Confiança sem limites em Maria

Quando nos recomendou a confiança na oração, Nosso Senhor justificou: “Que pai dará uma pedra ao filho que lhe pede pão?” Se assim não faz um pai, menos ainda o fará uma mãe, personificação da bondade e solicitude. Ora, nossa Mãe por excelência é Maria Santíssima, abismo de misericórdias inauferível pela mera mente humana, que nos quer com requintes de amor, de afeto e benevolência, sempre disposta a nos auxiliar e atender.

Depositemos n’Ela, portanto, uma confiança sem limites, dizendo-Lhe: “Minha Mãe, sei que pedis em meu favor o perdão, a generosidade e o afago divinos a que não tenho direito. Rogo-Vos, pois, obtende-os para mim, pelos méritos de vosso maternal sorriso junto ao vosso adorável Filho…”

Plinio Corrêa de Oliveira

São Francisco de Assis

Nas veredas de um mundo que caminhava incontroladamente atrás das riquezas, São Francisco de Assis foi o trovador que entoou o hino do desapego e da pobreza, da doação levada ao mais alto esplendor do amor de Deus e do desejo de se Lhe entregar: Foi o santo da caridade e da bondade; o santo que, indo de encontro à Cruz, mereceu a glória de receber os estigmas de Nosso Senhor Jesus Cristo. Foi, igualmente, o santo entusiasta dos ideais da cavalaria católica, toda voltada para o serviço da Igreja.

Numa palavra, o doce “poverello” de Assis foi talvez, a meu ver; a personalidade mais contagiante que tenha havido na Cristandade.

Seguríssimo Refúgio

Nossa Senhora é seguríssimo refúgio e fidelíssimo auxílio de todos os que estão em perigo. Não há mãe verdadeiramente católica que não sinta receio pelo que possa suceder a seu filho. Ora, Maria Santíssima, a melhor de todas as mães, quanta solicitude não terá para com seus filhos que vivem neste mundo, sujeitos a toda sorte de riscos?

Mais ainda. Concebida sem pecado original, confirmada em graça desde o primeiro instante de seu ser, Nossa Senhora é Aquela que esmagou a cabeça da infernal serpente. Ela pode, portanto, arrancar qualquer pecador das garras do demônio, e  impedir toda influência que este procura ter sobre as almas.

Esse insondável poder da Santíssima Virgem é uma razão de confiança e de alento para nossa vida espiritual. Em nossos momentos de tentação, nas horas em que temos medo de sucumbir ao pecado, lembremo-nos deste seguríssimo refúgio, deste fidelíssimo auxílio que nos oferece a Santa Mãe de Deus.

Plinio Corrêa de Oliveira

São Francisco de Assis e o enlevo pelas coisas divinas

Personalidade admirável que marcou não apenas o seu tempo mas os séculos sucessivos, São Francisco de Assis tanto se identificou com o Divino Mestre que se Lhe tornou semelhante até mesmo no seu semblante físico. Para Dr. Plinio, o “Poverello foi uma imagem viva do enlevo pelas coisas divinas exercitado ao último ponto.

Nas veredas de um mundo que caminhava de modo torrencial atrás das riquezas, São Francisco de Assis foi o trovador que entoou o hinodo desapego e da pobreza, da doação levada ao mais alto esplendor do amor de Deus e do desejo de se Lhe entregar. Ele foi o santo da caridade e da bondade; o santo que, indo de encontro à Cruz, mereceu a glória de receber os estigmas de Nosso Senhor Jesus Cristo. Foi, igualmente, o santo entusiasta dos ideais da cavalaria católica, toda voltada para o serviço da Igreja. Por tudo isso, terá sido ele, a meu ver, a personalidade mais contagiante que talvez tenha havido na Cristandade.

A característica de uma alma enlevada

Entre tantos predicados dignos de consideração, creio ser oportuno ressaltar esse aspecto da alma de São Francisco: o seu amor arrebatado pelas coisas divinas, seu enlevo que chegava ao êxtase, diante das maravilhas criadas por Deus e diante da própria perfeição do Criador.

Tenho para mim que ponderável parcela da felicidade que nos é dado ter nesta Terra — vale de lágrimas — consiste em nos enlevarmos com aquilo que merece nosso encanto, amor e admiração, e em fazermos a doação desses sentimentos ao objeto de nosso enlevo. Bem entendido, essa admiração desinteressada e fervorosa deve se dirigir, acima e antes de tudo, ao que representa para nós uma expressão de Deus Nosso Senhor. E, portanto, tal enlevo será, em última análise, a manifestação de nosso amor ao Altíssimo.

Nesse sentido, é ilustrativo o fato narrado por um literato: certa vez, levou um amigo para ver, de longe, uma aldeia por ele já conhecida. Chegaram ao topo de uma colina e, lá do alto, após divisarem o belo cenário de montanhas e campos que envolviam a aldeia, ele começou a indicar: “Aquela é a casa de fulano, aquela outra de beltrano, a outra de sicrano”. O amigo, surpreso, perguntou-lhe:
— Bem, e a sua, qual é?
— Ah, eu não tenho casa. Não tenho nada. Só o panorama…

Compreende-se: quem tem o panorama, tem mais que o casario, porque tem o enlevo e a capacidade de admirar aquela superior beleza como um reflexo de Deus. É o gesto desinteressado de contemplar o cenário pelo cenário, sem vantagem própria.

A necessidade de doar-se

Insisto nessa ideia do amor desinteressado a algo que se ama por se tratar de uma manifestação da grandeza de Deus. E, portanto, uma disposição de alma que devemos cultivar para irrigar e alimentar nossa vida espiritual, para aumentarmos nossa capacidade de enlevo pelas coisas divinas.

Como saber se estamos trilhando esse caminho?

A meu ver, o sintoma de que fomos tocados pelo raio divino do enlevo é precisamente o fato de sentirmos uma necessidade de doar o nosso amor, abnegadamente, ao objeto amado enquanto tal e nada mais. No Glória que se reza na Missa, essa atitude de alma está muito bem expressa, quando se diz: Nós vos damos graças, Senhor, por vossa imensa glória. Ou seja, amo tanto a Deus porque Ele é Deus, e eu O agradeço por ser Deus como se fosse um inestimável favor feito a mim, quando a glória e o benefício é exclusivamente para Ele. Eu, homem, não participo dessa magnitude, a não ser como um adorador pequenino no fundo do santuário, com os olhos fitos no Tabernáculo.

Há, portanto, uma certa forma de enlevo pela qual a pessoa quer dar-se inteiramente e não conservar nada para si. E faz disso o ideal de sua vida, de tal maneira que coloca sua felicidade no ter oferecido tudo a Deus: “Senhor, eu vos trago tudo, não conservo nada para mim, dou-me por completo”.

Alma de fervor contagiante, São Francisco de Assis entoou o hino do desapego, do amor a Deus e do desejo de se entregar a Ele por inteiro

A perfeita alegria de São Francisco, expressão de enlevo

E, oh! coisa inexplicável, oh! paradoxo: essa é a felicidade mais autêntica que se possa ter. Prova-o o exemplo dos santos, e o exemplo do próprio São Francisco de Assis. Ele o exprimiu de modo perfeito, quando, durante o trajeto entre uma casa e outra de sua ordem, em tempo de rigoroso inverno, seu acompanhante Frei Leão lhe perguntou no que consistia a perfeita alegria, e São Francisco respondeu:

— Imagine que, chegando ao convento no meio da noite, sob neve intensa, com frio e fome, ao batermos à porta, o irmão porteiro nos atenda irritado, nos admoeste com desaforos e não nos deixe entrar. Então permaneceremos ao relento, sofrendo os rigores do frio e o aguilhão da fome, aceitando tudo com serenidade e resignação por amor a Deus: nisto estaria a perfeita alegria.

Penso que não se poderia compreender essa afirmação de São Francisco, a não ser em função do enlevo. Ou seja, é um tal amor e uma tal veneração pela ordem franciscana e tudo quanto ela representa, que um membro dela, após receber toda espécie de maus tratos e injúrias à porta de um dos seus conventos, ainda se deixa tomar de enlevo, como se exclamasse: “Ó moradia do meu Beato Pai Francisco! Ó muros sagrados! Ó paredes! Ó conteúdo sacrossanto! Ó espírito que habita nisto! Com que alegria eu, não podendo entrar, fico contente em estar de fora, imaginando o que está dentro!”. Isso é o enlevo perfeito.

Imagem viva do enlevo exercitado ao último ponto

E por essa atitude de alma se compreende também, que, por exemplo, um franciscano possa dizer: “Não sou eu mais quem vive, mas é meu pai São Francisco que vive em mim”. Claro está, não significa que ele deixou de existir materialmente, mas que o enlevo dele pela pessoa de São Francisco chegou a um tal extremo que, por assim dizer, ele se transformou num outro São Francisco de Assis, assimilou e se identificou com a personalidade de seu fundador. Do mesmo modo como o próprio São Francisco podia dizer: “Não sou eu mais que vivo, mas é Cristo que vive em mim”. Assim aquele religioso exclamaria: “É Francisco que vive em mim e, por meio deste, é Cristo que vive em mim. Eu morri, dando-me por inteiro ao ideal franciscano, transformando-me num filho completo de São Francisco.”

São Francisco tanto se identificou com Redentor Divino, que se Lhe tornou parecido até no semblante físico

Aliás, creio que uma forma de holocausto das mais sensíveis que houve na História — de propósito não digo que tenha sido a maior, nem a comparo com o exemplo de Nossa Senhora, que está acima de todos os conceitos — foi a realizada por São Francisco de Assis. De fato, o doce “Poverello” conformou-se tanto à figura de Nosso Senhor Jesus Cristo que chegou a se tornar fisicamente parecido com o Divino Mestre, inclusive recebendo os estigmas da Paixão.

Qual o significado dessa semelhança?

Significa uma tal união que, por todo o jogo das razões naturais, e mais ainda sobrenaturais, ele se transformou num outro Cristo: era a imagem viva do enlevo praticado até o último ponto.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências em 10/6/1967 e 10/3/1970)

São Francisco de Assis: Personalidade Rica e Marcante

Santo de uma personalidade tão rica e marcante, São Francisco de Assis parece vivo ainda hoje, resplendendo sua presença diante dos homens. Deixou-nos um dos maiores exemplos da verdadeira contemplação das perfeições divinas e do profundo amor a Deus. Ao considerar os peixes num simples regato, sabia colher desta cena uma aplicação concreta para a vida espiritual.

Dirigia-se ao “irmão sol” e à “irmã lua”, tecendo orações que elevam a alma à mais subida meditação das excelências de Deus, como quem afirma: “Ó Senhor, este universo criado, do qual faço parte, é grande e belo demais; porém, há algo infinitamente superior, que sois Vós!”

Daí a fabulosa densidade da religiosidade franciscana, que devemos imitar. Diria mais: sem esse espírito contemplativo, nenhuma religiosidade atinge sua plenitude.

Plinio Corrêa de Oliveira

Arco-íris da esperança

Neste vale de lágrimas em que somos peregrinos, tentações, sofrimentos e perplexidades são inerentes a toda vida espiritual. Contudo, em meio ás nossas dores e aflições morais, sempre vislumbramos a esperançosa figura de um arco-íris: Maria Santíssima!

Ela nos acompanha em nossa peregrinação rumo á Pátria Celestial, ajudando-nos em todas as vicissitudes, envolvendo-nos com seu maternal, constante e infatigável amor, que nenhuma infidelidade poderá esmorecer, e que os reiterados atos de bondade dele emanados não lograrão exaurir.

Lugar onde a Providência quis reunir suas maravilhas – II

Em Veneza há beleza, elevação e grandeza, o contrário do que ostenta o mundo de hoje. Em nossas almas existe o desejo de uma desforra da feiura, da hediondez, da trivialidade contemporâneas. Esse desejo faz de nós os iniciadores do Reino de Maria.

 

Numa fotografia de um aspecto de Veneza, na  qual o fotógrafo foi especialmente feliz, considerem a pomba, o mar, os campanários, as igrejas e os palácios.

Bolha de beleza pairando pelo ar

A impressão é de que todas essas belezas como que saturam o ar e nos remetem para uma certa irrealidade, a qual está na maravilha dos crepúsculos venezianos; e que a pomba tem algo à maneira  e uma noção disso, e voa deliciada no meio de todas essas coisas. Não é apenas do ar que a pomba gosta, mas dir-se-ia que ela forma um todo só com essa beleza. Nós sabemos tratar-se  de um ser irracional, orientado apenas por seus instintos. Mas não é verdade que se tem a impressão de que ela goza de um bem-estar aumentado por essa formosura? Uma pomba como essa, no Largo do Arouche, em São Paulo, não teria esse bem-estar.

Qual a razão disso? É pelo fato de ela concorrer, como uma obra-prima de desenho, para essas maravilhas. Ela mesma, como está aqui, é linda. Notem como as asas ficam bonitas, como o voo torna-se elegante. Ela é um sonho!

Dir-se-ia que a pomba é uma bolha de beleza que se desprende e fica pairando pelo ar. Estas considerações nos levam a nos perguntar como será aquela perfeição alta e magnífica, para a qual a  humanidade foi feita e tende a possuir antes que a História do mundo acabe, e onde Nossa Senhora será a Rainha. Quando, então, não forem apenas as pombas a voarem pelo ar, mas algo de marial habitando tudo – tomando em consideração que Maria Santíssima é a obra-prima de Deus no Céu e na Terra –, como serão essas coisas? É verdadeiramente indizível.

Uma das maravilhas do universo: o Palácio dos Doges

Aqui encontramos, no primeiro plano, a dois passos do mar – e o encanto está nisso, pois quanto mais próximo do mar mais arrebatador –, sem vedar o trânsito, o Palácio dos Doges.

A meu ver, esse palácio é de uma cor difícil de definir e que varia um pouco de acordo com a luz do dia. Mas nesta fotografia se me apresenta de um róseo muito delicado, mas não homogêneo; percebe-se a presença variada do róseo e do branco nas ogivas góticas, formando uma espécie de contraste.

De si, o bonito seria, de acordo com a lei da gravidade, vermos o elemento mais pesado carregar o mais leve. Então, seria explicável que esse palácio fosse construído de tal maneira que essa espécie de caixotão – é um ultraje chamá-lo assim – deliciosamente róseo, ornado por três ogivas agradavelmente simétricas, pensativas, calmas, tranquilas e nobres, que parecem estar, elas  mesmas, olhando o mar, contemplando-o com a familiaridade  com a qual as grandes pessoas contemplam o lindo; pareceria normal, enfim, que esse caixotão estivesse na terra, e a parte mais  leve, ou seja, as colunas desse andar imediatamente inferior, bem como a colunata que toca no chão, estivessem em cima.

Dir-se-ia que esse edifício, construído assim como está, daria uma sensação de peso medonho, e que esse caixotão vai esmagar e quebrar, a qualquer momento, a colunata. Mas está calculada com tanta inteligência a distribuição dos corpos e dos volumes, que não se tem essa impressão. Pelo contrário, sente-se que essa colunata  carrega sem esforço o caixotão, o qual, recusando-se de ficar na terra, é suportado por essas colunas magníficas, de maneira a permitir a circulação do ar por debaixo dele. A arte orna isso com essa primeira linha ogival muito bonita, e embaixo com aqueles outros arcos, ficando o palácio, por assim dizer, suspenso no ar.

Chamo a atenção para o que há de bem pensado em cada detalhe dessa fachada. Ela ficaria monótona se não houvesse, bem no meio, aquela porta dando para um terraço. Mas se existisse ali mais uma ogiva o palácio se tornaria insuportável. Para aquela porta, aquele terraço tem exatamente o tamanho que deve ter para completar bem e levemente uma das maravilhas do universo, o Palácio dos Doges.

Viagem que conduz ao Céu ou ao Inferno

Imaginem-se sentados em gôndolas e seguindo na direção dessa praça que se abre mais para o fundo e tem uma torre. Percebe-se, pelas cúpulas, que para essa praça dá também uma igreja, e existe depois outro palácio. Mas há uma parte da praça que dá diretamente para o mar. É o desembarcadouro para as pessoas que descem, um cais. Há cais ao longo de toda essa colunata, a fim de facilitar ao máximo o deslocamento da população.

Notem como existem ali duas colunas. Em uma delas há uma estátua de São Teodoro esmagando o dragão; na outra, o leão alado, emblema de Veneza. No intervalo entre as duas colunas havia um outro “cais” de um gênero muito diverso. Nele alguns homens empreendiam uma viagem perto da qual as nossas viagens contemporâneas são zero, e até mesmo os homens que foram à Lua não são nada em comparação com os que fazem essa viagem, porque é a viagem que conduz ao Céu ou ao Inferno… Ali eram executados, em troncos especialmente levados para a cerimônia, os condenados à morte.

Lugar lindo, encantador, mas é um dos traços de Veneza. Ela é festiva, mas tem qualquer coisa no fundo de muito grave e até de um tanto melancólico, sem o qual Veneza seria uma banalidade.

Uma renda de pedra

Ali vemos se levantar o campanário, os sinos que servem à catedral. Uma construção originalíssima que destoa do branco de tudo quanto está edificado ao redor. Entretanto, possui também a parte alta toda branca,  com um cone muito bonito em cima, do qual cada triângulo é emoldurado por uma lista branca. Esta torre é do século XX. A original, por questões geológicas, de repente ruiu. Era então Papa São Pio X, que fora Patriarca de Veneza, e impulsionou a construção de uma torre absolutamente idêntica àquela que havia. De maneira que se toma essa como a torre antiga.

Examinem a cor desse mar. Quem a define? É verde, azul? Entra aí outro colorido além do verde e do azul? Também não se sabe. Essa multidão de gôndolas dá um ar festivo, de alegria e de vida, que completa o panorama.

Numa outra fotografia vê-se de perto um pouco daquela verdadeira renda de pedra. No terraço de pedra branca, cada coluna dá a impressão de uma chave, dentro da qual há uma espécie de trevo, cujas folhas têm o desenho esquemático e imaginário de um trevo de quatro, dentro de círculos. Isso seria a orelha da chave; e, embaixo, um pedaço de balcão seria a lingueta da chave. Mas tudo é feito de tal maneira que, encostada uma chave na outra, se têm ogivas. E o ogival aparece aí numa das suas mais belas manifestações.

Um teto que parece levantar voo

Notem a simplicidade de linhas com que a fachada da Catedral de São Marcos é construída. São cinco arcos: dois de cada lado e, no meio, um arco um tanto maior, que interrompe um pouco o curso do balaústre, do corrimão de um terraço que está em cima. De maneira que aquilo serve de teto para o átrio da igreja e também de terraço para se passear em cima. Mais para cima encontram-se ogivas muito abertas, que conservam seu parentesco com a ogiva gótica comum, pelo fato de terminarem naquela ponta reunindo harmonicamente dois extremos, num movimento que tem um resto de ogival. E cada ogiva, feita de uma pedra branca linda, serve de proteção, de teto para uma bela cena em mosaico, com fundo dourado, representando fatos da vida de Nosso Senhor.

Faço notar essas pontas entre arcada e arcada. Dão um caráter de leveza enorme ao teto. Tem-se a impressão de que o teto está para levantar voo. Vemos aí, mais uma vez, traduzir-se aquele anseio do homem para voar. Considerem como cada ponta dessas é bem trabalhada, e como a moldura que circunda cada arco da arcada superior é, também ela, toda eriçada de pequenas pontas.

Parecem, assim, as asas de inúmeras pombas que estão se abrindo para voarem levando consigo, pelos ares, a catedral mil vezes famosa. É uma verdadeira maravilha!

O charme é o aliado natural da grandeza

Chamo a atenção também para um detalhe que, analisado depois de ser percebido, chega a desconcertar um pouco. Mas, enfim, isso é assim e me agrada enormemente. Em cada arco desses há uma portinha, mas nenhuma delas está bem no centro em relação ao arco inferior. Com a mania do igualitário e do decimal que se espalhou pelo mundo no século XIX, os arquitetos, em sua maioria, se fossem construir um monumento como esse, não teriam talento para isso nem de longe. Poriam essa portinha bem no centro de cada arco.

Imaginem que um dedo malfazejo empurrasse essas portinhas bem para o centro. Que monotonia! Foi empregada uma forma de talento por onde a dessimetria dessas portinhas talvez passe despercebidas a muitos. Isso se chama propriamente gênio. Tem algo em comum com o charme, do qual diz o francês: “le charme, plus beau que la beauté” – o charme, mais belo que a própria beleza.

A Catedral de São Marcos está cheia de charmes assim.

O charme está também nessas portinhas… Mas o que não é charme aqui? Só não é charme o que é grandeza. Entretanto, o charme é o aliado natural da grandeza; porque a grandeza sem charme fica pesadona, e o charme sem grandeza torna-se frívolo.

Referi-me à grandeza. Procurem ver na cúpula, atrás, a grandeza, a magnificência. É espantosa! Ela seria muito pesada se não fosse tudo isso descrito anteriormente. Daria a impressão de um panelão colocado ali. Mas olhem a forma da cúpula, a cruz no alto, o jogo de várias pequenas cúpulas, e terão propriamente o charme. É a incomparável Catedral de São Marcos.

Desforra da feiura, da hediondez e da trivialidade contemporâneas

Os venezianos do tempo das palafitas(1) não percebiam o que ia sair do que eles faziam. Mas pode-se supor que já tivessem uma certa propensão para isso, à qual o Batismo deu a realidade, o “élan”, de maneira que saísse o que nós estamos contemplando aqui.

A julgar pela afirmação de São Luís Maria Grignion de Montfort de que os Santos do Reino de Maria vão ser tais que, comparados aos do passado, serão como cedros do Líbano em relação a arbustos(2), a medida de beleza, de verdade e de bem que toda civilização alcança é dada pela medida dos Santos que nela florescem.

Esse princípio, por exemplo, o encontramos subjacente em todas as reflexões que fiz sobre a gruta de Subiaco e São Bento(3).

Mas creio que em nossas almas há um desejo de uma desforra da feiura, da hediondez, da trivialidade contemporâneas. E esse desejo faz de nós os “palafíticos” do Reino de Maria. Contudo, enquanto não se der o Grand Retour(4), não vierem os castigos previstos em Fátima, e tudo isso não for varrido e limpo, quase não conseguimos entrever as belezas vindouras. Entretanto, no fundo de nossas almas existe esse anseio que nos faz discernir a potencialidade para o maravilhoso de cem coisas que conhecemos, mas que ainda não são maravilhosas.

Para isso, cuidemos de ser santos e de ir vivendo. Pelo curso natural do tempo e da idade, muitos assistirão ainda a todas essas maravilhas sobre a face da Terra. Outros as verão antecipadamente – coisa muito melhor –, pois serão chamados por Deus a contemplá-Lo face a face, no Céu.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 2/12/1988)

1) Cf. Revista Dr. Plinio n. 246, p. 33.
2) Cf. Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. Cap.
I, art. 2, n. 47.
3) Cf. Revista Dr. Plinio n. 244, p. 27.
4) No início da década de 1940, houve na França extraordinário
incremento do espírito religioso, quando das peregrinações
de quatro imagens de Nossa Senhora de Boulogne. Tal movimento
espiritual foi denominado de “grand retour”, para indicar
o imenso retorno daquele país a seu antigo e autêntico
fervor, então esmaecido. Ao tomar conhecimento desses fatos,
Dr. Plinio começou a empregar a expressão não apenas
no sentido de “grande retorno”, mas de uma torrente avassaladora
de graças que, através da Virgem Santíssima, Deus
concederá ao mundo para a implantação do Reino de Maria.

Oração que move montanhas

Há uma confiança heroica pela qual não desistimos de esperar, apesar de tudo. Por vezes, essa confiança faz a alma “sangrar”, mas ela continua a confiar, e diz: “A promessa interior, inefável, que Nossa Senhora me fez não falhará. Confiarei e cumprirei a minha missão. Eu confio na palavra d’Ela!”

Qual é a palavra da Santíssima Virgem? É uma voz da graça, uma apetência que sentimos e que nos leva a todas as virtudes, ao amor de Deus. A isso nos devemos dar, e com base nessa palavra devemos estruturar a nossa confiança.

A alma assim vence a batalha, pois a oração dela move as montanhas.

Eis por que Nossa Senhora só revelou a São Pio V a vitória dos cristãos, na Batalha de Lepanto, depois de ele ter rezado um terço: Ela quis mostrar que esta oração Lhe é tão grata, e que agrada tanto a Ela pedirmos aquilo de que precisamos, por meio da recitação do Rosário, que Maria Santíssima esperou aquela oração do Santo Pontífice para conceder esse enorme galardão.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/10/1975)

À nossa espera…

Meu filho, aqui estou Eu, sozinha, no canto a que teu desprezo me relegou, repleta daquele amor materno que tua rejeição comprime em Mim e impede que se expanda; daquele afeto que se conserva intacto em sua abundância e intensidade, palpitando de compaixão, à espera de que retornes para te purificar, te envolver e cumular com sua misericórdia inesgotável…

A Santa Igreja

Em sua essência, a Santa Igreja é totalmente imutável e incontaminada. Em meio às confusões, Ela é como uma coluna de brilhantes envolta pelas chamas de um incêndio. Podem as labaredas se elevar a qualquer altura,  podem se expandir e se intensificar: pouco importa, a Igreja permanece de pé.

As chamas não fazem senão iluminá-la…

 

Plinio Corrêa de Oliveira