Exemplo de despretensão

Nuno Álvares, santo português, foi um dos maiores guerreiros da História de Portugal, adornado pelo mais belo título que um militar podia usar: Condestável! É o Condestável Bem-aventurado.

Além de ajudar singularmente o Rei de Portugal a rechaçar as invasões mouras, Dom Nuno Álvares Pereira teve importante papel nas brigas, infelizmente numerosas, entre Castela e Portugal, dois povos quentes. Narra a História Portuguesa que ele conseguiu vitórias brilhantes.

Ao contrário de certos generais de ministério, que ficam a léguas do campo de batalha, enviando telegramas e mantendo comunicações telefônicas, ele era um batalhador que ia à frente de seus guerreiros!

Terminadas as guerras, e visto que se iniciava um longo período de paz com Castela, Nuno Álvares pediu licença ao Rei e fez-se religioso: entrou para a Ordem do Carmo.
Ele, o grande Condestável, venerado por todo o povo português, fez-se irmão leigo e tornou-se o porteiro do mosteiro.

(Extraído de conferência de 17/1/1986)

São João Batista

Um dos meios mais belos de conhecer algo do Imaculado Coração de Nossa Senhora consiste em contemplar a vida de São João Batista.

Ele foi santificado no seio materno, assim que ouviu a voz de Maria saudando Santa Isabel.

Vê-se que, naquele momento, a Mãe de Deus comunicou misteriosamente o espírito d’Ela à criatura chamada a preparar os caminhos do Messias. E tudo quanto São João Batista realizou e cumpriu foi uma decorrência desta graça inicial que ele recebeu ainda antes de nascer. Graça esta que, pelos rogos de Nossa Senhora, foi constantemente intensificada, até atingir o auge na hora em que ele morreu.

Então podemos ver São João Batista enquanto asceta austero, enquanto pregador do Cordeiro de Deus que viria, e depois como herói que enfrenta Herodes e morre como mártir, sublime de grandeza e de serenidade. São facetas do espírito de Nossa Senhora.

 

Moral católica, fundamento da Civilização Cristã

A Europa foi o continente que, em tempos passados, correspondeu à pregação da Igreja Católica; continente que durante séculos permaneceu substancialmente fiel à Esposa de Cristo. Daí partiu a instauração da Civilização Cristã.

 

Por meio de seus Sacramentos, a Igreja dá forças para que a verdadeira Moral seja praticada pelos homens. Ora, é só por meio da verdadeira Moral que os homens conhecem e praticam a verdadeira ordem, porque a Moral não é senão a ordem do procedimento dos homens. Assim, em conclusão, só há autêntica e perfeita ordem entre os homens onde existe a verdadeira Igreja.

Igreja Católica, o fundamento da ordem

Se a Igreja ensina e dá forças para cumprir a Moral, ela é o verdadeiro fundamento da ordem. Quando os homens seguem a Moral da Igreja, a verdadeira ordem está adotada, no que ela tem de mais profundo.

E acontece com a ordem o que sucede com o corpo humano. Se eu estiver, por exemplo, com meu braço em ordem, só poderei esperar coisas boas: os movimentos necessários, a reação, os serviços, a defesa que ele me proporcionará. Se algo do braço está destroncado, o resto é dor, miséria, inflamação, perigo de gangrena, atrapalhações várias.

Assim também ocorre com a Civilização: se ela está baseada na Moral católica, inclusive nos seus pormenores, não há bem que não se possa esperar; mas quando ela se afasta da Igreja, ainda que seja em pequenas coisas de certa importância, não há mal, tristeza, miséria que não se possa temer.

Nascimento de um novo mundo

Ora, São Bento, por meio de seus monges, foi por excelência o missionário que trouxe à Civilização Católica os germanos e deu impulso ao movimento de evangelização que conquistou todas as nações escandinavas.

Por outro lado, São Bento, através dos monges beneditinos, instituiu um tecido de Ordens religiosas que espalharam por toda a Europa essa moralidade e esse modo de ver quando o continente europeu estava se reconstituindo; era um mundo novo que nascia depois das invasões.

Então o ideal da contemplação ficou profundamente presente nessa fecundidade do apostolado de conversão da Europa.

Portanto, a ação da graça penetrou nas raízes dessa árvore, e o resultado foi essa coisa maravilhosa: a Europa, que se tornou durante muito tempo a própria realização dos ideais da Contra-Revolução.

É para a destruição dessa Europa que a Revolução se levantou. E é para essa Europa que os nossos olhos se voltam nostálgicos, admirativos, cheios de afeto, precisamente porque aí estão os restos sagrados da Contra-Revolução.

 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência  de 10/2/1965)

Revista Dr Plinio 171 (Junho de 2012)

PALCO DE GLÓRIAS

Do cimo do monte que lhe serve de pedestal, ele contempla, sobranceiro e elegante, a aldeia que o circunda, o vale e as vastidões de terra que se estendem à sua frente. Suas torres de variegadas proporções, em gracioso movimento para o céu, conferem ao seu todo o signo da leveza, enquanto seus vigorosos panos de muro, maciços, apenas atenuados por janelas e arcos ogivais, dão-lhe a nota da majestade grandiosa e forte.

Deixa-se ver entre folhagens ou brandamente refletido no espelho das águas que correm um pouco abaixo de seus alicerces. Numa e noutra visão, aparece recuado nos tempos de heroicas epopeias, de lutas e de glórias em que cravou raízes naquela paisagem espanhola. Apesar de reconstituído em sua maior parte no século XIX, o lindo Castelo de Segóvia conserva ainda a atmosfera dos seus dias de batalhas e triunfos. Ao visitá-lo, sem muito esforço nossa imaginação viaja pela história, e nos achamos na presença de um rei santo, São Fernando III, que o utilizou como uma espécie de posto avançado em seus vitoriosos combates.

Podemos figurá-lo ali, na sala do trono, ou na sala de estar, — com suas paredes de pedras rudes e tetos ricamente lavorados — séria, solene, bonita, onde o soberano vivia na intimidade com a rainha. A distração mais repousante de ambos era se dirigirem para junto de alguma das largas aberturas em ogiva, através das quais perlustravam os campos e as pradarias que se desdobravam além. Então, o casal régio sentado em cadeiras de madeira com espaldar alto, com almofadas de um conforto discutível, olhava para aquela imensidão na qual nada se erguia, a não ser uma pequena fortificação de Templários, distante algumas centenas de metros do castelo. Observar a movimentação dos cavaleiros que entravam e saíam de seu reduto, constituía, assim, um motivo de entretenimento para o rei e sua esposa.

São Fernando, porém, sabia que os momentos de lazer não deviam ser o preponderante da existência para a qual fora suscitado por Deus. Sua missão providencial exigia dele a disposição para o sacrifício e para a luta. E foi esse mesmo Castelo de Segóvia o palco de um dos episódios mais eloquentes da gesta que o santo monarca empreendeu de forma magnífica.

Ainda hoje é mostrado aos visitantes o lugar em que São Fernando almoçava, quando lhe foi avisado que Sevilha, a metrópole dos invasores, a cidade cuja conquista proporcionaria o êxito em todas as demais batalhas, estava prestes a ceder diante das investidas das tropas espanholas. E o mensageiro lhe dirigiu o apelo: “Vinde, Majestade, auxiliar os vossos, e hoje à noite entrareis em Sevilha!”

Mais não era preciso para aquele coração de herói e de santo. No mesmo instante o Rei interrompeu a refeição, mandou preparar suas armas e seu cavalo, e se dirigiu à brida solta até a cidade sitiada, onde já seus intrépidos soldados empreendiam os assaltos finais. Ao verem o soberano que se aproximava, os inimigos compreenderam que nada mais lhes restava senão se render e entregar a praça. Naquela noite, São Fernando se lembraria das torres e grossas paredes do Castelo de Segóvia sem nostalgias nem tristezas. Ele já dormia em Sevilha, olhando para o próximo campo de batalha. Pois assim fazem os Santos. Não contemporizam, não deixam para daqui a pouco, e, quando é necessário, interrompem a refeição, sem consumi-la até o último bocado, nem beber o último trago de vinho. Se chegou o momento do combate, que venham as armas e o cavalo, façamos uma jaculatória a Nossa Senhora, um Nome do Pai, e corramos… de encontro ao quê?

Ao que poderia ser para São Fernando a morte, ou a vitória e a glória… Pouco lhe importava que fosse a vitória, a glória ou a morte. Importava, sim, que Maria Santíssima triunfasse e que a Espanha novamente Lhe pertencesse.

Santa Germana Cousin – Segurança sobrenatural

Há determinadas figuras que nasceram para nos dar o exemplo da segurança sobrenatural em si mesma.

Assim vemos Santa Germana Cousin, pobre, órfã de mãe, escrofulosa, magérrima, com a mão direita deformada, desprezada por todos, até por seu próprio pai. Ela poderia, levada pela vergonha, procurar fugir ou ser uma pessoa revoltada. Entretanto, portou-se com extrema dignidade e levou sua vida na segurança de quem tem um valor: ela é batizada, filha de Deus.

A segurança, a paz e a tranquilidade fundadas na Fé desta Santa pastora, diante de uma situação própria a acabrunhar, nos ensinam que o nosso grande título, a grande razão de nossa ufania é de sermos católicos.

Que Santa Germana nos dê a graça dessa enorme segurança de que nosso verdadeiro e único título de glória é sermos filhos da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 15/6/1967)

Conhecimento perfeito da grandeza de Deus

Qual era a atitude de Nossa Senhora perante seu Divino Filho?

Antes de tudo, era de uma grande estima e de uma grande consideração das grandezas d’Ele.

Apesar de Nossa Senhora ser Mãe de Jesus Cristo e, portanto, ter a natural autoridade que toda mãe tem sobre seu filho, nenhuma criatura conheceu tão bem quanto Ela a grandeza de Nosso Senhor Jesus Cristo; nenhum intelecto criado pôde sondar tão profundamente essa grandeza e, por isso, nenhum soube admirá-Lo tão completamente.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 21/8/1969)

Santa Germana Cousin

Num século habituado aos prazeres e deleites da vida, onde o sofrimento e a dor eram considerados com repugnância e horror, despontou radiosa uma alma de extrema humildade, colidindo estrondosamente com os preconceitos de seu tempo: Santa Germana Cousin.

Comentarei a vida de Santa Germana Cousin, a virgem de Pribac, que vivera em fins do século XVI.

Assim narra-nos uma ficha com sua história:

“Se houve uma vida triste, inútil e miserável aos olhos do mundo, foi a da Bem-Aventurada Germana Cousin. Uma mão paralisada, uma saúde detestável, nenhuma instrução, um cajado para dirigir ovelhas, a guarda de alguns carneiros, enfim, a morte aos vinte e dois anos, eis o que compôs para o mundo a vida de Germana.

“No estábulo, um recanto pobre da casa, estava seu quartinho: um cubículo de cinco pés de comprimento, sob uma escada. Algumas ramagens de videira como leito, e, como alimento, um pouco de pão e de água era bastante para esta miserável escrofulosa. Sua faina diária era guardar o rebanho da família. E as estações do ano lhe fizeram sofrer muito no que elas têm de mais rigoroso.

“Sua paciência era inalterável, ela não possuía outra resposta às injúrias e aos maus-tratos que de todo lado caíam sobre ela quando voltava para casa, trazendo o rebanho e levando-o para o estábulo. A sua única resposta era calar-se e retirar-se a seu pequeno cubículo”.

Diante de uma vida como essa, quais ensinamentos poderiam ser hauridos para o benefício das almas?

Dois notórios contrastes sucederam-se durante a vida de Santa Germana. Tendo nascido no século XVI, houve uma flagrante divergência entre o pecado dominante deste século e a vida levada por ela, como também a diferença entre as dificuldades da vida terrena que sofrera, em relação à glória sobrenatural pela qual esteve cercada no final de sua existência e sobretudo no Céu.

Por um lado, constata-se um século profundamente marcado pela Renascença, carregando seus pendores defeituosos, que se entregava cada vez mais desbragadamente às pompas mundanas, aos prazeres da vida e a uma ambição pela glória terrena. Embora sendo menos vil que a dominante ambição pelo dinheiro no mundo contemporâneo, não deixava de ser censurável, por possuir um aspecto laico, voltado apenas para o amor-próprio pessoal, desconsiderando a glória celeste que é a única glória à qual o homem deve tender.

Temos então um século de vanglória, centrado no que há de passageiro, transitório e terreno, e que, inconscientemente, faz dessa vanglória um de seus ídolos.

Em meio a este ambiente, nasce uma santa venerada por toda a posteridade por ter sido o contrário da vanglória, levando uma vida pautada pelas maiores humilhações possíveis. Não podendo prestar serviços, pois possuía péssima saúde, Santa Germana era vista com extraordinária crueldade pelos seus mais próximos, maltratada e desprezada com uma raiva irracional que o homem de espírito pagão nutre contra quem apresente qualquer inferioridade intelectual ou física. Ela tinha conjugadas ambas as inferioridades, e era também iletrada.

“De um lado, as pessoas caçoavam da simplicidade dela e de sua devoção. Ela não conhecia nada, exceto o doce nome de Jesus, seu Salvador, e tinha muito cuidado de não se entristecer com seus sofrimentos, com sua miséria, e de pedir a Deus que lhe libertasse, ainda mesmo quando o poder divino, multiplicando os milagres em torno dela, parecia disposto a atender todos os seus desejos”.

 “Ela veio ao mundo paralítica da mão direita e atingida por uma escrofulose. Sua mãe fora levada pela morte logo após seu nascimento. Germana teve que passar toda a sua vida sob a autoridade de uma madrasta que a detestava, maltratava e conservava afastada de seus irmãos e irmãs. Seu pai, Lourenço Cousin, não tinha por sua filha nenhuma espécie de ternura, pouco se inquietando por seus sofrimentos”.

Embora sendo uma pessoa de mínima instrução, que nunca dera provas de grande inteligência, além do aspecto físico tão depauperado e desprezível aos olhos do mundo, esquecida pelo próprio pai e perseguida pela madrasta incessantemente, comprouve à Providência reunir em torno da vida de Santa Germana todas as razões de humilhação imagináveis, para cumulá-la ainda mais de alegria na vida eterna.

Rios que se abriam, neves que davam flores…

“Chegada a hora da Santa Missa, a Bem-Aventurada deixava seu cajado e sua roca, abandonando seu rebanho à guarda do Divino Pastor. Em Germana, a confiança era como uma luz sobrenatural que jamais fora iludida; esta lhe inspirava uma certeza sobre-humana que era posta a serviço de um amor heroico.

“O rebanho, sempre muito bem guardado, mesmo na entrada da floresta de Bocogne, onde foi várias vezes deixado, jamais teve uma ovelha desgarrada, nem o menor prejuízo causado aos campos vizinhos. O que há de mais, o rebanho estava florescente e não havia em toda a aldeia um rebanho mais belo nem mais numeroso.

“Nosso Senhor multiplicou os milagres nas mãos de sua caridosa serva, como Ele outrora havia multiplicado entre as suas mãos divinas. Mas esta explicação não veio ao espírito de todos. Acusaram-na de roubar pão da casa de seu pai, e sua madrasta não foi a última a conceber tais suspeitas. Um dia deu-se conta, ou julgou notar que Germana levava em seu avental um certo número de pedaços de pão que não lhe tinham sido dados. Imediatamente tomou um bastão e pôs-se a correr atrás de Germana. Seu furor contra o suposto roubo lhe fez vituperar todas as injúrias que lhe vieram ao espírito. Dois habitantes de Pribac que a viram, tomados de piedade pela pobre menina ameaçada, apertaram o passo com o desígnio de tomar a defesa dela. Quando chegaram perto da pastora, fizeram-lhe abrir o avental e ele não continha outra coisa, senão um magnífico buquê de belíssimas flores, espargindo um perfume delicioso. Jamais os jardins de Pribac tinham produzido flores semelhantes! Não era uma estação de flores, pois estava-se durante um rigoroso inverno…

“Um dia, Santa Germana não podendo ir à igreja sem atravessar um riacho, o qual, de tal maneira se tinha enchido à noite, tornara-se intransponível, e quando duas testemunhas esperavam para ver o desaponto dela, sem se deter um só instante Germana pôs o pé e as águas se retiraram e fizeram para a humilde pastora de Bocogne o que outrora o Jordão havia feito para a Arca da Aliança e para os filhos de Israel. Os camponeses que estavam lá ficaram tomados de temor e como que fora de si mesmos. Ficaram muito tempo com o olhar fixado sobre Germana que se distanciava a toda pressa, e olhavam para ela e para o riacho que continuava a correr”.

Surge então outro aspecto de Santa Germana, os milagres que se realizaram em grande quantidade à sua volta, comprovando sua autêntica virtude. Milagres dos quais dois são clássicos, um de separar as águas, como sucedeu ao povo hebraico quando transpunha o Rio Jordão, com a Arca da Aliança. O outro milagre faz lembrar o famoso fato da vida de Santa Isabel da Hungria quando levava pão aos pobres. Ocorreu que um cortesão veio a exprobrá-la, perguntando o que trazia em suas mãos, ao que ela respondeu-lhe: “São rosas”, e abrindo o avental notou que de fato o que havia ali eram rosas… Milagre magnífico, semelhante ao realizado por Santa Germana quando os pães transformaram-se num lindo buquê de flores.

Milagres como esses poderiam ser uma forma de Santa Germana dar-se conta de sua própria grandeza e orgulhar-se dela. Não obstante, ela foi um modelo indubitável de humildade, mesmo após a enorme fama de santidade intensamente propagada a seu respeito.

Despretensão, a condição para a santidade

Aos familiares dela não foi dado ver as qualidades extraordinárias que possuía. Mesmo consciente dos milagres que lhe eram atribuídos, a madrasta a perseguiu maldosamente por uma suspeita de roubo, absolutamente infundada.

Mas Germana, possuidora de extraordinário equilíbrio, preferiu permanecer em seu estado a pedir a cura que a privaria de suas humilhações, fazendo possivelmente com que não tivesse alcançado a extraordinária santidade a que chegou. Bem poderia ela ter-se utilizado dos milagres para dizer a sua madrasta: “Não percebe quem sou, e que valho sozinha mais do que toda a aldeia de Pribac e as redondezas somadas? Em determinado momento a senhora pode vir a precisar de mim para algum milagre; porém, tratando-me dessa forma, jamais lhe atenderei. E quando adoecer gravemente? Aqui está quem poderá curá-la. Portanto, respeite-me”.

Ela poderia intimidar por essa forma o ambiente em que vivia, pois todos se curvariam ante suas ameaças. Entretanto, continuando a aceitar todas as humilhações que de início lhe foram impostas pela Providência, Santa Germana recusou o aroma inebriante de seus próprios milagres e das homenagens que lhe eram prestadas, para manter-se fiel até o fim.

Protetora do Papado

Pode-se imaginar essa notícia penetrando nos palácios, nos conventos, nas rodas da alta burguesia, e transmitindo a todos os que ouviam, um convite a confiar nas orações dela. Mas vinha juntamente uma afirmação: “É ouvida por Deus a oração daquele que não tem vanglória, pois ela afasta o homem de Deus. Se te queres unir a Deus, abandona a vanglória”.

Uma mensagem como esta, era uma pregação da humildade contrária ao orgulho característico do século XVI, uma pregação da virgindade contrária à concupiscência efervescente que haveria de culminar na Revolução Francesa.

“Germana foi invocada a favor de Pio VII e mais tarde de Pio IX. A dupla libertação desses dois Soberanos Pontífices seguiu-se de perto ao pedido que foi a ela feito”.

Socorrendo a Igreja em terríveis aflições, pedindo por Pio VII e posteriormente por Pio IX,  Santa Germana transforma-se em protetora da mais gloriosa das instituições existentes na Terra: o Papado. Essa foi a grandeza à qual Deus elevou-a.

Mansidão ou… combatividade?

Para o católico de nossos tempos há alguma lição a ser tirada da edificante vida de Santa Germana?

Adaptadas às circunstâncias do mundo de hoje, devemos observar as mesmas virtudes que por ela foram praticadas. O católico de nossos dias deve ser altivo, batalhador, cônscio de seu valor, não esquecendo, porém, de representar perante seu século as virtudes de Santa Germana Cousin. Muitas vezes negado, malvisto, isolado e perseguido, ele vê constituírem-se em torno de si as inimizades mais gratuitas, enquanto desfazem-se as mais fundadas amizades. Ele tem de lutar de peito aberto contra as potências de sua época, remando contra a maré montante dos vícios e desvios de seu tempo. Não raras vezes torna-se ele objeto de desprezo, senão de ódio. Também Santa Germana era objeto de injúrias pessoais, as quais ela humildemente aceitou.

Ante as injustiças particulares recebidas, devemos recebê-las com mansidão. Entretanto, quando a glória de Deus é tocada, devemos defendê-la como leões. E ao tratar-se de problemas do amor-próprio ou de reivindicações pessoais, devemos ser mansos como cordeiros.

Teremos imitado, então, a nosso modo, as virtudes de Santa Germana, ora inclinando a cabeça perante as humilhações, ora defendendo a glória de Deus como guerreiros.

A pastora transformada em rainha

“Uma noite, dois religiosos surpreendidos pela escuridão se viram obrigados a deter-se numa floresta vizinha para esperar lá a aurora. No meio da noite eles foram acordados por cânticos admiráveis, os seus olhos se abriram, e eles viram uma luz das mais esplendorosas dissipar as trevas. Em alguns instantes essa luz se tornou mais brilhante que o sol. Rodeado por essa luz, um conjunto de virgens apareceu por cima da floresta; elas se dirigiam para Pribac, cantando cânticos maravilhosos. A visão não desapareceu, senão para aparecer uns instantes depois; eram as mesmas virgens que vinham em sentido oposto; elas circundavam uma nova companheira que tinha acabado de juntar-se a elas e que levava sobre a fronte uma coroa de flores nova. Desaparecendo a visão uma segunda vez, deixou os religiosos encantados e conversando sobre o que eles tinham visto e ouvido. 

“Na manhã seguinte, Lourenço Cousin, pai dela, não a vendo aparecer como de costume — Germana sempre matinal e ativa — foi ao alto da escada, chamando-a. Aproximou-se e a pastora dormia o seu último sono.

“Havia quarenta anos que o corpo de Germana repousava no campo santo. O coveiro de Pribac, tendo um dia que preparar uma fossa, se pôs ao trabalho no mesmo lugar onde tinha escavado a da Bem-Aventurada. No primeiro golpe de pá ele levantou uma pedra, mas imediatamente se deteve e deitou um brado; ele tinha diante de si um cadáver que parecia todo recente e o instrumento tinha penetrado na carne incorrupta do cadáver.

“Hoje, seus restos mortais são venerados num relicário cercado de ouro e de luzes. Mais de quatrocentos milagres foram atestados por processos verbais              

Amigas do homem, as belas e poéticas florestas da França foram o ambiente escolhido pela Providência para o lindo milagre da aparição dos coros das virgens.

Dois frades de hábito, sandálias, bordão, com alvas e longas barbas a emoldurar-lhes o rosto, realizavam uma longa viagem a pé, rezando recolhidamente. Exauridos pelo esforço, ao cair da noite dormem na própria floresta, tranquilos, à espera de que venha o dia. Alinhados no chão, protegidos pelas árvores, repousam o merecido sono dos justos.

Aparece então uma luz extraordinária nos primeiros raios da manhã. Eles despertam e indagam-se: o que será? Veem passar uma névoa como que de cristal: é um coro de virgens que atravessam a floresta sem dificuldades em ultrapassar os obstáculos materiais, e desaparecem sobre as montanhas. Passado algum tempo as virgens voltam, trazendo uma a mais, agora sem escrofulose e sem humilhações. E, como nos contos de fada, a pastora transformou-se em rainha, cercada por todas as outras princesas. Caminham alegres para o Céu para receber então a coroa de glória.

“Deposuit potentes de sede et exaltavit humiles” , o orgulho fora castigado, enquanto a humildade ia ser coroada no Céu.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/8/1973)

 

São João Batista

Suscitado para predispor as almas a receberem o Divino Salvador, São João Batista “abatia as colinas e preenchia os vales,,, ou seja, calcava aos pés o orgulho e eliminava a impureza. Foi, além disso, um magnífico exemplo de destemor, ao exprobrar a impiedade e o pecado do rei Herodes. Esse homem que de tal modo abatia a sensualidade, lutava contra o orgulho,  cortava o caminho aos ímpios e servia de modelo de penitência, era digno de ser o precursor de Nosso Senhor Jesus Cristo!

Procurando imitar as perfeições divinas

Desde a sua infância, Dr. Plinio cultivou um profundo amor às excelsas perfeições do Homem-Deus, almejando o quanto possível refleti-las em sua própria alma. De modo particular, encantava-o a sublime dignidade de Nosso Senhor, à qual desejou imitar para difundir ao seu redor o “bom odor de Cristo”.

 

No tempo em que fiz a Primeira Comunhão e cursava os anos iniciais de colégio, Nosso Senhor era apresentado sempre na plenitude de sua bondade, mas também com majestade e dignidade excelsas. De tal maneira que, tenho a impressão, quem O conhecesse pessoalmente, ao mesmo tempo se derreteria de confiança e se evanesceria de humildade diante da grandeza d’Ele. As imagens, o estilo do culto, o ambiente das igrejas, tudo recendia uma elevação que era a expressão da majestade suprema e incomparável de Jesus. Essa realeza se origina do fato de ser Ele o Homem Deus e, como tal, o Rei de todas as coisas por definição e natureza.

Espelhando-se na dignidade de Jesus

Ora, eu julguei que O imitava, na medida em que toca às meras criaturas, de dois modos. Primeiro, prestando muita atenção e procurando entender a dignidade humana, não com raciocínios filosóficos (os quais não estavam ao alcance de minha jovem idade), mas vendo as pessoas mais especialmente dignas que eu conhecia, analisando a sua superioridade e como se colocavam acima das outras, para o bem delas e o de todas. Em segundo lugar, compreendendo, em conseqüência, o que é ser e como se tornar uma pessoa digna.

Depois, quanto coubesse à minha condição de criança, tentei realizar essa dignidade em mim mesmo. Porque nunca aceitei como válida a teoria — muito difundida no meu tempo de infância, e talvez ainda vigente e requintada nos dias atuais — segundo a qual um menino não possui dignidade nenhuma. Ele é considerado um palhacinho, um bobinho, para divertir os mais velhos e fazer coisas terríveis: quebrar as janelas, praticar toda espécie de turbulências, com o que indica a sua genialidade e o grande homem que ele será no futuro. Isso nunca admiti. Pelo contrário, detestei essa ideia com toda a minha alma.

O menino é uma participação dos seus pais. Ele tem a dignidade inerente a seus maiores, embora posta nas condições da infância. Daí eu sempre cultivar maneiras cerimoniosas, o modo elevado de se exprimir, o observar a castidade (inseparável da dignidade), o prestar homenagens aos mais dignos do que eu, etc. Como também o fazer sentir àqueles que me eram inferiores, os limites, as diferenças, movido pelo senso das proporções da caridade que impregna tudo quanto faz o verdadeiro católico.

Hábito da reflexão e amor às autoridades

Outro elemento característico da dignidade que procurei nutrir em minha alma, para imitar a Nosso Senhor Jesus Cristo, é o hábito e o gosto da reflexão. Sempre me pareceu que a pessoa espontânea, irrefletida, estava a um milímetro do completo ignorante. O indivíduo que mal ouve algo e já se põe a tagarelar, sem nunca ter pensado naquilo, é um asno, pois se orienta apenas pelos seus sentimentos impulsivos. Essa atitude me inspirava não pequeno desdém.

Pelo contrário, aquele que reflete, pesa todas as coisas, entende, considera, forma as suas opiniões, tem uma dignidade especial. E essa dignidade eu procurei, desde os meus primeiros anos, manter em mim, muito ciente de que em Nosso Senhor Jesus Cristo, a própria Sabedoria Encarnada, isso tomava os aspectos divinos que n’Ele têm todas as coisas.

Outro traço da divindade de Jesus que procurei cultivar em mim, tanto quanto possível, foi reverenciar adequadamente todas as autoridades constituídas. Lembro-me de ficar indignado vendo como alguns dos meus colegas consideram certos professores. Tratavam-nos como lacaios ou algo até inferior. Em última análise porque eram filhos de pais ricos e o professor era pobre. Se esse mesmo professor um dia aparecesse no colégio dirigindo um automóvel de luxo, porque se tornara um homem de posses, seria tratado com bajulação. Porém, como em geral recebiam um ordenado pequeno e levavam vida modesta, eram humilhados pelos seus alunos abastados. Então, senhores de 50, 60 anos, dignos de alguma reverência, tornavam-se objeto de debiques e gargalhadas. Isso me revoltava, e me levava a ter para com todos os meus professores um imenso respeito.

As perfeições de Nosso Senhor são tantas, que passaríamos vários dias enumerando-as e indicando os modos de um fiel imitá-las. Poderíamos considerar, ainda, a observância de todas as leis que Ele praticou desde Menino, bem como o ter sempre manifestado muito respeito às autoridades legítimas. Por exemplo, às da Sinagoga, pois quando Ele curava alguém, mandava-o mostrar-se aos sacerdotes.

Enfim, em tudo Nosso Senhor demonstrou a maior deferência, até o momento em que investiram contra Ele. E o Redentor se deixou matar como uma ovelha, um manso cordeiro, sem protesto nenhum, mas sustentando implacavelmente a verdade.

A exemplo do Divino Mestre, eu julguei que também era meu dever sustentar a verdade em qualquer ocasião, de modo intransigente, porém com o respeito e o acatamento devidos a todas as autoridades.

E assim, nas diversas circunstâncias da vida, procurei formar meu senso contra-revolucionário por meio da imitação das qualidades divinas de Nosso Senhor.

O dom da palavra

Um dos mais excelentes dons que Deus deu ao homem é o da palavra, e o bom uso que dela devemos fazer, pois é o melhor meio de se praticar a caridade. Com efeito, o dinheiro e outros recursos materiais que oferecemos a alguém necessitado pode lhe matar a fome do corpo, mas a fome da alma só é saciada pela palavra.

Nesse sentido, poder-se-ia tecer uma longa descrição a respeito do uso que Nosso Senhor Jesus Cristo fazia da palavra, e nos perguntar: Ele falou pouco ou muito?

É curioso: não parece que Ele tenha sido de muito falar, mas de dizer coisas apropriadas. Cada palavra de Nosso Senhor tinha um peso, uma densidade, uma luminosidade especiais. O menor conselho ou comentário seu, era um tesouro, uma bênção, algo extraordinário!

Mesmo na intimidade com Lázaro, Marta e Maria, em que Ele se expandia mais, como se estivesse em casa, imaginemos que ali Jesus falasse de modo menos conceptual: quais eram as suas conversas?

O Evangelho não nos revela, mas vendo o conjunto da conduta dos anfitriões com Ele, percebe-se que cada palavra nascida dos lábios de Jesus era uma estrela que se acendia, deixando seus interlocutores mudos de admiração e enlevo.

Ora, tanto quanto houvesse proporção com a minha condição de menino, de mocinho e, depois, de homem feito, eu procurei cultivar uma linguagem correta, elevada, com vocabulário abundante, e, sobretudo, na qual eu tivesse o que dizer. Claro, não indo além do limite alcançado por meu espírito, mas chegando até ele, pelo que sou responsável diante de Deus.

Então, com o auxílio da Santíssima Virgem, procuro atingir esse limite, fazendo um bom uso da palavra, para imitar Nosso Senhor, para bem servi-Lo e à Santa Igreja.

Sem nos esquecermos de que a presença é a bem dizer o complemento da palavra, a qual está para a primeira como o perfume para a flor, patenteando-se não só através de fatores ponderáveis, mas também imponderáveis. Há presenças insignificantes: a pessoa entra numa sala onde vários estão conversando, não chegou ninguém; e quando sai, não se retirou ninguém. A roda de conversa não se enriqueceu com a chegada dela, nem se empobreceu com a sua saída.

Devemos procurar, com humildade, sem pretensões, que nossa presença faça sentir aos outros o bom aroma de Nosso Senhor Jesus Cristo. E ao entrarmos num ambiente, possam dizer que chegou alguém, e ao sairmos, que alguém se ausentou. Entretanto, há muita gente que abusa do dom da palavra, dizem asneiras, coisas sem importância, conversam sobre trivialidades sem valor, sem conteúdo algum. Além disso, se exprimem com uma linguagem vil, com termos chãos, sem elevação, sem beleza, sem a menor preocupação de adornar suas palavras. Para usar uma bonita expressão hispânica, é uma “linguagem pedestre”. Ou seja, não é a do homem a cavalo, mas a do que anda a pé e se arrasta no meio da poeira.

Quantos exemplos Jesus nos deu disso! Nem há palavras para exprimi-lo. Quando estava presente, só havia Ele; quando ausente, não havia ninguém. Porque num lugar onde deixou de estar Nosso Senhor, podem ter ficado os homens mais célebres do mundo, o local se tornou vazio. Pois Ele condescendeu que Lhe fôssemos semelhantes também nessa qualidade, e, portanto, devemos cultivá-la.

Os divinos olhares de Nosso Senhor

Sempre procurei imaginar e admirar igualmente a divina perfeição dos olhares de Nosso Senhor. Ah, se eu pudesse fazer uma ladainha dos divinos olhares de Jesus! Acredito que, para se elaborar tais invocações, precisar-se-ia ser um extraordinário pintor.

É belo considerar as várias cenas do Evangelho, tentando figurar-se a expressão dos olhos de Jesus naquelas diferentes ocasiões. Por exemplo, no sermão das Bem-Aventuranças, cada palavra que Ele dizia era acompanhada, discretamente, por mudanças de fisionomia, assim como o mar assume esse ou aquele colorido, sem percebermos em que instante passou de um para outro. E retratar tão-só os vários semblantes de Jesus no Sermão da Montanha seria uma obra tal que mereceria se edificasse sobre ela uma imponente catedral.

Imagine-se, então, vitrais que representassem os divinos olhares de Jesus, nas várias circunstâncias de sua vida. O último e supremo olhar d’Ele nesta Terra, que podemos conjecturar tenha sido dirigido à sua Mãe, aos pés da Cruz. Como foi essa troca de olhares, mais valiosa que todos os olhares que houve, há e haverá no mundo? Ou como foi o colóquio de olhares que Mãe e Filho travaram, quando Ele, ressurrecto, pela primeira vez apareceu a Ela?

Aparecerão artistas capazes de pintar isso? Tenho a esperança de que, no Reino de Maria, sim. Pois sendo a santidade a medida de todas as coisas, quando ela é muito grande — como o será no reinado de Nossa Senhora — todas as qualidades humanas têm condições ideais para florescer. Portanto, assim como haverá santos extraordinários, aparecerão artistas geniais que saberão representar essa ladainha de olhares de Jesus. Nossa terá sido a voz que, antes de  todas essas maravilhas, as prognosticou e com elas se alegrou. É uma primeira saudação a todas essas grandezas.

Plinio Corrêa de Oliveira

O Magnificat, hino de sabedoria, humildade e grandeza

Único cântico que se sabe proferido por Nossa Senhora em sua vida terrena, o “Magnificat” despertava na alma de Dr. Plinio enlevadas considerações que ele, em mais de uma ocasião, comprouve-se em transmitir a seus jovens discípulos. Como essas, que abaixo transcrevemos.

 

Entoado por Nossa Senhora no encontro com Santa Isabel, o “Magnificat” é um maravilhoso hino inspirado pelo Altíssimo, é Deus cantando sua própria glória pelos lábios da mais amada das suas filhas. É, também, uma linda mensagem, coerente, lógica e séria, que Ele transmitiu a todos os homens de todos os séculos, pela voz virginal de Maria.

O cântico se inicia com a palavra “Magnificat” do latim “magnus”, isto é, grande para enaltecer Aquele que é a Grandeza personificada, reconhecendo que Deus merece este superlativo de louvor e de honra na sua glória extrínseca, passível de crescimento, por haver realizado n’Ela, Virgem bendita, o cumprimento da maior e mais alvissareira promessa divina feita à humanidade: a Encarnação do Verbo.

A exultação em Deus, seu Salvador

Então a alma d’Ela se apressa em extravasar o seu sentimento de profunda gratidão, proclamando como o Senhor assim se revelava o magno por excelência.

Em seguida, vem a alegria: “Et exsultavit spiritus meus in Deo salutari meo” (“E o meu espírito exulta!”).

Exultar é sentir um júbilo intenso, e não uma qualquer satisfação, como a que poderia experimentar alguém se soubesse que os seus investimentos renderam um pouco além do esperado. Esta seria uma alegria pequena, perto daquela que se exprime pela palavra “exultação”.

Por isso Nossa Senhora a emprega, para significar como seu espírito transbordou de gáudio em relação a Deus, o seu magnífico Salvador.

Essa felicidade se mostra tanto mais intensa quanto, conforme o pensamento que se completa no versículo seguinte, Ela considera a sua pequenez e vê como Deus a salvou de modo extraordinário, super-excelente, não só fazendo d’Ela a Mãe do Verbo Encarnado, mas dispondo que Ela tivesse em toda a existência de Nosso Senhor Jesus Cristo o papel admirável que sabemos.

Legítima alegria por ter sido engrandecida

Depois de afirmar a sua exultação, a Santíssima Virgem manifesta então o motivo dessa imensa alegria: “Quia respexit humilitatem ancillae suae – porque Deus olhou para a humildade da sua Serva”. Em conseqüência dessa atenção do Senhor para com Ela, “ecce enim ex hoc beatam me dicent omnes generationes”, eis que “todas as gerações”, isto é, todos os homens até o fim do mundo, vão por sua vez enaltecê-La, chamando-A “bem-aventurada”.

“Quia fecit mihi magna qui potens est” – porque me fez grande Aquele que é poderoso”. Percebe-se aqui, mais uma vez, o gáudio de Maria por ter sido objeto de um especial desígnio do Onipotente: Ela, tão humilde, tornou-se grande pela força d’Ele.

Há, nessa passagem, um interessante ensinamento que deve ser considerado.

Alegrando-se com a grandeza divina, Nossa Senhora ao mesmo tempo se alegra com o fato de ter sido também engrandecida por uma condescendência d’Ele, e sabe que essa sua magnitude Lhe valeria o louvor e a devoção das gerações vindouras. É uma glória única, que a cobre de felicidade, e pela qual, cheia de reconhecimento, agradece a Deus.

Ora, essa atitude de Nossa Senhora aceitando, auferindo e amando a própria excelência, demonstra como é legítimo nos alegrarmos com a grandeza que Deus eventualmente nos conceda. Desde que, a exemplo de Maria, esse júbilo esteja alicerçado no amor a Ele, compreendendo que essa glória estabelece uma relação mais íntima entre nós e o Criador.

Eis outra importante lição a ser colhida do “Magnificat”.

O temor se divide em servil e reverencial. O temor servil é aquele que tem, por exemplo, um escravo ao fazer a vontade de seu dono pelo receio de sofrer duros castigos se não obedecer. O temor reverencial é aquele que alguém demonstra em relação a outrem, não por medo das penalidades que lhe possa infligir, mas por respeito e veneração pela superioridade dele, por não querer ultrajá-lo nem violar a obediência que deve a ele.

Um exemplo maravilhoso de temor reverencial encontramos nas ardorosas palavras que Santa Teresa de Jesus dirige a Nosso Senhor: “Ainda que não houvesse Céu, eu vos amara; ainda que não houvesse inferno, eu vos temera”. Quer dizer, ainda que Deus não lançasse à geena aqueles que se revoltam contra Ele, por temor de Deus experimentavam, antes de serem tocados pela graça e se converterem.

Pode-se supor, por exemplo, que São Paulo na via de Damasco não tivesse temor de Deus. Mas, atingido por um raio, ele caiu do cavalo, perdeu a visão, e logo ouviu a voz de Nosso Senhor que o interpelava. Quando se levantou, era outro homem, tornando-se o grande Apóstolo dos gentios. Era uma extraordinária ação da misericórdia divina muito provavelmente a rogos de Maria estendendo-se sobra uma alma que até então não temia a Deus.

Queda dos soberbos e exaltação dos humildes

“Fecit potentiam in brachio suo, dispersit superbos mente cordis suis – Manifestou o poder do seu braço, e dissipou aqueles que se orgulhavam nos pensamentos do seu coração”.

“Et sanctum nomen eius – E o Seu Nome é Santo”. Quer dizer, “Deus agiu assim para comigo, e procedeu santamente”. Essa fabulosa obra que o Senhor realizava na sua serva, vinha marcada pela infinita perfeição com que Ele modela tudo quanto sai de suas mãos onipotentes.

Misericórdia para os que temem a Deus

Após ter manifestado de tal maneira a grandeza de Deus e a sua própria, Nossa Senhora evoca o aspecto de bondade: “Et misericordia eius a progenie in progenies, timentibus eum – e a misericórdia d’Ele se estende de geração em geração, sobre aqueles que O temem”.

Significa que o fato de Deus A ter feito tão grande redunda num benefício e numa obra de misericórdia de que se aproveitarão todos os homens ser Ele quem é e pelos infinitos títulos que Ele possui acima de nós, temeríamos não fazer a vontade d’Ele. É essa a forma altíssima e nobilíssima do temor reverencial.

Então, aos que amam a Deus com um amor tal que até O temem não apenas por causa do inferno, mas sobretudo por não querer desagradá-Lo na sua infinita santidade -, para estes se abre a inesgotável misericórdia de Deus: “et misericordia eius a progenie in progenies, timentibus eum”. Cumpre salientar que, muitas vezes, a bondade divina não se prende a essa restrição, superando-se em requintes de solicitude até mesmo para com homens que pouco ou nenhum

Entendamos o que significa “manifestar o poder de seu braço”. Trata-se de uma metáfora, pois Deus, puro espírito, não possui braço. Este, porém, é no homem o membro pelo qual ele mostra a sua força e executa os decretos de sua inteligência e de sua vontade. Então, ao se referir ao “braço de Deus”, Nossa Senhora nos faz ver como Ele age energicamente em relação aos soberbos e orgulhosos, àqueles que se fecham para a ação da graça e não O temem nem O amam nos seus corações. Para com esses, Deus manifesta o poder de seu braço.

O pensamento se completa no versículo seguinte: “Deposuit potentes de sede, et exaltavit humiles – Depôs de seus tronos os poderosos, e exaltou os humildes”.

Por meio da Encarnação do Verbo, Deus quebrou o poder com que o demônio e seus sequazes neste mundo atormentavam os bons. Então, depôs aqueles de seus tronos, e exaltou a estes que eram perseguidos.

Alguém poderia objetar: “Mas, Dr. Plinio, não foi o que aconteceu. Deu-se o contrário! Anás, Caifás, Pilatos e congêneres, todos se achavam nos seus tronos, perseguiram e mataram Nosso Senhor!”

É verdade. Mas essa história não está narrada até o fim. Porque depois de Jesus ter sido morto, aconteceu precisamente o que aqueles poderosos queriam evitar: Ele ressuscitou, triunfando sobre a morte e sobre todos

os seus algozes. Com Ele, triunfava a Santa Igreja, venciam os Apóstolos e Nossa Senhora, os humildes até en-

tão desprezados. E para todo o sempre, serão estes glorificados e exaltados, enquanto Anás, Caifás e Pilatos serão mencionados com vitupério e horror. Então se comprovou a veracidade do dito: “deposuit potentes de sedes, et exaltavit humiles”.

Essa ideia ainda prevalece na seqüência do cântico: “Esurientes implevit bonis, et divites dimisit inanes – Cumulou de bens os famintos, e despediu os ricos com as mãos vazias”.

Nossa Senhora não pretende fazer aqui uma alusão aos recursos materiais ou financeiros. Ela se refere, antes de tudo, aos que se acham na carência de bens espirituais, aos indigentes das dádivas celestiais. A esses pobres de espírito que, humildemente, suplicam essas graças, Deus os atende na abundância infinita de sua misericórdia. Pelo contrário, aos “ricos”, àqueles que se julgam inteiramente satisfeitos no seu orgulho, Deus os despede de mãos vazias, isto é, sem torná-los partícipes do tesouro de seus dons sobrenaturais.

Em Maria, cumpre-se a promessa feita a Abraão

Por fim, Nossa Senhora volta à ideia central que inspira esse hino maravilhoso: “Suscepit Israel puerum suum: recordatus misericordiae suae – Tomou cuidado de Israel, seu servo, lembrado da sua misercórdia”.

Quer dizer, o Povo Eleito receberia em breve o Messias há milênios prometido, a Quem Deus enviaria ao mundo, recordando que

sua misericórdia assim havia disposto. Daí a conclusão: “Sicut locutus est ad patres nostros, Abraham et semini eius in saecula – Conforme tinha dito a nossos pais, a Abraão e à sua posteridade para sempre”.

A promessa feita a Abraão, fundador da raça hebraica, e aos descendentes dele ao longo dos séculos, de que o Salvador nasceria de sua progênie, acabava de ser cumprida. Nossa Senhora já trazia em seu claustro materno o Esperado das nações. Ela, uma filha de Abraão, daria à luz o Filho de Deus.

E assim o “Magnificat”, esta joia inapreciável, este maravilhoso cântico de sabedoria, humildade e grandeza, muito harmoniosamente se encerra pensando na Encarnação do Verbo, como o fizera na primeira estrofe.

 

Plinio Corrêa de Oliveira