Tesouro da verdadeira Igreja

Célebre por sua imponente beleza e extraordinário significado para a piedade católica, a Basílica de Santo Antônio de Pádua reluz como precioso tesouro da arquitetura engendrada pela Igreja.

Ao considerá-la, vem-me ao espírito, uma vez mais, a comparação com o perpétuo objeto de meu enlevo, de meu encanto e entusiasmo: o mar. Nele, como já tive ocasião de dizer, sempre me agradou contemplar as inúmeras formas de pulcritude com que Deus o criou, os diversos estados em que ele se apresenta a nós, desde a extrema calma até  a extrema agitação, com todas as gamas intermediárias. Ora é o ordenado das grandes ondas que avançam em ofensiva para a terra, sem tumulto nem descabelo, como um  ataque em regra de uma cavalaria nobre. Por vezes as ondas nem sequer arrebentam, apenas se avolumam e se estendem; outras, pelo contrário, estouram na praia ou nos  rochedos, e há um gáudio de gotas pelo ar, bailando alegremente, como se executassem uma lendária dança da vitória. Ora me compraz ver o mar inteiramente calmo, quase  imóvel.

Dir-se-ia que ele se encontra de tal maneira absorto na contemplação do céu, para o qual olha a todo momento, que nem pensa em si mesmo… De repente, a partir de um  ponto qualquer daquela imensidão líquida, algo começa a se mover. Dali a pouco é um vagalhão, é um tumulto aquático, e é outro assalto contra a terra. Dessa vez, porém, as  ondas não se aproximam em fileiras ordenadas, mas parecem vir se empurrando e se acotovelando, cada qual no desejo de tomar a dianteira e conquistar a terra mais  depressa. É a beleza da variedade, do inesperado, do quase susto, do imprevisto, que tem seu encanto próprio. E é essa sucessão de aspectos que torna o mar tão entretido.

Ora, a arquitetura, e especialmente a arquitetura religiosa, pode ter uma variedade de feitios análoga aos movimentos do mar. Será, por exemplo, a calma e a estabilidade de  uma Catedral de Notre-Dame de Paris: irrepreensível, ordenada, perfeita, lindíssima, cheia de lógica, de poesia e candura.

Outras vezes, a arquitetura borbulha e apresenta aspectos meio inesperadas. E é o próprio movimento da alma religiosa, nos seus entusiasmos, nos seus êxtases, nos seus  impulsos, na sua generosidade, nos lances ‘a la’ Santa Teresa de Jesus, ‘a la’ Santo Inácio de Loyola, que nos deixam desconcertados diante de sua grandeza. E isso é o que se  nota no jogo das várias cúpulas e minaretes da Basílica de Santa Antônio de Pádua, borbulhantes como o movediço das ondas do mar.

Olhando-se para o teto da igreja quase se esquece do corpo do edifício. Tem-se a impressão de que todo o resto existe como uma bandeja para carregar bem alto o  movimento musical das coberturas. E assim como podemos imaginar uma melodia num “crescendo” em que as notas se vão sucedendo alegremente umas às outras, assim nos parece que esses minaretes e cúpulas estão jubilosos à espera da hora em que sejam separados da base para poderem subir em direção ao céu. E que essa ansiedade do maravilhoso, uma ansiedade festiva, feliz, é apenas contida por uma corda que mão caridosa a qualquer instante vai cortar.

Noutra analogia com o mar, do mesmo modo como este é também rico e esplendoroso nos mistérios de suas profundezas, igualmente o interior da Basílica de Pádua é um imenso escrínio de tesouros espirituais e artísticos. É, sobretudo, o ambiente criado pela presença do Santíssimo Sacramento, pelas relíquias do grande Santo franciscano, pelas graças de que elas são veículo e que impregnam todo o recinto da igreja, estimulando e condicionando a piedade dos fiéis que ali rezam e se recolhem com edificante  devoção.

Além disso, a profusão de maravilhas que ali deixou a arte cristã, entre abóbadas, colunas e capitéis esplendidamente trabalhados; capelas, altares e murais em que se pode admirar o talento de mestres imortais, e um grande número de pinturas e imagens que datam de diferentes épocas da Cristandade, fazem com que a Basílica pareça um compêndio da história da piedade católica.

Todos esses fatores — beleza arquitetônica, presença do Coração Eucarístico de Jesus, relíquias de Santo Antônio de Pádua, imagens especialmente abençoadas, fiéis que recebem graças e as deixam transpirar de algum modo na sua maneira de ser, de andar e de rezar — concorrem, numa igreja como a Basílica de Pádua, com particular intensidade para conferir uma impressão única de piedade autêntica, e uma sensação de presença verdadeira da verdadeira Igreja, a Esposa Mística de nosso Divino Redentor.

Palavra confortadora

Assim como São João Batista estremeceu de gáudio no seio de sua mãe ao ouvir a voz de Maria Santíssima, devemos pedir a Nossa Senhora que nos obtenha a graça de igualmente exultarmos ao som da voz d’Ela ressoando em nossos corações. Que, em meio aos sofrimentos e aflições a que todos estamos sujeitos nesta vida, a Mãe de Misericórdia nos diga uma dessas palavras interiores pela qual estremeçamos de santa alegria, e nos dê coragem e ânimo para carregarmos todas as nossas cruzes até o fim da vida.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 2/7/1963)

Supremacia da alma

Como já tivemos ocasião de assinalar, a mentalidade do homem medieval se alicerçava na ideia da existência de uma outra vida e de uma ordem de coisas superior à terrena.

A meu ver, retratos fiéis de pessoas com essa concepção aparecem nas pinturas de Fra Angélico, o qual, embora de uma época posterior, é um artista talhado nos moldes da Idade Média. Em seus afrescos ele costuma representar figuras imbuídas de uma luz, claridade e leveza que não encontramos na vida real, e que nos falam de uma ordem eminentemente superior. Personagens, dir-se-ia, isentos das fraquezas humanas e sem a marca do pecado original, tão grande é a elevação de que o pintor os revestiu.

E não apenas nas figuras humanas, como também nos anjos que retratou, Fra Angélico soube expressar a temperança e a sabedoria do espírito medieval, voltada para as riquezas celestiais. Anjos de alma tão límpida, tão honesta, que estão dispostos a toda espécie de serviço. Tão fortes e conscientes de si, que estão prontos para toda sorte de domínio. Tão pacíficos, que são anjos da paz; tão combativos, que são anjos de combate ao mal. Todos os contrastes, todos os opostos harmônicos neles se acham em estado maravilhoso. São uma síntese magnífica e um símbolo perfeito das melhores disposições da alma medieval.

Outros exemplos, ainda, poder-se-ia ver nas figuras esculpidas nos portais e fachadas das catedrais góticas. Mesmo quando se tratam de imagens que representam pessoas na atitude de exercer sua profissão, percebe-se que têm o espírito povoado por idéias de uma ordem superior, o que lhes confere dignidade, equilíbrio, recolhimento e uma total preponderância da alma sobre a matéria. v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências em 15/9/1966 e 3/6/1967)

Revista Dr Plinio 123 (Junho 2008)

 

Intimidade suprema, distância infinita

Exemplo daquilo que costumava ensinar a seus seguidores, Dr. Plinio se deleitava em contemplar a ordenação das coisas criadas como reflexos de Deus e caminho que a Ele nos conduz. Nas suas palavras aqui transcritas, compara os diferentes reinos da natureza, cujas insondáveis diversidades nos fazem “intuir a infinita grandeza do Criador”.

 

Compraz-me, vez por outra, considerar os vários reinos da criação e as diferenças imensuráveis que os separam.

O Pão de Açúcar e a grama

Imaginemos, por exemplo, que o Pão de Açúcar, rochedo extraordinário, de repente pudesse ter cinco minutos de pensamento e, nesse fulgor de raciocínio, visse um punhado de grama crescer nas suas encostas. Ele, o grandioso e eterno paralítico, que nunca se move nem se moverá, provavelmente, até o fim do mundo, é incapaz de crescer, de diminuir, de se deslocar. Não possui vida. Pelo contrário, a grama cresce, se alastra. O Pão de Açúcar contempla aquele desdobrar da grama, estremece de alegria e pensa: “Que honra para mim carregar uma graminha!”

Essa seria a bela e natural atitude a ser tomada por ele. Como seria igualmente natural e belo que a grama, por sua vez, dotada de pensamento, pudesse olhar para o Pão de Açúcar e dizer: “Que rochedo maravilhoso e colossal! Como sou pequena diante dele! Porém, eu vivo e ele não. Vivam as graminhas!”

Existe, portanto, um abismo entre o reino mineral e o vegetal.

A rosa e a taturana

Subamos outro degrau e imaginemos que a mais esplêndida das rosas, exercitando a faculdade de pensar que lhe fora dada, observasse uma taturana subindo pela sua haste, prestes a se esgueirar no meio de suas pétalas. A rosa então diria: “Sou linda, perfumada, uma obra-prima! Quando me vêem, os homens me colhem, as damas me osculam, e todos me oferecem para ornar o que há de mais precioso, até para os altares das igrejas. Sou a rosa. Em contrapartida, se virem essa taturana, deitam-na abaixo e a esmagam, porque a aparência dela não lhes agrada.

“Contudo — prossegue a rosa — um fato é fato: essa taturana se move e sente. Eu não sinto. Cortam-me, deixam-me secar e fenecer, e não tenho conhecimento disso. A taturana, porém, conhece quando é ameaçada e se encontra em perigo de vida. Como o conhecer é mais valioso do que ser belo! Ó taturana, feia e repulsiva, que honra para mim carregar-te!”

Mais um abismo, pois, entre o reino vegetal e o animal.

Outras distâncias insondáveis

Imaginemos, agora, que um leão pudesse contemplar uma criança que está aprendendo a recitar a Ave-maria, ensinada por sua mãe. Ainda não sabendo articular bem as palavras, a criança apenas tartamudeia a oração. O animal observa aquela criancinha. Ente indefeso, esta seria presa fácil para ele, um aperitivo que a fera estraçalharia quando quisesse. Porém, se pudesse compreender as coisas, o leão chegaria ao seguinte raciocínio: “Essa pequena criatura, que eu deglutiria em poucos minutos, é dotada de razão, de inteligência, de vontade. Ela pensa, ela deseja, ela age. Eu não penso, não quero. Sou um jogo das minhas vísceras que se movem e me impulsionam para frente. Sigo os instintos que me dominam e ordenam o que devo fazer. A criança se governará a si mesma, e eu não me governo. Somente nesse relâmpago de raciocínio me é dado ter conhecimento disso. Ó criança, ó obra-prima!”

O leão, se pudesse, veneraria aquele pequeno ser humano.

Se galgarmos mais um patamar nessas comparações, deveríamos ainda imaginar um sábio pagão, inteligente e experimentado, diante de um menino batizado no qual desabrocham a inocência batismal, a vida da graça, a sua participação no Corpo Místico de Cristo, a sua filiação à Santa Igreja Católica. Se pudesse discernir tudo isso na criança batizada, o idoso pagão, movido por sua retidão natural, exultaria de admiração diante daquele grau mais elevado de vida.

O homem e o Criador…

Não é difícil perceber como essa graduação posta por Deus nos diversos reinos e seres criados se reveste de extrema beleza. E esse esplendor reluz de modo particular quando no outro termo de comparação está o homem. Tomemos, por exemplo, de um lado, o mar. Magnífico, interessantíssimo, apresentando-se a nós como se fosse um interlocutor cujo repertório de temas é inesgotável. Ao mesmo tempo grandioso no alto oceano onde toca o céu, e encantador, capaz de dizer coisas afáveis num cantinho qualquer de praia onde ele circunda um caramujo. Estende-se por zonas calmas, assim como por outras em que suas ondas rugem. O mar é uma imensa prosa. Ele imita uma grande mente humana. Mas… como o homem menos afortunado em matéria de inteligência vale mais do que o mar inteiro!

Assim Deus graduou e ordenou todas as coisas na criação, e dispôs entre elas esses abismos, cada um deles constituindo uma imagem do abismo quão mais insondável que separa a criatura do Criador. Essas diferenças abismais nos fazem intuir a infinita grandeza de Deus, Ele próprio diferente de tudo e em tudo refletido.

Então, nós, homens dotados de inteligência, paramos e dizemos: “Meu Deus, eu pensei em tudo, medi tudo. Como sois Vós? Como será  vossa Mãe Santíssima?”

E logo nos silenciamos, mudos de admiração e enlevo diante de tanta magnitude. Em nosso interior formulamos uma súplica ao Onipotente, pelos rogos misericordiosos de Maria: que Ele, terminada nossa existência terrena, nos leve a contemplá-Lo na bem-aventurança eterna, onde O adoraremos numa intimidade suprema e numa distância infinita. E ambas as coisas nos encantarão pelos séculos sem fim.

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 123 (Junho de 2008)

Irresistível e régia misericórdia

Todos nós, segundo São Luís Grignion de Montfort, somos “vermezinhos e miseráveis pecadores”. Ou seja, na ordem espiritual, valemos tanto quanto o menor dos vermes, porque somos pecadores miseráveis. Mas! Temos a nosso favor uma Rainha extraordinária, que se encontra acima dos anjos, Aquela que é Filha, Mãe e Esposa,  respectivamente, de cada uma das Três Pessoas da Santíssima Trindade: a Bemaventurada Virgem Maria.

Assim, devemos suplicar a Ela — cuja ilimitada misericórdia nenhum pecado consegue deter, e a cuja materna  vontade jamais pôde resistir seu Divino Filho — que tenha compaixão de nós, pecadores tão endurecidos, e nos obtenha do Sagrado Coração de Jesus o perdão e a salvação para nossas almas.

Altaneria e estabilidade sacrais

Nesse castelo estiveram os cruzados que lutaram contra os mouros. Existe nele um contraste harmônico entre a altaneria e a estabilidade, que de algum modo marca a sacralidade da fortaleza. Quando vier o Reino de Maria e de novo a luz do Espírito Santo brilhar na Terra, que altaneria e estabilidade magníficas terá esse Reino, pois será muito superior à Idade Média!

 

O panorama que vamos comentar compõe-se basicamente de três elementos: o Castelo da Mota – em Medina del Campo, na Espanha –, o céu e a árvore.

Muralhas altas, belas, dignas

No castelo, que evidentemente é a nota dominante, encontramos dois aspectos principais: as muralhas, nas quais se destacam os grandes torreões de ângulo, que  sobressaem como um elemento inteiramente distinto das muralhas, e a torre que, por sua vez, é a nota dominante do castelo.

Parece-me mais interessante começarmos por analisar o castelo, partindo do elemento secundário para depois passar para o principal.

O elemento secundário é constituído pelas muralhas e os torreões que as integram.

As muralhas são altas, bem trabalhadas, belas, dignas, altivas. Entretanto, não têm nada de extraordinário. Elas possuem uma beleza real, mas frequente em muitos monumentos medievais desse tipo.

Aliás, há muralhas muitíssimo mais bonitas do que essas. Ao menos para o meu gosto, a muralha de uma pedra sombria, um granito carregado e “preocupado”, exprime muito mais tudo quanto a muralha tem a exprimir do que essa pedra um pouco branca, tornada ainda mais reluzente pela luz do Sol, com uma aparência festiva, não parecendo propriamente militar, como era a finalidade das muralhas naquele tempo.

Eu até chegaria a chamá-la de uma muralha plácida,  tranquila. Ela se estende à maneira de um retângulo, sem maiores movimentos, com os torreões intercalados simetricamente, sem maior fantasia, obedecendo simplesmente a uma necessidade militar, mas sem nenhuma preocupação de estética mais particular.

Torre altaneira, forte, firme. Em contraste com esse aspecto e, portanto, realçando- o, vem a torre alta, imponente, que desafia e se ergue muitíssimo acima da muralha,  fazendo desta quase como o véu ou manto que pende da cabeça de uma rainha.

A diferença de altura, de poesia, de fantasia, de imaginação que vai da torre para os muros é enorme. Por esta forma, destaca-se extraordinariamente a torre, tornando-a verdadeiramente a nota dominante.

Como eu disse acima, as muralhas erguem-se altivas. Entretanto, a altaneria da torre é realçada pelos torreões de ângulo que lhe dão a fisionomia especial. A torre se ergue altaneira, mas ao mesmo tempo atarracada, forte, firme, como quem diz: “Eu olho de cima, desafio, mas resisto. Não tenho medo de nada. Meu ângulo está disposto a cortar os vagalhões dos adversários como a proa de um navio fende os mares. Para mim n

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ada oferece insegurança. Estou disposta a resistir de todo jeito, a todo transe. A mim ninguém derruba. Nem sequer depois de abandonada e isolada, tendo sido retirado de mim qualquer uso militar, deixarei de ser uma proclamação viva dos ideais aos quais servi.” Dir-se-ia que por cima dos séculos ela espera outros adversários para prestar novos serviços aos mesmos ideais. Ela está intacta.

Para ela o tempo, o abandono dos homens, a mudança das circunstâncias não querem dizer nada. Ela espera, serena, o fim do mundo e não teme o juízo de Deus. É uma afirmação de um estado de espírito de consciência tranquila que caminha para a morte e a eternidade sem se preocupar com elas. Assim vejo eu a fisionomia dessa torre.

O céu muito azul e a luz que bate no castelo, de que maneira colaboram para compor o panorama?

Fortaleza ufana, mas triste

A meu ver, esse castelo, como se encontra, dá a impressão de um esqueleto calcinado pelo Sol. Nota-se que a vida de todos os dias não se desenrola mais nele. Tem-se a impressão de que, por dentro, ele está pouco mais ou menos abandonado. Por causa disso, tem-se também a sensação de uma espécie de imenso naufrágio, cuja tristeza e cujo abandono são acentuados pelo esplendor da luz solar, como quem diz: “A luz bate, a natureza toda se alegra indiferente à tristeza do castelo.”

A fortaleza é ufana, mas triste. Há nela qualquer coisa que não tem nada de ruína, mas anuncia a ruína de uma ordem de coisas que dentro dela houve.

Porém, esse é apenas um aspecto. De outro lado, há uma certa alegria que a luz do Sol comunica ao castelo.

Alguma coisa que dá a impressão de uma esperança de reviver. E há uma melancolia e um élan que, juntos, produzem uma sensação um pouco indefinida. Não se sabe bem se é de vitória ou de tragédia. A meu ver, no fundo, é a conjugação das duas coisas.

A árvore comunica um pouco de vida ao conjunto da paisagem. Se a imaginássemos sem a árvore, essa impressão de desolação se acentuaria ainda mais. Dir-se-ia que um pouco de seiva, de sorriso de vida concreta se recosta junto ao velho castelo e dá um pouco de animação àquilo que é tão hirto e de tal maneira calcinado pelo Sol.

“Represento a sacralidade contra as hordas de maometanos que invadem”

Lembro-me de uma exclamação do Marechal Mac Mahon, durante a Guerra da Crimeia, a qual eu  cito por causa da concisão francesa que a caracteriza: “J’y suis, j’y reste – Aqui estou, aqui permaneço.” Essa afirmação, que em sua simplicidade é muito sobranceira,  poderia ser aplicada a esta torre. Ela, por assim dizer, olha muito de cima todos os adversários, mas está agarrada ao chão, como a afirmar: “Este chão é meu e daqui  ninguém me tira. Eu fico!”

Mas não é só isso. Uma coisa é a altaneria do Mac Mahon, outra é a de uma torre medieval. Quer dizer, é preciso compreender a altaneria, a persistência, a estabilidade, não como a de um homem – por exemplo, Mac Mahon – durante uma guerra, mas a de uma era, de uma civilização, de uma cultura. É, em última análise, a estabilidade e a altaneria da Fé católica. Ou seja, gente que não crê na vida eterna não é capaz de ter esse tipo de altaneria e estabilidade simbolizadas por essa torre.

Não é a sobranceria de quem se compara com o adversário para declarar: “Eu sou mais!” Mas daquele que, por assim dizer, toca no céu e afirma: “O céu em que eu toco é incomparavelmente mais. Represento aqui o Céu, Deus Nosso Senhor, a sacralidade contra as hordas de maometanos que invadem.” É, portanto, uma altaneria e uma estabilidade sacrais. A sacralidade me parece estar fortemente presente aí.

Assim eu definiria esse castelo.

Contraste harmônico entre altaneria e estabilidade

Devemos procurar lembrar que aqui estiveram os cruzados; esse castelo foi utilizado na luta contra os mouros. Vemos bem a alma católica que nele se exprime, por exemplo, na parte superior da torre. Ela é quase toda lisa, em cima, as ameias e os torreões se acumulam, e há qualquer coisa de carregado no topo que leva para o alto, meio difícil de exprimir. Esse contraste harmônico entre a altaneria e a estabilidade de algum modo marca também a sacralidade do castelo.

Donde se poderia dizer: “Ó altaneria católica, ó estabilidade católica, ó Divino Espírito Santo estável e altaneiro!” E imaginar, por exemplo, Pentecostes, com as línguas de fogo caindo, em que todas as virtudes estavam simbolizadas, como seria ali a altaneria e a estabilidade.

É uma verdadeira maravilha. Ou então conjeturar, quando vier o Reino de Maria e de novo a luz do Espírito Santo brilhar na Terra, como será a altaneria e a estabilidade. Se  o Reino de Maria será mais do que a Idade Média, que altaneria e que estabilidade magnífica terá?

Para isso é que devemos ter os nossos olhos voltados. É a transcendência que vai até o Espírito Santo, e tem uma projeção profética para o futuro.

Desaparecimento gradual dos castelos

Com o passar do tempo, foram-se fazendo fortificações cada vez menos bonitas e menos elevadas, até chegar ao anódino, até precipitar-se na feiura. Há todo um problema de arte militar para discutir, sobre se verdadeiramente esses castelos se tornaram inúteis com as armas de fogo; eu discuto isso. Por exemplo, quando do alto das torres da  Bastilha os canhões dispararam a serviço da Fronda, eles foram muito mortíferos. Por que então uma arma de fogo não é útil do alto de uma torre? É uma questão para se  analisar.

Mas, enfim, começaram por fazer castelos sem torres. E depois, naturalmente, a não fazer mais castelos. Então verificamos essa coisa curiosa: nas batalhas do século XIX – de Napoleão, por exemplo –, de vez em quando houve combates encarniçados para a posse de uma aldeia presente no meio de um campo de batalha. Por que a posse da  aldeia?

Porque aquelas construções são estratégicas para o ataque ou para a defesa. Mas então, como um castelo não seria? O desaparecimento gradual dos castelos, das fortalezas, deu lugar à arte militar baseada em trincheiras. Começava, assim, a guerra das baratas e das lesmas. É evidente que isso tudo tem uma razão técnica. Porém, haveria apenas   razões técnicas? Isso seria discutível…

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 3/1/1975)

O zelo por tua casa me devora!

Em sua elevada devoção ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria, Dr. Plinio hauriu tanto a bondade e a misericórdia para com os pecadores verdadeiramente arrependidos, quanto o zelo ardente pela defesa da Igreja e da Civilização Cristã. 

 

No conduzir a Contra-Revolução, como historicamente ela tem sido conduzida por mim ao longo dos anos, entra algo que se pode dizer ser obra de pensamento, mas também de guerra, no sentido psy-war evidentemente, mas é uma guerra até na acepção mais elevada da palavra.

Postura diante do combate

Assim, toda a tenacidade, a confiança, a esperança, o jeito, enfim, tudo quanto eu possa ter posto de aptidões para a condução dessa longa ação foi inspirado por um determinado espírito.

Imaginem um cruzado cujo espírito tenha sido formado na Igreja do Coração de Jesus, que recebeu análogas graças e investe para a Cruzada daquele jeito, ou seja, movido por aquelas razões: é a defesa daquilo contra um adversário que quer destruir e é o desejo de aproveitar a vitória para impor a expansão daquilo. É como um cruzado que partiria para a guerra santa.

Esse cruzado levaria ao mesmo tempo uma carga de afeto, de bondade, de doçura quase iluminados, no melhor e mais ortodoxo sentido das palavras. Portanto, entraria em combate não por birra: “Esses turcos não me deixam em paz… Vou acabar com eles! Esses árabes miseráveis!”

Nada de condições dessa natureza, mas outra postura: Eu deles aceitaria tudo, não quereria nada desde que não tocassem naquele ponto, não trabalhassem para a destruição desse ponto . Pelo contrário, se tendessem a assumir aquele espírito, seriam meus amigos, meus irmãos e meus filhos .

Eu vejo como o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria os atraem, por onde saem das almas deles como que ganchos passíveis de serem elevados, percebo que podem ser ainda atraídos e, de toda a alma, eu os quero por causa disso. Mas acontece que, por culpa deles – porque não se faz uma coisa dessas sem uma culpa gravíssima –, puseram-se na inimizade mais implacável com aquilo que os ama e para cujo amor eles existem: o Sagrado Coração de Jesus, o Imaculado Coração de Maria, a Santa Igreja Católica.

É o ódio revolucionário que corresponde à recusa completa, ao fechamento total, com uma certa carga de pecado contra o Espírito Santo, em relação ao qual é difícil haver um arrependimento. E, portanto, eles estão nessa cegueira, agressivos e servindo de instrumentos para o pior inimigo da Cristandade. E durante o tempo em que ficarem assim, eu os odeio com toda a intensidade com a qual os amaria. E enquanto eles atacarem, lutarem, recusarem o amor que vai de encontro a eles, eu quero realmente liquidá-los e exterminá-los. E esse querer toma minha pessoa de lado a lado: Zelus domus tuæ, Domine, comedit me (Sl 68, 10) – Senhor, o zelo por tua casa me devora!

Ou seja, eu quero tanto que não tenho um instante, uma cogitação, sou incapaz de fazer qualquer coisa, até mesmo uma brincadeira em que não se encontre como causa remota, pelo menos, o desejo de exterminá-los. De maneira que dessa raiz de pecado e de maldição não sobre nada, para que o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria reinem, porque precisam reinar.

A verdadeira combatividade

De onde implacabilidades inesgotáveis! Totalidades de propósitos beligerantes irredutíveis e gosto requintado das coisas mais truculentas! E, na medida em que for operacionalmente útil, encanto pela proeza! Mas a proeza não pode ser vista só como uma obra de arte, nem como uma atitude, eu quase diria, escultoricamente bonita. Não. Ela é bela na medida em que for conduto para o amor do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria. Fora disso, não venham com conversa porque não me interessa. Não estou para perder tempo com “espadachinadas” e coisas análogas. Sou um homem tranquilo e cordato, e só faço isso na medida em que diga respeito a Nosso Senhor, a Nossa Senhora e à Igreja, porque, do contrário, eu não faria. Mas a serviço deles realizo qualquer coisa e vou até o fim.

Se quiserem chamar de fanatismo, desfira-se um pontapé na boca de quem chamou e acabou-se! Não tenho que dar satisfação de nenhum jeito. Então, volto-me contra esse também e não me incomodo de ficar um verdadeiro miliardário de inimigos, que tem inimigos como outros possuem dólares aos milhões, desde que eu possa obter essa vitória.

O pulchrum disso vem da beleza infinita do Sagrado Coração de Jesus e da beleza insondável do Imaculado Coração de Maria. Eles têm uma pulcritude moral que, passando por esses reflexos, mostram-se ainda mais belos. Se fizéssemos uma ladainha do Coração de Jesus, incluiríamos outras invocações. E, portanto, ao lado de “Coração de Jesus, fonte de toda consolação”, eu poria: “Coração de Jesus, fonte de toda combatividade inexpugnável”; “Coração de Jesus, fonte de toda incompatibilidade insanável”; “Coração de Jesus, fonte da guerra santa, tende piedade de nós e dai-nos força!” Então aí fica uma combatividade que não é a do Bismarck, nem do Moltke. Eu elogio muito aquele vorwärts do Moltke. Mas, passando pela minha alma, quem vai para a frente é Ele, é Ela! É uma coisa completamente diferente. E o vorwärts d’Ele e d’Ela é o avançar de uma outra índole.

Tenho vontade de chorar quando ouço alguém dizer, por exemplo, “Dr . Plinio é combativo”, entendendo mal o significado dessa palavra. Eu sei que sou combativo, mas isso não diz nada. Será que não percebem qual é o ponto de partida dessa combatividade? Eis o que se deveria ver, e não se vê: o Santíssimo Sacramento, Nosso Senhor realmente presente entre nós. Se forem tocar ali, a combatividade não é a mesma daquela de um homem que está defendendo seu cofre! Então seria preciso comparar isso com as formas erradas de combatividade.

Abundância, precisão e riqueza das observações de Dr. Plinio

Outro lado seria o do pensamento. Mas ainda é o mesmo ponto de partida. A inocência primeira, o gosto de todas as coisas que nós temos proclamado, é apenas uma disposição de alma que, levada às últimas consequências e posta diante desses dados sobrenaturais, entrega-se ao sobrenatural inteiramente como sendo o cume do que existe, o qual, se negado, todo o resto perde o sentido.

Para mim tudo se desfaria, nada tomaria significado. Nenhuma coisa bela ser-me-ia atraente e nada de hediondo me seria repulsivo, se esse cume não existisse, porque, de fato, só amo aquilo, e só aquilo me explica. Examinem-me em tudo quanto conhecem de mim, no meu passado. Pessoas que me conhecem há tantos anos presenciaram fatos, ditos meus, expressões fisionômicas, afirmações, viram-me avançar, recuar, descansar, raras vezes brincar um pouquinho, gracejar, dormir. A esses pergunto: No que, uma vez e um pouco que seja, notaram que eu, no fundo, não tinha isso em vista?

Por exemplo, mamãe. Eu queria tão bem a ela, e no momento em que me refiro a ela já a estou querendo bem. Mas na realidade, eu amava nela esse cume. Se a alma dela não fosse como que um relicário disso, eu teria o afeto e o respeito devidos à minha mãe. Mas não o afeto e o respeito que eu tenho a ela, que é muito maior por sentir nela isso.

É muito bonito aliar o pensamento à ação, a meditação à observação. A observação enriquece a meditação e esta esclarece a observação; isso forma um círculo muito bonito. Essas coisas para mim são verdadeiras, mas vazias. Não me moveriam.

Mas se a meditação e o pensamento estão inspirados no Sagrado Coração de Jesus, no Sapiencial e Imaculado Coração de Maria, se têm como ponto de partida, como inspiração, como conteúdo, como dinamismo e ponto de chegada esse cume, então me explico. Porque sou um homem muito observador, mas em função desse ponto. Se não for em função disso, não me interessa.

Isso explica a abundância, a precisão e a riqueza de minhas observações. Porque é a partir desse ponto onde se observa que as coisas tomam sua fisionomia e se explicam. Assim vale a pena observar, porque elas não se explicam nem se classificam sem isso.

Há quem me diga: “O senhor é muito inteligente, veja quantas coisas o senhor observa!” Sobretudo, fui favorecido com essa graça. Observo com critério verdadeiro, a partir do único critério, do único ponto de vista, do único elemento seletivo, e esse eu tenho aos borbotões porque Nossa Senhora teve a misericórdia de me fazer vir à ideia de dizer “Salve Regina, Mater Misericordiæ”, e sorriu para mim. Veio tudo da bondade d’Ela.

Escravo dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria

Notem como de tal maneira estou querendo exaltar o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria que, aos poucos, até fui deixando de falar da Igreja Católica, para deixar este ponto bem claro. Mas foi a Santa Igreja que transmitiu essa fisionomia, tinha um reflexo dessa fisionomia. Sem ela, eu não teria isso de nenhum modo. Mas eu queria que a fisionomia moral do Sagrado Coração de Jesus e do Coração Imaculado de Maria fosse bem ressaltada, antes de nossa atenção pousar, como deve, nesses outros elementos. Como homem de ação, eu me vejo como um escravo do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria que não tem vontade e faz, a todo momento, o que é necessário para que Eles triunfem; sem preferências, idiossincrasias, amores-próprios, sem recusar nenhuma humilhação, sem fugir diante de nenhum rebaixamento, sem disputar nenhuma honraria. Contanto que não seja uma autodemolição, a qual moralmente não posso praticar, eu cedo de bom grado, desde  logo, tanto quanto queiram. Aquilo que chamam habilidade, vista do lado da vontade é, sobretudo, uma flexibilidade para nunca fazer o que eu gostaria, mas sim o dever do momento. Avançar, recuar, dar jeitinho, investir, etc ., inteiramente flexível. A única coisa que me preocupa é que aquele amor vença!

Quem me conhece pode dar testemunho. Nunca me viram fazer algo sem ter isso por meta. Mas também, tão logo eu perceba haver vantagem para a Causa Católica, faço sem atrasar nem antecipar inutilmente. Estar ociosamente perdendo tempo, por exemplo, folheando uma enciclopédia e por causa disso dizer “esperem que eu já vou”, nunca viram nada de parecido com isso.

Isso é bonito porque caracteriza um homem muito capaz? Vamos deixar o homem capaz de lado. Há capacidades dentro disso, vejo bem, mas isso não é nada. O que vale é o amor com que isso é feito, ou seja, valem Aqueles a quem eu amo. Aí estou explicado. Se em algo não sou assim, peço a Nossa Senhora que me perdoe, mas não vejo no que eu não o seja.

Está resumido, dito em duas palavras o que era preciso dizer. Não tenho o mínimo receio de alguém ser tentado a achar que é gabolice de minha parte. A minha posição é muito simples: é a alma sedenta de conhecer a perfeição suprema e, tendo-a conhecido, aderir a ela inteiramente. Há, portanto, uma sede de perfeição e um encontrar a fonte de água viva na qual a pessoa se dessedenta. Então, se eu a encontrei, não arredo pé. Aqui eu vivo, aqui eu morro. É isto!  

 

(Extraído de conferência de 2/11/1985)

Fontainebleau – esplendor, riqueza e simplicidade – II

Tratando dos mais diversos assuntos, Dr. Plinio procurava ver o aspecto religioso. Analisando o castelo de Fontainebleau, aponta ele para a tendência de se construir algo que superasse a natureza e compensasse um pouco o que esta Terra tem de exílio. Há dentro disso um apelo para algo maior do que as coisas terrenas, e que é o começo do movimento rumo ao Céu.

 

O mobiliário dessa sala é elegante, leve, também constituído de tapeçarias, e habilmente disperso pela sala, de maneira que se tem, ao mesmo tempo, impressão de muita mobília, mas há vazios importantes. Um dos segredos de uma sala bonita é ter vazios importantes. Eu já tenho visto sala empetecada de móveis, não se pode dar um passo sem esbarrar num cacareco. Não tem propósito! O vazio bonito faz parte da boa decoração.

Orquestração fabulosa de riquezas de espírito

Os vazios são indispensáveis para o ornamento de uma sala. Mas nessa sala do castelo de Fontainebleau, que estou analisando, tem-se a impressão, ao mesmo tempo, de muita mobília e de nada de atravancamento; isso é agradável. A beleza cromática da sala é a seguinte: os vidros das janelas são transparentes, a luz que entra por eles é, inteiramente, a luz do dia. Não é aquela luz leitosa da galeria.

Mas essa luz do dia, no que ela tem de cru, é compensada por um mundo de cores. Quase se poderia dizer que todas as cores possíveis estão representadas aqui, mas para não ficarem sobrecarregadas, todas elas em estado muito pálido. E um mundo de cores muito pálidas não dá a ideia de feeria de cores, pois elas quase que se fundem umas nas outras, mas divertem e descansam os olhos maravilhosamente.

Creio ser indiscutível que essa sala dá uma ideia de fausto. A principal noção de fausto que dela se depreende é da prodigiosa policromia, mas de cores delicadas que se fundem umas nas outras; é uma orquestração fabulosa de riquezas de espírito, de riquezas culturais. No meio de mil coisas empalidecidas, ficaria um pouco insípido não ter uma nota viva. E, a ter uma nota viva, o vermelho é o mais bonito. O vermelho-cereja, dado um pouco para sangue, no meio das cores pálidas, é um jato. Como um cozinheiro, que entende das coisas, sabe pôr na elaboração de um prato um pouco de pimenta, para realçar todo o resto.

A porta é feita com a preocupação de constituir um elemento decorativo a mais dentro da sala. Então ela mesma é tratada com uma série de painéis, todos muito delicados, leves, que contrastam com o sobrecarregado das laterais. O contraste de sobrecarregados e leves forma a harmonia da sala, que sem isto ficaria empetecada. 

Manifestamente, nota-se aí a tendência a construir uma coisa que superasse a natureza, e compensasse um pouquinho o que esta Terra tem de exílio, com a ideia de que o homem é feito para coisas maiores do que as coisas terrenas. Há dentro disso um apelo para algo maior do que esta vida e esta Terra, e que é começo de movimento rumo ao Céu. Esse é o lado religioso do assunto.

Esplendor do luto com certa nota de severidade

A sala de estar da Rainha-Mãe, quase não se sabe se é mais bonita do que a Sala do Conselho. É mais severa do que a Sala do Conselho, e se explica porque a Rainha-Mãe — por definição a viúva e tudo quanto acompanhava a viuvez — tinha uma certa nota de severidade. Donde o aparecimento dessas portas escuras, que trazem uma vaga reminiscência de todo o esplendor do luto. É uma sala de avó, tendo um certo compassado que a alegria e o esplendor da outra sala não possui.

Isso corresponde à ideia daquele tempo de a viúva usar até o fim da vida os sinais de viuvez, sobretudo quando se tratava da rainha. O que a moldura dessa sala tem de muito sério é compensado por inúmeros arabescos finos. Então, há aqui um mundo de formas, flores, grinaldas, guirlandas, de figuras mitológicas, de quadros.

E uma coisa que fica muito bonita é o espelho, certamente feito em Veneza — onde se fabricavam espelhos enormes, profundos — e que é como uma janela aberta, o que também torna alegre o ambiente. Depois, tapeçarias colossais, que também dão gáudio à sala.

Os quadros sobre as portas dão à passagem quase a majestade de um arco de triunfo. Fica uma coisa riquíssima, muito bonita. Porta sempre com duas folhas, por causa do protocolo da corte. Para os filhos ou netos de um rei, as duas folhas da porta se abriam, o alabardeiro dava uma pancada no chão e gritava: “Sua Majestade, a Rainha, ou Sua Alteza Real…” Quando era para um príncipe de sangue real, mas não filho ou neto de rei, abria-se uma só face, como também se fazia para todo o resto da nobreza.

De maneira que era de grande estilo a pessoa, digamos a Rainha-Mãe, ser precedida pelos alabardeiros que abriam a porta, colocavam-se de ambos os lados e gritavam: “Sa Majesté, la Reine!” Então, reverências, etc. Quer dizer, a porta era ocasião de um cerimonial, quase um pano de boca de um palco; daí seu caráter triunfal.

Isto estava nos hábitos do tempo, porque entrar e sair eram uma arte. Não se faziam esses movimentos como um frango entra ou sai do galinheiro. A entrada e a saída de uma pessoa marcavam a sala.

Observem a beleza dessa mesa, com as pernas trabalhadas e sobre ela uma taça de porcelana policromada muito bonita. Tudo em nível mais discreto do que o jogo de cores feérico.

A Revolução vai se adensando: melancolia e moleza

Sala de Conselho de Luís XV. O gênero de beleza evoluiu do tempo de Luís XIV para Luís XV. Enquanto a nota do raffiné(1) de Luís XIV era imponente, em Luís XV, que já marca uma certa decadência, o raffiné é gracioso. Então, é um esplêndido de gracioso, mas o gracioso é um valor menor que o imponente, e nisto está a decadência.

Os ângulos retos desaparecem, ou como que desaparecem; o ângulo reto exprime muito mais a força do que o arredondado, que representa o jeito, a conciliação, o sorriso. Por outro lado, as cores se tornam — sob algum ponto de vista — mais delicadas, e um certo ar triunfal, que tinham as salas de Luís XIV, desapareceu. Não é uma sala feita para um rei vencedor do mundo, como Luís XIV pretendia ser e, em alguma medida, foi; mas é para um rei que leva uma vida gostosa e, nas horas vagas, realiza uma reunião do Conselho.

Desta sala não sai a conquista do universo, nem a prevenção da Revolução que vai se formando e adensando. Considerada sob o aspecto da pulcritude, ela exprime o maravilhoso gracioso e, neste sentido, ela o exprime magnificamente. E a linha da feeria continua inteiramente afirmada. Dir-se-ia que, de algum modo, ela é até mais raffinée do que as salas de Luís XIV.

E notem uma coisa curiosa: dentro de todo esse gracioso há qualquer coisa de mais tristonho. Não há aquela alegria matinal. É um gracioso crepuscular, embora com todos os encantos do crepúsculo, mas já não é aquela coisa maravilhosa da aurora.

Essa sala, com todo o seu maravilhoso, poderia ser de lazer, ou de jogo, num palácio real. Não poderia ir além disso. E mesmo assim, ela tem qualquer coisa de perigoso, porque se uma pessoa fica muito tempo aqui dentro, não tem vontade de passar para as outras salas. Ela tem qualquer coisa de anestésico, que é o anestésico do otimismo. Está tudo arranjadinho, redondinho.

As cadeiras já são um pouco dadas ao anatômico, por incrível que pareça. A civilização que gosta da cadeira com pernas baixas é decadente. Então, nessa sala as cadeiras têm perninhas baixinhas.

Poder-se-ia dizer que o melancólico e mole são as notas dominantes nessa sala.

 

(Extraído de conferência de 31/10/1966)

 

(1) Refinado, requintado.

 

 

 

 

Mártir vigoroso, varonil, de alma inquebrantável

Temos para comentar uma ficha biográfica de Santo Artêmio, mártir. Comandante das forças imperiais, ocupou, sob Constantino Magno, postos de honra no exército. Juliano, o apóstata, que levantara grande perseguição contra os cristãos, mandou degolá-lo. Sobre ele, diz o Padre Rohrbacher1:

Governador do Egito e da Síria

Enquanto os dois sacerdotes, Eugênio e Macário, eram supliciados, um oficial, que permanecera ao lado do imperador, levantou-se e se dirigiu a ele:

“Por que torturas tão cruelmente esses santos homens consagrados a Deus? Não vos esqueçais de que também sois homem, sujeito às mesmas misérias. Se Deus vos constituiu imperador, se recebestes de Deus o império, acautelai-vos para que satanás, que pediu e obteve permissão para tentar Jó, não tenha pedido e obtido permissão para usar-vos contra nós, a fim de passar pelo crivo o trigo de Cristo e semear o joio por toda parte. Mas sua empresa resultará vã; não tem o mesmo poder antigo. Desde que Cristo veio e foi erguido na Cruz, caiu o orgulho dos demônios, seu poder foi calcado aos pés. Não vos iludais, ó imperador, não persigais, por amor aos demônios, os cristãos protegidos por Deus, pois o poder de Cristo é invencível. Vós mesmo vos assegurastes disto.”

Ao ouvir essas palavras, Juliano, fora de si, exclamou: “Quem é o ímpio que ousa usar semelhante linguagem no nosso tribunal?”

Um meirinho respondeu: “Senhor, é o Duque de Alexandria do Egito.”

Com efeito, era Artêmio Governador do Egito e também da Síria havia longos anos, e que acabava de trazer para Juliano as tropas de duas províncias para servirem na guerra contra a Pérsia.

Juliano prosseguiu: “Como? É Artêmio? Ordeno que o despojem de suas dignidades e de suas roupas, e que seja imediatamente castigado pelas palavras que acaba de pronunciar.”

Depois de despido, o mártir teve as mãos e os pés amarrados com cordas pelos algozes; estes o estenderam no chão e açoitaram-lhe o ventre e as costas com nervos de boi, durante um espaço de tempo tão longo que foram obrigados a se alternarem quatro vezes. Contudo, Artêmio não soltou um único suspiro, nem seu rosto se alterou. Dir-se-ia que não era ele quem sofria, mas outra pessoa qualquer.

Todos os assistentes estavam surpreendidos, o próprio Juliano não escondia a admiração.

A idolatria seria irremediavelmente destruída

Levados para a prisão, os três mártires para ela se dirigiram entoando louvores a Deus. Artêmio dizia a si mesmo: “Agora os estigmas de Cristo já estão impressos no teu corpo; só falta dares tua alma, tua vida, com o resto do teu sangue.”

Depois de muitas tentativas infrutíferas, por meio de torturas e argumentos, para levar Santo Artêmio a apostatar, Juliano condenou-o à decapitação. Antes da execução, o mártir pediu momentos para orar. Agradeceu a Deus a graça de sofrer pela glória de seu divino Nome e suplicou-Lhe que Se compadecesse de sua Igreja, ameaçada com terríveis calamidades pelo apóstata Juliano:

“Vossos altares serão destruídos, vosso santuário profanado, o sangue de vossa aliança menosprezado por causa de nossos pecados e das blasfêmias que Ario vomitou contra Vós, Filho Unigênito, e contra vosso Espírito Santo, separando-Vos da consubstancialidade do Pai e supondo-Vos estranho à sua natureza; afirmando que sois criatura, Vós, o Autor de toda a Criação; subordinando-Vos ao tempo, Vós que fizestes os séculos, e dizendo: ‘Havia o Filho que não era’, chamando-Vos de filho da vontade.”

Depois de dobrar três vezes o joelho voltado para o Oriente, novamente o mártir orou, dizendo:

“Deus de Deus, só de um só, Rei de Rei, Vós que estais sentado nos Céus à direita de Deus Pai que Vos gerou, Vós que viestes à Terra para a salvação de todos nós, Vós que sois a coroa dos que combatem pela piedade, ouvi favoravelmente vosso humilde e indigno servo, recebei a minha alma em paz.”

Uma voz respondeu-lhe do Céu que sua oração seria ouvida; além disso, o imperador apóstata pereceria na Pérsia, que teria um sucessor cristão  e que a idolatria seria irremediavelmente destruída. Depois de ouvir essas palavras, cheio de alegria, Artêmio apresentou a cabeça à espada.

Católico combativo que agride, toma a iniciativa e interpela

Vamos recompor um pouco a cena para dar todo o relevo à narração. Imaginemos num circo romano uma tribuna imperial alta, com colunas, coberta por um tecido precioso, o imperador sentado numa espécie de trono, naturalmente com todo o pessoal de serviço por detrás dele, leques se agitando, ‘flabelli’ para impedir que as moscas pousassem nele, uma série de dignatários dentro da tribuna, depois o povo lotando todo o resto do teatro. Provavelmente, como eram os espetáculos, quer dizer, com as arquibancadas necessárias para os nobres, depois para os burgueses e a plebe. Eu creio que já não havia mais a bancada das vestais, porque estas se tinham extinguido. Ao lado, um oficial revestido do traje próprio aos oficiais romanos, com capacete, couraça, armas, junto ao imperador. Esse oficial é um homem de alta categoria. O livro fala em duque. É um anacronismo, pois não havia ainda duques, mas devia ser um chefe de duas importantíssimas unidades do império romano, que vinha a Roma trazendo tropas para serem utilizadas na luta contra a Pérsia. Ele estava, portanto, na tribuna imperial, quiçá muito mais como uma distinção do que como guarda do corpo do imperador. Era um hóspede de honra.

Enquanto dois sacerdotes estão sendo martirizados e o povo olhando para aquilo com uma alegria própria de hienas e de chacais, em certo momento esse homem se levanta: é Artêmio que dirige uma apóstrofe magnífica ao imperador que, embora sendo um indivíduo odiento e impulsivo, não profere uma só palavra e deixa-o dizendo quanto queria.

As palavras de Santo Artêmio mostram bem o caráter de católico combativo que não se limita a deixar-se matar, mas que agride, toma a iniciativa, interpela . O resultado é que, ao invés de dar razões, o imperador pergunta quem é ele . Informado, manda torturá-lo para ver se apostata . Não dando certo a tortura, ordena matá-lo.

A principal força da heresia e do mal está no demônio

A apóstrofe do Santo mártir merece ser considerada um pouco mais detidamente .

Na primeira parte ele pergunta ao imperador qual a razão pela qual ele tortura esses homens santos. Sabendo que o imperador não tem motivo para os torturar, Santo Artêmio o adverte que tenha cuidado porque ele, Juliano, está sendo instrumento de satanás para perseguir a Igreja Católica. Pondera que não adianta persegui-la, porque o poder dos demônios foi quebrado depois de Nosso Senhor Jesus Cristo ter sido elevado ao alto, quer dizer, crucificado. O poder das trevas está quebrado e toda a obra visando conter o Cristianismo fracassará, porque o demônio não tem mais a força antiga.

Vejam a bonita concepção presente por detrás disso: a principal força da heresia e do mal está no demônio cuja força, uma vez quebrada, está também rompida a força do mal. Essa é uma concepção eminentemente nossa, e muito profunda. Depois ele prossegue afirmando que o imperador está fazendo uma obra inútil, além de injusta, porque ele vai ser derrotado.

Então o imperador intervém e manda prendê-lo.

Poder-se-ia dizer que outra cena se abre nesse ou em outro circo romano: Santo Artêmio está sendo martirizado e faz uma oração. Uma voz do Céu lhe diz algo. Podemos imaginar o silêncio na arquibancada e, na arena, aquele homem vigoroso, varonil, de alma inquebrantável pede licença para fazer uma prece, e a recita em voz alta.

O esquema da oração  de  Santo Artêmio é o seguinte: ele declara que a perseguição sofrida pela Igreja é um castigo por causa da heresia de Ario. Então ele faz um duríssimo ato de increpação contra a heresia ariana. Qual é o fundamento dessa concepção dele? Como se pode compreender que a Igreja esteja sofrendo castigo por uma heresia condenada por ela?

A resposta é muito simples: a Igreja a condenou a duras penas; a massa quase completa dos católicos ficou ariana. São Jerônimo, se não me engano, teve essa expressão: o mundo, de repente, acordou e percebeu que se tinha tornado ariano. Para que o arianismo fosse derrotado foi necessária uma luta tremenda, durante a qual os Santos foram perseguidos, verteu-se muito sangue e o mundo não se converteu inteiramente dessa heresia. Depois apareceu o semiarianismo, que era uma tentativa de restaurar a heresia de Ario.

Auxílio para os católicos dos últimos tempos

Por fim, a voz vinda do Céu lhe assegura a morte de Juliano que seria sucedido por um imperador cris tão, e a idolatria irremediavelmente  serviriam de estímulo para pessoas e destruída. Quer dizer, apesar de tudo, vinha o castigo purificador. Poderia ainda haver outras crises, mas a idolatria não renasceria mais nações, as quais ele nunca imaginaria que pudessem vir a existir.

Assim são as coisas na Santa Igreja: nós sofremos e lutamos hoje, mas tendo ouvido isso, Santo Artêmio fez mais ou menos como Simeão, que disse: “Senhor, agora podeis mandar em paz o vosso servo, porque meus olhos viram o Salvador” (cf. Lc 2, 29-30). O mártir certamente pensou: “Senhor, agora podeis mandar em paz o vosso servo, porque estes ouvidos ouviram o anúncio da derrota daquele que é a causa de todos os flagelos, e a afirmação de vossa vitória.” Inclinou a cabeça e foi decapitado. Morreu em paz.

O que Santo Artêmio não viu nem soube é que tantos séculos depois o suplício e a varonilidade dele não sabemos de que auxílio esses sofrimentos serão para os católicos dos últimos tempos, cuja aflição será suprema quando, afinal de contas, estiverem esperando a hora de Nosso Senhor chegar. Talvez eles meditarão nas nossas lutas, nos nossos sofrimentos, na nossa espera pela realização das promessas de Fátima, e encontrarão no que fazemos um conforto que nós mesmos não sentimos, mas que as almas deles receberão pela nossa ação.    v

 

(Extraído de conferência de 19/10/1966)

Admiração e cortesia

A elevação, suavidade e elegância no convívio humano que reluziram de modo especial em outras quadras históricas, constituem um acervo da Civilização Cristã. Segundo Dr. Plinio, os desajustes nos relacionamentos originam-se, sobretudo, do fato de o homem se afastar do amor a Deus e concentrar-se em si próprio.

 

Quando conversamos com alguém, devemos ter em vista as vantagens espirituais de nosso interlocutor e, de outro lado, os interesses da Igreja. Se começamos a pensar em nossos próprios benefícios, surgem mil misérias que não nos é difícil imaginar.

O egoísmo desnatura o convívio humano

Na verdade, os outros têm uma extraordinária sensibilidade para perceber se, em relação a eles, estamos agindo de modo interesseiro ou não. Podem não exprimi-lo nem conscientizá-lo, mas em seu subconsciente algo dessa percepção permanece. Portanto, para agir bem é necessário um completo desinteresse de si e desejar apenas as vantagens da Igreja e da alma com quem tratamos.

Importa distinguir aqui o que chamamos de interesse, pois podemos, legitimamente, defender nosso próprio direito. Há, porém, dois modos de fazê-lo. O primeiro consiste em agir em função de Deus, o qual deseja que nosso direito seja respeitado; o segundo, em defender com ferocidade alguma vantagem implícita nesse direito. São atitudes muito diferentes. Exemplifico.

Se alguém comete uma injustiça a meu respeito, tenho dois motivos para reagir. Antes de tudo, sendo a injustiça um pecado e, portanto, contrária à glória de Deus, devo ser incompatível com ela e impugná-la. Outra razão de me indignar é ter em vista, não a causa de Deus, mas meu lucro pessoal. Quer dizer, como meu interesse foi lesado, posso até alegar em meu favor os cânones da moral. Esta, porém, passa a funcionar quase como pretexto e não como o motivo principal de minha defesa.

Em virtude da natureza humana decaída, o interesse próprio facilmente se hipertrofia, degenera-se e redunda numa explosão de egoísmo. E este deturpa, desnatura e corrói o convívio humano.

Ao desapegado, o Espírito Santo inspira a agir retamente

Poder-se-ia, então, perguntar: quais as palavras adequadas para nos defendermos?

Respondo com um conselho do Divino Mestre. Nosso Senhor recomendou aos Apóstolos que, ao serem arrastados à presença das autoridades na sinagoga, não se preocupassem com o que haveriam de dizer, pois o Espírito Santo lhes poria nos lábios as palavras necessárias para responderem dignamente (Mt 10, 17-19).

O mesmo sucede em nosso apostolado ao tratarmos com aqueles que a Providência coloca em nosso caminho, inclusive pessoas influentes na sociedade: se formos desapegados, não precisamos nos perturbar, pois o Espírito Santo — que habita como num templo na alma em estado de graça — de um ou outro modo nos instruirá para agirmos retamente. E se, por qualquer falta de sagacidade ou de tino diplomático, atuarmos de modo não ideal, mas bem-intencionados, Nossa Senhora fará redundar o mal em bem.

Cultivar a cortesia “saint-simoniana”

Outra objeção poderia ainda ser levantada: “Dr. Plinio, de nada adianta então ter a elevação e suavidade de trato do Duque de Saint-Simon [ver quadro em destaque], tão salientado pelo senhor, pois tudo se reduz à vida espiritual”.

Não é correto. Suponhamos o caso de uma pessoa chamada a discutir para defender a doutrina católica. Para tanto existem a teologia e a filosofia (a Suma Teológica de São Tomás de Aquino, por exemplo), as quais fornecem o aparelhamento magnífico de raciocínios que provam a veracidade da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. É a apologética.

Se essa pessoa cultivou seu espírito, ou se não pôde estudar por falta de meios materiais, ou o fez — sem culpa própria — de modo incompleto, imperfeito, o Espírito Santo, a rogos de Nossa Senhora, a ajudará e abençoará para que sua ação se torne útil e fecunda, a fim de salvar as almas. Porém, se por preguiça ela não estudou apologética, o Divino Espírito Santo certamente não a favorecerá, pois ele não supre as mazelas dos negligentes.

Ora, o que se dá com a doutrina sucede também com a cortesia e o “saint-simonianismo”. Quem possui os meios e o tempo para aprendê-los, deve fazê-lo. Quem não tem, confie em Nossa Senhora, seja desinteressado e seu trato fará bem às almas. Insisto: o “saint-simonianismo” não aproveitará ao egoísta nem será útil àqueles que manifestam um tratamento interesseiro, pois este corrompe tudo. Nas relações e conversas com o próximo, cumpre ser abnegado, amar seriamente a Deus e ao nosso semelhante por amor de Deus.

Pela admiração se aprende o “saint-simonianismo”

Como se aprende e se cultiva essa forma de cortesia a que chamamos de “saint-simoniana”?

Posso responder evocando meu exemplo pessoal. Aprendi, primeiramente, de modo vivo e direto — ­aliás, o mais importante —, prestando atenção, admirando, procurando entender, na medida do possível, as pessoas com alguma tradição “saint-simoniana” com as quais convivi desde pequeno. Entre elas a “fräulein” Mathilde, nossa preceptora, alguns parentes e conhecidos que frequentavam minha casa ou que eram visitados por mim, e em cuja educação refulgiam belos traços da formação dos antigos tempos.

Com o passar dos anos tornei-me ávido de conhecer mais, compreendi a beleza desse modo de ser, entendendo tratar-se não apenas de um dote mundano, mas, acima dos defeitos do personagem em si, de um valor da civilização católica. Então, quando me caiu nas mãos uma compilação de textos de Saint-Simon, minha alma teve sede de tomar contato com a obra completa dele. Li, sublinhei e reli os vários volumes, e confesso “invejar” os que ainda não os leram, pois podem ter a alegria — já saboreada por mim — de fazê-lo pela primeira vez…

Portanto, àqueles que é dado ler Saint-Simon, alegrem-se! Os que não o conseguem, não chorem, pois há algo melhor do que isto: se nos ambientes autenticamente católicos encontrarem algumas pessoas “saint-simonianas”, procurem admirá-las e entendê-las. Sobretudo, almejem ser inteiramente desinteressados, e o Divino Espírito Santo lhes ensinará o resto. Máxime se devotos de Nossa Senhora, por meio de quem obtemos todas as graças do Céu.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 22/5/1970)

Revista Dr Plinio 111 (Junho de 2007)