma do que no corpo.

Como se flagela a alma? Pelo exame de consciência: “O que você fez? Analise bem, entre em todos os pormenores, meça a sua culpa. Primeiro, descreva seu ato; depois avalie para si mesmo a malícia desse ato”. Isso obriga a alma a confessar para si mesma o mal que praticou.

Como isso é duro em muitas ocasiões! E quando vem uma lamúria: “Não, mas o outro também teve culpa…”, a consciência diz: “Ele pode ter tido culpa, mas você pecou por sua culpa, por sua culpa e por sua máxima culpa, porque você recebeu graças, sabia que aquilo não era bom e poderia ter dito não”. “Confiteor, miserere…” Que coisa bonita! Compunção, compenetração: “Andei mal, não vou repetir, perdão…” Como isso é a verdadeira batalha do verdadeiro guerreiro!

A limpeza e a honestidade de uma alma que deu tudo

Para ser bom polemista católico, saber discutir e sustentar a Fé, saber lutar com os adversários da Igreja no terreno da habilidade política e da manobra da opinião pública, para ser sagaz é necessário que o homem leve a sua capacidade até o fim.

Quando notamos que o mais modesto dos homens empregou seu esforço até o fim, nós o respeitamos. É um frutozinho minúsculo, mas nós o veneramos. Entretanto, se virmos o maior dos homens que empregou no esforço 80% de sua capacidade e 20% não utilizou, ele fica como uma lâmpada que ilumina, é verdade, mas deita mau cheiro e fumaça preta no ambiente. A fuligem escura vai penetrar no mesmo recinto iluminado pela lâmpada.

Para uma alma dar tudo e, no contato com ela, termos essa sensação de limpeza e honestidade de quem foi até o limite de si mesma — quão deleitável é esse limite, e como é belo tratar com almas assim! —, é preciso que essa alma saiba fazer exames de consciência, porque senão ela se defrauda.

Eu sei bem que quando se cobra com esta dureza o dever de um homem, ele tende a ter pena de si mesmo e a perguntar: “Dr. Plinio, o senhor não se compadece de mim? O senhor não mede todo o sacrifício que sou obrigado a fazer? O senhor não tem uma palavra de afago, uma expressão de afeto para me animar?”

É natural que eu fixe a minha atenção sobre essa consideração, que é o pórtico para o tema: “Nossa Senhora”.

(Continua no próximo número)

(Extraído de conferência de 24/10/1981)

1) Jo 11, 28.
2) Louis-Gaston de Ségur (1820-1881). Prelado e apologista católico francês. Entre as diversas obras por ele escritas, encontra-se “Les trois roses des élus”, à qual Dr. Plinio se refere nesta conferência.