Guerreiro justíssimo, defensor de uma causa santíssima

Nosso Senhor Jesus Cristo é Rei, tanto em virtude do poder espiritual quanto do temporal. A coroa que Ele usa simboliza a plenitude de seu poder. Não o domínio necessariamente limitado de um monarca terreno, mas o poder ilimitado de Deus.

Isto significa que a mais alta figura da organização humana não é um rei ou qualquer outro chefe de Estado, nem um papa, mas é Cristo Rei.

A doutrina da realeza de Nosso Senhor Jesus Cristo é própria a despertar uma profunda adoração a Ele, inclusive no referente ao poder temporal, considerado como mero instrumento do Homem-Deus, Senhor de todas as coisas e dominando tudo: “Rex regum et Dominus dominantium”.

Esta concepção de que o cetro global do poder encontra-se nas mãos divinas de Nosso Senhor Jesus Cristo eleva tanto a ideia sobre a sociedade temporal, que daí decorre a noção de sacralidade.

Por outro lado, Nosso Senhor, enquanto presente na Sagrada Eucaristia, tem um título de peculiar presença entre os homens e, portanto, também na História, na qual Ele é especialmente atuante a partir do Santíssimo Sacramento. Porque Jesus na Eucaristia é, por assim dizer, Nosso Senhor que desce do Céu à Terra e, como Homem-Deus, continua ao lado dos homens a luta que Ele começou por ocasião da Encarnação do Verbo.

Assim, seria preciso acrescentar a Nosso Senhor, ao lado de Sacerdote, Pontífice e Rei, o título de Guerreiro no exercício da realeza. Atributo que não se confunde com a realeza, mas lhe é inerente. Cristo Gladífero e Cristo Eucarístico estão, pois, na mesma linha, intervindo dentro da História, mas morando entre os homens.

Enquanto Eucarístico, Ele é o Bom Pastor; enquanto Gladífero, seria mais o Deus do Apocalipse, que nos apresenta Nosso Senhor Jesus Cristo como um cavaleiro que avança terrível, montado num cavalo branco com uma espada na boca, para batalhar(1). Portanto, o símbolo do cavaleiro mais do que armado.

Nós, como cavaleiros católicos, devemos querer imitar o Divino Mestre, que tem bondades inimagináveis, mas também severidades terríveis. Este é o verdadeiro cavaleiro: bondoso, misericordioso, paciente, mas que em certo momento recebe um sinal de Deus, por onde acaba a hora da misericórdia e começa a da justiça. Com este olhar devemos considerar aqueles que nos atacam e nos perseguem, perseguindo a Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Se a Sagrada Escritura apresenta Jesus Cristo assim, é porque Ele tem também este aspecto, enquanto paradigma do cavaleiro. Nessas condições, Ele deve ser admirado e amado por nós como um guerreiro justíssimo, defensor de uma causa santíssima que é a Causa d’Ele, pois Ele é a própria Inocência e Justiça, que investe indignado contra aqueles que recusam a sua misericórdia e insistem em destruir a obra d’Ele. Visto deste ângulo, o Apocalipse é a narração das intervenções divinas na História, ou seja, Cristo Rei intervindo na História e vencendo.

Como corolário disso, temos a realeza de Maria Santíssima. Porque todo o poder d’Ele sobre os homens passa antes por Nossa Senhora. Ela é, por assim dizer, a Rainha-Mãe regente da Terra(2).

 

Plinio Corrêa de Oliveira

1) Cf. Ap 1, 16;  6, 2.

2) Cf. Conferências de 2/9/1982, 10/9/1989 e 30/4/1993.

Viver em Maria

Conhecer e admirar as excelsas virtudes de Nossa Senhora, tendo-A continuamente em vista como nossa Mãe e misericordiosa advogada, é o meio de penetrarmos nesse “paraíso de Deus” e “jardim fechado” da Trindade — como nos ensina São Luís Grignion de Montfort no Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, aqui comentado por Dr. Plinio.

 

Na parte final de sua obra, São Luís Grignion enumera algumas práticas piedosas, interiores e exteriores, que o devoto de Nossa Senhora deveria cultivar para se unir ainda mais a Ela. Segundo o autor, seriam meios pelos quais podemos “viver em Maria” e “fazer todas as ações por, com e em Maria”.

Aquela em quem o Altíssimo colocou sua glória suprema

Leiamos São Luís:

O Espírito Santo, pela boca dos Santos Padres, chama também a Santíssima Virgem: 1º, a porta oriental, por onde o sumo sacerdote Jesus Cristo entra e vem ao mundo (cf. Ez 44, 2‑3); por ela entrou da primeira vez, e por ela virá da segunda; 2º, O santuário da Divindade, o reclinatório da Santíssima Trindade, o trono de Deus, a cidade de Deus, o altar de Deus, o templo de Deus, o mundo de Deus. Todos estes diferentes epítetos e louvores são verdadeiros em relação às diversas maravilhas e graças que o Altíssimo realizou em Maria. Oh! que riqueza! que glória! que prazer! que felicidade poder entrar e habitar em Maria, em quem o Altíssimo colocou o trono de sua glória suprema!

Mas quão difícil é a pecadores, como somos, alcançar a permissão e a capacidade e a luz para entrar em lugar tão alto e tão santo, guardado não por um querubim, como o antigo paraíso terrestre, mas pelo próprio Espírito Santo, que dele se tornou o Senhor absoluto e do qual diz: “Hortus conclusus soror mea sponsa, hortus conclusus, fons signatus” (Cant 4, 12). Maria é fechada; Maria é selada; os miseráveis filhos de Adão e Eva, expulsos do paraíso terrestre, só têm acesso a este outro paraíso por uma graça especial do Espírito Santo, a qual devem merecer (Tratado, nºs 262 e 263).

Ter sempre em vista as grandezas de Maria

Conforme se depreende da interpretação desses tópicos, a alma que considera as maravilhas operadas por Deus em Nossa Senhora, percebe que Ela se assemelha a uma catedral, um santuário fechado, um jardim no qual somente se pode ingressar com a ajuda do dom divino.

Que significa, pois, entrar em Nossa Senhora?

Penso eu que se trata, exatamente, de ter continuamente em vista essas grandezas incomparáveis de Maria, inclusive as grandezas inconcebíveis e imensuráveis de sua misericórdia, em primeiro lugar. Segundo, em agir como alguém que se sabe filho d’Ela e que procura desenvolver sua vida espiritual em função dessas grandezas da Mãe de Deus e nossa.

Mas, diz São Luís Grignion, essas riquezas são tais que um homem, com suas cogitações conspurcadas pelo pecado original e suas faltas atuais, não é capaz de se elevar à altura delas. Então, acrescenta o autor, para isso importa que tenhamos o auxílio de uma graça especial do Espírito Santo, a graça da escravidão de amor à Santíssima Virgem, pela qual a entrada nesse jardim magnífico nos é franqueada.

Maravilha insondável que preenche os espaços entre Ela e o fiel

Outro ponto a se considerar é como devemos desenvolver nossa vida espiritual em função dessas grandezas de Nossa Senhora.

Antes de tudo, como já se disse, nutrir uma entusiasmada admiração pelas perfeições de Maria Santíssima, procurando avivá-las na alma através de leituras de livros que no-las apresentam, e de modo eminente o próprio Tratado escrito por São Luís Grignion de Montfort.

Tendo noção dessas grandezas, nunca se dirigir a Nossa Senhora a não ser com um sumo respeito, uma suma veneração e uma suma confiança. Como a uma criatura super-excelsa, altíssima, a mais alta de todas as criaturas abaixo de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas, porque a mais alta, também a mais benigna, a mais condescendente, a mais afável, a que mais desce até nós. Com efeito, sua grandeza é tal que preenche todos os espaços entre Ela e o resto da criação, tornando-A inteiramente acessível, amável, misericordiosa e condescendente para conosco. Ela é a mais disposta a perdoar, a mais disposta a atender, a que não se zanga nem se irrita nunca, a que nos quer sempre, por motivos elevadíssimos e invariáveis.

Estreita intimidade materna

Então, procuremos desenvolver nossa vida espiritual em função dessas verdades. Tenhamos a certeza de que, ao nos voltarmos para Nossa Senhora, estaremos levantando nossos olhos para  muito alto, como quem contempla um horizonte longínquo, mas, ao mesmo tempo, admiramos o que há de mais próximo a nós. Porque nada, em toda a Criação, nos é mais chegado do que Maria, que nos envolve com uma intimidade materna da qual só não se pode dizer que é infinita.

Em virtude desse vínculo estreitíssimo, a alma amará não apenas a grandeza de Nossa Senhora, mas tudo quanto dela é reflexo na criação: os monumentos que têm autêntica magnitude artística e cultural; o fulgor de um brilhante que lembra a pureza imaculada da Virgem; a coragem de um herói porque evoca a Rainha vitoriosa sobre o demônio, enfim, tudo quanto há de belo no mundo, espiritual ou material, tende a reforçar os laços de admiração e amor de uma alma com a Mãe de Deus.

Afetos inimagináveis

Contudo, a consideração dessas grandezas pode produzir na alma do devoto de Nossa Senhora um compreensível sentimento da própria pequenez: “Minha Mãe, sois tão formosa e admirável! E eu, quão pobre e miserável!”

Não nos deixemos abater por esse pensamento, e nos lembremos do vínculo maior estabelecido entre a misericórdia materna d’Ela e cada um de seus filhos: “Apesar de tudo, tenho uma mãe que do alto do Céu olha com bondade e tristeza para minhas lacunas e que deseja me corrigir. Se eu pudesse Lhe falar e vê-La no momento em que considera meus pecados, eu me desfaria de ternura e pesar. Pois eu veria que Ela, embora não sendo complacente com minhas faltas, olha-me com um afeto tão imenso que não posso medir”.

Trata-se de um afeto superior a todos os carinhos humanos aos quais estamos acostumados, porque procede do fato de Ela conhecer o próprio amor de Deus em relação a cada um de nós. Por assim dizer, Ela nos ama como nos ama o Criador, com um afeto que participa do amor que Ela mesma tem a Deus. Ou seja, um amor estável, profundo, completo. Por isso, Maria nos quer com uma benevolência que nenhuma infidelidade pode cansar nem fazer cessar. Nada é capaz de extinguir a vontade d’Ela de nos fazer bem. Pelo contrário, não deseja senão nos favorecer com benefícios maiores, com favores exuberantes.

Tenhamos sempre presente essa noção da misericórdia de Nossa Senhora, durante todo o dia, nos momentos de alegria e de tristeza, de fidelidade ou de miséria, e saberemos como esperar, resistir, lutar. Assim se vive em Maria. Assim se habita nesse palácio maravilhoso, nesse jardim fechado. É ter Maria Santíssima continuamente, desse modo, presente diante de nós.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 16/6/1972)

Revista Dr Plinio 128 (Novembro de 2018)

Inteira e filial confiança em Nossa Senhora

Pedimos-vos, ó Mãe, que do alto do Céu desçam sobre nós, vossos filhos, as bênçãos maternais nascidas de vosso inesgotável afeto.

Como os discípulos de Emaús rogaram ao Divino Redentor, nós Vos pedimos que essas bênçãos “permaneçam conosco”, “porque se faz noite” sobre o mundo.

A cada instante, a cada angústia, a cada necessidade, ajudem-nos elas a manter a mais inteira e filial confiança em Vós.

Plinio Corrêa de Oliveira

Presença que emudecia os ídolos

São Saturnino possuía uma ação de presença pela qual o simples fato de passar diante dos ídolos, através dos quais os demônios falavam, fazia com que os espíritos maus fugissem e os falsos deuses emudecessem. Porque em face do varão de Deus o demônio se acovarda e foge realmente, e os ídolos não falam mais. Peçamos a Nossa Senhora, por intermédio deste Santo, que nos consiga a abreviação destes dias terríveis nos quais vivemos, para que possamos ter a alegria de ver os demônios fugirem envergonhados diante dos olhos de Deus.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 28/11/1968)
Revista Dr Plinio 260 (Novembro de 2019)

Simbolismo da Medalha Milagrosa

Numa face da medalha, a Santíssima Virgem pousa os pés sobre o mundo e calca uma serpente, exprimindo assim a sua realeza, lembrada em Fátima e afirmada como uma vitória sobre a Revolução: “Por fim o meu Imaculado Coração triunfará”. A Revolução será derrotada, e na Contra-Revolução teremos a vitória do Coração Imaculado de Maria.

 

Comemora-se a 27 de novembro a festa da Bem-aventurada Virgem Maria da Medalha Milagrosa, dia em que, no ano de 1830, Nossa Senhora apareceu a Santa Catarina Labouré, em Paris, e revelou-lhe o desenho da medalha milagrosa.

Nossa Senhora calca aos pés o mundo e uma serpente

Quando esta revelação foi divulgada, verificou-se que a Medalha Milagrosa era ocasião para um número enorme de graças de conversão, das mais extraordinárias. Com o que se patenteou ou se documentou mais uma vez que esta devoção era muito desejada por Maria Santíssima. Por causa disso, estabeleceu-se o excelente costume de colocar no ponto de entroncamento das contas do Rosário a Medalha Milagrosa; de fato seu culto é cercado de toda espécie de graças.

Essa devoção preparou as almas muito poderosamente para a definição de um dos mais importantes dogmas de Nossa Senhora: a Imaculada Conceição. Vale a pena, portanto, fazermos uma análise da medalha e de tudo quanto ela simboliza para compreendermos o que a Providência Divina teve em vista quando favoreceu com tantas graças essa devoção que a própria Mãe de Deus revelou a Santa Catarina Labouré.

Vemos numa face da medalha a Santíssima Virgem pousando os pés sobre o mundo, na afirmação de sua realeza sobre toda a Terra. É exatamente essa a doutrina da realeza de Nossa Senhora, lembrada em Fátima e afirmada como uma vitória sobre a Revolução: o comunismo espalhará os seus erros por toda parte, o Papa terá muito que sofrer, a Igreja será perseguida, “por fim o meu Imaculado Coração triunfará”. Quer dizer, a Revolução será derrotada, e na Contra-Revolução nós teremos, então, a vitória do Coração Imaculado de Maria.

Nossa Senhora aparece calcando aos pés não só o mundo, mas também uma serpente, o que é inteiramente coerente com o resto, porque nesse mesmo lado da medalha está escrito: “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós!”

É, portanto, a Imaculada Conceição, mas com um atributo que não se encontra nas imagens dessa invocação como tal: Nossa Senhora está com as mãos abertas em sinal de aquiescência, de atendimento, e delas partem fachos luminosos imensos. São as graças e os favores que por suas mãos – pela ação, por meio d’Ela – descem sobre o mundo.

Visão grandiosa da vitória de Maria Santíssima

Temos, assim, algo que faz pensar na verdade de Fé da mediação universal de Maria. As graças passam pelas mãos de Nossa Senhora –  elas são as distribuidoras dos dons divinos – e numa quantidade enorme se precipitam sobre a Terra.

Segundo diversas revelações, a vitória sobre a Revolução dar-se-á no momento culminante dos castigos descritos de vários modos. Ana Catarina Emmerich, por exemplo, em uma de suas descrições narra a vitória de Nossa Senhora no Vaticano. Ela vê Maria Santíssima entrando na Praça de São Pedro – dado muito curioso, porque dá a ideia de que Ela não estava presente no Vaticano –, elevando-se até o alto da cúpula de onde Ela estende a sua ação sobre o mundo inteiro e o cobre com seu manto; e, então, a Revolução cessou.

Nessa face da medalha temos, assim, uma série de conceitos que se conjugam para dar uma visão grandiosa da vitória de Maria no mundo. Essas graças descem para a conversão dos pecadores, dos hereges, mas também o castigo dos irredutíveis para a proteção daqueles que se mantiveram fiéis até o fim, e os auxílios para que se mantenham na fidelidade. Tudo isso sai das mãos de Nossa Senhora como de um manancial. Ela está afável, risonha, acolhedora para todos aqueles que, tendo em vista esse conjunto de fatos, de símbolos, de atributos, de noções, se dirijam confiantes a Ela, pedindo as graças de que precisam.

O verso da medalha não é menos simbólico. Ele contém os elementos de várias devoções conjugados: as doze estrelas lembram aquelas com que a Santíssima Virgem é representada coroada no Apocalipse; no centro vemos o “M”, primeira letra do nome de Nossa Senhora, sobre o qual está uma cruz. Isso recorda muito tudo quanto ensina São Luís Grignion de Montfort, no “Tratado da verdadeira devoção” e na “Carta Circular aos amigos da Cruz”; e, por fim, abaixo do “M”, as duas grandes devoções que constituem, no fundo, uma só: ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria.

Graças concedidas para a luta contra a Revolução

São graças concedidas nos tempos modernos para a luta contra a Revolução: o dogma da Imaculada Conceição, que deveria ser definido algumas dezenas de anos depois da aparição da Medalha Milagrosa; as devoções ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria, nascidas das revelações de Paray-le-Monial e dadas para evitar a Revolução na França; a obra de São Luís Maria Grignion de Montfort, também suscitada para impedir aquela Revolução.

De maneira que esses símbolos todos se conjugam como uma espécie de compêndio dos temas ou dos pontos mais sensíveis para a piedade católica, que lembram mais aos católicos o objeto natural de suas inclinações, de sua confiança.

Temos aí a razão pela qual essa medalha foi objeto de tantas graças. Lembrem-se que ela não foi composta por ninguém. Toda a sua constituição, todos os elementos que nela se encontram foram indicados por Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré. De maneira tal que isso tem um sentido muito profundo, é uma espécie de sumário das devoções que nós mais devemos considerar. Por essa razão precisamos amar muito essa medalha, vendo nela como que um programa para nós; e usá-la, tê-la sempre conosco.

Outra devoção esplêndida que os católicos sempre tiveram, desde a Idade Média para cá, foi o Rosário. Colocar essa medalha no Rosário é uma ideia felicíssima, muito harmoniosa, lógica, razoável, e constitui um todo de objeto de piedade que nos deve falar muito à alma e despertar a nossa devoção.

Escudo contra todas as tentações do demônio

Vamos pedir a Nossa Senhora o favor de, pelas graças da Medalha Milagrosa, apressar o dia de sua vitória. E também de nos ajudar a sermos fiéis durante todas as tormentas que se aproximam. Porque devemos nos lembrar bem disto: a perseverança é uma graça inestimável. Do que adianta uma pessoa ter Fé, virtudes, se depois vai cair no pecado? Essa perseverança não é fruto de nossas qualidades pessoais, mas da graça que se trata de pedir humildemente, de implorar com insistência, e à qual é necessário corresponder. Portanto, precisamos pedir as graças que nos assegurem a perseverança.

Há, hoje em dia, tantas almas tentadas levadas pelo o demônio para os rumos mais execráveis! Talvez nem todo mundo tenha a ideia de qual é a ação, a força do demônio na época em que nós estamos. Um Santo, cujo nome não me lembro, afirmou serem tão numerosos os demônios que pairam pelos ares para a perdição das almas que, se pudessem ser vistos, obscureceriam até o Sol, pois formariam uma espécie de capa em torno da Terra.

Esses são os demônios, os quais, segundo Ana Catarina Emmerich, atuam sobre as almas não diretamente para levá-las ao pecado, mas para criar um clima que torna depois a tentação dos outros demônios quase irresistível, avassaladora. Se o mal em nossos dias tem tanta possibilidade de progressão é porque ele encontra em toda parte o clima psicológico preparado.

A meu ver, muitas vezes por dia o demônio tenta as pessoas. Nem sempre serão tentações sensíveis, é evidente. Mas é uma ação quase imperceptível. Há também demônios que fazem assaltos violentos; estes, porém, não são os mais perigosos.

Então nós devemos compreender que essa medalha, com todos os seus símbolos e recomendada por Nossa Senhora, é um dos penhores da aliança d’Ela conosco. É um dos meios, uma espécie de escudo que Ela nos dá para a luta contra todas as tentações do demônio.

A invocação de Nossa Senhora das Graças ou da Medalha Milagrosa, por tudo quanto ela contém e, sobretudo, pela Imaculada Conceição que está esmagando a cabeça do demônio, é particularmente eficiente nessa luta contra o poder das trevas, que tanto e tanto nós devemos conduzir nos dias de hoje.

Eis uma razão a mais para nos aferrarmos a esses símbolos, a essa medalha, ao escapulário do Carmo, ao Rosário. Devemos ter sempre conosco esses objetos de piedade, como meio de luta contra o demônio. Essa é uma consideração que me parece particularmente importante nos dias em que vivemos.   v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 27/11/1964)
Revista Dr Plinio 260 (Novembro de 2019)

Sacrário de Nosso Senhor

Nossa Senhora é o sacrário onde está Nosso Senhor Jesus Cristo e o santuário de dentro do qual todas as graças se difundem para o gênero humano. Devemos rezar a Jesus enquanto vivendo em Maria porque Ele quer ser invocado dentro do seu templo, que é a Santíssima Virgem. Peçamos que Ele viva em nós como vive n’Ela.

Jesus Cristo viver em nós significa termos o espírito da santidade d’Ele, que é o espírito da Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Portanto, o espírito contrarrevolucionário, expressão mais característica do espírito da Santa Igreja. Eis o que devemos pedir a Jesus, por meio de Nossa Senhora, enquanto vivendo n’Ela.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/5/1966)
Revista Dr Plinio 260 (Novembro de 2019)

O pontificado aliado à santidade

São Leão Magno foi um dos maiores papas que a História registra. Lutou em seu pontificado contra numerosas heresias que então agitavam a Igreja.

Com a autoridade de Papa aliada à qualidade de Santo, cuja santidade foi confirmada por um dos maiores milagres da História da Igreja – a vitória sobre Átila e suas tropas que pretendiam invadir Roma –, fez sermões advertindo o povo contra os hereges, exortando-o a denunciá-los aos sacerdotes e vigários, para sofrerem as penas canônicas e, eventualmente, também as temporais.

Portanto, ele praticou uma virtude que hoje seria muito pouco apreciada, por ser oposta ao ecumenismo mal compreendido. O que diria São Leão Magno diante das heresias soltas em nossos dias?

Peçamos a ele que reacenda na Igreja esse espírito de discernimento, de intransigência e de luta, que seria suficiente para evitar ao mundo os terríveis castigos pelos quais inevitavelmente vai passar, se não se converter. Que ao raiar a aurora do Reino de Maria esse espírito esteja imensamente aceso e dure até o fim dos tempos.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 10/4/1967)

Revista Dr Plinio 248 (Novembro de 2018)

São Leão IX: ascendendo

Comentando uma biografia do Papa São Leão IX, Dr. Plinio analisa o importante papel da graça e da virtude, bem como os benfazejos perfumes da santidade.

Tendo-me sido fornecida uma sintética, porém atraente, biografia de São Leão IX(1), pediram-me para que tecesse a respeito dela alguns comentários, o que farei de bom grado.

Aliança entre a grandeza terrena e o serviço de Deus

São Leão IX nasceu no ano de 1002, nos confins de Alsácia. Seu pai era Conde de Ingersheim e primo-irmão do Imperador Conrado, o Sálico. Sua mãe lhe deu o nome de Bruno. Ao atingir a idade de 5 anos, foi confiado, por seus pais, à educação de Bertoldo, o venerável Bispo de Toul, o qual dirigia então uma escola no próprio palácio episcopal.

Como vemos por esses dados, São Leão viveu em plena Idade Média. Neste trecho já se encontra uma nota interessante e peculiarmente medieval, ou seja, o fato de haver uma escola dirigida pelo bispo e que funcionava no próprio palácio episcopal.

No colégio, Bruno foi confiado particularmente a um primo seu, chamado Aderico, filho do Príncipe de Luxemburgo; os dois se tomaram de uma íntima amizade. Seu primo foi-lhe modelo de todas as virtudes e serviu extraordinariamente para sua formação.

Havia na Idade Média, pessoas pertencentes à mais alta categoria social e que se destacavam, sobretudo, por sua extraordinária virtude. Formava-se assim uma aliança entre a grandeza terrena e o serviço de Deus.

A Igreja Católica como centro de tudo

Tendo recebido do Bispo de Toul as sagradas ordens, foi nomeado clérigo da Capela do palácio do Imperador Conrado, o Sálico.

Todos os Imperadores tinham sua própria capela, na qual um conjunto de capelães mantinha o culto. O fato de ser clérigo na capela imperial era, portanto, uma situação de alta confiança, pois conferia a oportunidade de estar em contato direto com o Imperador.

Por outro lado, é digno de nota o fato de o Imperador ter sua capela própria, donde decorre que o elemento central de sua vida de corte era a recitação do Ofício Divino, a Santa Missa e outras práticas de culto católicas.

Esse piedoso costume, por sua vez, provinha da convicção profunda e verdadeira que estava radicada na sociedade daquele tempo: a Igreja Católica deve estar no centro de todas as coisas. E, portanto, na Corte imperial o elemento central devia ser a capela, onde estava presente o Santíssimo Sacramento, ou seja, Nosso Senhor Jesus Cristo, o Rei dos Reis. Também ali devia estar a imagem de Nossa Senhora Rainha e Mãe. Como isso é diferente dos costumes laicos e divorciados da verdadeira posição católica!

A virtude outrora era um título de ascensão

Bruno foi imediatamente bem visto pelo Imperador, que impressionado com suas virtudes passou a tratá-lo de “meu sobrinho”.

Ser tratado de primo e sobrinho do Rei era considerado pelas cortes daquele tempo uma honra extraordinária. Ele realmente era parente do Imperador, mas não em grau tão próximo; era filho de primos e não de irmãos do Imperador, portanto não era de fato seu sobrinho. Mas, o Imperador o tratava como sobrinho, elevando-o assim à categoria de Príncipe da Casa Imperial. A principal razão dessa honraria era a alta consideração do Imperador pelas virtudes de Bruno.

Como na Idade Média a maior parte das pessoas procurava a todo custo manter a posse do estado de graça, criava-se um ambiente onde a virtude era bem vista, e constituía um título de ascensão e não um título de perseguição como cada vez mais vem se tornando nos dias atuais.

Algum tempo depois, no ano de 1026, o Imperador recebeu a visita de clérigos da Diocese de Toul, que lhe anunciavam a morte do Bispo e o desejo de toda a população que Bruno fosse designado para a diocese vaga. Conrado acedeu, apesar de Bruno não ter ainda a idade canônica.

Aqui vemos um costume medieval que como outros é preciso ser bem entendido. É preciso levar em conta que a nomeação de um Bispo sempre foi privilégio papal. Porém, para isso o Papa pode receber indicações, as quais ele é livre de aceitar ou recusar. Ora, na Idade Média mantinha-se o costume proveniente dos primeiros tempos da Cristandade, pelo qual o povo da diocese podia aclamar ou propor um nome, mas cabia ao Papa ratificar ou não a proposta.

Com a implantação do Sacro Império, os Imperadores também tomaram o hábito de propor candidatos ao episcopado. Então se formava uma corrente de mediações, onde o povo propunha ao Imperador um nome e este, por sua vez, estando de acordo, propunha ao Papa. Mas, a palavra final sempre cabia ao Sumo Pontífice.

Apesar da pouca idade, Bruno imediatamente se destacou entre os Bispos da região por sua capacidade e pela virtude com que dirigia a diocese.

Note-se, portanto, a rapidez dessa ascensão, a qual se deve, acima de tudo, às suas notáveis virtudes.

Quem se humilhar será exaltado!

Durante 22 anos Bruno governou pacificamente e com brilho a Diocese de Toul. Com a morte do Papa Dâmaso II no ano de 1048, os romanos mandaram uma deputação ao Imperador Henrique III para pedir-lhe que designasse um novo Papa. O Imperador Henrique III reuniu, para esse efeito, uma Dieta em Worms, da qual participavam todos os Bispos do Império. Logo, todas as vozes designaram Bruno, Bispo de Toul, como futuro Papa. Tendo sido consultado, Bruno, por humildade, de nenhum modo queria aceitar o cargo; pediu então que lhe dessem alguns dias para refletir.
Pediu tempo para refletir, mas de fato, o que ele queria era escapar do encargo de ser Papa.

Terminado o prazo, apresentou-se diante de toda a Dieta de Worms reunida e disse que ele iria fazer uma confissão pública de todos os seus pecados, para fazer notar quanto ele era pecador e de nenhum modo digno do papado. Ajoelhou-se e fez sua confissão pública.

A confissão constava de matérias tão leves, que o fato que ele considerava mais grave e pavoroso, mal dava matéria de um pecado venial. Tendo terminado, todos se levantaram e o aclamaram. Só um Bispo com tal limpeza de consciência poderia ser o Papa.

Como última tentativa, ele levantou um sério problema: o Imperador não tinha direito de nomeá-lo Papa. O Papa só pode ser eleito pelo clero de Roma, na forma canônica, ouvindo, quando queira, o povo de Roma.

Então ele iria a Roma a fim de lá consultar se o clero e o povo o queriam como Papa.

Retirou-se e, tomando o traje de peregrino, saiu a pé de Worms em direção a Roma.

Que extraordinária firmeza possuía esse homem, para tomar tal decisão, pois viajar a Roma supunha, entre outras dificuldades, a travessia dos Alpes, com suas neves eternas, montanhas escarpadíssimas e caminhos de cabras para transpor, pelo que essa viagem sempre foi considerada perigosa.

Ele poderia ter ido andando até o mar Adriático e lá tomar um barco. Mas ele quis, como um penitente, ir a pé até Roma, onde esperava ser recebido como um mero peregrino. Ao chegar às cercanias de Roma, encontrou a população da cidade à sua espera.

A cidade de Roma naquele tempo deveria somar entre duzentos a trezentos mil habitantes.

Vestido como peregrino, com as vistas baixas e sem olhar nem dar atenção para ninguém, entrou em Roma, dirigindo-se diretamente ao túmulo de São Pedro para rezar.

É possível a abundância do estado de graça numa época

Este é realmente um homem reto, que faz as coisas como devem ser feitas.

O povo de Roma, aclamando-o, quis naquele mesmo dia entronizá-lo. Mas ele disse que esperassem até o dia seguinte, para ainda poderem pensar. Mas, por fim, chegou o dia seguinte e o povo estava de tal maneira decidido de que ele deveria ser o Pontífice, que ele acabou por aceitar, sendo então entronizado na Sé Romana.

Este apreço geral pela virtude daquele homem dá uma ideia do espírito que vigorava naquele tempo, e faz ver como é possível o estado de graça ser tão abundante em determinada época. Pois, sem ele, esses atos e gestos verdadeiramente extraordinários não se realizariam desta forma.

Por inspiração divina, tomou o título de Leão, considerando que devia, à testa da Igreja, lutar como verdadeiro leão. De fato, não tardou em começar a luta contra os verdadeiros inimigos da Igreja.

Um “Leão” em defesa da Igreja

Quais eram os verdadeiros inimigos da Igreja?

Naquele tempo, havia se difundido um abuso péssimo chamado simonia. Que consistia no seguinte: como a indicação dos cargos clericais era frequentemente feita pelo Imperador e pelo povo, acontecia que muitos homens vorazes, querendo ter cargos lucrativos, pagavam ao povo ou ao Imperador para serem indicados para o episcopado, ou então para que um parente ou alguém ligado a ele fosse nomeado Bispo, Abade e até mesmo Cardeal. Chegava-se até o absurdo de subornar os Cardeais e o povo de Roma, para elegerem determinado Papa, comprando assim até a Tiara romana.

Esse processo de escolha não podia deixar de trazer os piores inconvenientes. Através dele, muitas vezes, eram os mais ordinários que assumiam cargos eclesiásticos, dentre os quais estavam pessoas de costumes inteiramente desregrados, que por um lado constituíam um escândalo geral na Cristandade, e por outro um perigoso amolecimento ante as investidas de pagãos. Estes vinham de todos os lados: os normandos vinham através do mar do Norte, penetravam pelo estreito de Gibraltar e atacavam o Sul da Itália; havia ainda restos de bárbaros que vinham dos países eslavos; e também os maometanos que atacavam por todas as partes.

Neste momento em que a Cristandade precisava lutar especialmente para defender-se, ela se apresentava extraordinariamente debilitada, pela decadência espiritual causada pela simonia. Por isso, tendo assumido o papado, Leão IX começou a reunir diversos Sínodos e outros tipos de reuniões eclesiásticas, a fim de imediatamente punir e depor os Bispos que tinham tomado o cargo indignamente, nomeando bons para substituí-los. Isso causava, como é de se esperar, as mais acirradas indignações.

Zelo na defesa dos súditos

Ocupava-se ele com esse árduo trabalho, quando recebeu o aviso de que os normandos estavam por invadir a Apúlia, território do qual o Papa era Rei. Portanto, competia a ele defender seus súditos. Sem hesitação, foi a toda pressa à Alemanha a fim de pedir ao Imperador, seu parente, que mandasse um exército para defendê-lo.

Tendo o Imperador prometido enviar-lhe auxílio, o Papa desceu até a famosa Abadia beneditina de Monte Cassino, uma das mais célebres do mundo, a qual não ficava a muita distância de Roma, e lá permaneceu à espera da chegada do exército imperial. De fato, algum tempo depois chega o exército, porém, para sua surpresa, este era constituído por apenas 500 lorenos. Isto porque o exército imperial, quando chegou próximo aos Alpes, desistiu de descer.

A este punhado de combatentes tinham se incorporado pelo caminho alguns contingentes italianos, aos quais se somaram ainda alguns romanos, que eram senhores feudais da região. Assim constituiu-se o parco exército de resistência. Chegaram, por fim, os normandos, aos quais, apesar da desvantagem numérica, o exército do Papa ofereceu dura resistência que resultou numa tremenda carnificina.

Contudo, os normandos acabaram por vencer a batalha e levaram cativo o Papa, ao qual, devido à dignidade e respeitabilidade de sua pessoa, dispensaram toda forma de honras e cuidados. Mas de todos os fatos da vida de Leão IX, nenhum me parece tão marcante da aprovação divina ao seu modo enérgico de agir, quanto às circunstâncias de sua morte.

A doce mensageira da felicidade eterna

A doença, doce mensageira da felicidade eterna…

Como é linda esta expressão e contrária ao horror à doença que se tem em nossos dias. Claro que se deve combater a doença, mas com essa resignação deve-se aceitá-la.

…a doença veio anunciar-lhe que sua hora tinha chegado. No dia 12 de fevereiro de 1054, ele celebrou por última vez o Santo Sacrifício da Missa onde dirigiu à multidão uma exortação comovedora.

No dia seguinte, sabendo que sua hora estava próxima, ele quis ser transportado da cidade de Benevento para Roma. Foram os próprios normandos que reivindicaram a honra de levá-lo numa liteira.

Que esplêndida glória ser carregado numa liteira pelo próprio “inimigo”!

Desta forma o Papa voltou ao Palácio de Latrão no mês de abril de 1054, época na qual habitualmente ele reunia o Sínodo dos Bispos das províncias eclesiásticas circunvizinhas de Roma. Ele então as convocou para o dia 17 de abril. Reunidos os Bispos, ele lhes disse: “Eu me recomendo à vossa fraternidade porque o tempo de minha dissolução chegou”.

Esta frase proferida pelo Papa é a reminiscência de uma citação de São Paulo, que manifestava o desejo de ser dissolvido, quer dizer, ter separada a alma do corpo, para subir a Jesus Cristo. “Na última noite, em visão, a glória da Pátria celeste me foi manifestada. Eu reconheci entre os grupos de mártires aqueles que morreram na Apúlia, para defesa da Igreja”.

Aqueles valentes lorenos que morreram na Apúlia, em defesa da Igreja, os quais eram mártires, estavam à espera que Leão IX fosse juntar-se a eles no Céu.

“Vem, nos disseram eles, e permanece entre nós, porque foi por teu intermédio que nós conseguimos as eternas felicidades. Mas uma voz, ao mesmo tempo, se fez ouvir, dizendo: ‘Não já, mas daqui a três dias somente.’”

No dia seguinte, ele reuniu de novo os Bispos, e sendo posto numa liteira foi conduzido pelos seus fiéis normandos em procissão até à Basílica de São Pedro, onde ele desejava morrer.

Hoje, carne e sangue; amanhã, poeira e cinza

Que lindo cortejo deve ter sido aquele! O Papa carregado numa liteira, os Bispos a seu lado, certamente cantando e portando círios, seguidos por um tropel de normandos armados, todos caminhando rumo à Basílica de São Pedro. Creio que não houve desfile militar que tenha superado em beleza aquela cena.

Prosternado diante da sepultura do Príncipe dos Apóstolos, Leão IX rezou pela Igreja e pela conversão dos pecadores. Assim que terminou, um delicioso aroma, superior ao perfume mais puro, se exalava da sepultura de São Pedro. Era o primeiro Papa manifestando seu agrado diante desse seu digno sucessor. Permaneceu então durante cerca de uma hora em silenciosa contemplação. Bispos, normandos e o povo em grande número estavam a sua volta.

Em certo momento ele mandou trazer pão e vinho. Os abençoou, comeu três pedaços de pão, bebeu um pouco de vinho e distribuiu o resto entre os assistentes. Ninguém comeu. Todo mundo guardou como relíquia os pedaços de pão que ele distribuiu.

Levantando-se então, dirigiu-se para o túmulo que ele mesmo tinha mandado preparar para si na Basílica. Lá, dirigindo-se aos Bispos, disse: “Vede, meus irmãos, como é miserável, frágil e efêmera a glória humana. Que esse exemplo jamais saia de vossa memória. Do nada eu fui um dia elevado ao que há de mais alto; e agora vou ser reduzido novamente a nada. Eu terei como moradia esse cárcere escuro e estreito. Hoje ainda convosco sou carne e sangue. Amanhã serei poeira e cinza”.

Que linda pregação! Qual terá sido a reação dos Bispos e mesmo dos normandos que estavam ao seu redor, vendo aquela cena grandiosa de um homem anunciando sua morte?

Adormeceu com uma calma indizível e acordou no Céu

Todos os assistentes se puseram aos prantos… O Papa então os despediu dizendo: Venham amanhã assistir a meu último suspiro.

São Leão retirou-se ao palácio próximo onde passou toda a noite em oração. Na manhã seguinte, sustentado por dois assistentes, voltou para a Basílica e veio prosternar-se diante do altar-mor. Estendeu-se sobre uma cama que tinham preparado junto ao altar, fez sinal com a mão para impor silêncio e dirigiu ao povo uma última exortação.

Depois, chamou para junto de si os Bispos e fez a confissão de seus pecados. Mediante uma ordem dele, um deles celebrou a Missa e deu a ele a Comunhão. Depois de ter comungado, o Papa disse: “Fazei silêncio, porque parece que eu vou dormir”. Inclinando a cabeça, adormeceu, com uma calma indescritível, para acordar no Céu.

Assim, diante do altar de São Pedro, no dia 19 de abril do ano da graça de 1054, faleceu o Santo Pontífice Leão IX.

Entre aqueles que o assistiam na hora de sua morte estava Hildebrando, que era a uma vez seu inspirador e secretário, e mais tarde viria a ser seu sucessor com o nome de São Gregório VII. Imagine ter como secretário um santo, o qual, a meu ver, foi “o Papa”, não comparando a santidade, mas sim a missão, e o papel na História da Igreja.

Que sublimidade, maravilha e grandeza devia ter aquela cena na qual um santo contempla outro expirar, onde São Gregório VII, ainda moço, permanece ao lado de São Leão IX, rezando até a hora em que a alma dele se desprende do corpo e sobe ao Céu!

A contemplação de fatos como este, e o deliciar-se com o perfume das virtudes de um tal santo, constitui um descanso da vida de todos os dias. Assim sendo, resta-nos pedir a São Leão IX que, do alto do Céu, reze e interceda por nós.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 29/10/1974)

São Leão Magno

Sabendo da presença de hereges em solo pontifício, São Leão Magno empreendeu amplos esforços para combatê-los. Instituiu um tribunal em Roma — presidindo pessoalmente a muitas sessões —, com a finalidade de julgar as doutrinas heréticas. Proferiu sermões advertindo o povo, exortou a todos que denunciassem os praticantes das heresias.

Quando na Espanha rebentou a heresia priscilianista, São Leão prestou o devido apoio a São Turíbio, Bispo de Astorga, impulsionando os chefes de Estado a condenarem tal heresia, pois esta não era só a ruína da Igreja, mas também da ordem temporal.

São Leão Magno procedeu não somente com a autoridade de um Papa, mas, sobretudo, com a autoridade de um santo.

Os valores por ele defendidos de maneira heroica, foram confirmados por um impressionante prodígio: a grandiosa aparição de São Pedro nos céus, enfrentando Átila às portas de Roma. São Leão fazia assim retroceder o rei dos hunos. Um grande milagre da História da Igreja.

Utilizando-se da infalibilidade, a Igreja declarou heroica a prática de todas as virtudes por São Leão Magno.

Peçamos a ele que, quando raiar a aurora do Reino de Maria, as virtudes por ele praticadas.

 

Plinio Corrêa de Oliveira – Revista Dr Plinio 140 (Novembro de 2009)

Dedicação da Basílica de São João de Latrão

“9 de novembro do ano de 324 foi o dia da dedicação da Basílica de Latrão. Em 315 o Imperador Constantino tinha ordenado a construção da Basílica.”

Constantino foi o imperador que libertou a Igreja e A tirou das catacumbas. Então, coerentemente com o seu gesto, ele ordenou a construção da Basílica, local onde parece se erguia o palácio da sogra dele, da família dos Laterani. Eu não sei se isto é inteiramente indiscutível na historiografia de hoje, mas algum tempo atrás se admitia como sendo assim, e provavelmente é. Esse lugar ficou se chamando a Basílica de Latrão e o Papa Silvestre consagrou a Basílica ao Santíssimo Salvador, cuja imagem, mostrada então aos fiéis depois de séculos de perseguição, lhes pareceu uma aparição divina.

Pode-se imaginar qual foi a emoção, qual foi a alegria dos católicos de Roma quando, depois de séculos de catacumbas, séculos de perseguição, vêem aparecer uma basílica grandiosa em Roma, afirmando o esplendor do culto católico pela primeira vez, na mais importante cidade do mundo. Os senhores podem imaginar a alegria deles quando viram, ao ar livre e à luz do dia, uma imagem grandiosa de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Agora, os senhores imaginem em Roma, a própria imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo exposta aos olhos de todos e recebida por todos com veneração, e o culto pagão quebrado, proscrito e fora da lei.

Continua a nota biográfica:

“os Papas fizeram sua residência num palácio próximo da Basílica. Realmente, o palácio anexo a Latrão foi durante muito tempo residência dos Papas, que se tornou assim sua catedral e que por isso foi chamada Cabeça e Mãe de todas as igrejas, de Roma e do mundo. Dois incêndios que sobrevieram no século XIV, e o abandono em que ela foi deixada durante a presença dos Papas em Avignon – os peregrinos que iam a Roma encontravam o gado pastando dentro das igrejas, por causa da erva que crescia lá dentro. Galinhas, pombos, outros bichos, morando dentro de igrejas e ocupando, inclusive, os altares…”

“sua construção quase inteira. A Basílica foi novamente consagrada, desta vez em honra de São João Batista e de São João Evangelista.”

Então a Basílica do Santíssimo Salvador tem esses dois padroeiros secundários. Quem visita Roma nota uma diferença que chama atenção, entre a Basílica de Latrão e a Basílica do Vaticano. A Basílica de São Pedro é nova, é “chibante”, é gloriosa, é magnífica, parece construída ontem, tem todo o esplendor da Renascença.

A Basílica de São João de Latrão é muitíssimo menos sensacional; é muito mais discreta, mas tem um tom de “grande dame”, tem uma nobreza, tem uma grandeza, tem uma paz, tem uma consciência de sua própria dignidade que a Basílica de São Pedro não tem.

 

Plinio Corrêa de Oliveira – extratos de conferência de 9-11-1965