Trono da misericórdia

Na imagem de Nossa Senhora de las Lajas, a Santíssima Virgem está com um olhar sério e investigador de quem quer ser obedecida. Ela tem fisionomia de Mãe, mas não está sorrindo; e embora não esteja olhando com expressão de ameaça ou repreensão, seu semblante é de alguém que, se houver algo errado, passa um pito ou faz uma ameaça.

O Menino Jesus está muito amavelmente voltado para quem reza. Em lugar do quadro clássico do Divino Infante sério e Nossa Senhora sorrindo para o pecador, indicando que Ela obtém d’Ele a misericórdia e o beneplácito, temos o contrário: Ele se volta sorridente para o pecador, Ela está séria. Quase se diria que Ele está distribuindo favores sem que Ela tenha entrado muito no assunto.

Parece até inverter o papel da Medianeira.

Na realidade, o pensamento é muito profundo: Ele Se manifesta tão misericordioso, com essa alegria de dar, porque está sentado no trono da misericórdia.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 19/10/1974)

Zelo pela glória de Maria

O nome é o símbolo de uma realidade psicológica, moral, espiritual, contida na pessoa e, por causa disso, o nome de Nossa Senhora, como o santíssimo Nome de Jesus, deve ser considerado como a afirmação da glória e dos predicados interiores d’Ela.

 

A  Festa do Santíssimo Nome de Maria é uma especial manifestação de glória de Nossa Senhora. Não se trata apenas do nome de Maria, mas de algo que está por detrás do nome. Os antigos consideravam o nome como uma espécie de símbolo da pessoa, e durante bastante tempo se difundiu muito o uso das iniciais, que são uma espécie de símbolo do nome.

Simbolismo do nome

O nome é o símbolo de uma realidade psicológica, moral, espiritual, mais profunda contida na pessoa e, por causa disso, o nome de Nossa Senhora, como o santíssimo Nome de Jesus, deve ser considerado simbólico da virtude excelsa, da missão, enfim, de tudo aquilo que a Santíssima Virgem é verdadeiramente. O nome de Maria é a afirmação da glória e dos predicados interiores d’Ela.

Comemorando esse nome, festejamos a glória que Nossa Senhora teve, tem e terá no universo, e a glória que Ela possui no Céu. Quanto a esta glória não é preciso dizer nada; já está tudo dito: Ela é a Rainha de todos os Anjos e Santos, colocada incomensuravelmente acima de todas as criaturas, de maneira que, na ordem criada, Ela é o cone para o qual tudo converge, sendo nossa medianeira junto a Deus Nosso Senhor.

A glória que Ela com isso tem é simplesmente inexprimível; é uma decorrência de sua condição de Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Entretanto, na Terra também Nossa Senhora deve ser glorificada. O normal seria que a Virgem Maria fosse venerada na Terra e seu nome santíssimo glorificado de modo inexprimível.

Indignação por ver a Rainha não ser reconhecida no papel que Lhe compete

Imaginemos um mundo imbuído do espírito de São Luís Grignion de Montfort, uma Cristandade na qual os discípulos desse Santo fossem o sal da terra e dessem realmente o tom da piedade mariana; então compreenderemos como a glória de Nossa Senhora no mundo seria incomparavelmente maior do que é hoje.

Vemos Maria Santíssima tão glorificada pela Santa Igreja, e essa glória nos parece imensa, mas não é nada em comparação com a que Ela deveria ter no mundo, uma glorificação dentro do espírito de São Luís Grignion de Montfort.

Essa glória de Nossa Senhora nós a devemos amar ardentemente, porque é insuportável que Ela não receba toda a glória a que tem direito. É simplesmente a coisa mais odiosa, mais execrável que o vício, o crime, a Revolução, a maldade dos homens, o demônio, enfim, consigam diminuir a glória que a Santíssima Virgem deva receber dos homens.

Em relação à glória de Nossa Senhora nós deveríamos ser zelosos como filhos na casa de sua mãe. Imaginem se um de nós poderia sentir-se bem, quando vê recusarem a ela as atenções que lhe são devidas. Como podemos estar contentes na Terra, sujeita ao reinado de Maria Santíssima, vendo serem recusadas as honras e as atenções a que Ela tem direito?

Isto deve ser para nós uma ocasião contínua de pesar. Muito mais do que pesar, de indignação enorme por ver a Rainha não ser reconhecida por todos no papel que Lhe compete.

Peçamos a Nossa Senhora, tão injuriada pelos homens em nossos dias, que aceite o nosso desagravo por tantas ofensas que Ela está continuamente recebendo! E que Ela disponha nossas almas para uma reparação completa.

Necessidade de uma reparação digna

Nós devemos juntar a isso uma outra consideração. Precisaríamos pensar como a nossa reparação deveria ser, e fazer um exame de consciência perguntando-nos se a nossa reparação estará à altura. E, portanto, se não precisaríamos também oferecer uma reparação pela deficiência de nossa reparação. Porque não podemos, sem maior cerimônia, rogar a Nossa Senhora perdão pelo que fizeram os outros, sem pedir perdão pelo que fazemos nós também. Seria como se nos aproximássemos do trono d’Ela sem culpa, como se fôssemos ilibados e os outros carregados de culpa. Não posso me aproximar do trono d’Ela sem lembrar do que eu faço. E, portanto, pedir a Ela que também aceite uma reparação pela chocha reparação de seus pobres reparadores.

Como seria uma noção plena de tudo quanto Ela é? Não é apenas uma noção teórica, mas prática, viva, concreta, que se deve ter. E, depois, nos perguntarmos se durante todas as horas do dia, em todas as ocasiões – quando estamos trabalhando, vendo uma revista, lendo um livro, ou fazendo qualquer outra coisa –, o zelo pela glória de Deus e de Nossa Senhora verdadeiramente nos devora. Ou se há ocasiões em que somos fracos, chochos, e nossos interesses pessoais, nossas questões de amor-próprio, nossos problemas de mil suscetibilidades e de coisas desse gênero, interferem e empanam o zelo que nós devemos ter pela glória de Maria Santíssima.

Porque se esses problemas interferem e empanam, e se pensamos demais em nós e pouco n’Ela, nossa reparação não será tão plena como deveria ser.

Então, aqui aparece mais uma vez a oportunidade de recorrermos aos nossos Anjos da Guarda e aos nossos Santos protetores, pedindo que eles se unam a nós para dar à nossa reparação um valor que, de si, ela não tem, para que nossa reparação seja adequada, reta e que, de fato, satisfaça a todos nós.

Sugiro, portanto, que rezemos para sermos perfeitos reparadores. Levando essas disposições ao altar de Nossa Senhora, tenho a maior esperança de que isto tenha como consequência que Ela nos dispense abundantes graças, e que o sorriso d’Ela receberá, se não a nossa reparação, pelo menos a nossa humildade, a qual nós podemos e devemos levar aos pés d’Ela.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 12/9/1964)

Mãe de Deus e nossa

A devoção à Santíssima Virgem foi, durante toda a vida de Dr. Plinio, a estrela que o guiou em meio a inúmeras “procelas”. Acompanhemos alguns comentários que deixam transparecer o que sempre transbordou de seu coração: a confiança em Nossa Senhora.

 

Devemos tomar em consideração que a “batalha” a ser enfrentada por cada homem no decorrer de sua vida, é verdadeiramente uma dura batalha. Mas essa batalha pode ser ganha por uma razão fundamental: é que ninguém luta a sós.

O que significa não lutar a sós?

A necessidade de uma ajuda sobrenatural

Temos em nosso auxílio uma proteção sobrenatural, sobre-humana, que é a proteção de Nossa Senhora.

A Ela foi dado conhecer a alma de cada homem de uma forma que ninguém jamais conheceu. A Santíssima Virgem vê até o mais íntimo da alma de cada um de nós, com tal amor, bondade e desejo de ajudar, que isso A levou a consentir nos padecimentos pelos quais seu Divino Filho passou.

Como Nosso Senhor era filho de Nossa Senhora e do Divino Espírito Santo, o Padre Eterno pediu o consentimento d’Ela para a consumação da Paixão de seu Divino Filho. O Padre Eterno não quis fazer algo sem atender ao consentimento d’Ela.

A pergunta feita por Ele a Nossa Senhora possivelmente foi a seguinte:

“Esse Filho, a quem quereis tanto e que é o Filho do próprio Espírito Santo, vai ser morto para a salvação de todo o gênero humano. Vós quereis entregá-Lo para a salvação da humanidade? Se quiserdes, Ele sofrerá como nunca ninguém antes, nem depois d’Ele, terá jamais sofrido. Uma enormidade de tormentos e de aflições se abaterá sobre Ele. Mas se Vós quiserdes, Ele não passará por essas dores, mas os homens não se salvarão e irão para o Inferno. Quereis?”

E Ela respondeu: “Quero!”

Respondeu tendo em vista cada homem, seus pecados e ingratidões.

Para que fôssemos limpos de nossos pecados e resgatados da culpa original, o Filho d’Ela padeceu enormes  tormentos, também para que tivéssemos a força necessária para nossa “batalha” no decorrer da vida.

Sempre que pedirmos a proteção d’Ela, obteremos

Nunca nos faltarão as forças, pois sempre que peçamos a proteção d’Ela, obteremos.

É preciso pedir, pois é insuficiente cobrar a Deus: “Vós prometestes que a tentação nunca seria maior do que as forças para combatê-la, porém agora eu não tenho forças”. A resposta de Deus será: “Esforce-se apenas um pouco que o resto virá”.

Além de esforçar-se é preciso pedir forças a Nossa Senhora.

Portanto, é preciso ter em relação a Ela uma devoção comparável à de São Luís Grignion de Montfort, compreendendo que Ela é medianeira de todas as graças, e todos os pedidos feitos ao Padre Eterno Lhe são agradáveis quando feitos por meio da Santíssima Virgem.

Quando Deus atende a um pedido feito por qualquer homem, Ele o faz através de Nossa Senhora, porque o pedido foi endossado e feito por Ela. Esta é a causa pela qual somos atendidos.

Há uma oração lindíssima — a qual recomendo rezarem — que recorda o desvelo e a mediação de Nossa Senhora para com todos os homens: é o Memorare (Lembrai-vos).

A lindíssima oração do Memorare

“Lembrai-Vos, ó piíssima Virgem Maria…”

Cada palavra tem sua aplicação. O que quer dizer, “piíssima”? Piedosa, tem como superlativo piedosíssima. Mas resume-se dizendo “piíssima”. “Piedosa”, neste caso, não quer dizer rezar muito, mas sim, ter largamente piedade e compaixão dos outros. Poder-se-ia dizer: “Lembrai-Vos, ó compassivíssima Virgem Maria”, que tem muita compaixão, que perdoa muito.

“…que nunca se ouviu dizer…”

A oração começa por essa afirmação, “nunca se ouviu dizer”, ou seja, em nenhum tempo ou lugar, em toda a Terra, alguém, tendo pedido alguma coisa a Ela, foi desamparado.

“…que tendo alguém recorrido à vossa proteção, implorado a vossa assistência, reclamado o vosso socorro, fosse por Vós desamparado…”

Ou seja, “quem, pedindo vossa proteção, implorando que Vós o acompanheis, que olheis para ele, que o sigais, Vós sempre atendeis. Lembrai-Vos disso no meu caso, para que não seja eu a primeira exceção na história de vossa glória.” É uma linda proclamação. Em nenhuma época do mundo a Virgem Maria deixou de atender àqueles que pedem a Ela, em nenhum caso, em nenhuma circunstância.

Se alguém tem a infelicidade de pecar, ou de possuir um vício, ou uma atitude moral — ou imoral — que se repete, não há problema: basta rezar e pedir, porque Nossa Senhora acabará tendo pena.

“Animado eu, pois, com tal confiança, a Vós, ó Virgem entre todas singular…”

Quer dizer: “Vós sois mais Virgem do que todas as virgens, sois a Santa Virgem das virgens”. Pois Ela está para as virgens como as virgens estão para as que não são virgens. Nenhuma virgem do mundo teve a virgindade d’Aquela que foi virgem, antes, durante e depois do parto.

Como pôde Nosso Senhor ter nascido sem violar a virgindade de sua Mãe?

É um mistério que a Onipotência de Deus pode fazer facilmente.

“…como a Mãe recorro e de Vós me valho…”

É como dizer: “Eu me dirijo a Vós como a minha mãe”.

Há algo emocionante, que não raras vezes se dá: os feridos no campo de batalha durante uma guerra padecem, muitas vezes, durante horas e horas, com dores, sangrando, sentindo fome, sede e cansaço. Ficam abandonados. Naturalmente, nesse apuro eles gritam. A maior parte dos gritos é pela mãe! São homens às vezes que perderam a mãe quando eram pequeninos, porém, na hora da morte, é pela mãe que eles bradam.

Ninguém é capaz de amar tanto a alguém, quanto uma boa mãe ama o seu filho.

Mesmo sendo o último dos homens, não há problema, pois Nossa Senhora é a mais alta e a mais excelsa de todas as mães. A compaixão d’Ela vale mais do que os castigos merecidos por nossos pecados. Se nossos pecados são um abismo, a compaixão de Nossa Senhora é uma montanha muito maior do que esse abismo.

“…e gemendo sob o peso dos meus pecados, me prostro aos vossos pés…”

O Memorare é, por definição, a oração de um pecador. Por isso a oração termina dizendo: “…gemendo sob o peso de meus pecados me prostro aos vossos pés”. É um pecador que está gemendo sob o peso de seus pecados, mas posto aos pés da Virgem Santíssima. Portanto, se temos a desgraça de estar em pecado, não deixemos de rezar essa oração com confiança, porque é a oração do pecador: “E gemendo sob o peso dos meus pecados me prostro aos vossos pés”.

“Não desprezeis as minhas súplicas, ó Mãe do Verbo de Deus humanado…”

O coração da mãe está sempre aberto para perdoar e afagar o filho.

“Minha Mãe — Vós sois a Mãe de Jesus Cristo, o Verbo que se fez homem, mas a minha também —, não desprezeis as minhas súplicas. Elas bem podem ser desprezadas, pois são súplicas, por si mesmas, inválidas. Porém, não as desprezeis, porque sou vosso filho e um filho pode pedir isso a sua mãe.”

“…mas dignai-Vos de as ouvir propícia…”

Tem-se a impressão de que Nossa Senhora vai se inclinar bondosamente e ouvir a oração.

“…e alcançar o que Vos rogo. Assim seja.”

O que se está pedindo? Pode ser a emenda de um defeito, de um vício, a aquisição de uma virtude. Tomando em consideração tudo quanto a Igreja ensina sobre Nossa Senhora, temos todos os motivos para crer que Ela vai obter o que rogamos. Devemos pedir tudo à Santíssima Virgem com muito empenho e ardor, mas, sobretudo algo que sobremaneira A agrada: a graça de sermos bons.

O que Ela quer de nós é que estejamos na graça de Deus e cheguemos ao Céu.  Pedir forças para nossa salvação é pedir aquilo que as santas mãos de Maria estão transbordando para nos conceder.

Nossa Senhora é a Onipotência Suplicante

Pelo que foi dito sobre Nossa Senhora, conclui-se que a devoção a Ela é de suma importância. Se Deus é tão perfeito, tão supremo, e nós, homens, tão insignificantes, caso não houvesse uma ligação entre Deus e os homens — que é Nossa Senhora — Ele não nos ouviria. A Justiça, a Pureza, a Santidade d’Ele, postas em contato com as misérias humanas, Lhe causariam horror.

Mas Ele mesmo, com suma bondade, criou vínculos que nos atariam a Ele. Encarnando-se no claustro virginal de Maria Santíssima, Ele se fez homem. Sendo Nossa Senhora Mãe espiritual de todos os homens, pedindo a Ele por nós, Ela assemelha-se a uma mãe que pede a um irmão, em benefício do outro. O irmão não pode resistir. Desta forma, Nossa Senhora é chamada pelos teólogos: “Onipotência suplicante”.

Ela suplica. Porém, sendo sua oração sempre atendida, ao mesmo tempo em que suplica, é onipotente.

É notório que ela atende ao que pedimos. Desta forma, nós, que não mereceríamos ser ouvidos por Deus em nossos pedidos, por causa d’Ela acabamos por merecer.

Mãe de compaixão sem limites

Torna-se muito clara a doutrina acima exposta, tomando em consideração, por exemplo, uma mãe que tenha dois filhos: um filho juiz e um criminoso. Se coubesse ao filho juiz julgar o que é criminoso, a boa mãe certamente se dirigiria ao juiz e diria: “Meu filho, sei que tu és juiz e a ti cabe aplicar a justiça. Os defeitos deste teu irmão são tais que merecem a pena de morte. Entretanto, em justiça — tu, juiz, me deves a vida — poupai a vida deste meu filho que merece a morte, por pedido daquela que te deu a vida”.

A maior das prerrogativas de Nossa Senhora é ser Mãe de Deus. Tudo aquilo que um filho possa dar à sua mãe, Deus deu a Ela.

O valor da súplica de Nossa Senhora é tão grande que os teólogos afirmam: todas as orações de todas as criaturas devem passar por Nossa Senhora, caso contrário, não chegam a Deus. De modo que — dizem eles — se todos os anjos e santos do Céu pedissem algo a Deus sem ser por intermédio d’Ela, não seriam atendidos. Entretanto Nossa Senhora, pedindo sozinha, é atendida.

Essa é a Mãe de uma doçura sem nome e uma compaixão sem limites. Uma mãe que tem tanta pena de seus filhos que, na hora de um filho ruim ser julgado, obtém para ele a salvação.

Aos pés da cruz, intercedendo pelo bom ladrão

É célebre a tocante passagem do Evangelho na qual Nosso Senhor crucificado está entre dois ladrões. Estes últimos conversavam entre si, e o mau ladrão blasfemava contra Nosso Senhor.

O bom ladrão replicou: “Nós merecemos o castigo que estamos sofrendo e por isso vamos morrer. Mas Este é um justo e não merece tal suplício. Por isso, não fales mal d’Ele”.

Pediu a Deus perdão pelos pecados que cometeu.

Jesus disse a ele: “Tu, hoje, comigo estarás no Paraíso”.

Foi a primeira canonização da História! “Hodie mecum eris in Paradiso”.

Nossa Senhora estava aos pés da cruz. Certamente Ela estava rezando pelos ladrões. Nosso Senhor, do alto da cruz, recebeu essa oração e deu graças extraordinárias a ambos. Um deles, por ser ruim as rejeitou; o outro, porém, correspondeu a elas e pediu perdão. A graça da conversão que o bom ladrão recebeu foi tão abundante que Nosso Senhor, ao descer para o limbo a fim de levar para o Céu as almas dos justos que lá se encontravam, levou também a alma dele.

Eu julgo que, se não fosse a oração de Nossa Senhora, nada teria acontecido.

Assim é possível compreender a importância da devoção a Nossa Senhora. Tal devoção é leve, cheia de esperança, de perdão e de afeto materno; constitui a alegria de nossas almas. Sem a devoção a Nossa Senhora, nossa vida de católico seria soturna.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 21/9/1991 e 3/3/1992)

 

Natividade de Maria: aurora de esperança para as almas

Alegrias e sofrimentos sucedem-se na existência humana. E se as primeiras são sempre bem-vindas, estes últimos raramente são aceitos ou mesmo compreendidos. Afinal, quem não estremece diante da dor?

As duas festas marianas celebradas no mês de setembro, a Natividade da Virgem Maria e Nossa Senhora das Dores, entremeadas pela Exaltação da Santa Cruz, nos trazem preciosa lição a respeito.

A Igreja, Mestra infalível da verdade, ao nos propor a celebração da Santa Cruz, enaltece sua beleza e importância, sem negar as dores que a acompanham. “Pai, tudo é possível para Ti. Afasta de mim este cálice! Mas seja feito não o que Eu quero, porém o que Tu queres”(1)., foi a exclamação de angústia do Homem-Deus ao suar sangue na perspectiva de tudo o que sofreria.

Esta pungente oração, repleta de filial submissão, fora precedida por outra, introduzida por estas palavras: “Pai, chegou a hora. Glorifica o teu Filho, para que teu Filho Te glorifique…”(2)

O próprio Verbo encarnado, que após a última Ceia proclamara assim a certeza de que sua Paixão e Cruz manifestariam sua própria glória e a do Pai, sentiu pavor e angústia(3) ao considerar a enormidade dos padecimentos físicos e morais pelos quais deveria passar.

Se a perfeitíssima natureza humana do Homem-Deus, de tal maneira convicta da necessidade de seu sacrifício, tremeu diante da dor, o que dizer da nossa, tão frágil e insegura?

Sem dúvida, necessitamos, ainda mais do que o Redentor, de alguém que nos dê forças para levar com ufania a cruz que a Providência nos destinou. E esse alento podemos encontrar na filial meditação da Natividade de Maria feita por Dr. Plinio: “Quantas vezes a alma deste ou daquele está em luta, com problemas, contorcendo e revolvendo dificuldades! A pobre alma nem se dá ideia de quando virá o dia bendito em que uma grande graça, um grande favor vai acabar com seus tormentos, com suas lutas e, afinal de contas, proporcionar-lhe um grande progresso na vida espiritual.

“Há aqui o nascimento — a natividade, num sentido especial da palavra —, irrupções de Nossa Senhora em nossas almas. E na noite das maiores incertezas, das maiores trevas, de repente, Maria Santíssima aparece e começa a quebrar as dificuldades com que nós nos defrontamos. Ela desponta como uma aurora a representar algo de novo em nossa vida espiritual.

“Isso nos deve dar muita alegria e muita esperança, com a certeza de que a Santíssima Virgem nunca nos abandona. E nas ocasiões mais difíceis Ela nos visita, sua presença como que irrompe entre nós, resolve todos os nossos problemas, cura nossas dores, dá-nos a combatividade e a coragem necessárias para cumprir nosso dever até o fim, por mais árduo que seja, e arma nosso braço na luta contra o adversário.”(4)

Plinio Corrêa de Oliveira

1) Mc 14, 36.
2) Jo 17, 1.
3) Mc 14, 33.
4) Conferência de 8/9/1963.

Uma santa imperatriz virgem abala duas heresias

Dr. Plinio dava grande importância à sociedade temporal, a qual deve secundar a obra da Igreja. Santa Pulquéria, sendo Imperatriz do Império Romano do Oriente, ocupou o mais alto cargo na esfera temporal e contribuiu possantemente para o esmagamento das heresias de Nestório e de Eutiques.

 

A  respeito da Imperatriz Santa Pulquéria, virgem, temos alguns dados biográficos extraídos de diferentes fontes(1).

Um dos mais belos episódios da História

Ao lado de São Cirilo de Alexandria em sua luta contra Nestório, no triunfo da Mulher sobre o antigo inimigo, aparece-nos a admirável figura de uma mulher, de uma santa que foi, durante quarenta anos, o terror do inferno, e por duas vezes, em nome da Rainha do Céu, esmagou a cabeça da serpente odiosa.

Num século de ruínas, encarregada aos quinze anos da direção do Império, Pulquéria deteve por sua prudência, por sua energia, as convulsões internas, enquanto que, ­pela única força dos Salmos divinos — que ela entoava com ­suas irmãs, virgens como ela —, continha os bárbaros.

Vejam que coisa linda! Bizâncio, capital deslumbrante, amável, com as suas suntuosas igrejas, seus palácios, seus estádios, suas escolas, seu luxo! Ali se encontrava instalada uma imperatriz que canta os Salmos com suas irmãs virgens e, por essa forma, rechaça os bárbaros que invadiam o Império, e protege aquele reduto da Cristandade contra toda deterioração.

Este coro da Imperatriz com suas irmãs virgens, cantando Salmos para a proteção do Império, é um dos mais bonitos episódios que a História possa ter apresentado à consideração humana.

Grande devota de Nossa Senhora

Enquanto o Ocidente agitava-se nas convulsões da última agonia, o Oriente encontrava no gênio da sua Imperatriz a prosperidade dos mais belos dias.

Vendo a neta do grande Teodósio consagrar suas riquezas privadas para multiplicar, nos seus muros, as igrejas dedicadas à Mãe de Deus, Bizâncio aprendia com ela o culto a Maria, que devia ser a sua salvaguarda em tantos dias maus. E valeria do Senhor, Filho de Maria, mil anos de misericórdia e de compreensível paciência.

Com efeito, o Império Romano do Ocidente estava caindo, devido aos bárbaros que o invadiam. Mas, nos quarenta anos de governo de Santa Pulquéria, aquela torrente de bárbaros, por razões que os historiadores nem chegam a afirmar inteiramente, não desceram até Bizâncio, cidade que era tão ou mais rica do que Milão, ou Ravena, ou Roma, então meias capitais do Império Romano do Ocidente.

Santa Pulquéria foi saudada pelos Concílios gerais como a guardiã da Fé e o sustentáculo da unidade.

Segundo São Leão, a parte principal em tudo que neste tempo se fez contra os adversários da Verdade Divina, foi Santa Pulquéria. Diz esse grande Papa que duas palmas estão em suas mãos, duas coroas sobre sua cabeça, porque a Igreja lhe deve a dupla vitória sobre a impiedade de Nestório e de Eutiques, que, embora divididos no ataque, visavam o mesmo fim: a negação da Encarnação e do papel da Virgem Mãe na salvação do gênero humano.

Num século cheio de santos, ela abalou duas heresias e foi considerada o principal fator para esmagá-las, apresentando, portanto, alguns aspectos por onde nos faz lembrar Nossa Senhora que, sozinha, esmagou as heresias em todo o mundo.

Grande devota da Mãe de Deus, Santa Pulquéria construiu numerosas igrejas dedicadas a Ela, em Bizâncio, o que fez retardar especialmente a queda do Império, porque a devoção a Maria Santíssima é o meio para perpetuar a vida e evitar qualquer espécie de morte.

Elogiada pelo Papa São Leão Magno

“É a vós que se deve a supressão dos escândalos suscitados pelo espírito do mal. Graças ao vosso esforço toda a Terra está presentemente unida na mesma confissão de Fé.” Foi com essas palavras que o Papa São Leão prestou homenagem à Imperatriz Pulquéria, digna neta de Teodósio, o Grande.

Tinha ela sido batizada por São João Crisóstomo em Constantinopla e, muito nova ainda, fizera voto de virgindade juntamente com duas irmãs menores.

Quando morreu Acab, seu pai, foi proclamada Augusta tendo apenas quinze anos, e passou a governar sob tutela de Teodósio II, dois anos mais novo do que ela.

Em 414 assumiu todas as responsabilidades do governo, raras vezes vendo-se tanta prudência aliada à tamanha precocidade.

Quando Teodósio II chegou aos vinte anos, Pulquéria concorreu para que ele desposasse Atenaís, filha de um filósofo pagão de Atenas. Batizada com o nome de Eudócia, esta princesa acabou por perseguir a cunhada porque exercia influência sobre Teodósio, obrigando-a que se retirasse da Corte.

Pulquéria manteve-se afastada durante três anos até que, em 450, São Leão pediu-lhe encarecidamente que viesse em auxílio da ortodoxia ameaçada.

Condenado pelo Concílio de Éfeso, em 431, o Patriarca Eutiques tinha, por fim, caído nas boas graças do Imperador, e a heresia triunfava, então, com a sua pessoa na sede de Constantinopla.

Bastou que Pulquéria aparecesse na Corte para acabar com tais abusos, e conseguir que o Concílio de Calcedônia condenasse o eutiqueísmo e seus adeptos.

Entretanto, deu-se a morte de Teodósio e o afastamento de Eudócia, o que tornou Pulquéria senhora absoluta do Império, nessa altura ameaçado por Átila.

A fim de estabilizar sua autoridade, Pulquéria decidiu casar-se com o General Marciano, oito anos mais novo do que ela. Marciano respeitou seu voto de virgindade, perseguiu os partidários de Nestório e de Eutiques, e obrigou Átila a afastar-se das fronteiras.

Santa Pulquéria faleceu em 453.

Santos ocupavam o mais alto cargo no campo espiritual e no campo temporal

Sem dúvida, é uma lindíssima vida, toda cheia de ensinamentos e observações que se prestam a mais alguns comentários.

Em primeiro lugar, o papel importantíssimo que tem para os costumes e para a Religião o fato de que as pessoas altamente colocadas deem um bom exemplo, e que os detentores do poder público atuem de maneira a impor a Religião e os bons costumes. Esse elogio feito pelo Papa São Leão é decisivo a esse respeito.

“É a vós que se deve a supressão dos escândalos suscitados pelo espírito do mal. Graças ao vosso espírito, toda a Terra está presentemente unida na mesma confissão de Fé.”

Uma determinada mulher consagrada a Deus subiu ao trono imperial, deteve as rédeas do governo e um cargo que dava uma influência sobre os costumes de todo o Império, e soube utilizar-se bem desses meios que a Providência colocou em suas mãos. Por causa disso a Igreja, tendo no momento um Papa santo e, portanto, capaz das maiores coisas em beneficio dela, proclamou, pela boca do Pontífice, todo esse imenso beneficio que a Santa Pulquéria se deveu.

É verdade que a Religião precisa ser servida, antes de tudo, por sacerdotes, por Papas santos, mas um Pontífice santo reconhece que não basta isso; é necessário haver nos postos importantes da vida civil gente que ame a Igreja com todo o coração, com a preocupação única de servi-la e mais nada. A prova disso encontra-se neste fato: no mais alto cargo espiritual da Terra havia um Papa santo, mas a Providência não teria feito todo o bem que fez se não tivesse existido também uma santa no mais alto cargo temporal.

Isso mostra como os fiéis, sob a inspiração e orientação do bom clero, têm um papel próprio e importantíssimo na obra de estruturação da Civilização Cristã.

De outro lado, vemos como Santa Pulquéria, durante sua vida inteira, só cogitou do serviço de Deus.

Parece que nesta vida tão admirável houve um fato desconcertante: por que razão Santa Pulquéria quis que Teo­dósio II desposasse Ate­naís, filha de um filósofo pagão de Atenas? Essa narração ­será verdadeira? Em rigor, não é impossível que houvesse uma razão justa para isso. O fato concreto é que o heresiarca Eutiques obteve várias vitórias por causa disso.

E mais uma vez se vê o mesmo princípio: sai do poder uma imperatriz boa, entra outra má, tudo se arruína; de tal maneira os cargos da sociedade temporal são importantes para a realização da obra de Nosso Senhor Jesus Cristo.

É interessante notar o que se conta nessa ficha a respeito de Átila. Quando ele veio da Hungria para invadir o Império Romano do Ocidente, não se dirigiu imediatamente a este, mas desceu e ameaçou o Império do Oriente. Ali ele foi derrotado, e só então se dirigiu para o Império do Ocidente, onde produziu devastações tremendas que deixaram esse Império todo abalado, combalido, para cair debaixo de outros choques que não tardariam a vir.

Eis o efeito da presença de uma imperatriz santa servindo de “para-raios” e afastando inimigos terríveis, de maneira que o Império do Oriente veio a cair mil anos depois da queda do Império do Ocidente.

Devemos pedir a Santa Pulquéria que obtenha para nós a graça de compreendermos e fazermos compreender essas verdades, e de exercermos a nossa tarefa na sociedade temporal com ardor renovado, porque entendemos bem como isso está dentro dos planos da Providência.

(Extraído de conferências de 10/9/1965 e 10/9/1966)

 

1) Não dispomos dos dados bibliográficos das obras citadas por Dr. Plinio nesta conferência.

O arqui-vitral

Se os maravilhosos vitrais das catedrais góticas tanto nos deixam enlevados e admirados, incomparavelmente mais nos deve arrebatar o arqui-vitral, o vitral inimaginável, o primeiro, que é o Sapiencial e Imaculado Coração de Maria, concebido sem pecado original e através do qual reluz, inteiro, o divino Sol de Justiça!

Pela Santíssima Virgem, cheia de graça, passam todos os dons de Deus, iluminando-a de fulgores e cintilações inexcedíveis. Ela é, na verdade, o esplendoroso vitral que filtra para os homens este convite: “Vinde, subi, penetrai em mim, e eu vos mostrarei outros horizontes e vos levarei para outros céus. Não aqueles que o olhar procura, mas os céus e horizontes que Deus revela aos eleitos de sua misericórdia…”

Plinio Corrêa de Oliveira

Decisão e fortaleza dos aflitos

A condição do católico, nesta terra, é “suspirar, gemer e chorar”, como dizemos na Salve Rainha. E um de nossos gemidos é a luta contra os adversários de nossa salvação. É o gemido por ter de tomar a iniciativa de combatê-los, de não ceder nunca, de estar continuamente batalhando, sem desfalecimento. Por isso devemos recorrer sempre a Nossa Senhora, Mãe de misericórdia e Consoladora dos aflitos.

Consolar não é apenas enxugar o pranto de quem chora. É muito mais do que isso. É também dar força, ânimo e decisão. Pode-se, portanto, dizer que Nossa Senhora é a “Decisão dos aflitos”.

Em meio às suas aflições, o homem facilmente se acabrunha e se entristece de modo excessivo, perde a coragem e se deixa dominar pelo desânimo. Nossa Senhora pode, magnificamente, atenuar-lhe os sofrimentos. Contudo, o maior benefício que Ela concede ao homem aflito não é o de suavizar as dores que ele tem de enfrentar, mas o de lhe dar forças para suportá-las.

Nada, portanto, de uma piedade unicamente lacrimosa e passiva. Se estamos gemendo e chorando, devemos imitar a Nosso Senhor no Horto das Oliveiras: peçamos forças para arrostar o perigo, o risco e a luta que estão diante de nós. E Nossa Senhora então nos consolará, dizendo-nos: “Filho, ânimo! Eu te concedo forças para lutar. No Céu serão pagos os teus sofrimentos, e serão  recompensadas em glória todas as cruzes que tiveres de carregar sobre os ombros. Coragem, e anda para a frente!”

Essa é, propriamente, a consolação. Ou seja, um fortalecimento que Nossa Senhora proporciona àqueles que necessitam de vigor e de ânimo para os combates da vida.

Plinio Corrêa de Oliveira

Almas influenciadas pelo Sagrado Coração de Jesus por meio do Imaculado Coração de Maria

A perfeição da sociedade temporal se adquire quando as almas moldam sua própria índole segundo o Sagrado Coração de Jesus. E a união com Jesus se adquire com maior eficácia quando o caminho escolhido passa pelo Imaculado Coração de Maria.

 

Quando eu era pequeno, ao ver pela primeira vez o Pão de Açúcar, extasiei-me! E este impacto não desapareceu. Até hoje tenho entusiasmo pelo Pão de Açúcar e pela vista que se tem dele.

Delimitando terrenos…

Mas tive ali, naquela época, uma dúvida que seria hoje completamente obsoleta.

Na parte alta do Pão de Açúcar há uma construçãozinha qualquer, e eu tinha um eriçamento que está muito no meu modo de ser: “Não pode alguém escorregar daqui para baixo e cair nesse precipício? Não seria melhor fazer algo que cercasse as pessoas que estão ali?”

Então pensei, naturalmente, numa muralha medieval que protegesse contra a derrapagem, sempre possível lá. Notem que eu nunca ouvi dizer que alguém tivesse caído do alto do Pão de Açúcar; mas foi o meu primeiro impulso.

Lembro-me também que, passando através de fazendas de parentes ou contraparentes, um deles me disse:

— Aqui acaba minha fazenda e começa a do fulano.

— Como? Não tem cerca?

Ele me olhou um pouco espantado.

— Cerca, não! Nós somos irmãos.

— Mas, como é que o senhor sabe que a sua fazenda chega até aqui e a dele vai até lá?

— Está combinado entre nós.

Eu pensei: “Não é comigo! Pode ser meu irmão, o que for. Onde tem divisa é preciso pôr uma cerca! Não compreendo de outro jeito”. Gosto das divisas, porque aprecio as medidas acautelatórias e de prudência. Se prestarem atenção no meu proceder, verão que muita coisa que faço tem psy-cercas e psy-cautelas.

Quanto à devoção a Nossa Senhora, não é bom haver fronteiras

Sendo moço, quando li o Tratado da Verdadeira Devoção, de São Luís Maria Grignion de Montfort, tive uma surpresa: “Como essa devoção não é conhecida e praticada no mundo inteiro?! Porque esta é a posição natural do católico perante Nossa Senhora, e essas são as últimas consequências da Fé a respeito d’Ela.”

Ele cita, se não me engano, aquela frase de São Bernardo: “De Maria, nunquam satis — De Maria, não há o que baste.” E refleti:

“Com certeza ainda virão outros santos que tirarão mais consequências daquilo que São Luís Grignion diz.” Neste caso não é bom haver fronteiras…

Percebi bem que, geralmente, essa devoção não era difundida porque há uma “inimica vis”(1) pela qual está na tendência do homem levar o mal às últimas consequências, mas não fazer o mesmo com o bem. É uma preguiça de ser ótimo, de ser santo que todos nós carregamos nas costas como resultado do pecado original.

Por onde, quando nos apresentam um horizonte como este de Nossa Senhora que, por assim dizer, toca em Nosso Senhor Jesus Cristo, nossa tendência é de entender São Luís Grignion de modo limitado, e não como quem gostaria que esse santo, ou outra pessoa, levasse ainda a outras consequências a doutrina que ele próprio deu.

Então, por causa desta tendência do homem a não levar o bem até as suas últimas consequências, na linha de acentuar o bem, eu não quero divisas. Quer dizer, em relação a Deus não há divisas, como também não as há em relação a Ela, que é nossa Medianeira Universal. Todos os pedidos sobem por Ela, todas as graças descem por meio d’Ela.

Portanto, pôr limites a Ela é pôr limites a Ele!

Quem sempre considera Maria Santíssima não corre o risco de esquecer-se de Jesus

Então, perguntei-me: “Como acontece que tanta gente acabe não tendo esta devoção a Ela?”

E pensei: “Muita gente lê o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem e forma o propósito de levar esta devoção a Nossa Senhora às últimas consequências, mas depois começa a relaxar. Ela fica esquecida e, por preguiça, por mil coisas, a pessoa vai permitindo que aquela devoção a Ela vá murchando”.

Então, eu formei um propósito: “Nunca rezar a Ele a não ser por meio d’Ela!”

Por meio d’Ela quer dizer em união com Ela. Não significa que eu não me dirija a Ele. Mas é por meio d’Ela, em união com Ela. Apoiado, respaldado pela intercessão d’Ela, coberto pela misericórdia d’Ela, na condição de filho d’Ela, é que eu me apresento a Ele!

Isto até mesmo na hora da Comunhão, ao presenciar a Consagração, quando o Santo Sacrifício do Calvário se renova; eu me apresento e trato com Nosso Senhor nesta qualidade.

Por causa disso, quando falo d’Ele, pouco antes ou pouco depois, refiro-me a Ela. E só mesmo se ficasse muito forçado, muito artificial, é que não me referiria. Mas, em geral, arranjo uma maneira de não ficar forçado.

Assim, mesmo nas exposições que tenho feito acerca do Sagrado Coração de Jesus, procuro sempre falar d’Ela.

A devoção a Ela é um Pão de Açúcar do alto do qual se vê muito melhor a Terra, e nos sentimos mais perto do Céu!

Alguém poderia me perguntar, pontudamente: “Mas o senhor aplica a recíproca: sempre que fala d’Ela, falar d’Ele? Então quero ver a lógica do senhor!”

É tal a torrente de graças que Ele distribui por meio d’Ela, que quem não A esquece, falando sempre d’Ela, não tem perigo de esquecê-Lo! Quem fala sempre d’Ele, mas não se reporta a Ela, corre o risco de esquecê-La. Se não se pede a graça por meio do conduto necessário, que é Ela, pode-se acabar esquecendo a Ele e a Ela.

O Sagrado Coração de Jesus e a ordem temporal. Um exemplo: Brasil, um país muito cordato e homogêneo

Isto posto, a respeito do Sagrado Coração de Jesus e a ordem temporal, eu deveria dizer o seguinte.

Existe uma série de sociólogos e de outros estudiosos que escrevem sobre a organização política e social dos povos, dando princípios inegavelmente bons. No entanto, eles negligenciam a parte absolutamente essencial do assunto.

A boa ordenação temporal não pode ser escolhida nas nuvens. Por exemplo: “O Brasil é um país muito extenso; logo, precisa ter um governo central muito forte”. O que quer dizer “um governo central muito forte”?

O Brasil é um país muito cordato, muito homogêneo. Por vezes, dá a impressão de uma criança pequena para a roupa que veste; quer dizer, o território é grande demais para seus habitantes. Mesmo nos Estados mais populosos, os territórios são tão amplos que comportam uma expansão demográfica ao interior.

Por que razão haveremos de brigar? Não brigamos dentro dos nossos Estados, não brigamos uns com os outros também.

Por exemplo, é perfeitamente possível que os limites entre dois Estados sejam meio indefinidos. Se há uma coisa que não vai sair daí é briga! Um golpe de mão, uma velhacaria, de vez em quando sai: um tira um pedaço, o outro deixa passar e pega noutra ocasião…

O que vem a ser, portanto, um governo central e forte para tal povo, com estas vastidões, esta bondade e esta tranquilidade?

Discernir o temperamento, a mentalidade, a psicologia de um povo

A forma de governo, de organização interna, o modo de ser de um país, depende muitíssimo da alma de seus habitantes. Não é só do grau, mas também do gênero de virtude. Conforme o feitio do temperamento, da mentalidade, da psicologia, etc., as condições de governo de um país mudam. E quem não for capaz de discernir isto, não será capaz de governá-lo.

Mas discernir e governar em função de uma coisa, é governá-la? Saber como o outro é, e agir em função disto, é governá-lo? Ou governá-lo é conhecê-lo e dar-lhe uma orientação?

É preciso saber orientar a psicologia, a alma de um país.

Então, quem compreenda as profundidades da alma de um país, este o governa.

Dependendo de nosso consentimento, o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria atuam na profundidade de nossas almas

Há alguma coisa, aliás legítima, em nós, seres humanos, por onde podemos nos dar; mas somos nós quem nos damos. Podemos, por um ato de liberdade, aceitar uma limitação de nossa liberdade. Mas esse ato tem que ser interno. Se for imposto e não partir do fundo da alma, não tem significado.

Dependendo deste nosso consentimento, Deus, o Sagrado Coração de Jesus, o Imaculado Coração de Maria mexem as profundidades de nossas almas, as tocam despertando nelas os bons impulsos, os bons movimentos, as boas reflexões, enfim, o surto para cima. Assim como o demônio o pode fazer, em sentido oposto.

Quando julgamos que podemos mover, por nós mesmos, essas profundidades das almas dos outros, fazemos papel de idiotas. Ou trabalhamos para que todas as almas se acerquem do Sagrado Coração de Jesus e recebam d’Ele, por meio do Imaculado Coração de Maria, as graças de que Ele é a fonte infinita, ou não estaremos dirigindo nada!

Então, o fundamento da sociedade temporal, aquilo que dá a fisionomia, o modelo da sociedade temporal, que faz com que ela seja como deve ser, é a alma do povo. E a alma, a psicologia, a mentalidade do povo é resultante de circunstâncias naturais, étnicas, geográficas, etc., e da ação em profundidade da graça na alma de cada indivíduo.

Mas, bem entendido, a ação em profundidade da graça é muito mais importante do que qualquer outra coisa.

As pessoas que se unem a Nosso Senhor, por meio de Maria, fazem maravilhas

Outro dia, conversando com um membro de nosso Movimento, falávamos a respeito das profecias segundo as quais, por ocasião de um grande castigo para a humanidade, várias nações seriam aniquiladas, o que leva a supor que muitos países civilizados desapareceriam.

Meu interlocutor levantou a seguinte questão:

— Mas tantos tesouros da Fé, da arte, da cultura nunca mais serão reconstituídos?

Eu disse:

— Desde que haja o sacerdócio para continuar os sacrifícios, absolver os pecados e manter a hierarquia eclesiástica; desde que haja Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento e uma imagem de Nossa Senhora, tudo se pode reconstruir! A beleza vem toda d’Eles.

Da Civilização Cristã se pode dizer o mesmo que a Igreja aplica a Nossa Senhora: “Toda a glória da filha do Rei lhe vem do seu interior!”2 Quer dizer, não procede das honrarias que recebe, dos títulos que tem, das joias que usa, nem de sua boa educação, de suas boas maneiras, nem de nada. Vem, essencialmente, de Nosso Senhor Jesus Cristo, por meio de Nossa Senhora. E, bem entendido, no seio da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, fora da qual não há salvação.

Os meios naturais e humanos nos foram dados pela Providência para serem usados por nós, dentro do espírito que Deus nos concede e para a finalidade que a Providência tem em vista. Portanto, o efeito das influências da ação da graça do Sagrado Coração de Jesus, através do Coração Imaculado de Maria, nas nossas almas, consiste em dar a toda criatura um uso excelente.

Digamos que num país haja uma serrania com muitos cristais, e o povo comece a trabalhar naquilo. Se eles tiverem almas profundamente influenciadas pelo Sagrado Coração de Jesus, por meio do Imaculado Coração de Maria, acaba acontecendo que o trabalho deles vai dar em cristaleiras excelentes.

Eles não copiarão necessariamente os cristais de outros séculos. Poderão se inspirar neles, ou não se inspirar, conforme os movimentos da graça, mas sairão maravilhas!

Uma coisa é positiva: basta haver almas que se unam bem a Nosso Senhor, por meio de Nossa Senhora, que elas acabam fazendo maravilhas! Grandes ou modestas maravilhas, pois saber fazer também pequenas maravilhas, amá-las e extasiar-se com elas é próprio da alma verdadeiramente católica.

Seria mais ou menos como um pai que tem um filho de quatro ou cinco anos e, no seu aniversário, o filho verboso lhe escreve uma cartinha com pretensões literárias. Pode ser uma pequena maravilha, mas o pai fica tão comovido — e eventualmente até mais — como se tivesse um filho que escrevesse um artigo sobre ele num jornal. São as pequenas maravilhas de que Deus encheu a Criação.

Populações profundamente católicas influenciadas por Jesus e Maria

Folheando uma revista sobre o estuário da Gironda, vi algumas fotografias encantadoras. Por exemplo, os barcos. São canoas grandes, mais do que propriamente embarcações de médio porte, com redes de pescar suspensas, porque esse estuário é muito piscoso.

A revista publica fotografias dessas embarcações encostadas aqui, lá e acolá. E pensei com meus botões: “Mas onde há um porto para ancorar todos esses barcos? Essa entrada do estuário me parece tão estreita, não vejo falar de um grande cais, nem nada disso…”

Vejo, então, uma notinha: “O estuário da Gironda tem um grande número de pequenos portos naturais, aproveitados pelos pescadores para amarrar seus barcos no período em que não estão pescando.”

Deixa entender que o grande porto, o grande cais modelo não existe, nem é necessário. O terreno já é desenhado de maneira a ter uma série de portozinhos, nos quais os barcos podem se instalar à vontade.

Pensei: “Vejam o que são mil anos de Civilização Cristã! É uma natureza visivelmente mais pobre do que a nossa, mas mil anos de Civilização Cristã ensinaram um aproveitamento inteligente dessa natureza. Ensinaram a arte de pegar cada pequena coisa e fazer dela uma maravilha.”

Mas o que é o estuário da Gironda em comparação com o do Amazonas?

E no Brasil, por que isso não foi feito? Seria preciso pôr, à margem desses rios, populações profundamente católicas, influenciadas pelo Sagrado Coração de Jesus por meio do Imaculado Coração de Maria, impregnadas da sabedoria da Igreja, e deixá-las, segundo sua própria índole, irem fazendo as coisas, a fim de perceber para onde é que rumam os temperamentos, os modos de ser, etc. A partir disto, ajudá-las a explicitarem o caminho a seguir.

Em geral, são poucos os que têm a compreensão de que governar é isto. Surgem, então, as discussões: é melhor a liberdade ou a planificação?

Tanto quanto possível, deve haver a santa liberdade dos filhos de Deus! É a liberdade da sociedade orgânica que possui seus limites naturais, mas precisa ter um governo forte para orientar, guiar, estimular.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 19/12/1985)
Revista Dr Plinio 210 (Setembro de 2015)

 

1) Do latim: força inimiga.

2) Cf. Sl 44, 14 (Vulgata).

O brilho de Luís XIV

Embora tenha proporcionado à França esplendor e elegância, Luís XIV introduziu no país a frivolidade e a leviandade, as quais se desenvolveram no tempo de Luís XV e passaram a ser quase tóxicos, que prepararam a Revolução Francesa. O único modo de consertar isso era abrir-se à influência do Sagrado Coração de Jesus, que teria posto a Europa nos seus trilhos, evitado a Revolução e dado início a uma Contra-Revolução admirável.,

 

Quem lê a vida de Santa Margarida Maria Alacoque fica com a impressão de que o relacionamento do Sagrado Coração de Jesus com Luís XIV não foi publicado por inteiro. Mas o Sagrado Coração de Jesus fez uma tentativa comovedora de converter o Rei da França. O que teria acontecido se ele se tivesse aberto à graça, convertido inteiramente e ficado um santo?

A grandeza de São Luís IX e a de Luís XIV

Luís XIV já estava com Versailles construída, a corte montada, a etiqueta feita e com o aparato resplandecente dentro do mundo: ele era o “Rei-Sol”! O que teria acontecido com esse “sol” se ele se abrisse para um outro “Sol” maior, que eram os dardos de amor do Sagrado Coração de Jesus na alma dele? Com essa grandeza, o que teria acontecido?

O que há em Luís XIV diferente de São Luís é o seguinte: São Luís tinha uma verdadeira grandeza no seu aspecto físico — não era dos homens mais altos do seu tempo, mas um varão de alta estatura segundo os padrões de sua época; além disso, muito bem apresentado, possuía um caráter quase de herói mítico. Ele poderia ser quase uma figura wagneriana como apresentação física, sem ser propriamente um Tarzan. Mas era um homem com aquela força francesa, que é elástica, destra, não esmaga, mas ágil e sabe ferir.

De outro lado, São Luís continuamente foi acrescentando alguma coisa à grandeza dos seus antepassados, de maneira que talvez tenha sido, como manifestação de esplendor, em relação aos predecessores, aquele que possuiu mais esplendor. Não digo dos sucessores, nem de todos os anteriores.

Há uma coisa que contrasta com Luís XIV e chama a atenção. São Luís era grande por uma espécie de naturalidade; sua grandeza era um fato, como pode ser num outro a saúde. Não havia uma programação de ser tão grande quanto possível em todas as direções, mas o desejo de ser inteiramente o que é, com autenticidade, e com o propósito marcado de deixar ver aquilo que ele é.

Em São Luís não existia nada daquilo de esticado que há em Luís XIV, o qual dá a impressão de que está continuamente levando ao auge a manifestação da sua grandeza, o que é, a meu ver, um lado desagradável da grandeza do “Rei-Sol”.

Outra coisa desagradável é procurar aliar uma espécie de boa apresentação natural, de maneira a fazer admirar-se a si próprio, como homem muito bem apessoado. Consideração esta que parece ter sido inteiramente alheia a São Luís, o qual não procurava enfeitar-se, fazer-se bonito, mas sim adornar-se como um rei deve se apresentar.

Se fica mais bonito uma coroa em que a base é mais alta ou menos alta; e se tal cor de tal pedra preciosa para pôr na coroa vai bem com a cor dos olhos, etc., são considerações que eu acho que não passaram pela mente de São Luís. Com Luís XIV não garanto nada! Ele pode ter feito combinações nem sei de que gênero! Cor da peruca para combinar com a pele, etc.

Moedas guardadas como medalhas

E, coisa desagradável, vê-se em Luís XIV a fruição que ele tem da sua própria grandeza, sem nenhum medo de se deixar inebriar por ela. Não se percebe ascese nesse rei. Ele bebia o líquido delicioso da própria grandeza a largos haustos, sem preocupação.

E em São Luís se nota a ascese procurada, o medo humilde da fraqueza humana que busca se embriagar com a glória, o evitar aparecer. Isso fazia com que ele sempre pudesse ornar-se e manifestar um tanto mais a grandeza que possuía, mas nunca se inebriava com a delícia do papel que estava realizando. Pavão fazendo roda ele não era. Em Luís XIV existe muito do pavão fazendo roda.

Creio que em São Luís a santidade dava um quilate à grandeza dele que a de Luís XIV não tinha. E que era exatamente uma espécie de sacralidade maior do que todos os tufos, perucas, plumas e enfeites de Luís XIV. E que tudo muito bem considerado fazia de São Luís, no fundo, um rei superior. Mas é por uma maior participação de Deus.

Há um fato tocante: das antigas moedas francesas, as que têm menos valor na Europa são as do tempo de São Luís IX. Porque o povo as guardava como medalhas e, assim, tornaram-se muito comuns. Isso corresponde a um verdadeiro plebiscito.

Pode-se imaginar a quantidade de moedas que Luís XIV deve ter mandado cunhar com sua efígie. Pois bem, foram fundidas. E as de São Luís guardadas como medalhas pelo camponês pobre que às vezes passava necessidade, não comprava um remédio ou um pão, mas conservava a moeda do Rei santo consigo. Existe aí uma coisa qualquer que não sei exprimir bem, mas que toca o coração: “hic taceat omnis língua!”(1)

Qual é a primeira nação da Europa?

Não obstante, em defesa de Luís XIV poderíamos considerar o seguinte.

As comunicações entre os povos europeus foram se tornando cada vez mais fáceis e frequentes, à medida que o banditismo — legado ainda dos bárbaros que se estendeu mais ou menos até o fim da Idade Média — ia se tornando mais raro nas estradas.

Com a diminuição dos riscos, aumentou muito a circulação de pessoas entre os países e, consequentemente, foi-se aprimorando o sistema de hotéis, dando origem a algo à maneira de turismo.

O intercâmbio das nações tornou-se mais frequente, trazendo consigo a comparação e a pergunta pontiaguda: Qual é a primeira nação da Europa?

Naturalmente estabeleceu-se entre os países uma rivalidade cuja noção o homem pragmático de hoje não tem mais, e que era a seguinte: cada um afirmava a superioridade de um determinado padrão humano, de uma determinada luz de alma, de uma forma de cultura. Houve uma espécie de luta para tomar uma forma de influência, e fazer prevalecer no mundo aquele tipo de perfeições divinas.

De maneira que não era tanto a procura da primazia financeira ou militar, mas a de um certo tipo de alma, que se pareceria com uma luta dos Anjos na presença de Deus.

A Alemanha, nessa época, já possuía uma grandeza militar vista como um traço de alma; não era a supremacia militar, mas a do espírito militar, como uma das componentes do espírito europeu.

Essa luta chegou ao seu auge no tempo em que Luís XIV foi rei. E ele teve o desejo imenso de fazer vencer o charme, a elegância, a glória, a língua e o esplendor franceses.

A cada rei competia tomar parte nessa porfia e levar a grandeza de seu povo ao máximo. A Luís XIV cabia, portanto, a missão providencial de levar o esplendor da França a esse auge. Isso é uma coisa que não se pode discutir.

Então, sentindo-se ele um homem pessoalmente muito dotado, tinha a obrigação de pôr esses dotes a serviço desse papel. Ora, tratando-se de uma porfia, e não de um simples resplandecer — com São Luís IX era um resplandecer, não uma porfia —, compreende-se algo de esticado que havia na obra de Luís XIV.

Ademais, uma porfia muito dura, com rivais difíceis de vencer. Por onde se vê que Luís XIV deitou o corpo numa coisa que tinha um sentido. Ele batalhou pela difusão da cultura francesa, como um rei guerreiro lutaria pela expansão dos exércitos franceses. Quer dizer, ele foi na difusão da cultura o que Napoleão da legenda teria sido na expansão do Império francês sobre o resto da Europa.

Assim, naquilo que apreciei com severidade não desaparece a censura, porque se vê que essa missão ele a exerceu sem virtude; mas se percebe também que se ele tivesse tido virtude, seria de um tom diferente de São Luís.

Em meio ao esplendor e à elegância…

Há um ponto onde se nota particularmente a falta de virtude de Luís XIV. Com o favorecimento das estradas, o cosmopolitismo começava a nascer. E com o cosmopolitismo, a procura de um padrão universal válido igualmente para todos os povos. Vê-se que Luís XIV não teve virtude para compreender que uma Rússia e um Pedro, o Grande, deveriam continuar a ser o que eram, e se aperfeiçoarem naquela linha.

Na sua expansão, o “Rei-Sol” insinuava que aquilo era um padrão universal que todos deviam imitar. Ele considerava que o ser imitado por todos era o auge dessa porfia. Ora, tal porfia não precisava ter esse auge, mas que todos se inspirassem ali para melhorar características próprias, conservando os regionalismos. E Luís XIV quis acabar com os regionalismos nacionais e de fato os eliminou.

Não obstante, no sentido cultural Luís XIV encheu a França da luz dele, e transformou toda a vida meio burguesona da França, de maneira a todo o país ficar luzidio de uma certa luz de Versailles.

Uma coisa característica: no reinado dos Valois havia em Paris o Louvre, com aquela corte muito bonita, mas fora dela uma cidade completamente comum, uma maçaroca de casas com uma ou outra igreja bonita. Não tinha o esplendor de vida que Luís XIV lhe deu, que inspirou nos franceses o desejo de cada um adornar a sua existência com uma beleza, uma distinção, proporcionada a seus meios, fazendo com que a França inteira ficasse uma nação luzidia, solar, que ela não era anteriormente.

As vistas panorâmicas desenhadas de Paris, do tempo dos Valois, representam um casario com muitos restos do pitoresco medieval, mas, de si, era uma montoeira de burgueses. Os nobres moravam em casas um pouco acasteladas, mas feias, sem brilho. Levavam uma vida mais rica do que o plebeu, mas não com o esplendor que depois a existência dos nobres teve.

Luís XIV inaugurou uma coisa na qual a nação inteira se sentiu interpretada e subiu até ele. Foi um regente de orquestra que fez com que o último francês, do último recanto, começasse a tocar seu instrumento à maneira do rei, como se ele dissesse aos franceses: “França sou eu, França sois vós. Entrai na minha orquestra e a França inteira fará ouvir seu som no mundo!” E foi o que aconteceu. Resultado: a atração enorme de gente indo para a França, e a expansão desse brilho por todo o orbe.

…introduz-se a frivolidade

Por outro lado, Luís XIV inseriu nesse mundo de elegâncias a frivolidade.

O Príncipe de Krue, um grande militar da corte austríaca que frequentava muito a corte francesa e era famoso pelo seu espírito, deixou memórias nas quais ele conta que, em sua juventude, quando entrava um grande marechal num salão, era o ornato do ambiente e a conversa toda se acendia. Mas, estando envelhecido, quando ele entrava era o funeral do salão. Porque ele trazia consigo a glória, a seriedade, a força. E a frivolidade detestava isso. Segundo ele, tinha iniciado o reino das mulheres na França. Tudo na França começou a tomar um caráter feminino.

Sem dúvida, o “Rei-Sol” colocou a força e a grandeza na ordem do dia, mas uma força e uma grandeza tão brilhantes que não se podia concebê-las no infortúnio, na dor, na tristeza, na seriedade. E com isso entrou na França uma identificação entre charme leve, frivolidade e cultura, que intoxicou os reinados seguintes.

Isso tudo começou do século XVII para o XVIII. Luís XIV pôs as premissas, e no tempo de Luís XV houve seu desenvolvimento normal. Preparava-se a Revolução Francesa. Então, a frivolidade, a leviandade francesa, uma porção de coisas encantadoras seriam quase uns tóxicos!

Como consertar isso? De que modo um pregador poderia dizer essas coisas ao rei, e fazer com que ele as entendesse? Há muitas coisas aqui que nenhum homem descreve. Mas uma influência do Sagrado Coração de Jesus era o único fato que poderia acertar isso, colocaria a Europa nos seus trilhos e evitaria a Revolução Francesa. Teria começado uma Contra-Revolução admirável!

Situação da Europa: uma coisa de cortar o coração!

Poderíamos imaginá-lo com a majestade do Sagrado Coração de Jesus. Mas, então, de um rei também sofredor, penitente, expiante dos seus próprios pecados em público, e fazendo penitência descalço, como fez São Luís! Este teve compunção dos pecados que não cometeu; e Luís XIV não se arrependeu dos pecados que praticou…

Então, na Sexta-Feira Santa, a magnificência que teria sido ver Luís XIV carregar uma cruz às costas, para pedir perdão de sua péssima vida e, diante do povo, penitenciar-se. Introduzir esse ornamento incomparável, a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é a tristeza e até a derrota dentro da vida dele.

Creio que, até do ponto de vista arquitetônico, se entrasse a fundo uma geminação daquilo que houve com o senso da cruz, teria saído qualquer coisa como nós não imaginamos, mas podemos ter uma ideia comparando o lado de fora de Versailles com a capela. A capela de Versailles não é muito homogênea com o restante do palácio. Ela é muito mais bonita do que Versailles.

Aquele teto ligeiramente gótico da capela de Versailles, com uma nota à qual não se pode recusar certa impressão de tristeza, de doçura régia, tranquila, contemplativa, algo que se faz em torno do Sacrifício da Cruz que se renova sempre, diante de um rei que sofre aflições, de uma rainha que é uma infeliz, isso teria acabado marcando Versailles. O próprio Luís XIV deveria fazer isso, e o que se passava na alma dele depois transporia para fora; era preciso tê-lo conhecido penitente, para poder imaginar o tônus cultural que daí sairia.

Ele daria o tônus, até sem querer. Afinal de contas, é o espetáculo de um homem a quem a Providência incumbiu a tarefa de — por uma ação de presença, e por vê-lo viver nesta grande e mundial cena humana que era a corte dele — dar o curso ao pensamento de todo um continente. Mais do que um filósofo, um “maître-à-penser” na linha Ambientes e Costumes, o que eu considero muito mais importante do que um “maître-à-penser” na linha puramente racional.

Visitando a Europa nesta minha última viagem, comecei a conferir todas essas visões, e nasceu uma grande tristeza.

Por exemplo, a Praça de Siena. Eu desejei a vida inteira vê-la. Cheguei numa ocasião em que eram relativamente poucos os turistas, porque já estávamos no começo do outono e essa gente quer saber do verão. Apesar disso, havia muito mais turista do que eu quereria. O resultado é que a Praça de Siena me dava a impressão de invadida por uma ralé, não digo intelectual nem social, mas como estofo de espírito. Não havia um espírito elevado ali.

Quando fomos visitar o Palácio Municipal por dentro, que é muito bonito. O tempo inteiro eu pensava: se Luís XIV e seus sucessores tivessem sido fiéis, se a Europa tivesse sido católica, o que se teria irradiado deste Palácio com suas ogivas, sua capela, seu salão, suas pinturas… O que foi cortado na obra de Deus!

Então, a flagelação de Nosso Senhor Jesus Cristo na Europa é uma coisa de cortar o coração! Como é de cortar o coração ver a Torre de Belém vazia, um esqueleto do qual saiu toda a carne, e colocada ali à beira do Tejo. Lindo esqueleto, mas um esqueleto: aquilo está morto.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 27/4/1989)
Revista Dr Plinio 222 (Setembro de 2016)

 

1) Do latim: Aqui toda língua emudeça.

 

As realidades terrenas devem ser parecidas com o Céu

Na consideração da festa de São Rafael Arcanjo devemos impetrar-lhe a graça de ver em todas as realidades terrestres a semelhança com as celestes. Somente na medida em que amarmos as realidades terrenas parecidas com o Céu é que prepararemos as nossas almas para o Reinado de Maria Santíssima e para a eterna beatitude.

 

Oculto aos Santos Anjos está muito relacionado com a nossa espiritualidade, razão pela qual o estudo dos espíritos angélicos ocupa um papel muito importante em nossas cogitações.

Pedir graças espirituais e temporais

São Rafael, como um dos mais eminentes dos Anjos, naturalmente tem um lugar privilegiado em nossa devoção. Por outro lado, o fato de ele encaminhar as orações dos homens para Deus e, naturalmente, para Nossa Senhora, que é intercessora também para os Anjos, é um motivo especial para cultuarmos São Rafael.

O Arcanjo São Rafael é padroeiro dos que viajam e também dos enfermos. Há tanta gente entre nós que, a um ou outro título, é doente. Considero uma boa coisa a pessoa, em face de suas próprias enfermidades, situar-se assim: “Meu Deus, eu Vos peço que me liberteis desta doença, mas se não me libertardes, porque é de vosso desígnio, fazei-me, pelo menos, tirar todo o fruto espiritual dela.”

Alguém poderia pensar que pedir a saúde não corresponde a uma atitude perfeita, porque é uma graça temporal e não espiritual. Deus me livre de uma religiosidade que só peça as graças temporais, mas que Ele me livre igualmente de outra que julga haver uma imperfeição espiritual em pedir as graças temporais. Deve-se pedir também “o pão nosso de cada dia nos dai hoje”.

Protocolo monárquico dos bons tempos

Uma das noções que se apagaram muito a respeito do culto aos Anjos, e que me parece interessante relembrar, é a de que o Céu constitui uma verdadeira corte. Antigamente falava-se muito em Corte Celeste, o que encontra seu fundamento na ideia de que Deus está perante os Anjos e Santos, na Igreja gloriosa, como o rei perante sua corte.

Mas o curioso é que algumas peculiaridades próprias às cortes existentes na Terra, pelas similitudes entre as coisas da Terra e as do Céu, acabam existindo na Corte Celeste também, constituindo-se uma corte no sentido muito mais literal da palavra do que se poderia imaginar.

Se considerarmos um protocolo monárquico dos bons tempos, veremos que não era, como imaginam alguns, uma coisa formal, completamente vazia. Mas era a maneira de reger a existência das várias pessoas a serviço do rei, de maneira a tudo se passar de um modo prático, simples e decoroso, facilitando de todas as formas a vida do monarca.

Assim, por exemplo, quando o rei se colocava à disposição para receber os pedidos de seus súditos, ele os atendia tendo em torno de si, nas grandes ocasiões, os príncipes da Casa real, pessoas de alta nobreza. As demandas eram entregues por escrito. Porém, o interessado comparecia diante do monarca e podia dirigir-lhe a palavra para dizer o que quisesse. Algum príncipe, uma pessoa de alta categoria ou alguém que fosse chegado ao interessado também podia dizer algo. Então o solicitante entregava a um dignatário um rolo de papel com seu pedido, que o rei examinaria depois. Havia uma mesa sobre a qual iam se acumulando os pedidos que depois eram despachados por um Conselho especial.

Vê-se como há uma espécie de hierarquia de funções, de dignidades, de intercessões que conduz ao rei e, depois, procede dele e chega aos particulares. Esse é o mecanismo de uma corte.

Padrão para todas as cortes terrestres

Na Corte Celeste o mesmo protocolo existe, em última análise, pelas mesmas razões. Deus Nosso Senhor, que evidentemente não precisa de ninguém, entretanto, tendo criado seres diversificados, era natural que entregasse a eles missões junto a Si, segundo uma disposição hierárquica. E também que esses seres possuíssem um brilho, um esplendor, uma dignidade na mansão celeste correspondente às tarefas das quais são incumbidos, tarefas essas que, por sua vez, correspondem à própria natureza deles.

Assim, é de acordo com a ordem do universo que os seres humanos sejam regidos pelos Anjos, e estes sejam intercessores dos homens junto a Deus. De maneira que é verdadeiramente uma vida de corte, com um protocolo, uma dignidade, que serve de padrão para todas as cortes terrestres, e indica a necessidade de existir um protocolo, uma hierarquia, uma diversificação de funções.

Temos o exemplo contrário disso nos discursos de chefes de Estado e de sindicalistas modernos, onde há uma pilha de gente atrás, dezenas de microfones, gente em volta conversando; o indivíduo interrompe a arenga, dá uma ordem para este e aquele, conta uma piada, depois continua a falar para a massa. Uma bagunça em que não há compostura nem dignidade. E essa carência de ordem, compostura e dignidade vão constituindo a igualdade e a democracia.

Ao contrário, no estilo aristocrático-monárquico nós temos essa diferenciação, essa hierarquia que é a própria imagem do Céu, e compreendemos melhor aquela afirmação de Pio XII de que, até mesmo nas democracias verdadeiramente cristãs, é indispensável que as instituições sejam de um alto tonus aristocrático.

Condição psíquica de sobrevivência na Terra

A festa de São Rafael nos conduz exatamente a essa ideia. É um intercessor celeste de alta categoria que leva nossas preces a Deus, porque é um dos espíritos angélicos mais elevados que assistem junto a Ele e, portanto, estão mais próximos d’Ele para pedir por nós, constituindo os canais naturais das graças que desejamos.

Essa consideração nos conduz à ideia de reforçarmos cada vez mais em nós o desejo de que as realidades terrestres sejam semelhantes às celestes. Porque apenas na medida em que amarmos as realidades terrenas parecidas com o Céu é que preparamos as nossas almas para a beatitude celeste. Se, ao morrermos, não tivermos apetência das realidades terrestres parecidas com as celestes, não teremos apetência do Céu.

Há, portanto, algo nesse espírito de hierarquia, de distinção, de nobreza, de elevação que corresponde a uma verdadeira preparação para o Céu; preparação esta tanto mais desejável quanto mais vamos afundando num mundo de horror, no qual todas as exterioridades com as quais tomamos contato são monstruosas, caóticas, desorganizadas.

É uma necessidade do espírito humano, para não afundar no desespero, que a pessoa possa pousar as suas vistas extenuadas e doloridas em algo digno e bem ordenado. Não é próprio ao homem viver no “mare magnum” de coisas que caem, afundam, se deterioram. Em algum lugar ele necessita pôr a sua alegria, a sua esperança.

Mas de tal maneira tudo quanto é digno está desaparecendo deste mundo que, ou temos cada vez mais o nosso desejo, a nossa esperança postos no Céu, ou não teremos mais condição psíquica de sobrevivência na Terra.

Houve uma Santa que teve uma revelação na qual ela viu o seu próprio Anjo da Guarda. Era um ente de uma natureza tão elevada, tão nobre e excelsa, que ela se ajoelhou diante dele para adorá-lo, pensando ser o próprio Deus. O espírito celeste precisou explicar-lhe que ele era apenas o seu Anjo da Guarda. Ora, sabemos que os Anjos da Guarda pertencem à hierarquia menos alta que existe no Céu. Em comparação com isso, o que podemos imaginar de um Anjo como São Rafael, das mais elevadas hierarquias?

São Luís, Rei de França, e São Rafael, Príncipe celeste

Mas para não ficarmos na concepção de um puro espírito, podemos nos servir de uma comparação antropomórfica que nos faça degustar melhor essa realidade, imaginando, por exemplo, São Rafael tratando com Nossa Senhora no Céu, à maneira de São Luís, Rei de França, falando com sua mãe, Branca de Castela.

É sabido que São Luís era um homem de alto porte, grande beleza, muito imponente, de maneira que, ao mesmo tempo atraía, incutia um respeito profundo e suscitava um imenso amor. Possuía o feitio de um guerreiro terrível na hora do combate, e era o rei mais pomposo e decoroso do seu tempo.

Esse rei, no qual transluziam todas as glórias da santidade e que era um filho muito amoroso, podemos imaginá-lo nos esplendores da corte da França, conversando com Branca de Castela. Quanta distinção, quanto respeito, quanta elevação, quanta sublimidade nessa cena! Ela nos dá um pouco a ideia do que seria São Rafael se dirigindo a Nossa Senhora. Um rei como São Luís era uma espécie de Anjo na Terra; São Rafael vagamente pode ser considerado como uma espécie de São Luís celeste. Ele é um Príncipe celeste, apenas com a diferença de que São Luís era rei e São Rafael não; e Nossa Senhora é Rainha a um título muito mais alto do que Branca Castela.

Por esta transposição podemos ter um pouco a noção, à maneira de homens, da alegria de que nós vamos estar inundados no Céu quando pudermos contemplar um Arcanjo como São Rafael, e tudo quanto veremos de Deus admirando esse Príncipe celeste.

Peçamos a ele que tenhamos essa contemplação, mas também que algo dessas ideias penetrem em nós nesta vida, e que a consideração dessa ordem ideal e realmente existente nos conforte para uma esperança do Céu e do Reinado de Maria, dissipando toda a tristeza crescente destes dias em que os castigos previstos por Nossa Senhora em Fátima vão se aproximando tão rapidamente de nós.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 23/10/1963 e 23/10/1964)

Revista Dr Plinio 258 (Setembro de 2019)