Lamparinas de Deus…

Dr. Plinio, arauto da Eucaristia, teve sempre especial apreço pelo valor simbólico das lamparinas que, junto ao tabernáculo, indicam a Presença Real de Jesus nas Sagradas Espécies. Acompanhemos uma analogia feita por ele, ao recordar o dia de seu próprio Batismo.

 

A lamparina acesa durante a noite diante do tabernáculo, até o momento em que raie o sol é a luz! E, quem passa toda a noite em adoração tem naquela fagulha um elemento de esperança do sol que vai nascer!

Em algumas almas percebemos a chama da graça que arde. De certo modo, cada alma humana é uma lamparina para a vida espiritual.

Imaginem uma igreja com uma lamparina em cada um de seus vários altares. Em algumas delas as chamas sobem, engrandecem, depois diminuem; parecem mover-se dentro da escuridão. Em outras são fixas, calmas, serenas, como que se imolam sem nenhuma excitação, até o ponto final. Às vezes crescem de um lado e parecem querer subir ao céu por uma via própria.

Imaginemos o universo das lamparinas de todas as igrejas! Como seria encantador, no silêncio da noite, observarmos a história de cada uma. Se tivéssemos o dom do discernimento dos espíritos, perceberíamos em cada alma como a lamparina da graça de Deus se move: ora se acende, ora pelo contrário enlanguesce, helas, às vezes toma vento, deita fumaça, suja o teto… E estende-se a mão meiga de Nossa Senhora que a limpa e, a lamparina continua a brilhar.

Se tivéssemos os olhos voltados para isso, compreenderíamos o que o Batismo deu a cada um de nós: ser algo à maneira de uma lamparina dentro da casa de Deus, mas com pavio aceso e não apagado; pavio que brilha e não pavio morto! E a história da alma de cada de um de nós poderia ser comparada à de uma lamparina.

Aqui está uma lamparina que, tendo demorado seis meses para acender-se , deveria arder pelo menos até setenta anos.

Quanto ao resto do tempo, Deus o saberá.

Se eu fosse estudar a história dessa lamparina, diria que no meio de mil provações e desventuras, uma alegria a manteve ereta como um gládio. E a alegria provinha deste fato: sou lamparina na casa de meu Deus, aos olhos de minha Mãe! De minha Mãe celeste e também aos olhos, tão insondavelmente menores, mas tão insondavelmente carinhosos, de minha mãe terrena.

Na presença deles ardi, procurando o teto o tempo inteiro e dessa maneira procurando dar a glória que dei! Sei que não foi o que deveria, Ela que perdoe; mas, algo está feito, algo está dado, algo resta para dar. 

 

(Extraído de conversa em 7 de junho de 1979)

Obra-prima da Inocência

Nascida de um conjunto de circunstâncias e, sobretudo, de graças especiais, a Sainte Chapelle não foi concebida apenas por um artista, mas por um ambiente e um modo de ser que caracterizou a alma medieval.

 

Lembro-me de quando, há muitos anos atrás, visitei por primeira vez a Sainte Chapelle, edificada por São Luís Rei a fim de abrigar uma preciosa relíquia: espinhos da coroa de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ao entrar, fiquei encantado!

O recinto sagrado possuía dois patamares, sendo o inferior reservado aos servidores e empregados da corte.

Zeloso pelo bem espiritual de seus súditos, o Rei se comprazia em assistir à Santa Missa em presença de todos eles. Celebrava-se, então, o Santo Sacrifício na parte superior da capela para a corte, e, concomitantemente, na inferior para os criados.

Chamaram-me a atenção as proporções da parte inferior, que são inteiramente diversas do que encontramos habitualmente. Quando nos indagamos se o ambiente é alto, logo chegamos a uma conclusão negativa; porém, se nos perguntamos se ele é baixo, percebemos que tal afirmação seria exagerada. Esse ambiente possui uma proporção especial para quem nele se detenha a rezar, que poderia ser definido assim: um ambiente elevado, porém muito íntimo, como que o mais íntimo gabinete de Deus, ou sua mais interna sala. Esta atmosfera produz na alma uma perspectiva que concilia a elevação com a intimidade.

Como se consegue produzir essa sensação? É possível notar que todas as colunas são muito esguias e tênues, não demonstrando força rústica. Elas desabrocham como palmeiras, cujas folhas se encontram no teto. Abrem-se de modo tão harmonioso, gradual e perfeito, que causam a impressão de que o teto está a uma grande altura, onde acabam as folhas das palmeiras, ao mesmo tempo em que esta altura pode ser alcançada pelo homem. Fica-se assim misteriosamente elevado. Na intimidade sente-se uma grande elevação, e na elevação uma grande intimidade. O homem mede toda a grandeza de Deus, mas se sente atraído até Deus. Afetuosamente e carinhosamente elevado.

Doce e suave penumbra

Ao subir ao andar superior, vemos que a iluminação do ambiente emana dos belos vitrais, de tal forma que uma doce e suave penumbra era o elemento dominante desse recinto. Havia um presbitério com o altar para as celebrações litúrgicas, e as naves laterais onde permaneciam os fiéis. O ambiente fora feito para receber muitas pessoas em um pequeno espaço, ou ao menos causar a ideia de que o local era pequeno.

Porém o conjunto era melhor…

As ogivas exercem o seu incomparável fascínio sobre os espíritos. Nota-se como são belas; entretanto, vistas em conjunto, são mais bonitas do que cada uma em particular, à semelhança da Escritura quando diz que Deus, ao criar o universo, repousou no sétimo dia, considerando a obra que tinha realizado. E que se Lhe tornou patente que cada coisa era bela, entretanto o conjunto era superior a cada coisa em particular. Bem se pode aplicar esse princípio à Sainte Chapelle. Todas as colunas são belas, as pinturas as tornam ainda mais belas, mas o conjunto é muito superior a tudo. O mais belo é o conjunto.

Toda a leveza, delicadeza e elevação da Sainte Chapelle fazem-se notar não apenas no teto ou na torre, mas também num detalhe: um florão, no qual pousou um anjo. A figura do anjo está numa tal proporção com o florão, que se diria que, ao menor movimento dele, o florão vergava e ele perderia o equilíbrio. É semelhante a um pássaro que pousasse sobre uma flor

O ângulo formado por ambas as partes das ogivas causam a impressão de que o teto está apertado. Entretanto, essa forma esguia aumenta o efeito de leveza. Pois quanto mais o teto é espaçoso, tanto mais causa a impressão de rude, enquanto que, tanto mais estreito, maior é a impressão de que vai atirar-se ao céu. Também a torre do campanário é como um gráfico do desejo do homem medieval de subir até Deus. O próprio colorido do céu aumenta a beleza da Sainte Chapelle, pois ela seria mais bonita imaginada no meio das nuvens e construída no céu, do que nesse vale de lágrimas.

Monarca guerreiro para um reino de paz

A imagem de São Luís proporciona uma ideia real do que poderia ter sido esse santo rei. Vê-se nele uma indiscutível majestade real. Não a majestade de um rei agressor e anexador de terras que não lhe pertencem, mas de um monarca defensor, firme e tranquilo de seus direitos, seguro de terras que recebeu e sobre as quais tem o direito de mandar. Um rei guerreiro, que combate se necessário, por ser o seu dever, para manter a integridade do seu reino. Sua fisionomia traduz uma determinação e uma decisão admiráveis.

A atitude e a fisionomia de São Luís causam a impressão de calma, segurança, e de uma determinação a qualquer extremo, no caso de ter de lutar, que demonstram bem o rei cruzado e batalhador que teve guerras para sustentar, mas que soube orientar essas guerras de tal modo que não só saiu-se vitorioso, mas proporcionou a seu povo um reinado de paz.

O irrealizável feito realidade

Poder-se-ia afirmar que a Sainte Chapelle é feita de vitral, de tal forma o que há de pedra é o estrito necessário para sustentar os vitrais e escorar o teto. O restante é todo feito de cristal ou de vidro tão bem trabalhado na diversidade de cores, na precisão dos desenhos e na elegância das formas, que chega a tocar no inimaginável.

Ao entrar nessa capela, tem-se a impressão de que o irrealizável tornou-se realidade, e o que surge à mente é a seguinte ideia: “Não pensava que fosse possível, com os elementos desta terra, realizar uma coisa tão semelhante ao Céu.” Realmente, isso se tornou possível devido à Fé.

Caso esse edifício não fosse concebido por almas elevadas à vida sobrenatural pela graça — remidas e resgatadas pelo sangue preciosíssimo de Nosso Senhor Jesus Cristo, que lhes abriu as portas do Céu e lhes infundiu a abundância da graça —, e construído em séculos de Fé, por sua própria capacidade o homem jamais cogitaria uma maravilha como essa.

Extraordinária inocência

A Sainte Chapelle deixa entrever uma extraordinária inocência de alma, o que permitiria chamá-la a Capela da Inocência. Para conceber algo assim, a alma precisa ser profundamente inocente. A Sainte Chapelle é a obra-prima da temperança, nela tudo é lindo, magnífico e arrebatador. Porém, com um equilíbrio que permite à inocência atingir o auge de seu entusiasmo. Auge sereno, calmo, refletido, o qual frutifica em meditação e contemplação.

 

Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de conferência de 12/4/1989)

Devoção da aurora do Reino de Maria

Poder-se-ia perguntar se depois de São Luís Maria Grignion de Mont­fort houve mais algum progresso na devoção à Santíssima Virgem.

Foi o progresso da devoção ao Imaculado Coração de Maria, que é uma espécie de quintessência da devoção a Nossa Senhora, assim como a devoção ao Sagrado Coração de Jesus é uma quintessência da devoção a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Afirmo isso baseado nas mensagens de Fátima, nas quais é impressionante o número de vezes em que Nossa Senhora se refere ao Coração d’Ela, muito mais do que às outras devoções. Vê-se ser esta a devoção da aurora do Reino de Maria.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 28/4/1967)

INCOMPARÁVEL MAJESTADE

NUNCA HAVERÁ UMA SIMPLES CRIATURA QUE MEREÇA TANTO A NOSSA ADMIRAÇÃO QUANTO MARIA SANTÍSSIMA, PORQUE N’ELA HABITAM, DE MODO SINGULAR E ÚNICO, A GRANDEZA E A MAJESTADE DE DEUS. MAIS DO QUE TODOS OS ANJOS E SANTOS, É ELA O PERFEITÍSSIMO ESPELHO DA MAGNIFICÊNCIA DIVINA.

NOSSA SENHORA POSSUI INCOMPARÁVEL MAJESTADE, INTEIRAMENTE HARMÔNICA COM SUA MISERICÓRDIA, E PERTO DA QUAL EMPALIDECEM TODAS AS DEMAIS GRANDEZAS.

QUE SÃO AS MAJESTADES DO SOL, DOS OCEANOS, DO MAIOR DOS REIS, DO MAIS INTELIGENTE DOS SÁBIOS, EM CONFRONTO COM A DE MARIA?

A MAJESTADE DA MÃE DE DEUS É SOBERANA, ÚNICA, SUPERIOR, NA QUAL SE FUNDEM TODAS AS FORMAS DE GRANDEZA. POR ISSO, IMENSA SERÁ A FELICIDADE DAQUELES QUE PUDEREM ADMIRÁ-LA, ETERNAMENTE, EM SEU TRONO DE GLÓRIA NO MAIS ALTO DOS CÉUS!

 

PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA

Superexcelente misericórdia

Nossa Senhora, sendo Mãe, seu Coração Imaculado não é mais misericordioso do que o Sagrado Coração de Jesus — seria um absurdo imaginar isso —, porém seu Imaculado Coração faz ver mais a misericórdia do Sagrado Coração de Jesus do que Ele próprio.

Seria mais ou menos como quando os raios do Sol se concentram através de uma lente e põem fogo numa folha seca. A lente é tão pouco em comparação com o Sol, mas sem ela esse fogo não pegaria.

Portanto, o Imaculado Coração de Maria seria, por assim dizer, uma lente do Sagrado Coração de Jesus, uma como que concentração da misericórdia do Sagrado Coração de Jesus. Então, Ela, debaixo desse aspecto, tem uma superexcelente misericórdia.

Ademais, Maria Santíssima é especialmente nossa advogada, pois sendo mera criatura é mais plenamente conatural conosco do que o seu Divino Filho que, enquanto Homem Deus, é juiz. Por essas razões, dir-se-ia que o Imaculado Coração de Maria representa, num largo e glorioso sentido, muito especialmente a bondade e a misericórdia do Sagrado Coração de Jesus.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 26/10/1980)

Assemelhar-se ao Varão de Dores

Em mais uma exposição dedicada a comentar o opúsculo de São Luís Grignion de Montfort, Dr. Plinio ressalta a divina figura de Nosso Senhor Jesus Cristo como o “vir dolorum” — varão a cujas dores devemos estar associados, com veneração e gratidão profundas; a Ele nos unindo de modo crescente, ao aceitarmos os sofrimentos que a vida nos traz.

 

No intuito de afervorar seus discípulos no amor à Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, assim prossegue São Luís Grignion de Montfort: 

“Numquid et vos vultis abire” (Jo 6, 67)?

Isto é: “quereis vós também retirar-vos?”. Foi a pergunta que Nosso Senhor dirigiu aos apóstolos, quando alguns começaram a abandoná-Lo após ouvi-Lo proclamar que sua carne era verdadeira comida, e seu sangue verdadeira bebida. Ou seja, quando Ele aludiu à Sagrada Eucaristia. Vários discípulos se escandalizaram e O deixaram. Ele, então, fez aos que ficaram essa pergunta, cheia de melancolia patética: “Vós também quereis ir?” Como quem dissesse: “Se quiserdes, ide também vós”.

É uma pergunta de transpassar a alma de qualquer ouvinte que tenha um mínimo de sentimento. Nosso Senhor foi abandonado estúpida e ingratamente. Nessa ocasião, São Pedro pronunciou aquela frase magnífica: “Aonde iremos, Senhor, se só Vós tendes palavra de vida eterna?” (Jo 6, 68). Estava tudo dito, nada havia a acrescentar.

Riquezas, prazeres e honras: causas de abandono da Cruz

“Numquid et vos vultis abire?” (Jo 6, 67). Quereis vós também abandonar-me, fugindo de minha Cruz, como os mundanos, que nisto são outros tantos Anticristos; “Antichristi multi?” (1 Jo 2, 12)

Por mundano devemos entender aquele que coloca as esperanças de sua felicidade apenas neste mundo e nesta vida, procurando tão-somente as coisas terrenas. Esse foge da Cruz de Nosso Senhor e, por isso, São Luís Grignion o compara ao Anticristo.

Quereis, enfim, conformar-vos ao século presente, desprezar a pobreza de minha Cruz, para correr após as riquezas?

 Conforme o pensamento do santo autor, o apego às riquezas do século, ou seja, do mundo, seria um primeiro fator que inclina o homem a se recusar a seguir o Divino Mestre nas vias do sofrimento.

Evitar a dor de minha Cruz para procurar os prazeres?

O segundo motivo para a mesma recusa é a busca desordenada dos prazeres.

Odiar as humilhações de minha Cruz, para ambicionar as honras?

Estão, portanto, indicados os três grandes atrativos do mundo: as riquezas, os prazeres e as honras.

Onde não está a Cruz, não está Nosso Senhor

Tenho, na aparência, muitos amigos que me fazem protestos de amor, mas no fundo me odeiam, pois não amam a minha Cruz…

Esse pensamento de São Luís Grignion nos leva a uma importante consideração. Com efeito, pessoas há que parecem ser muito devotas de Nosso Senhor, mas, na hora de aceitar o sofrimento, de provar seu amor à Cruz, não o fazem. Ora, diz o santo, no fundo tais pessoas odeiam o Redentor, pois rejeitam sua Cruz.

A frase é dura, mas verdadeira. Interpretando-a, poder-se-ia apontar como ridícula a afirmação que se ouve aqui e ali: “cada um pratica a religião a seu modo; uns amam Nosso Senhor com a Cruz; outros O amam sem ela”. Pelo que nos ensina São Luís, essa postura de alma é equivocada. Onde não entra a Cruz, não se acha o Redentor. E o requinte de amor a Ele é o amor à sua Cruz. Cumpre ter espírito de sacrifício, pois sem isto não existe autêntica adoração ao nosso Salvador.

Compreendemos assim quanto é adequada a expressão de que todo católico deve se assemelhar ao Redentor enquanto “vir dolorum, um varão de dores”. Parece-me que esse qualificativo descreve de modo magnífico o Divino Mestre ao longo de sua existência terrena: um varão repleto de dores, que sofre profunda e lucidamente, e faz do sofrer o seu viver. Donde o autêntico católico dever se conformar a esse augusto exemplo, e levar sua cruz como Nosso Senhor levou a d’Ele, varonilmente, peito aberto, sem olimpismo, mas sem fraquezas.

Peçamos à Santíssima Virgem que nos alcance a inestimável graça de amarmos assim a Cruz de seu Divino Filho.

Necessidade da graça para tomarmos a sério esses ensinamentos

“Muitos [são] amigos de minha mesa, e pouquíssimos de minha Cruz. A este apelo amoroso de Jesus elevemo-nos acima de nós mesmos; não nos deixemos seduzir pelos nossos sentidos, como Eva; não olhemos senão o autor e consumador de nossa fé, Jesus crucificado. Fujamos da concupiscência do mundo corrompido; amemos Jesus Cristo da melhor maneira, isto é, através de toda sorte de cruzes. Meditemos bem estas admiráveis palavras de nosso amável Mestre, que encerram toda a perfeição da vida cristã: ‘Si quis vult venire post me, abneget semetipsum et tollat crucem suam, et sequatur me!’ (Se alguém quiser vir após Mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me)” (Mt 16, 24).

Vemos, assim, qual é o convite feito para os genuínos amigos da Cruz. Nosso Senhor Jesus Cristo fez tudo por nós. Seria inteiramente lógico que, por retribuição, nós O seguíssemos. Porém, a maldade do homem é tal que precisamos pedir uma graça particular para tomarmos a sério esses ensinamentos, os quais entretanto são de molde a comover as pedras; devemos implorar o dom da fé capaz de mover montanhas, e termos os olhos sempre voltados para a Cruz.

Pensemos: a morte de Cristo causou tanta perturbação no universo que o sol se toldou no firmamento, a terra tremeu e outros fenômenos do gênero se verificaram. Ora, se as próprias criaturas materiais como que se manifestaram diante da morte do Filho de Deus e Lhe preparam aquele funeral, como posso tomar conhecimento da Paixão e não me incomodar?

Pois a maldade do homem decaído pelo pecado original o levará a ser indiferente aos padecimentos de Cristo e à sua Cruz, caso ele não seja auxiliado pela graça. A inclinação para essa indiferença, qualquer um pode sentir dentro de si: ouvirá diversos sermões a respeito dos sofrimentos de Nosso Senhor, os mais lógicos e atraentes; porém, sem uma assistência da graça, daria no mesmo se lhe narrassem a Guerra de Troia. Quer dizer, não o abalaria nem o moveria a nenhuma boa disposição.

Daí adquirirem especial valor aquelas palavras singelas do cântico “Stabat Mater”, frutos da piedade popular, acessível e amável: Santa Mãe, fonte de amor, fazei-me sentir a intensidade de vossa dor, fazei-me chorar convosco. Quer dizer, depois de Nosso Senhor ter feito tudo por mim, preciso pedir a Maria Santíssima que me alcance graças para eu ter pena d’Ele, pois a Cruz, sem o socorro da graça, pode me parecer apenas um pedaço de madeira, e todo um ciclo de conferências sobre a beleza e riqueza do sofrimento não nos tocará a alma.

Oferecer com alegria nossos sofrimentos e renúncias

Ao concluir esses comentários, gostaria de frisar como é excelente nutrirmos em nós, de maneira constante, o desejo de um verdadeiro amor à Cruz, no seguinte sentido: se Nosso Senhor Jesus Cristo, se a Virgem Santíssima, minha Mãe e minha Senhora, pedirem-me alguma coisa, devo dá-la com alegria, sobretudo em se tratando de algo que me exija sacrifício, renúncia, sofrimento, de maneira que minha dor seja uma gota dentro do oceano das dores que Ambos padeceram por nós na Paixão. É por essa forma que melhor me unirei a Eles.

Uma vez mais: não deixemos de implorar a graça de termos esse abrasado amor à Cruz, de nos tornarmos ardentes amigos dela, não querendo coisa mais elevada e mais cobiçada do que a Cruz de nosso Salvador.

 

Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de conferência em 8/7/1967)

"Illuminans umbratica"

“Illuminans umbratica” é uma bela invocação para antes de fazermos um exame de consciência, pois é Nossa Senhora quem ilumina as coisas que estão na sombra.

Nós, como temos sombras em nossas almas, devemos pedir a Maria Santíssima que nos ilumine, para vermos bem o que existe em nosso interior e nos fazer discernir as tramas do demônio contra nossa vida espiritual.

Plinio Corrêa de Oliveira, (Extraído de conferência de 18/8/1965)

Uma das facetas do Imaculado Coração de Maria

Um dos meios bonitos de conhecermos o espírito e o Imaculado Coração de Maria consiste em estudar a vida de São João Batista. Por ter sido ele santificado no seio de Santa Isabel pela palavra de Nossa Senhora, vê-se que Ela comunicou-lhe ali, misteriosamente, o espírito d’Ela. E tudo quanto o Precursor realizou em sua vida era uma decorrência dessa graça inicial recebida e constantemente intensificada, pelos rogos d’Ela.

Podemos, então, ver São João Batista enquanto asceta austero, pregador do Cordeiro de Deus que viria, e como herói que enfrenta Herodes e morre como mártir, sublime de grandeza e de serenidade. É uma das facetas do espírito de Nossa Senhora.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 11/7/1967)

Eucaristia

Imaginemos uma pequena capela onde um sacerdote dá a algum de nós a Eucaristia.

Visíveis apenas o padre, um de nós, e um discozinho de farinha e água. Porém, a fé nos ensina que todos os anjos e santos do Céu adoram cada partícula do Santíssimo Sacramento existente na Terra; e portanto presenciam aquela comunhão, cantando e louvando o Divino Redentor. Nossa Senhora, por sua vez, louva a Nosso Senhor porque Ele está Se dando a nós. De maneira que o Céu inteiro está olhando para aquela cena e pede a Nosso Senhor misericórdia por aquele que está recebendo a Eucaristia.

Pode-se conjecturar algo mais alentador? Quanta alegria e que beleza nessa cena! Se antes de comungar pensássemos um pouco nisto, não é verdade que iríamos receber a Eucaristia com mais esperança, mais confiança, mais alegria? É evidente!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de Conferência em 15 setembro de 1973)

Excelências do Coração de Jesus

Graças a Dona Lucilia, desde muito criança Dr. Plinio desenvolveu uma profunda devoção ao Sagrado Coração de Jesus, faceta do Homem-Deus que ele procurou cada vez mais explicitar e amar durante toda a vida. Eis o excerto de uma de suas numerosas conferências sobre o tema.

 

Estando no mês em que se celebra a festa do Sagrado Coração de Jesus, parece-me muito oportuno admirarmos a beleza de algumas das invocações com que O honramos na sua Ladainha. Esta é um verdadeiro tesouro de maravilhas e louvores, próprio a encher nossas almas de amor e adoração a Ele.

Coração do Filho, Coração da Mãe

Tomemos, por exemplo, essa belíssima invocação: Coração de Jesus, formado pelo Espírito Santo no seio da Virgem Mãe.

Se considerarmos o Coração de Jesus em sua realidade material e carnal, objeto de nosso culto como símbolo da vontade de Nosso Senhor e, portanto, do seu amor para conosco; se o considerarmos enquanto formado no seio imaculado de Nossa Senhora, com a matéria que a Mãe fornece para a constituição do corpo do Filho, ligada à divindade d’Ele em união hipostática compreendemos que a carne de Jesus é a própria carne de Maria, o sangue de Jesus é o próprio sangue de Maria, e, portanto, o Coração de Jesus é de algum modo o Coração de Maria.

Se nos detivermos na evocação desse processo de geração tão admirável, pelo qual Jesus foi assim formado do corpo de Maria, num oceano, num incêndio de amor e de adoração d’Ela para com esse filho que se modelava em suas entranhas, compreenderemos ainda mais como o Coração de Jesus está ligado ao Coração Imaculado de Maria, e como podemos ter uma confiança sem reserva na eficácia da intercessão de Nossa Senhora junto a Nosso Senhor.

Com efeito, Ele jamais poderia recusar qualquer coisa a essa Mãe Santíssima, perfeitíssima, da qual Ele não tem nenhuma queixa, antes o mais superlativo e total contentamento que o Criador pode ter em relação à sua criatura. Mais ainda: de cuja carne virginal Ele sabe ter sido formada a sua própria carne, e cujo Coração pulsa em uníssono com aquele que lateja em seu sagrado peito.

Creio que, para os devotos de Nossa Senhora, essa invocação se reveste de imenso significado, e merece ser recitada com especial fervor.

Um céu de majestade

Outra lindíssima invocação é esta: Coração de Jesus, de majestade infinita.

Segundo o luminoso ensinamento de Santo Agostinho, onde está a majestade, ali se acha também a humildade. As duas são inseparáveis. Daí concluímos que o Coração de Jesus, abismo de humildade, é por isso mesmo um firmamento de majestade.

Se dons artísticos eu tivesse, muito me alegraria representar a figura de Nosso Senhor, exprimindo não apenas a sua majestade ou somente a sua humildade, mas retratá-Lo numa dessas apresentações em que se vê, num só relance, aquilo que a majestade tem de comum com a humildade, ou vice-versa, e que é aquela esfera superior de virtude onde essas duas excelências particulares como que se encontram e se fundem.

Algo dessa ligação da suma majestade com a suma humildade me parece existir numa imagem na qual não está visível o Sagrado Coração, mas nem por isso deixa de ser muita expressiva nesse sentido: trata-se do “Beau Dieu d’Amiens”. Ali O vemos como um rei digníssimo, um doutor nobilíssimo, mas ao mesmo tempo tão sereno, tão manso, tão senhor de si, que se percebe que Ele seria capaz de receber a pior injúria e de se conservar inteiramente quieto, pacífico, sem nenhuma reação de amor próprio, desde que fosse essa a atitude mais santa no momento.

Foco de todo o amor de Deus

Outra invocação: Coração de Jesus, fornalha ardente de caridade.

Caridade é o amor de Deus. O fato de o Coração de Jesus ser essa fornalha  ardente ou seja, não só uma fornalha, que de si já traz a ideia do ardor, mas uma fornalha ardentíssima exprime bem a ideia de que Ele é o foco de todo o amor de Deus. E que a devoção ao Coração de Jesus, por intermédio do Coração Imaculado de Maria, é especificamente esplêndida para quem se lamenta de ser tíbio, de estar se arrastando de maneira vagarosa na vida espiritual. É a devoção mais indicada e mais excelente, capaz de comunicar o fogo e o fervor da caridade a essas almas que deploram sua estagnação nas vias da piedade.

Modelo de verdadeira paciência

Também me parece muito importante, para nossa época, a invocação com a qual louvamos o Coração de Jesus, paciente e misericordioso.

“Paciente” significa aquele que sofre. É, portanto, o Coração de Jesus sofredor e misericordioso, pronto a padecer até mesmo as injúrias que Lhe fazem os homens. É o Coração d’Ele enquanto amando o sofrimento, compreendendo que é a grande lei da vida e que, sem isso, a existência não vale absolutamente nada. Pois, em última análise, consideradas as coisas sob certo ângulo, o valor de uma criatura humana se mede por sua capacidade de aceitar com coragem e resignação as dores que a Providência permite em seu caminho.

E então temos o Coração de Jesus como nosso modelo de paciência. E uma das formas importantes de sermos pacientes, nesse sentido superior da palavra, diz respeito à atitude que tomamos em relação aos nossos próximos. Quer dizer, sabermos aturar os desaforos e provocações, sermos amáveis e bondosos para com aqueles que nos fazem sofrer pelo seu mau gênio, pelas dificuldades de trato, etc. Para isso, é necessário pedirmos ao Sagrado Coração de Jesus essa paciência de que Ele é a fonte.

Além dessa forma preciosa de paciência, uma das expressões mais típicas da capacidade de sofrer é o espírito de iniciativa, pelo qual o homem vence a preguiça, a moleza, o tédio, o amor a si mesmo e se lança ao trabalho, à luta apostólica, e se joga até o mais grosso e ardoroso dessa luta, se necessário for, quites a deixá-la imediatamente se o interesse da Igreja conduzi-lo no sentido oposto.

Eis a melhor forma de paciência que devemos rogar ao Coração de Jesus, é esse espírito de iniciativa e de combatividade, em virtude do qual renunciamos a todos os nossos relaxamentos.

Paciente e misericordioso. É a misericórdia enquanto corolário da paciência, disposta a tudo aturar e a tudo perdoar. Sim, convençamo-nos dessa maravilhosa verdade: o Sagrado Coração de Jesus nos perdoa uma vez, duas vezes, duas mil vezes, e não quer que desanimemos de seu perdão.

Assim, esta é a magnífica invocação que nos exorta a nunca perder a confiança na clemência de Nosso Senhor, pela intercessão do Coração Imaculado de Maria: Coração de Jesus, paciente e misericordioso. Paciente com os meus defeitos, com os meus pecados; misericordioso em relação às minhas lacunas. Pelos rogos do Coração de vossa Mãe Santíssima, tende pena de mim, ó Senhor.

Vítima que pagou por nossos pecados

Envolvendo idéias análogas à da invocação anterior, é a do Coração de Jesus, propiciação pelos nossos pecados.

Às vezes acontece nos sentirmos fundamentalmente indignos e as almas mais puras e mais altas o podem sentir até com maior intensidade. E compreendemos que, diante da justiça infinita de Deus, não somos absolutamente nada. Donde essa invocação constituir inestimável motivo de tranqüilidade para nós. Ela significa que, se meus sacrifícios, sozinhos, não têm valor diante do Altíssimo, há entretanto uma Vítima que vale tudo: porque é uma Vítima sem mancha, sem jaça, ligada por união hipostática à própria divindade. E essa Vítima é Nosso Senhor Jesus Cristo, que se ofereceu por mim, de tal maneira que tudo aquilo que eu tenho receio de não conseguir, essa Vítima alcança.

Ela carregou os meus pecados, por eles sofreu, e em virtude desse holocausto eu considero minhas faltas com vergonha, com contrição, pelo menos com atrição, mas em todo caso com imensa confiança, porque Alguém se imolou e derramou por mim, pela minha salvação, todas as gotas do seu sangue. Por isso eu devo ter confiança, não em mim, mas nesse sangue infinitamente precioso que por mim foi vertido à exaustão.

Esse é o Sagrado Coração de Jesus, propiciação pelos nossos pecados.

Fonte de toda consolação

Consideremos uma última invocação: Coração de Jesus, fonte de toda consolação.

A palavra “consolação” encerra dois sentidos: num deles quer dizer fortalecimento; no outro, alegria, suavidade, unção do Divino Espírito Santo na alma. E em ambos os sentidos o Sagrado Coração de Jesus é fonte de toda consolação.

Sabemos quanto Ele enche de júbilo e de satisfação espiritual as almas que Lhe são devotas, os corações que se abrem para a sua bondade infinita. Mas importa compreendermos também que a nossa força vem d’Ele. E quando nos sentirmos fracos, tíbios, desorientados, sobretudo quando estivermos sem coragem diante de algum grande ato de generosidade, não devemos avançar sozinhos, imaginando que por nosso próprio mérito o conseguiremos. Não! O Coração de Jesus é a fonte de toda a força. Por meio do Coração Imaculado de Maria, canal único e necessário para nos aproximarmos do Coração de Jesus, temos de nos dirigir a Ele e implorar as forças de que carecemos.

E seguramente não seremos frustrados em nosso pedido. Em determinado momento sentiremos a força de que precisamos, inclusive e acima de tudo, para realizarmos as coisas mais árduas e difíceis com relação à nossa vida espiritual.

Aqui ficam, portanto, algumas considerações que nos podem ser úteis em nossa piedade. Por exemplo, quando comungarmos, procuremos nos lembrar dessas invocações, pensando que recebemos na alma, por presença real, física, verdadeira e viva, esse Coração no qual adoramos todas as perfeições expressas nessa Ladainha.