A consagração a Nossa Senhora. Como praticá-la?

Será que todo católico tem a obrigação de fazer apostolado? Se tiver, no que consiste tal apostolado em nossos dias? Terá um papel especial, a tal respeito, o leigo consagrado a Nossa Senhora? Como pode um homem ou uma senhora, um jovem ou uma jovem, tornar efetiva no próprio meio em que vive a consagração a Maria? 

Muitos leitores de “Dr. Plinio” já tiveram a oportunidade incomparável de se consagrar a Nossa Senhora, segundo o célebre método de São Luís Maria Grignion de Montfort. E muitos outros terão o desejo de o fazer. Para todos estes, as questões acima enunciadas têm uma importância capital. Dr. Plinio tratou delas há 40 anos, numa conferência para um congresso da Ordem Terceira do Carmo. Vejamos a seguir suas palavras.

A característica do apostolado dos leigos consiste em desenvolver-se no século, em agir no seio da sociedade civil, para promover a salvação das almas por todos os meios lícitos, inclusive pela impregnação do espírito da Igreja em todos os valores próprios à esfera temporal.

Não se trata, portanto, para nós, de evitar as coisas do século enquanto tais; não se trata, para nós, de fugir para uma Tebaida ou para o recesso sagrado de uma Ordem estritamente contemplativa, nem sequer de viver a vida conventual numa Ordem consagrada ao apostolado externo. Trata-se, para nós, isto sim, de estarmos dentro do século e de ordenarmos para Deus os valores do século, que foram criados para Ele e dos quais se deve exigir que Lhe deem glória. Trata-se de comunicar a esses valores o seu verdadeiro caráter cristão.

Ora, a consagração a Nossa Senhora consiste em o homem dar-se a Ela. E, já que ele pode realizar em si de algum modo as virtudes que nEla refulgem, dar-se à Mãe de Deus é para o homem procurar imitá-La e também servi-La. O conhecimento de Nossa Senhora, a admiração por Nossa Senhora, a imitação e o serviço de Nossa Senhora são os elementos integrantes desta completa consagração a Nossa Senhora que nós queremos verdadeiramente realizar.

Mas daí nós passamos a uma pergunta: qual a influência exercida pelas condições peculiares à vida no século, no modo de vivermos nossa consagração? A vida no século deve ser tal que os mesmos princípios de beleza universal, que revertem, em última análise, em princípios de moralidade e santidade universal, se reflitam não só nas almas, mas em tudo aquilo que cerca o homem.

Por uma misteriosa afinidade, as formas, os sons, as cores, os perfumes podem exprimir estados de espírito do homem. É necessário, pois, que reflitam estados de espírito virtuosos para a formação dos ambientes em que o homem encontre os recursos necessários para a sua santificação, imagens de Deus que lhe falem aos sentidos, lhe deem o atrativo da virtude e o estimulem por essa forma a conhecer, a ter apetência daquela beleza incriada de Deus, que ele só verá face a face na glória dos Céus.

Organizar uma ordem temporal que assim forme as almas e as convide para o Céu, eis uma alta missão dos leigos vivendo no século.

Construir a cultura e a civilização cristãs

A essa altura podemos nos perguntar a nós mesmos: então, no nosso século em que consiste o serviço de Nossa Senhora? Consiste em salvar as almas por todos os modos lícitos, dentre os quais queremos acentuar este: tomar todas as coisas, ordená-las dentro desse espírito e construir a cultura e a civilização cristãs. Pois que uma e outra, sob certo aspecto, não são senão a disposição das coisas de maneira que elas sejam nesta vida o reflexo de Deus e orientem as almas para a vida eterna.

Estar consagrado a Nossa Senhora e servi-La é sustentar, é promover e defender contra os seus adversários, a cultura e a civilização cristãs, comparáveis àquela pérola preciosa que o homem deve procurar vendendo todas as coisas que tenha; cultura e civilização que são aquela paz na terra  prometida aos homens de boa vontade pelos Anjos de Belém, a única paz que os homens de boa vontade podem ter na terra: a paz de Cristo no reinado de Maria.

No serviço de Maria temos um adversário a enfrentar e um patrimônio a defender Para que compreendamos bem como servir a Nossa Senhora em nosso século, é preciso que tenhamos bem em consideração as circunstâncias peculiares a este. Vivemos em nossos dias em um processo revolucionário que, tendo começado com o protestantismo e o humanismo no século XVI, alcançou um triunfo universal pela Revolução Francesa, no século XVIII, e pela extensão dos princípios desta ao mundo inteiro, no século XIX. Esse processo chega agora aos extremos de si mesmo na afirmação do comunismo. Nós estamos, portanto, no clímax de uma longa série de apostasias.

Nisto está a marca dominante dos acontecimentos de nossos dias, e das circunstâncias dentro das quais a Igreja age, vive e luta atualmente. Em outras épocas a Igreja também tem tido adversários a enfrentar.

Nunca, talvez (e neste sentido são tão numerosas as citações pontifícias que eu me dispenso de as lembrar aqui), teve ela que enfrentar uma tão profunda investida, que a ataque com tal furor em todos os pontos de sua doutrina, de seus costumes, de suas instituições e de suas leis. Nunca seus inimigos mostraram tanta coerência, tanta unidade de objetivos e tanto rancor, quanto em nossos  vias.

Assim, e seja qual for o ângulo do qual vejamos o panorama hodierno, é preciso que coloquemos no centro de toda a nossa perspectiva esse fenômeno: a investida multissecular das forças do mal,
chegada hoje a seu paroxismo.

Vivemos dentro de um processo revolucionário que mina e corrói uma realidade gloriosa, luminosa, e entretanto agonizante, isto é, a Civilização Cristã.

Temos, portanto, um inimigo a atacar e um patrimônio a defender. O patrimônio é todo o imenso e inapreciável tesouro de tradições desses vinte séculos de Civilização Cristã que tivemos atrás de nós. Patrimônio este que não deve ser considerado como um valor estático, mas ao qual, pelo contrário,  cada século foi dando o seu contributo. Também nós, pela nossa fidelidade e pela nossa luta, acrescemos este glorioso acervo. Em face de nós está essa Revolução, que é justamente o contrário de tudo o que amamos. Nós a devemos atacar em todas as suas manifestações.

Assim se explica um dos aspectos essenciais de todo apostolado realmente adequado a nossos dias. Tal aspecto merece uma explanação conveniente, para que compreendamos bem o que vem a ser “in concreto”, e em sua plenitude, a perseverança na consagração a Nossa Senhora em nossos dias.

Como deve o católico ser um homem de seu tempo.

Com efeito, costuma-se dizer que o católico deve ser um homem de seu tempo, que deve ter a vista  aberta para todos os progressos, que deve ser um homem que se acomoda tanto quanto possível às circunstâncias da época em que vive.

Ninguém poderia dizer que, em si mesmas, essas expressões são falsas. Mas devemos saber distinguir  uma aceitação inteligente e cheia de discernimento das condições da época, de uma aceitação
simplória, impensada, fraca, tíbia, que abrange não só o que as condições da época têm de bom, mas o que o espírito da Revolução instilou veladamente até em muitas das boas condições da nossa época.

De modo que há aceitação, e há ser homem do tempo. E é exatamente a linha divisória entre uma coisa e outra que deve ser por nós marcada com todo o cuidado. Em que sentido um católico pode e deve ser homem do seu tempo? Toda época costuma diferenciar-se da anterior por se ver nesta alguns defeitos que lhe ferem a atenção e que deseja corrigir.

Mas, ao mesmo tempo, acontece que muitas vezes uma época dissente de outra anterior porque  discrepa também das qualidades desta. Em relação ao passado próximo de que nós provimos, nós não queremos, não devemos e não podemos aceitar tudo, mas rejeitar até certos elementos com cuidado.

A época passada apreciava, por exemplo, a oratória florida, farfalhante, verbosa e torrencial, que se manifestava em todas as ocasiões possíveis. Um aniversário, uma formatura, um casamento, o
regresso de uma longa viagem, tudo era ocasião para um discurso. E tais discursos eram tão padronizados, que já havia manuais que continham peças oratórias de circunstância para o moço que se forma em Direito, por exemplo. Essas peças podiam ser repetidas em todo o Brasil, desde o Amazonas até o Rio Grande do Sul, em Portugal e nas Colônias.

Evidentemente, para nós que achamos que o tipo do homem romântico que nos antecedeu era pouco eficiente, tinha o espírito povoado de sonhos vácuos e uma imaginação em fogo, que ele nem primava pela lógica, nem pelo desejo de traduzir em fatos concretos aquilo com que sonhava, para nós toda essa abundância de discursos se patenteia supérflua. Os poucos discursos que se fazem hoje devem ser rápidos, em uma linguagem menos convencional, menos hirta, em uma linguagem viva e não em uma linguagem morta.

Segundo os cânones do romantismo passado, por exemplo, o gosto pela tristeza era um tributo  essencial do espírito. Um moço, segundo o estilo em voga, deveria ser doente e infeliz, deveria exalar a sua infelicidade e a sua doença numa guitarra, deveria trocar a noite pelo dia, deveria ser um daqueles sonhadores de garoa e de orgias, tão típicas da velha Faculdade de Direito.

A nós hoje, nos parece que tudo isso está errado. Sem falar na orgia, parece-nos que essa glorificação da melancolia, esse amor à doença, essa mania de se sentir triste são antinaturais e ridículas.

O passado deve ser corrigido com discernimento 

Nenhuma época do passado pode ou deve ser intocada. É sempre possível, por um movimento  verdadeiramente progressivo, abolir defeitos e melhorar qualidades.

Mas isto não basta. É preciso também que nós nos lembremos de que muitas das transformações  instituídas no presente não representam um trabalho inteligente para depurar e fazer progredir as
tradições que recebemos, mas, pelo contrário, constituem um esforço de destruição clara ou de falseamento sub-reptício dos valores da Civilização Cristã.

Segundo palavras do Exmo. Mons. Dell’Acqua, antigo Substituto da Secretaria de Estado da Santa Sé, que falava com a responsabilidade de seu cargo, o mundo contemporâneo, por efeito do laicismo, perdeu quase completamente o senso cristão da vida.

Chamo a atenção para estas últimas palavras. Ora, sabemos que um homem não fica sem senso nenhum. Se ele perde o senso cristão, substitui-o o espírito anticristão. Portanto, quase todos quantos existem hoje estão marcados, em escala maior ou menor, pelo senso anticristão da vida. Somos, infelizmente, filhos de nosso tempo e estamos todos expostos ao risco de trazer em nós, insuspeitadas, muitas das infiltrações desse senso anticristão da vida.

Como são freqüentes em torno de nós as pessoas que supõem que têm verdadeiro espírito católico,  porque recebem uma ou outra vez os sacramentos e praticam alguns atos de piedade! Entretanto, os seus modos de pensar, de sentir e de agir são marcados por um espírito oposto ao da Igreja. Até  mesmo entre as pessoas piedosas dá-se, em escala menor embora, o mesmo fato.

Nessas condições, há razão para sentirmos uma verdadeira desconfiança até de nós mesmos. E devemos, com suma diligência e um grande temor, nos dedicar à tarefa de distinguir em nossa época aquilo que há de bem e de mal.

Obriga-nos a tal o santo receio de renunciar a alguma coisa daquele depósito de tradições católicas,  que recebemos de nossos maiores, e que devemos transmitir aos pósteros não só intacto, mas  té  acrescido.

Está bem corrigir judiciosamente o passado. Mas modificá-lo sem esse discernimento, levianamente, a todo propósito e às vezes pelo simples gosto da modificação, eis o que não se deve de modo algum fazer. Não se pode imaginar algo mais contrário à verdadeira consagração a Nossa Senhora do que esta falta de cuidado no proteger a tradição cristã. Porquanto, se o católico se entrega sem critério nem reservas ao século, ele serve a dois senhores.

Assim, embora repudiando formalmente a ideia de que devemos conservar imóvel o passado, afirmamos que nunca na história da Civilização Cristã foi tão difícil a alguém fazer esta discriminação  entre os valores verdadeiros do passado e aquilo que nele deve ser retificado em nossa época.

Nossa consagração a Nossa Senhora é realizada em nossos dias pela recondução das almas e de todos os valores da sociedade temporal para darem glória a Deus dentro das sendas da Civilização Cristã, tendo em Deus a sua causa exemplar, dentro de um rumo que, se é um rumo de verdadeiro progresso,  é por isso mesmo e nisso mesmo, um rumo indicado pelos princípios magníficos da Tradição Cristã.

Plinio Corrêa de Oliveira (Reprodução não integral, e adaptada, da matéria publicada em “O Mensageiro Carmelitano” de 15/5/1959)

 

Revista Dr Plinio 8 (Novembro de 1998)

Todos os Santos

Os homens de destaque de outrora coincidiam na convicção de que, em substância, o mais alto valor de um homem consiste em ser santo. Um guerreiro, um sábio, um monarca, ou um papa, só fariam toda a sua medida quando sua sabedoria, seu heroísmo, sua capacidade de governar as almas ou as nações,  fossem levadas ao zênite pela inigualável força de propulsão da santidade.

O Carlos Magno no trono, entre o Papa São Leão III, à sua direita, e o Bispo Turpin de Reims (detalhe do sarcófago do Imperador, em Aix-la-Chapelle)

Plinio Corrêa de Oliveira (Revista Dr Plinio 44 (Novembro de 2001)

Sacralidade beneditina

Ao contrário da agitação existente em certos ambientes do mundo atual, em Subiaco sentem-se refrigério, luz e paz. Os monges, que se deixam imbuir pelo espírito de São Bento, levam ali uma vida despretensiosa, temperante, pura e cheia de uma alegria cândida.

 

A  propósito de algumas fotografias tiradas de Subiaco, eu gostaria de tecer comentários que não se limitam à análise dos ambientes e costumes, mas visam aprofundar impressões causadas por aqueles lugares na alma de quem os contempla.

Subiaco e estação de metrô: extremos opostos

Nesta primeira foto vemos uma pequena porta que conduz a uma escadaria estreita. Em rigor, essa passagem assim apertada poderia ser a porta de uma masmorra, através da qual passa o carcereiro para levar pão e água a algum prisioneiro nas horas estipuladas.

Considerada, por assim dizer, “anatomicamente”, esta parte do edifício poderia servir para isso. Entretanto, não é nem um pouco a impressão que nos dá. Ao subirmos por esta escadinha, não sentiríamos medo ou qualquer outra sensação própria a quem ingressa em uma masmorra. Pelo contrário, tem-se a impressão de um ambiente recolhido, com uma penumbra que sucede à grande luz do dia, com algo de aconchegado, de cômodo.

Poder-se-ia bem imaginar um monge beneditino dos antigos tempos subindo esses degraus, passo a passo, enquanto recita um salmo ou reza uma dezena do Rosário. Em uma palavra, quanta bênção há aí! É uma bênção de paz que se faz sentir por um jogo de luz e sombra.

Se compararmos isso com a atmosfera de uma estação de metrô, perceberemos como o metrô e Subiaco são extremos opostos, de um modo até berrante: um está inserido dentro da civilização industrial e outro na nascente da Idade Média.

Viver entre pedras e pouca vegetação, pensando no Céu

Na outra fotografia vemos ruazinhas muito estreitas e, como tudo está construído em meio a montanhas, há diversos patamares aos quais se tem acesso, às vezes, por escadinhas como essa.

Sente-se ter vivido aqui gente habituada a uma vida despretensiosa, temperante, pura e cheia de uma alegria cândida.

Notem como a escadinha está toda modelada pelo passo humano. Séculos e séculos de subir e descer de homens que consagraram a vida a Deus, renunciando a todas as alegrias e pompas do mundo para viverem entre essas pedras, pensando no Céu.

Imaginemos, durante o dia, abrir-se aquela janela com vitrais elaborados à maneira de fundos de garrafa, e aparecer por detrás um monge com capuz, braços cruzados debaixo do escapulário, e olhando…

Nas margens desse caminho nada foi plantando pelo homem, tudo está como a natureza pôs. No primeiro dia, quando esse solo saiu das mãos de Deus, era possível que fosse mais ou menos assim.

Veem-se pedras por toda parte entre as quais nasce uma vegetação que se agarra como pode a um pouco de terra, e viceja onde consegue.

Aquele arbusto que aparece ali, com seus galhos contorcidos, parece ter esgares de fome. Não é o fértil chão brasileiro com seus jacarandás e jequitibás, nem o solo norte-americano com suas sequoias; nada disso. Essa é uma árvore brotada em terra árida e pedregosa.

Há, entretanto, uma intimidade entre quem passa por esta pequena via e a vegetação que a ladeia, cujo exalar de vida nada interrompe, dando-nos a impressão de existir uma íntima amizade com todo esse mundo vegetal rumo ao céu azul que se entrevê lá no fundo, e faz até pensar no Céu da eternidade.

Sente-se uma paz nesse ambiente! Uma pessoa que ali entrasse cheia de torcidas e de preocupações, e seguisse por essa estradinha, chegaria ao outro lado inteiramente tranquilizada.

O que isso tem de lindo? Viveu ali um Santo, o Patriarca dos monges do Ocidente, isto é, o primeiro de toda a gloriosa coorte de monges, o qual teve como filhos espirituais, nesse lugar, homens canonizados, além de quantos outros que, embora não canonizados, também estão no Céu. É o ambiente próprio do homem à procura da santidade; eis a bênção que São Bento deixou.

Ambiente simples, mas repleto de beleza espiritual

Para ingressar na via da qual falávamos, a pessoa passa por esse arco que aparece nesta outra foto. É uma ogiva despretensiosa, bonita e séria. Não tem uma escultura, nem qualquer outro adorno. É apenas uma ogiva feita de pedra, mas com toda a beleza das ogivas, como se fossem duas mãos postas para rezar.

Pode haver coisa que recolha mais o espírito e favoreça mais a oração, as grandes reflexões a respeito dos grandes temas? Assim a alma de um homem se forma! Mas, por quê? Porque há uma bênção presente no ambiente e que envolve e penetra quem nele se adentra.

Se alguém me perguntasse: Isto é lindo?

Eu diria: Não, de nenhum modo.

Entretanto, sob outro aspecto, se outrem me indagasse: Isto é lindíssimo?

Eu responderia: Sim!

No sentido de uma beleza espiritual.

Essa paisagem é agradável de ver, mas não é linda, materialmente falando. Contudo, a beleza espiritual torna isso lindíssimo.

Eis uma bonita fotografia bem dentro da linha do que vínhamos falando. Vemos a vegetação e o alto de uma construção que parece ser uma capelinha com uma rosácea, com todo o encanto das rosáceas medievais. Aquilo é tipicamente medieval. Têm-se esse misto de pedra e folhagem: reino mineral e reino vegetal juntos, entrando em harmonia, para que o expectador possa exclamar: “Como Deus é grande!”

São Bento: olhar contemplativo, todo voltado para as coisas de Deus

Ali contemplamos um afresco de São Bento. O pintor representou-o de uma maneira singular. Ele está com uma espécie de capuz sobre a cabeça, mas este tem um pouco a forma da parte baixa de sua face. De maneira que o desenho da maçã do rosto até o queixo tem a forma do capuz pontudo. E dá a impressão de uma face concebida numa moldura de duas pontas: uma para baixo e outra para cima. Rosto muito fino, nariz comprido, barba não muito crescida, na transição do grisalho para o branco; as sobrancelhas, ainda escuras, representam um homem que ainda está no vigor de seu pensamento e de sua ação.

Notem a força moral com que a sua mão segura o báculo, símbolo do poder do Abade.

Olhar sério, até com alguma coisa de severo, mas no qual há um mundo, um céu! Se um de nós o encontrasse, teria vontade de ajoelhar-se diante dele e pedir: “Pai, dizei-me no que pensais!”

Imagino que ele responderia sem olhar para quem pediu, desfiando o seu pensamento inteiro, com um timbre de voz partindo do fundo de sua laringe possante, num pescoço alto, como se fosse o tocar de um sino.

São Luís Orione achava o olhar de São Pio X tão puro, que se confessava sempre antes de falar com este Santo Pontífice.

Não é verdade que teríamos vontade de nos confessar, antes de falar com São Bento? Olhar reto, puro, todo voltado para as coisas de Deus, contemplativo e sério!

Se eu lhe perguntasse no que estava pensando, e ele me dissesse:

— Agora não posso explicar.

Eu pediria:

— Permiti, então, que eu fique vos olhando!

São Francisco de Assis, grande admirador e devoto de São Bento

Aqui temos uma pintura representando São Francisco de Assis, que viveu séculos depois de São Bento, mas por ser grande admirador e devoto deste Santo Abade, resolveu ir a Subiaco para venerá-lo. Ali ele viu, junto à gruta de São Bento, um carrascal de espinhos onde o Santo Abade tinha rolado para combater uma tentação contra a pureza, vencendo-a. O demônio fugiu diante da admirável penitência de São Bento. São Francisco plantou naquele local uma roseira, e até hoje as rosas e o carrascal de espinhos vivem juntos, entrelaçados.

Em São Francisco contempla-se um tipo de santidade diferente; mas que maravilha! Essa pintura representa um homem muito mais jovem do que é figurado São Bento na outra. Não sei se calculo mal, mas suponho que esse homem esteja na casa dos trinta anos.

Sua atitude é muito serena, calma, mas com uma determinação de vontade que se vê muito pelo modo do rosto estar implantado sobre o pescoço. Todos os traços distendidos, mas não moles. É alguém que está, no fundo do olhar azul, pensando e contemplando algo e querendo com toda a força da vontade o objeto de sua contemplação.

É de uma pureza impressionante! Um homem casto, temperante por excelência e vigoroso. São Bento também o era, mas o pintor de São Francisco deixou ver essas virtudes mais inteiramente do que o de São Bento.

Compreende-se que o “Poverello” de Assis gostasse de ler para os seus noviços as histórias de Cavalaria, pois antes de abraçar a vida contemplativa pensou em ser cavaleiro.

Nesta representação, a sua mão direita segura ligeiramente o braço esquerdo. Vejam a lógica das linhas e a força dessa mão!

Se a São Bento eu pediria: “Dizei o que pensais!”; a este eu rogaria: “Não digais, pois eu vejo. Deixai apenas que eu olhe para vós!”

Tem-se a impressão de que São Bento está presente

Tendo analisado tudo quanto vimos de Subiaco, nasce a pergunta: O que há dentro disso?

A resposta que vem ao espírito é esta: a sacralidade beneditina. É uma paz, não a da modorra de um comodista, mas uma paz de algo que tem vida intensa dentro de si.

Vida, por sua vez, não agitada, espancada, surrada, mas com refrigério, luz e paz que se sentem naquele lugar não se sabe bem no quê, e dá a impressão de estar São Bento presente ali.

Há lugares sagrados que conservam uma como que impregnação dos personagens e dos fatos ali ocorridos. Aquele ambiente fica mais ou menos marcado, fazendo-nos sentir algo do que ali se passou.

Por causa disso, a grande alma de um Santo pode se fazer sentir por séculos e séculos, no lugar onde ele viveu e praticou a virtude. É, pois, a grande alma de São Bento que sentimos ali.

Vem-me à memória um episódio encantador da vida desse Santo:

A governanta de São Bento — termo um pouco anacrônico, pois não se usava naquele tempo, mas de fato corresponderia a uma governanta atualmente — deixou cair uma vasilha emprestada, que se desfez em cacos. Já é uma coisa aborrecida romper algo que nos pertence, quanto mais quebrar um objeto emprestado de outra pessoa; é uma espécie de vexame.

Ela ficou muito aflita e São Bento a viu chorar.

Desejando, então, restabelecer a paz de alma daquela senhora, São Bento se ajoelhou, rezou e a vasilha se recompôs miraculosamente. Ele voltou-se com naturalidade para a mulher, sem excitação nem angústia, e disse: “Aqui está a vasilha!”

Quem está tão em presença de Deus, e paira tanto acima dos acontecimentos, sabe que a Providência resolverá para ele os casos; esse não tem aflição.

São Bento caminha sério, recolhido, severo até — como ele é representado no afresco que vimos há pouco —, de uma severidade admirável, e tem rumo para tudo; confia em Deus, ainda quando ele não saiba qual será a solução do problema. Deus lhe dará confiança. E por isso os vendavais torpes da vida não sopram sobre ele. Ele avança majestoso, bondoso, com a alma firme, e sacralizando tudo pela sua presença.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 6/7/1985)

 

Critérios para um bom relacionamento

Depois de analisar alguns dos critérios segundo os quais costumamos avaliar as pessoas com quem desejamos estabelecer relações, Dr. Plinio indica os verdadeiros princípios que devem orientar o relacionamento humano.

 

Como devemos analisar-nos uns aos outros? De que modo precisamos olhar, interpretar, considerar o valor de cada um? Como devemos entender e julgar as pessoas?

Duas categorias de pessoas

Eis uma boa qualificação: algumas pessoas têm alma para compreender que não existe só e nem principalmente esta vida. Há uma outra ordem de grandezas e um Ser espiritual, superior, infinito, perfeito. Em última análise, Deus Nosso Senhor e todos aqueles que O cercam na hierarquia divina. E tudo isso se espelha de algum modo na Criação.

Essas pessoas, quando olham um pé de ipê, uma esmeralda ou uma orquídea, por exemplo, são admirativas porque sabem ver o que é mais do que elas, sem inveja e por desinteresse. Essa é uma categoria de pessoas.

Outra categoria é das que só olham para cima a fim de ter inveja, e preferem não olhar para o alto. Dirigem os olhos para o lado com indiferença e para baixo com desprezo.

De que gênero de pessoas é cada um de nós? Se essas são as duas categorias, temos que caber numa delas. Como somos nós?

Devemos tomar em consideração que Deus ama mais os que são mais voltados para Ele. Nossa Senhora ama mais os que são mais voltados para Ela. E nós, portanto, devemos desejar o que é mais elevado, mais nobre, mais belo, mais reto, mais santo. Mas desejar admirando! E admirando desinteressadamente!

O verdadeiro entusiasmo se exprime pela dedicação

A partir do momento em que admiremos isto desinteressadamente, tornamo-nos entusiastas e combativos. Porque o verdadeiro entusiasmo se exprime pela dedicação. Ter entusiasmo por algo ou alguém a quem não sou dedicado não significa nada. Se tenho entusiasmo sincero, eu me dedico.

Então, quando notamos alguém lutar, devemos procurar na atitude dele o seguinte: pelo que ele combate? Até que ponto ele vê e entende a grandeza daquilo pelo que luta? Até que ponto sua alma está cheia disso? Até que ponto ele se dedica? Até que ponto ele é combativo?

Através dessas perguntas nós podemos aquilatar uma pessoa.

A partir disso compreende-se a inanidade, o zero de muitos elogios feitos às vezes a mim, que tenho a impressão de dizerem respeito a um outro, porque de tal maneira o que tem de essencial em mim não figura naquele elogio, que estão elogiando um outro.

Então, elogia-se alguém porque é muito inteligente. Ora, a pessoa nasce inteligente. Já lhes passou pela mente elogiar um homem qualquer porque é narigudo, ou porque tem um nariz muito pequeno? Ninguém escolhe o nariz que tem. O sujeito nasceu com aquele nariz e precisa levá-lo até a sepultura. Goste ou não goste, seja um nariz lindo ou comum ou grotesco.

Se determinada pessoa nasceu inteligente, é um dom que Deus lhe concedeu. Não é um dom sobrenatural, mas natural. Aprecia-se. O que se conclui daí?

Alguém poderá dizer: “Mas ela aproveitou bem a própria inteligência”. Não se deduz muita coisa, pois há muitas pessoas que aproveitam a inteligência que possuem, e ficam muito instruídas, cultas, brilhantes. Entretanto, fazem um uso bom dessa inteligência ou são malfeitoras?

Assim é com a boa educação e tantas outras qualidades…

Antigamente, era raro encontrar chá no Brasil, e as pessoas que gostavam de tomá-lo mandavam vir da Inglaterra, da China, etc. E eram naturalmente as pessoas mais finas. Então se dizia “Fulano tomou chá em pequeno”, para indicar que ele teve uma educação muito seleta. O outro que só tomou café não teve uma educação muito fina, porque qualquer um tem café. Ninguém possui mérito por ter tomado chá em pequeno.

Então, qual é o verdadeiro mérito? É a elevação de alma, e isso nós devemos procurar.

Relacionamento com base na Fé, esperança e caridade

Que relação tem isso com a Religião?

Quem foi batizado e recebeu o dom da fé, tendo o espírito elevado possui muita fé. Porque quem tem espírito elevado ama, sobretudo, o que há de mais alto. E o que há de mais elevado são as verdades sobrenaturais reveladas, é a Igreja Católica que é Mestra dessas verdades.

Possui muita esperança. Esperança de conseguir aquilo que sua fé lhe ensina: o Céu depois desta Terra, e dar glória a Deus, a Nossa Senhora, nesta Terra; e espera que Maria Santíssima o ajudará.

Tem muita caridade, a qual não é principalmente o amor do próximo, mas é o amor de Deus, e do próximo por amor de Deus.

Então possui muita fé, esperança e caridade. E depois as virtudes cardeais: justiça, fortaleza, temperança, prudência, e outras virtudes. Aí está o edifício de uma alma.

Quando nos relacionamos com os outros, procuramos ver quais são os que têm o espírito mais elevado e buscamos mais a companhia, a prosa desses, ou procuramos saber quem diverte mais, conta mais chistes, brinca mais, é mais agradável de trato? Ou, então, o mais influente que comunica uma certa importância a quem é amigo dele?

Essas não são razões para se dar com alguém. Motivo para se dar com alguém é fé, esperança e caridade, a elevação de alma.

Uma pessoa pode passar por um oratório onde há uma imagem de Nossa Senhora, fazer o Nome do Padre, mas não tem grande fé. Um outro faz o Sinal da Cruz e possui muita fé. Um terceiro não tem fé, é emigrado do Afeganistão, mas ele olha com uma certa elevação para a imagem, e a fé começa a germinar no espírito dele.

Procurem as companhias que lhes aproximam mais desse estado de espírito.

Cuidado com os brincalhões!

Alguém poderá objetar:

­— Mas a questão é que, estando com os outros, eu preciso me divertir.

A esse eu responderia:

— Cuidado com as pessoas brincalhonas ou que fazem muitos chistes! Em minha vida vi poucas pessoas ao mesmo tempo engraçadas e sérias. E, assim mesmo, a seriedade estava arriscada por serem engraçadas. ­

Os Evangelhos apresentam Nosso Senhor Jesus Cristo nas mais variadas atitudes, desde Menino recém-nascido até a idade perfeita dos trinta e três anos com que Ele morreu. Nunca se vê, apesar dessa variedade de espírito, o Divino Mestre rindo.

Tomem em consideração as bodas de Caná. Ele estava na festa e até concorreu para que esta tivesse alegria, fazendo um milagre estupendo: a transmutação da água em vinho. Entretanto, o Evangelho não conta que Ele tenha rido alguma vez. Eu nunca vi uma imagem, nas nossas igrejas, representado Nosso Senhor rindo. Nem sequer propriamente sorrindo.

Numa atitude próxima do sorriso, às vezes. A imagem do Menino Jesus, por exemplo, é apresentada próxima do sorriso, porque se supõe que Ele está olhando para Nossa Senhora. Quem vê uma criança, imagina-a olhando para a mãe, é normal. Então se supõe que Ele esteja sorrindo, ou melhor, olhando com sumo comprazimento para a Mãe. Rindo, nunca! Muitas imagens de Nosso Senhor O apresentam com suma afabilidade, sorrindo não. É um exemplo para nós.

Alguém conhece uma aparição em que Nossa Senhora ou qualquer Anjo ou Santo diga uma coisa engraçada? Nunca!

Por outro lado, tome cuidado também aquele que, por ser engraçado, atrai todos os que desejam se divertir e dar uma gargalhada, mas os desvia de Nossa Senhora.

Às vezes foge-se de certas companhias que têm coisas sérias para comentar, vão ao fundo dos assuntos. Entretanto, tais pessoas, embora não digam coisas jocosas, poderiam nos aproximar da Santíssima Virgem Maria.            v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/1/1982)
Revista Dr Plinio 244 (Novembro de 2019)

Confiança em Maria

Minha Mãe, Rainha do Céu e da Terra, dai-me a graça de nunca me sentir longe de Vós. Porque Vós, Senhora, estais sempre próxima, e quem a Vós reze afincadamente tudo obtém. Convencei-me, ó Mãe, de que Vós estais ao alcance não de mãos que se estiram, mas de mãos que se põem juntas para rezar, rezar, rezar seriamente.

“Nunca se ouviu dizer que alguém que recorresse a vossa proteção ou reclamasse vosso socorro fosse por Vós desamparado”. Minha Mãe, fazei-me compreender que, se “nunca se ouviu dizer”, não serei eu o primeiro a não ser atendido. Assim, pois, régia Senhora, fazei que sempre me volte para Vós com confiança.

Assim seja.

Plinio Corrêa de Oliveira

Mãe da Divina Providência

O amor materno de Maria tem força regeneradora para elevar e santificar uma alma; Ela é a Medianeira das graças necessárias para a justificação daquele a quem Ela ama. Confiemos a todo instante em Nossa Senhora, lembrando-nos sempre de sua extrema meiguice para conosco, de sua compaixão para com as misérias de cada um de nós.

Tenhamos presente que, na Salve Rainha, Nossa Senhora é chamada “Mãe de misericórdia”, e que o Lembrai-vos acentua a bondade d’Ela para com o pecador arrependido.

Sem nos compenetrarmos da misericórdia de Maria Santíssima, nada de bom faremos. Cultivando-a, nossa alma se cumula de confiança, de alegria e de ânimo. Tendo a Mãe da Divina Providência como nossa própria Mãe, nada nos deve abater. Ela tudo resolverá se, confiantes, implorarmos seu maternal socorro.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 16/11/1965)

Revista Dr Plinio 224 (Novembro de 2016)

Modelo perfeito de bispo

São Carlos Borromeu não foi apenas um grande bispo contrarreformista, mas, em algum sentido, o Bispo da Contra-Reforma. Não só por ser um homem de grande preparo e cultura, que irradiou sua sabedoria em seu tempo, mas por ter realizado o modelo  perfeito de bispo.

Não basta redigir obras refutando isso ou aquilo. A pessoa precisa ser a personificação, o próprio símbolo, o tipo humano das obras que escreveu. O trabalho que ele realizou, sendo o Bispo da Contra-Reforma e o modelo de bispo, foi de uma eficácia para a Igreja certamente maior do que a dos próprios escritos dele.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 30/10/1963)

São Carlos Borromeu, o Bispo da Contra-Reforma

A Pseudo-Reforma Protestante foi um dos grandes lances da Revolução. Porém, em contrapartida, Deus suscitou almas que muito contribuíram para explicitar e definir as verdades negadas pelo Protestantismo. Uma delas foi São Carlos Borromeu, grande figura da Contra-Reforma.

Sobre São Carlos Borromeu há os seguintes dados. Apesar de curtos, creio serem muito elucidativos:
Feito cardeal aos 23 anos, São Carlos Borromeu foi suscitado por Deus para a verdadeira reforma da Igreja.

Presidiu sínodos e concílios, estabeleceu colégios e comunidades, renovou o espírito de seu clero e das ordens religiosas.

À sua prudência deve-se, em grande parte, a feliz conclusão do Concílio Tridentino.

Modelo de Bispo da Contra-Reforma

São Carlos Borromeu tornou-se uma grande figura da Contra-Reforma, a qual nos interessa especialmente. Se a Pseudo-Reforma foi um dos grandes lances da Revolução, a Contra-Reforma foi, evidentemente, um dos grandes lances da Contra-Revolução.

As grandes figuras da Contra-Reforma auxiliaram muito a definir, na Igreja, todas as verdades que o protestantismo negava. Representam um grande exemplo para nós, tendo sido o contrário de certos teólogos vazios, que não têm os olhos postos nos problemas do tempo, mas escarafuncham, por curiosidade, questões dentro dos jardins da Teologia. Os personagens da Contra-Reforma tinham sua atenção posta no mal como se apresentava naquele tempo, e tomaram posição contra esse mal; por essa forma fizeram progredir muito a doutrina católica.

Uma categoria de pensamento do contrarrevolucionário é exatamente não estar fazendo estudos no ar, os quais não têm relação com o aspecto que a Revolução apresenta no momento; mas realizar estudos a serviço da Igreja, para salvar as almas, refutar ideias falsas e, mais ainda, em que o suco do pensamento é acrescido pela análise acurada do erro.

É próprio do sentido cultural de nosso Movimento conhecer a verdade por duas formas.

Primeira: deduzindo as verdades ainda não sabidas daquelas que já são conhecidas. Segunda: analisar o erro e, ao refutá-lo, conhecer melhor e mais profundamente a verdade estudando a negação dela. Não aproveitando os fragmentos de verdade existentes no erro, mas, por exclusão, entendendo a verdade que se deve sustentar. Por essa razão, os doutores da Contra-Reforma nos são muito caros.

São Carlos Borromeu foi, não apenas um grande bispo contrarreformista, mas, em algum sentido, o Bispo da Contra-Reforma. Não só porque ele era um homem muito preparado, de grande cultura e que era irradiada por ele a toda a Igreja em seu tempo, mas por ter realizado o modelo perfeito do bispo. Muitos dos bispos bons, que viveram desde a Contra-Reforma até nossos dias, tinham o ideal de serem bispos como o foi São Carlos Borromeu.

Eficácia do tipo humano

Não basta redigir obras refutando isso ou aquilo. A pessoa precisa ser a personificação, o próprio símbolo, o tipo humano, das obras que escreveu. O trabalho que ele realizou, sendo o Bispo da Contra-Reforma e o modelo de bispo, foi de uma eficácia para a Igreja certamente maior do que a dos próprios escritos dele. Não quero dizer que sempre o exemplo vale mais do que o escrito –– seria exagerado. Mas, nesse caso concreto, ele valeu mais pelo exemplo do que pelos seus escritos.

Para não me alongar demasiado, conto um fato da vida desse santo:
Naquele tempo, julgava-se — como também nós julgamos — que um cardeal deve revestir-se de pompa, de grandeza, de solenidade, para fazer brilhar a glória de Nosso Senhor Jesus Cristo diante dos homens. São Carlos Borromeu pertencia a uma grande família italiana; além de Príncipe da Igreja ele era, até certo ponto, senhor temporal de Milão e, durante certo tempo, foi Cardeal Secretário de Estado. Por todas essas razões devia cercar-se de grandeza, e de fato ele assim o fez.

Certa vez, ele andava numa esplêndida carruagem, com acolchoados, e toda a pompa, pelas ruas de Milão — ou numa estrada, não me lembro exatamente — quando passa perto dele um frade simples, pobre, montado a cavalo. Cumprimentos de parte a parte, e o frade lhe diz: “Eminência, como é agradável ser cardeal! Viaja-se de modo mais cômodo do que um simples frade!” O Cardeal Borromeu voltou-se muito gentilmente para o frade e convidou-o então a viajar com ele. O frade entrou na carruagem, sentou-se e começou a dar gritos devido aos cilícios existentes por debaixo do banco. O cardeal viajava sobre cilícios, sofrendo com as sacudidelas próprias de uma estrada ou rua daquele tempo, embora metido nas sedas, nos cristais e púrpuras de uma carruagem provavelmente toda dourada e ainda com plumas e lacaios.

A santa prudência

Quanto à “prudência” de São Carlos, não significa que ele tenha sido um homem cauteloso, que evitou qualquer risco. Esse é o sentido comum da palavra prudência. A prudência é a virtude cardeal que nos faz conhecer e aplicar bem os métodos necessários para os fins que temos em vista.

Por exemplo, um membro prudentíssimo de uma empresa de contabilidade é aquele que emprega as boas regras para tocar para a frente a escrituração. Nós agimos com prudência em relação à legislação trabalhista, não só pagando o necessário para evitar problemas, mas também tomando as necessárias providências para receber aquilo a que temos direito. Quer dizer, a prudência é o acerto no agir. Então, o texto da ficha elogia São Carlos Borromeu porque teve esse acerto. Para a conclusão do Concílio de Trento ele empregou, com grande sabedoria e prudência, os métodos adequados.

Na Ladainha Lauretana se invoca Nossa Senhora como “Virgo Prudentíssima”, a Virgem que com muito acerto fez as coisas para chegar ao fim que a super excelsa vocação d’Ela pedia ou indicava.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 30/10/1963 e 4/11/1968)

O valor do sofrimento e a majestade da morte

O valor do sofrimento, aceito por amor a Deus, e a majestade da morte constituem duas importantes verdades negadas pelo mundo moderno, cuja meditação é necessária para o progresso na vida espiritual. A respeito delas, Dr. Plinio colhe preciosas lições da Comemoração dos Fiéis Defuntos.

 

O  dia de Finados representa muitíssimo para nós. Antes de tudo, por ser a ocasião em que rezamos pelas almas de todos os fiéis falecidos e que, porventura, estejam no Purgatório. Mas é também o dia em que a Igreja, com aquele tato que lhe é próprio e absolutamente inconfundível, torna presente para nós a realidade da morte.

”Lembra-te que és pó…”

A Igreja como que abre um precipício debaixo de nossos pés e nos faz ver uma multidão de almas em estado de pena, de sofrimento, ou seja, o infortúnio daqueles que, ao morrerem, não foram diretamente para o Céu. Tudo isso se torna presente diante de nós.

É bonito ver na Liturgia as frases de Jó, as lamentações que lembram o homem levado até às beiras da loucura; e depois aquele que penetra pelas fauces da morte, inteiramente isolado, e seus ossos vão se desfazendo, sua carne virando pó, um imenso pranto inunda sua alma separada do corpo, e a desventura daquela criatura pecadora, posta numa atmosfera de punição, esperando a misericórdia de Deus e a compaixão dos vivos. Isso faz muito bem!

De quando em quando devemos meditar sobre a morte, para compreendermos o que há de profundamente real naquela advertência do sacerdote na Quarta-Feira de Cinzas: “Lembra-te, homem, de que és pó e que voltarás a ser pó”. E isso nos faz dar uma dimensão exata a todas as coisas desta vida.

A qualquer momento podemos ser julgados por Deus

Nós todos, neste momento, podemos estar movidos por desejos tão vários. Mas o que são eles, quando calculamos o que somos? É uma coisa tremenda! No momento em que estou falando, é possível que um coágulo esteja a um centésimo de segundo para chegar ao meu cérebro e que eu não acabe de pronunciar esta frase, e caia morto.

Se sou algo de tão inconsistente que um coágulo partido de meu calcanhar liquida com todas as minhas aspirações, todos os meus desejos, todos os movimentos que eu tenha em relação às coisas desta vida; tão débil que, em última análise, sei que morrerei, e, ao passar pelo cemitério, vejo ali o meu destino fixado: é virar pó… Então sou levado a considerar com equilíbrio as coisas desta Terra.

Ponderem, por exemplo, o modo horroroso pelo qual se dá a decomposição dos nossos corpos. Primeiramente, o corpo começa a apodrecer e adquire, muito frequentemente, um estado de sebo ou de gelatina. Olhem-se no espelho, vejam seus traços definidos e pensem como será quando tudo isso tiver um caráter repugnante e gelatinoso…

Isso serei eu, esta carne, estes ossos, cujo impacto estou sentindo, ficarão reduzidos a esqueleto. Muita gente passará perto e dirá: “Que alívio!” Um ou outro lamentará: “Coitado!” Algum se lembrará de rezar por mim…

Pergunto: não é boa essa meditação para refrigerar muitos ardores, criar muitos desapegos, humilhar muito orgulho e fazer-nos compreender que podemos cair, de um momento para o outro, no julgamento do Deus vivo? Quem de nós sabe se vai chegar a sua casa hoje, se daqui a uma hora não estará sendo julgado por Deus, e em seguida queimado pelas chamas do Purgatório?

Como era o luto no início do século XX

Ora, sem essas incertezas a vida não tem grandeza nenhuma. Nada é belo, nada é atraente, a não ser com um pano mortuário no fundo. Porque é só pelo contraste com essa miséria fundamental, que compreendemos como é pouco tudo quanto queremos nesta Terra, e a grandeza do outro destino que nos espera.

A civilização moderna tem pavor do luto. Eu conheci o tempo em que as viúvas ainda usavam um luto, trajando-se de preto de alto a baixo, com um véu negro sobre a cabeça, mais espesso atrás e mais diáfano na frente. E quando elas iam fazer visitas para agradecer os pêsames, apresentavam-se com esse traje, levantando o véu para conversar e abaixando-o novamente ao sair.

Havia também o luto moderado. Aliviava-se o luto seis meses ou um ano depois da morte, conforme o grau de parentesco da pessoa falecida: esposo, pai, mãe, etc. Usava-se, então, o branco juntamente com o preto até que, ao cabo de um ou dois anos, suprimia-se completamente o luto.

Alguns dizem: “Isso é pura formalidade, eu não gosto disso”. Tais pessoas, na realidade, têm pânico da morte e por esta razão têm medo até dos trajes de cor preta. É, portanto, o medo de morrer que as fazem rejeitar o luto.

Nós devemos ver a morte com serenidade e com grandeza, inclusive no que ela tem de aflitivo e de tremendo. Há uma miséria grandiosa na morte, que nos leva a dizer: O ser inteligente, capaz de morrer e de passar por catástrofe tão enorme, tem uma tal capacidade de grandeza que, certamente, uma outra vida e um outro destino o aguarda. E nisso compreendemos, então, toda a nossa grandeza.

O papel do sofrimento na vida do homem

Digo mais: não é só a consideração da morte que faz bem, mas inclusive a visão da dor. Às vezes, sinto-me inclinado a fazer o papel de cicerone, levando alguns para um hospital do câncer, para a Santa Casa, para hospitais onde há gente que sofre de úlcera exposta na mão, no rosto, para compreendermos qual é o papel do sofrimento na vida, e como não se pode levar uma vidinha de boneca de louça, ignorando essas coisas, sem ter coragem de vê-las de frente.

Gostaria de fazer, algum dia, comentários de alguns trechos do Livro de Jó, que tem algumas descrições, as mais faustosas, da dor. Nunca vi tanta majestade na dor e fora da dor, como no Livro de Jó.

A meu ver, assim como Nosso Senhor disse que Salomão, em todas as suas glórias, não se vestiu como um lírio do campo — sentença admirável e inteiramente verdadeira —, acho que se pode afirmar que Luís XIV, em todo o seu esplendor, não teve a majestade de Jó no seu monturo. As lamentações de Jó são das coisas mais majestosas que tenha havido na Terra.

Compreendemos, assim, a majestade da tragédia que chega aos últimos limites, a grandeza que o homem tem conservando-se sapiencialmente sereno diante dessa tragédia.

Reflexo da majestade de Deus “puniente”

A propósito do dia dos fiéis defuntos, essa é a lição que a morte e os mortos nos dão. É uma lição incomparável de profundidade, de força de alma, de coragem, de grandeza.

Antigamente havia reportagens sobre a morte até em jornalecos ordinários, em que o redator, quando descrevia alguém que morreu, para falar do momento de seu falecimento, dizia: “Por fim expirou e a majestade da morte revestiu os seus traços”. Era uma ideia muito bonita. Há uma majestade da morte e, sobretudo, de certos mortos que refletem a própria majestade de Deus “puniente”, do Altíssimo enquanto castiga; existe a majestade do trovão, do relâmpago, do terremoto, dos cataclismos, e que é preciso conhecer e amar. Porque quem não conhece e não ama isso, não é capaz de ver Deus inteiro, na sua afabilidade, na sua meiguice sem fim e na grandeza de sua justiça também infinita.

Todas essas são meditações úteis para se fazer a respeito do dia de Finados.

Proponho rezar pelos fiéis defuntos nos seguintes termos: Desde que Nossa Senhora — detentora de todo o valor de nossas orações — nisso consinta, que as orações desta noite sejam para as almas do Purgatório mais abandonadas, e para as quais ninguém reza; almas que talvez tenham ainda mil anos de penas para cumprir, e não há quem peça por elas.

Mas com uma condição: que elas nos obtenham a compreensão, o amor e o entusiasmo por todas as sombras com que a morte enriquece a estética do universo e os panoramas verdadeiros da vida humana.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 2/11/1966)

Revista Dr Plinio  Novembro de 2013 (Reflexões Teológicas).

 

Dilatando o Reinado de Cristo

A Fé é uma virtude sobrenatural que dá ao homem a capacidade de admitir as verdades reveladas por Jesus Cristo e Escritores Sagrados, propostas pela Santa Igreja.

Sua origem é divina não somente na Pessoa do Verbo Encarnado, o Mestre por excelência, mas também nos Profetas e Apóstolos, que nada mais foram do que instrumentos do Espírito Santo ao nos transmitirem as novidades doutrinárias da parte de Deus. É também divina no seu princípio, porquanto sem a graça de Deus não é o homem capaz de crer. É finalmente divina no seu objeto que são as verdades escondidas em Deus, a quais sua Misericórdia se digna comunicar às criaturas.

Considerados os elementos divinos, a Fé é imutável e em dois sentidos. Primeiro, uma verdade revelada jamais poderá ter um sentido numa época e outro sentido diverso em outra diferente. Jamais o que foi crido pela Igreja como verdade de Fé na Idade Média deixará de o ser nos tempos que correm, ou terá hoje um sentido diverso do sentido que se encontra na profissão de Fé dos fiéis daquela época. Depois, o campo da Revelação está limitado, de maneira que não haverá mais novas verdades reveladas. Tudo quanto a Divina Bondade quis manifestar ao homem, o fez até a morte do último Apóstolo.

Embora a Fé seja sempre a mesma, não obstante pode haver dogmas novos, isto é, verdades que se achavam implícitas na Revelação Apostólica e que a Santa Igreja explicitou, e impôs à Fé dos fiéis, como acontece com o Dogma da Imaculada Conceição de Nossa Senhora. Note-se, no entanto, que neste crescimento na Fé de que é capaz o homem e a humanidade, jamais pode vir o indivíduo a admitir uma verdade inteiramente nova, que não se encontra de maneira implícita na Revelação Apostólica, nem chegar à aceitação de uma atitude que contrarie aquilo que foi explicitamente estabelecido pelo Divino Fundador da Santa Igreja.

Esta exposição nos mostra como se difunde o Reinado de Jesus Cristo não somente angariando novos membros para a Santa Igreja, mas também intensificando nos fiéis a vida da Fé pelo conhecimento mais profundo das verdades reveladas, e pela conformação sempre mais perfeita da vontade com estas verdades.

Não basta o ideal vago de dilatar o Reinado de Jesus Cristo. É preciso que se conheça em que consiste este Reinado. É pela integridade da Fé e a pureza dos costumes que impera Nosso Senhor Jesus Cristo e se dilatam os domínios da Santa Igreja, que são os seus domínios. Neste sentido é obra de apostolado toda atividade dedicada à conservação do Divino Depósito entregue à Santa Igreja íntegro e sem delapidações, quer na parte doutrinária, quer na jurídica ou moral(*).

 

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 236 (Novembro de 2017)

 

* Excertos do artigo Ação Católica – problemas, realizações e ideais – Em prol da Ação Católica, publicado em O Legionário de 12/11/1944.