Mãe da Igreja e Rainha do mundo

São Luís Maria Grignion de Montfort diz que os Santos dos últimos tempos estarão para os das eras anteriores como carvalhos em comparação com graminhas. Isso por causa das orações extraordinárias que Nossa Senhora fará nessa ocasião.

Ela, como Mãe da Igreja, Rainha dos homens, Rainha do mundo, estará ainda mais associada ao curso dos acontecimentos. Suas orações também penetrarão como nunca até então, no âmago da História.

E enquanto o Inferno vomitar os mais horrendos monstros, Maria Santíssima suscitará, pelos desígnios da Providência sobre a História e a humanidade, esses homens extraordinários diante dos quais Moisés, Elias e outros Santos ficariam deslumbrados.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 1/11/1994)

Revista Dr Plinio 212 (Novembro de 2015)

O verdadeiro heroísmo

A maceração da uva no lagar e o envelhecimento do mosto nos barris de carvalho são fatores imprescindíveis para a produção de um bom vinho. Além disso, a videira deve ser plantada em solo seco e pedregoso. Em suma, a videira só dá bom vinho em condições aparentemente adversas, ou seja, se “sofre”. Mas, é somente o fruto da videira que necessita de obstáculos para fazer desabrochar o melhor de si?

O vinho bem pode ser comparado ao ser humano. Cícero, grande orador latino, dizia que “os vinhos são como os homens: com o tempo, os maus azedam e os bons apuram”(1). E, de fato, tal como o fruto da videira necessita “sofrer” e “esperar” para alcançar o requinte de seu próprio sabor, assim é o ser humano: para adquirir a plenitude de sua personalidade, não requer comodidades nem prazeres, mas padecimentos e docilidade à vontade divina.

O sofrimento é, pois, um valioso bem para o homem.

Possui a natureza humana uma capacidade de sofrer que necessita ser atendida. O pior sofrimento do homem seria jamais sofrer, o que, aliás, é utópico neste vale de lágrimas. Com a dor, o ser humano sai de seu egoísmo, compreende a sua contingência e se abre para o sobrenatural. E para muitos, como ocorreu com o Apóstolo, é a dor o marco inicial do caminho da conversão para Deus.

Pois “não há coisa mais adequada para conferir nobreza à alma do que o sofrimento; e não pode haver nobreza para a alma sem sofrimento.” (Conferência de 23/4/1964)

Por isso, pode-se dizer que quem não sofreu, não viveu. Uma biografia só tem valor quando seu protagonista passou pelo crisol da dor. Diz São Luís Grignion de Montfort que “sem a cruz a alma se torna vagarosa, mole, covarde e sem coração. A cruz a torna fervorosa e cheia de vigor. Quando nada sofremos, na ignorância permanecemos. Temos inteligência quando bem sofremos”(2). Mas não precisamos ir à procura do sofrimento, uma vez que ele está a todo o momento batendo à nossa porta. Justamente na plena e conformada aceitação dele se encontra o verdadeiro heroísmo, igual ou maior até do que o das armas. Pois bem podem as dores morais ser mais penosas do que as físicas. E é a dor, somente ela, que nos faz verdadeiros heróis diante do Senhor: o sofrimento bem aceito produz o precioso vinho espiritual da santidade.

A dor moral de Nosso Senhor Jesus Cristo no Horto das Oliveiras, ao aceitar antecipadamente os indizíveis padecimentos da Paixão, foi autêntico, sublime e insuperável heroísmo. Assim, a Mãe das Dores, apesar de não ter sido tocada fisicamente, sofreu com seu Divino Filho mais do que qualquer ser humano foi capaz de fazê-lo na História, a ponto de ser chamada a Rainha dos Mártires, e ser para todos os homens modelo perfeito e autêntico de prática heroica das virtudes, ou seja, de santidade.

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plino 164 (Novembro de 2011)

1) http://www.academiadovinho.com.br
2) São Luís Grignion de Montfort. Cântico XIX, O triunfo da Cruz – 18.

A conversa e o apostolado de afinidades

Consonância e desacordo, duas condições inerentes ao convívio humano a serem levadas em conta pelos que desejam praticar a arte de bem conversar. Evocando exemplos cogentes, e até pitorescos, Dr. Plinio nos ensinará quão importante é o saber lidar com tais disposições de espírito para alcançarmos êxito em nosso apostolado.

 

Como vimos em anterior ocasião, a conversa deve ser considerada como uma verdadeira arte, e sobre ela se levantam algumas questões que merecem aprofundamento.

Acordo e desacordo numa conversa

Por exemplo, qual a atitude mais apropriada a se tomar em face de um interlocutor que não concorda conosco e está disposto a discutir?

A importância de coincidirem as opiniões depende do tema contemplado. Certos assuntos são banais, inócuos, não estabelecem vínculo algum de alma, nem qualquer ligação pessoal. Digamos, a escolha do trajeto mais curto para se ir a determinado local. Trata-se de uma trivialidade.

Há temas que podem conduzir a ponderações mais elevadas. Imaginemos dois colegas, alunos de um mesmo professor de Química. Esta matéria, de si, não implica em nenhum laço particular entre os rapazes. Ambos estão concordes quando o mestre ensina que a água é composta de hidrogênio e oxigênio, expressa pela fórmula H2O. Um conceito elementar.

Porém, quanto ao modo de lecionar e de tratar os estudantes, a apreciação a respeito da pessoa do professor toma outro vulto, pois o assunto é mais profundo. Com efeito, a maneira de ensinar indica maior ou menor clareza de inteligência. Se o instrutor é sábio, e os dois colegas o prezam por isso, estabelece-se uma ponta de vínculo entre estes. Mas, se um deles afirmar: “Prefiro tal outro professor que conta anedotas; esse de Química é muito sério”, pode haver uma divergência nesse relacionamento, porque surgiu o desacordo acerca da maneira ideal de ser do professor.

Todo aluno — pelo menos no Brasil — procura discernir o tipo humano do seu mestre. Seja qual for a matéria,  na primeira aula o rapaz não presta muita atenção no que ouve, pois a sua capacidade de análise está voltada para apreender a personalidade daquela figura junto ao quadro negro. Ele fica observando atentamente os mínimos detalhes que deixem entrever a psicologia, a mentalidade, o caráter do novo professor.  Assim sendo, as considerações sobre este envolvem algo mais complexo, às vezes uma verdadeira concepção da vida.

Ora, quando os colegas concordam no tocante à concepção da vida — como deve ser ela, o homem, a autoridade, o ensino, etc. — surge uma maior afinidade de alma, pois o tema é mais profundo. E quanto mais significativo é o tema, maiores afinidades se vão estabelecendo entre ambos.

Religião, o ponto máximo de consonância

Ampliando os horizontes dessas reflexões, é preciso ressaltar que as consonâncias se verificam, sobretudo, a propósito da religião. Esta constitui o assunto mais importante e mais próprio a atingir o íntimo da alma humana. Quando um indivíduo é seriamente católico, ele possui maneiras de pensar, sentir e agir decorrentes de sua posição religiosa, e se torna verdadeiro irmão do próximo, se percebe nele as mesmas disposições. Forma-se, então, a plena e real amizade entre os dois.

Nesse sentido, evoco meu exemplo pessoal. Não tive irmão de sangue, mas muitos primos com os quais mantinha assíduo relacionamento.  Porém, como não praticavam a religião, achava-me isolado no meio deles, pois não havia essa união de almas característica do convívio entre católicos. Diferente de quando ingressei na Congregação Mariana de Santa Cecília e passei a conhecer rapazes deveras piedosos, em cujo relacionamento encontrei os irmãos que procurava.

Essa situação, aliás, verifica-se na vida de qualquer jovem. Nas ocasiões em que conversa com outro e percebe a sintonia de pensamentos e de Fé católica, abrem-se as vias de uma grande amizade, pois a mesma crença é o que realmente os une.

“Teu coração é igual ao nosso!”

Um fato histórico ilustra, de modo muito bonito, essa ponderação.

No século XVI os católicos chegaram ao Japão, com alguns padres da companhia de Jesus e uns tantos leigos.  Durante anos evangelizaram aquele país asiático, convertendo bom número de pessoas. Erigiram uma igreja católica, a qual funcionou até o momento em que houve intrigas fomentadas por protestantes holandeses. Estes eram comerciantes, frequentadores das costas nipônicas e concorrentes dos espanhóis, conterrâneos daqueles jesuítas. Os batavos urdiram desavenças entre os padres católicos e o imperador, que, convencido pelas insídias, determinou a proibição e abolição do culto católico, além de condenar à morte todos os seus súditos que não abjurassem a Fé cristã.

Travou-se uma guerra na qual os católicos se defenderam heroicamente, tendo toda a razão de seu lado. Mas, por fim, sucumbiram ao poderio numérico e militar das tropas imperiais.  Na fortaleza de Shimabara, último reduto deles, a resistência encarniçada terminou com um massacre de católicos, martirizados por sua fidelidade a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Tudo indicava a extinção do catolicismo naquelas paragens. Passaram-se duzentos anos sem que ele despontasse novamente. Até que outro imperador, liberando os portos japoneses para navios estrangeiros, permitiu também o proselitismo das religiões, entre elas a Católica. Em vista disso, missionários para lá se dirigiram e reencetaram o trabalho com o povo. De início, a pequena igreja que abriram era visitada apenas por europeus negociantes ou turistas. Católicos japoneses quase não os havia, e poucas eram as conversões.

Tempos depois, deu-se este lindo fato, consignado por um padre em carta escrita a um amigo. Na igreja vazia entram alguns nipônicos cautelosos, observando tudo no interior do templo. Após a detida análise, procuraram o único sacerdote ali presente e lhe fizeram uma série de perguntas sobre a Sagrada Eucaristia, Nossa Senhora e o Papa. Como as respostas conferiam com o que haviam aprendido sobre a doutrina católica, suas faces se iluminaram, e disseram essa frase de extrema beleza: “Então teu coração é igual ao nosso!”

Diante da surpresa do sacerdote, eles explicaram: “Somos descendentes de católicos japoneses que se esconderam das autoridades e praticavam a religião na surdina. Do último padre que aqui esteve esses nossos antecessores receberam a promessa da vinda de novos ministros da Igreja. Porém, advertiu-os quanto aos protestantes.  Para distinguir uns dos outros, deveriam perguntar sobre esses três pontos. Se respondessem como ele havia ensinado, seriam católicos”.

Como se pode imaginar, foram recebidos  com imenso agrado, e dali a pouco os familiares de todos ingressavam no grêmio da Santa Igreja, sendo batizados, crismados, etc. Recomeçou assim a comunidade católica no Japão.

Atrair as almas pelas afinidades

Esse tocante episódio nos mostra quão vigoroso é o liame determinado pelas consonâncias de Fé. Leva-nos, igualmente, a compreender o aspecto mais alto envolvendo a arte da conversa. Pois para um apóstolo que dela se serve como instrumento de sua ação junto às almas, constitui motivo de alegria notar as afinidades e as sintonias que vão se firmando entre ele e seus interlocutores. Mesmo que estes não pratiquem ainda a religião católica como era de se desejar.

Por exemplo, tal jovem cuja vida de piedade não é um modelo de perfeição, mas demonstra um raro pudor nas suas atitudes. É exigente e idealista no que diz respeito à pureza, e se agrada no contato com pessoas castas. O apóstolo pensa: “Embora este apresente tantas lacunas, nesse ponto vejo brotar nele o elemento fundamental de um bom católico”. Se é assim, cumpre dedicar-se no trato com ele, para que aquela semente se dilate, germine e dê todo o fruto esperado por Deus e Maria Santíssima.

Como já vimos, daí nasce um traço de ligação entre essas almas, o qual deve ser cultivado da seguinte maneira: conversar amiúde sobre o que as une, exaltar e elogiar a virtude da pureza nas suas diversas manifestações, criticar imoralidades, etc.  Aos poucos, estender essas conversas a outros gêneros de assuntos, relacionando a pureza com as demais virtudes e qualidades que lhes são conexas. Digamos, explicar ao jovem a relação entre castidade e ordem, impureza e desordem, e procurar desenvolver no espírito dele o senso da ordenação, do bom gosto, das maneiras gentis, amáveis, do heroísmo, da coragem. Ao incrementar tudo isso, faremos com que desse tronco inicial — o amor à pureza — brotem galhos frondosos, isto é, as muitas virtudes ligadas à castidade.

Para o apóstolo, essa situação se assemelha à visão de um nascer do sol. É o espírito católico que, como o astro-rei, levanta-se num determinado ponto do horizonte espiritual da pessoa evangelizada, vai se alargando, alargando, alargando, até tomar a sua mentalidade inteira. Com um encanto especial: ele, apóstolo, é quem contribui para o nascimento desse sol naquela alma.

Imaginemos quanto júbilo teria um homem que, por qualquer artifício, pudesse apressar o erguer do sol nas regiões ásperas e difíceis da Antártica!  Que alegria o tomaria ao ver brilharem sobre ele os fulgores da grande estrela, acalentando-o e o animando para o novo dia!

Ora, podemos nós levantar sóis naqueles em que percebemos algo de bom, colaborando para ampliar e desenvolver nele essa bondade, até que ela o tome por inteiro. E uma das maiores felicidades reservadas para nós nessa vida é vermos esse sol resplandecendo no coração do próximo. Então nos lembramos daquelas arrebatadoras palavras: “O irmão que salva seu irmão, salva sua própria alma e brilhará no Céu, como um sol, por toda a eternidade…”

Devemos, pois, analisar naquele com quem conversamos, o que lhe agrada ou não, os acordos e desacordos, as consonâncias de assuntos, etc., para, nos encontros subsequentes, abordar os temas de interesse mútuo.  E agir assim de modo progressivo, permitindo aos fios que ligam a alma dele à nossa se tornarem mais fortes e consistentes.

Dessa forma, o apostolando sentirá desejo de se encontrar conosco, porque nota a afinidade estabelecida entre nós. Ele, provavelmente incompreendido e isolado no seu meio,  passa a se ver benquisto, apoiado e revigorado. Donde a sua presença em nosso ambiente adquirir para ele imenso significado. Mais uma alma terá sido atraída para se afervorar na devoção ao Sagrado Coração de Jesus e a Nossa Senhora.

E tudo começa pela boa consonância, o bom acordo estabelecido na conversa conduzida com tato e discernimento pelo apóstolo.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 80 (Novembro de 2004)

 

Flashes com a santidade da Igreja

As graças atuais, dons divinos que iluminam nossa inteligência e auxiliam nossa vontade para realizar o bem e nele perseverar, constituem fator inestimável para a nossa santificação. Dr. Plinio nos contará a seguir circunstâncias de sua vida nas quais, à maneira de “flashes”, essas graças lhe foram concedidas a fim de compreender e contemplar verdades eternas, como a divindade da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

 

Ao dissertar a respeito dos flashes(1), procuro descrever antes o que se passa na alma dos outros, em vez de analisar os meus próprios movimentos interiores. Instado, porém, a dar um testemunho pessoal, volto-me para minhas lembranças dos vários fla­shes que tive desde menino, enriquecidos, avolumados com o passar dos anos, e conservados por mim numa espécie de síntese de todos eles.

Os meus flashes de infância são tão remotos e, naturalmente, marcados por algo de tão incipiente e pueril, que evocarei apenas dois exemplos, esperando satisfazer assim a filial curiosidade dos meus ouvintes.

O órgão, um universo de sons

Recordo-me da primeira vez que prestei atenção no timbre do órgão. Encontrava-me na Igreja do Coração de Jesus para assistir Missa e, de súbito, começaram a tocá-lo. Certamente já o tinha ouvido em outras ocasiões, mas nunca lhe dera importância. Entretanto, naquele momento recebi um verdadeiro flash, pois tive a impressão de uma plenitude de sons capaz de ser expressa pelo instrumento, de modo muito adequado, embora sintético. Não como o universo de acordes ao alcance de qualquer piano de bairro, mas cada som trazendo consigo a conotação de uma miríade de outros acentos, de maneira que um dó varia num mundo de dós, o mesmo sucedendo com o ré, o mi, etc.

Mais ainda. Com a profusão de registros, o universo sonoro do órgão é desencadeado, manipulado e posto em movimento pela pessoa que o dedilha, acompanhado da ideia de haver nele ressonâncias prodigiosamente harmônicas, pois cada som é um protótipo que se multiplica, desdobra-se, fomenta-se pelas diferentes vibrações. Esta harmonia interna em cada nota se reproduz, por sua vez, na relação de umas com as outras, e o teor desse comércio no mundo dos sons é um lindo símbolo de todos os estados de espírito, normais, dignos e bons, no convívio humano.

Logo, há uma reversibilidade entre o universo moral do homem e o dos sons. Acima de tudo, paira a ideia de que só a Igreja Católica pode ter inspirado, presidido e levado a cabo essa visão de conjunto. Daí a conclusão: a Igreja Católica é santa; portanto, divina.

Naturalmente, essa concepção não vinha ao meu espírito com essa clareza. Era um flash, como qualquer pessoa pode ter, pois é conforme à nossa natureza, quando meninos, termos essas impressões instantâneas, riquíssimas, análogas a um inopinado nascer de sol, sem aurora, surgindo direto na plenitude do meio-dia.

Não me foi difícil perceber que no flash haveria uma verdade — “il y a de vrai là dedans”, dizem os franceses — a ser escavada de modo indefinido. E no decorrer dos anos consegui explicitá-la, como acabei de fazê-lo. Não se imagine, pois, ter sido eu um menino genial, uma espécie de “Mozartzinho” da Filosofia… Minha capacidade intelectual não chegava a tanto.

Compreendendo a divindade da Igreja

Certo tempo depois, tive essa mesma sensação na Igreja de Santa Cecília, onde, pela ação do Divino Espírito Santo, discerni a santidade e a divindade da Igreja Católica, em oposição à Revolução. E compreendi como me seria concedida a graça de pertencer inteiramente à Esposa Mística de Cristo, no momento em que todas as potências de minha alma vibrassem em uníssono com aquele órgão. Então meu espírito teria alcançado sua plena realização.

Foi um flash deveras intenso, corroborado pelas vívidas impressões determinadas por alguns aspectos do edifício sagrado.  Por exemplo, os vitrais dessa igreja são autênticos, com belas policromias, e mais atraentes que os comuns dos templos da cidade de São Paulo (em geral, apenas janelas com vidros coloridos, sem maiores labores artísticos).

Na mencionada ocasião, levado por minha família para alguma cerimônia litúrgica, entrei na Igreja de Santa Cecília numa hora em que os raios do sol atravessavam os vitrais da capela-mor e também os situados ao longo da nave central, do lado esquerdo de quem olha para o altar principal. Estavam iluminados, com as suas tonalidades imersas em maravilhosa harmonia, tomando rutilância e brilho extraordinários.

Admirei aquele esplendor e pensei: “Que cores! Como seria agradável morar dentro de um desses vitrais! Se houvesse um espaço habitável, onde tudo fosse como essa apoteose de colorido, e eu pudesse passear de vitral em vitral por vários ambientes, sem qualquer empecilho, apenas me alimentando dessas cores, do ar e do perfume condizentes com elas, eu seria capaz de perceber harmonias e belezas de uma ordem do ser maravilhosa, que não pertence a esta Terra.

“Se eu pudesse morar nesse espaço, perceberia também que minha alma se sentiria completamente realizada ao fazer tal excursão através do mundo dessas cores banhadas pelo sol. Então, penetrar num verde ou azul absolutos, observar todo o percurso da luz — desde a aurora até o crepúsculo — através dessas cores que iriam mudando de tonalidades, sem ninguém me interromper nem perturbar! O tempo todo estaria ali, tecendo reflexões e contemplações baseadas nesses coloridos…”

Não é difícil entender que essas meditações seriam de caráter religioso, e que se fosse materialmente possível semelhante situação, eu me sentiria feliz ao extremo, por me ter sido franqueado o conhecimento de umas tantas coisas muito mais valiosas que aquelas pelas quais os homens têm apreço.

Compreendi, pois, o que era a santidade, a perfeição e a divindade da Igreja Católica, aplicando aos vitrais o mesmo raciocínio feito a propósito do órgão.

“Nunca me separarei da Igreja Católica!”

Num passo seguinte, corri os olhos sobre uma galeria existente na nave central, com pinturas em estilo mosaico, retratando bispos antigos do Brasil, revestidos de seus paramentos, cada um deles no seu pequeno pedestal, em atitudes convencionais, provavelmente bem diferentes da realidade histórica, mas exprimindo algo do bispo ideal.

Eu os observava e pensava: “Meu Deus, que coisa fantástica! Na ordem espiritual, esses bispos são o que as cores daqueles vitrais significam na ordem natural. Cada uma dessas almas é como um vitral da Igreja Católica. Isso é maravilhoso!”

Em seguida, vi os quadros do martírio de Santa Cecília e outros objetos de arte. Aquilo tudo encheu minha alma, tocada com um verdadeiro flash.

Ao sair de lá, concluí: “Da Igreja Católica não me separo nunca! Fui feito para ela e sem Ela a vida não tem sentido. É mesmo divina, e n’Ela creio. A apologética será útil para outros. Para mim, a prova dessa divindade está dada”.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Revista Dr Plinio 80 (Novembro de 2004)

 

1) Sobre a doutrina dos “flashes”, ver “Dr. Plinio” nº 55, págs. 16-20.

Nossa Senhora das Graças

Santa Catarina Labouré encontrou Nossa Senhora no presbitério, sentada numa cadeira que até hoje se pode venerar na capela da Rue du Bac. E chegou a falar com Ela, apoiando seus cotovelos nos joelhos de Maria Santíssima!

Que deve ter restado na alma de Santa Catarina durante a vida inteira, por aquilo que ela viu, nem sei dizer. Mas certamente Nossa Senhora comunicou-lhe uma grandeza de alma e uma obediência cada vez maior. Quando ela era agraciada, nas sucessivas visões, Santa Catarina Labouré ficava mais obediente. Cada vez mais ela compreendia aquele universo de santidade que havia no Coração da Mãe de Deus e, portanto, lhe ficava mais claro o absurdo de desobedecer à Santíssima Virgem.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/3/1995)

Porte régio e virginal

Certa noite, uma belíssima imagem de Nossa Senhora das Graças, de tamanho natural, foi transportada para o auditório onde Dr. Plinio fazia conferências aos membros do Movimento por ele fundado. Diante dessa imagem, ele teceu as considerações que a seguir reproduzimos.

Não me lembro de quando vi, pela primeira vez na minha vida, uma representação de Nossa Senhora das Graças. Mas na minha mais tenra infância — oito, nove, dez anos — já esse sorriso expresso na imagem me acompanhava. Não como algo no qual eu pensasse de modo ininterrupto, mas à maneira de uma recordação: alguma coisa que vi e ficou na minha memória, na minha veneração, no meu afeto, sem que constituísse objeto contínuo de minhas cogitações. De vez em quando, vejo essa invocação, encontro uma imagem, uma estampa, uma medalhinha, ou alguma outra coisa que me fala de Nossa Senhora das Graças.

Revelações a Santa Catarina Labouré

Não tenho palavras para lhes exprimir com que cuidado tomei conhecimento das revelações de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré, cujo texto li com uma atenção com que um tabelião não leria uma escritura pública. Quer dizer, palavra por palavra, pormenor por pormenor, procurando entender, observar e compor bem o conjunto de fatos que caracterizaram aquelas revelações. Evidentemente, não houve uma ocasião em que, estando em Paris, eu não fosse mais de uma vez à Rue du Bac, onde se deram as aparições.

Tudo isto está presente em meu espírito, mas, como dizia, não é objeto de uma cogitação contínua. Entretanto, nunca aconteceu que, olhando para uma imagem, estampa, figura de Nossa Senhora das Graças, ou simplesmente para o verso da Medalha Milagrosa — onde tem aquele “M” com o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria —, eu não sentisse, de modo muito distante, muito vago, ou muito próximo, o que a imagem a qual estamos contemplando diz de um modo tão esplêndido.

Como sinto e como se me afigura a imagem de Nossa Senhora das Graças?

Descrição da imagem

Há nela dois aspectos que se completam: Ela está simplicíssima, seu traje não comporta um adorno. A imagem foi concebida de tal maneira que as dobras de seu manto são todas muito bonitas, caem muito bem, mas é o traje de uma dama, de uma mãe de família qualquer, de Belém, de Nazaré, de Jerusalém, naquele tempo, apresentando-se na simplicidade de sua vida cotidiana. Ela possui uma túnica e sobre esta um manto; e outro manto que cobre a cabeça e os ombros. Tudo o mais simples possível.

Entretanto, há qualquer coisa que incute um profundo respeito e nos faz notar que a pessoa representada veio de muito alto. De uma altura que é o Céu, mas do ápice do Céu; acima d’Ela está apenas Nosso Senhor Jesus Cristo.

Além do respeito, a imagem incute uma veneração que não se sabe como exprimir! Será a virginalidade do rosto? A fisionomia é indiscutivelmente virginal, todo o porte é virginal. Será o régio? Não houve rainha que tivesse tanta majestade. Para fazer uma comparação inadequada: a encantadora Maria Antonieta fica reduzia às proporções de uma boneca de pano perto d’Ela.

Mas, de outro lado, tão presente, tão íntima, tão afagante! Tem-se a impressão de que se Ela nos olhasse, algo do Céu apareceria.

Benignidade, benevolência, doçura

Ela está na atitude de quem olha para a pessoa que estivesse aos seus pés, rezando. E estende as mãos, como quem diz: “Persuada-se! Sou Eu mesma, estou aqui para ajudá-la, favorecê-la e cumulá-la de graças”.

Fica-nos também a impressão de que as mãos acabam de entregar presentes magníficos, e a pessoa foi beneficiada com dons não provenientes desta Terra, e que, evidentemente, são graças. Da imagem se evola uma benignidade, uma benevolência, uma doçura à maneira de um sorriso. Ela propriamente não sorri, mas tem um comprazimento que eu chamaria de “trans-sorriso”.

Alguém que fosse sorrir não estaria em condições de exprimir tudo quanto há nesta imagem. É, ao pé da letra, um “trans-sorriso”, algo que vai além de toda expressão.

E o gesto das mãos parece nos dizer: “Vinde, pedi mais, desejai mais, Eu vos darei tanto quanto pedirdes! Aproximai-vos, não tenhais medo, sou Eu mesma que vim aqui para estar convosco!”

Em meio às mil batalhas, preocupações e aflições, pormenores e providências, e ao fragor — não recuo diante da palavra — das angústias de que nosso caminho está cheio, não é possível termos um repouso melhor do que parar, olhar para a imagem de Nossa Senhora das Graças e, compreendendo tudo isso, pensar: “Ah, então nessa guerra onde é preciso realizar o irrealizável, vencer o invencível, ter forças que não sabemos de onde vêm, necessitamos ter uma enorme confiança porque, nas horas oportunas, Nossa Senhora virá, nos sorrirá e nos ajudará!”

Virá, não necessariamente à maneira de uma visão. É uma grande graça ter uma visão, mas notar numa imagem essas coisas, ter conhecimento de uma graça que nos toca nessas horas e sentir esse orvalho dentro da alma, isto já é tudo.

Graças sobrenaturais e auxílios de toda espécie

Creio que, neste sentido, a invocação é muito acertada: “Nossa Senhora das Graças”. Quer dizer, Nossa Senhora que concede graças. Mas o que quer dizer “graças”? O termo tem dois sentidos: um é o sentido da graça sobrenatural, que é o favor dos favores, o dom gratuito ao qual não temos direito, mas que Nosso Senhor Jesus Cristo nos conseguiu do alto da Cruz, e que Ela esparge, por ser a Medianeira de todas as graças. É graça sobrenatural por onde temos Fé, Esperança e Caridade, e as virtudes cardeais.

Mas são também auxílios de toda espécie, por vezes favores pessoais, personalíssimos, terrenos, os quais desejamos muito em ordem a Ela, para fazer sua vontade, para servir a Causa d’Ela, para lutar por Ela, pedidos por nós com insistência, e que Maria Santíssima acaba concedendo de modo, muitas vezes, inesperado. Na curva de um caminho, na dobra de uma angústia, de repente, surge o favor. Às vezes, não vem automaticamente, demora, e parece suceder o contrário. Mas no fim percebemos que, quando vem, vem mesmo, e com tanta plenitude que somos recompensados de modo superabundante.

Essa é a impressão comovedora que esta imagem me causa. De um modo mais intenso, até, do que tive na própria Rue du Bac, onde, entretanto, encontram-se relíquias tão preciosas: ali está sepultada Santa Luísa de Marillac — fundadora da Congregação religiosa à qual pertenceu Santa Catarina Labouré —; estão os restos mortais desta Santa para quem Nossa Senhora apareceu; a capela da aparição na qual está exposta à veneração dos fiéis a cadeira na qual a Santíssima Virgem sentou-Se para falar com Santa Catarina Labouré, que permaneceu tão perto da Mãe de Deus a ponto de apoiar os cotovelos sobre os joelhos d’Ela.

Será algum predicado natural da escultura? Meramente natural não pode ser, porque aquilo que é ocasião de um ato de amor a Nossa Senhora não pode ser meramente natural. Pode haver algo de natural ali que sirva de ocasião, mas o amor a Ela é sobrenatural, vem de uma graça. Sem uma ação sobrenatural da graça, não seríamos capazes sequer de pronunciar piedosamente os nomes de Jesus e de Maria. Tudo quanto diz respeito à Fé e à vida da Fé, vem do sobrenatural.

A alvura da imagem

Há algum desígnio de Maria Santíssima por onde Ela torna mais sensível essa graça, quando se olha para esta imagem de Nossa Senhora das Graças? Não um intuito arbitrário, pois a palavra “arbitrário” aqui toma a má conotação de “caprichoso” — a Rainha da Sabedoria não tem nada de caprichoso —, mas algo que é um desígnio d’Ela, que nós não conhecemos. É possível; e se for realmente, eu agradeço muito.

O fato positivo é que não tenho possibilidade de olhar para esta imagem sem que, de um modo mais intenso ou menos, não me sinta enormemente propenso a lutar ainda mais, mas com uma forma de refrigério, de luz e de tranquilidade que são peculiares. E que me vêm da ideia de que Ela acaba de distribuir muitas graças e oferece ainda mais.

Eu não posso deixar de ligar isso à alvura extraordinária da imagem. Esse branco corresponde à cor da alma de Nossa Senhora. A inocência da Sancta Virgo Virginum — que é inocente sem comparação com nada e com ninguém, acima de tudo, exceto de Nosso Senhor Jesus Cristo — se exprime nesse branco de um modo maravilhoso. Mas também a generosidade, a bondade. Ela dá tudo porque tem as intenções mais alvas possíveis, em relação a todo mundo. Ela quer conceder, quer ser generosa. É verdadeiramente magnífico!

Anéis com pedras preciosas

Não poderíamos encerrar este comentário sem uma palavra a respeito dos anéis. Em suas revelações, Santa Catarina Labouré conta que Maria Santíssima tinha em seus dedos muitos anéis, como usavam as senhoras daquele tempo. Ela quis aparecer assim. E os anéis eram dotados de diversas pedras coloridas, das quais partiam raios de luz. Entretanto, algumas pedras, embora luminosas, não ejetavam luz.

Então Santa Catarina Labouré, com a liberdade que possuía com Nossa Senhora, perguntou-Lhe por que algumas daquelas pedras não reluziam. E Ela deu esta resposta que me impressionou muito: “São as graças que não me foram pedidas. Se pedirem essas graças, Eu darei. Então o reluzimento dos anéis aumentará”.

Poderíamos nos perguntar: para nós, quantos anéis estão por reluzir ainda, e quantos já reluziram? O “thau”2 que anel será? Existem anéis com uma pedra preciosa em torno da qual estão cravejadas outras pedras preciosas. Quantas pedras preciosas cercarão o “thau”? Que anel soberbo será ele? Nós o contemplamos o bastante para que ele reluza com toda a sua plenitude? Ou seja, pedimos muito a Maria Santíssima para que realmente o “thau” nos venha na abundância que desejamos?

Pedir, pedir, pedir, suplicar, implorar! “Pedi e recebereis, batei e a porta vos será aberta…”3 Isso se aplica à imagem; Nossa Senhora, a bem dizer, está com as portas abertas, como quem diz: “Meus filhos, vós não pedistes do lado de fora, não batestes na porta; então Eu a abri e aqui estou. Aqui estão meus anéis. Vinde, meus filhos, e aproximai-vos!”

Ao cabo de um dia com dificuldades, um refrigério incomparável

Imaginem, assim, qual foi a minha impressão, entrando neste auditório, ao encontrar de um modo inteiramente inesperado esta imagem. E me perguntei: “Por que eu estava tão longe de pensar nisso?” E vieram-me à mente várias pequenas razões: em primeiro lugar, o peso e o risco do transporte, que é a menor das razões: “Se esta imagem se danifica, se quebra um dedo ou um pouco do manto, que coisa perigosa!”

Mas, depois, também a ideia de que a imagem representa a Rainha, a qual não se move. Ela atrai a Si; dir-se-ia que a Rainha não vai atrás de ninguém.

Sem dúvida, entrou algo de meus hábitos mentais. Eu sou muito estático e imagino as coisas como sempre permanecendo, não se movendo. Sou bastante contínuo, e a ideia de transportar uma imagem assim, parece-me qualquer coisa difícil de conceber.

Tudo isso junto concorreu para que a mim fosse uma verdadeira, enorme e agradabilíssima surpresa encontrar aqui esta imagem. Uma surpresa que veio ao cabo de um dia com dificuldades, problemas e perspectivas de toda ordem, dando-me esse refrigério que é incomparável, e uma emoção que eu não quis esconder. Fiquei realmente gratíssimo!

O Paraíso de Deus

Depois, pensando melhor, será que a Rainha não vai atrás de seus súditos? Ela não é Mãe do Bom Pastor, que deixa noventa e nove ovelhas e sai à procura de uma? Por que não supor que a imagem d’Ela seja deslocada por filhos muito devotos para que um outro filho a veja? E, assim, todos A amarem, A festejarem, A glorificarem e A celebrarem juntos? Isso é tão adequado, tão magnífico!

Eu rezo frequentemente, sobretudo no momento da Comunhão, pedindo a graça de levar minha devoção a Nossa Senhora absolutamente tão longe quanto a Doutrina Católica permita. Não desejo ir um milímetro além disso, mas quero levá-la até o último ponto onde caiba dentro da Doutrina Católica. E isso representa um céu, porque o homem não consegue sondar com o olhar o firmamento da devoção a Ela.

Tomemos em consideração que Ela é chamada por São Luís Grignion de Montfort “o Paraíso de Deus”. Quer dizer, na felicidade eterna e perfeitíssima que Deus tem em Si mesmo, quis ter Maria Santíssima como seu Paraíso. Compreendemos, assim, qual é a elevação e quais são os dons d’Ela, e até onde deve ir a nossa admiração e nosso amor Àquela a Quem, num certo sentido da palavra, o próprio Deus admira, e que Ele criou para ter o gosto de admirar.

Imagens existentes no quarto de Dona Lucilia

No oratório de minha mãe em minha casa, colocada sobre uma peanha, há uma imagem do Sagrado Coração de Jesus. À frente, em um nível mais baixo, há três imagens: uma de marfim, dada a ela por um padrinho de casamento, que por coincidência era também juiz, e a quem mamãe chamava de “meu juiz”. Não conheci este homem e nem sei seu nome. E tampouco ela sabia de que santa era aquela imagem. Mas a conservava por respeito, por saudades.

Há também uma imagem do Menino Jesus, e depois, correspondendo à mão direita da imagem do Sagrado Coração de Jesus, uma imagem de Nossa Senhora das Graças.

Por seu estilo, esta última parece ter sido feita antes de meu nascimento, pois é da mesma escola da imagem do Sagrado Coração de Jesus, que é certamente anterior ao meu nascimento. Portanto, desde a minha primeira infância foi uma das imagens de Nossa Senhora das Graças para a qual olhei.

Eu vi Dona Lucilia rezar muitas vezes para essas imagens, com muita devoção, muita atenção, muita confiança. Sem acontecer nada de milagroso ou de extraordinário, eu notava uma consonância entre ela e a imagem do Sagrado Coração de Jesus, mais ou menos como se Ele estivesse refletindo-Se nela. E havia também uma consonância, quando mamãe rezava para a imagem de Nossa Senhora das Graças. E cada vez que ela a osculava, eu tinha a impressão de que toda essa doçura se refletia também em mamãe. E, no modo de ela rezar, punha aquilo ao nosso alcance.

Alguém poderia me perguntar: “Mas se é assim, por que o senhor não tira aquela imagem daquele oratório e a põe ao alcance dos seus olhos continuamente?”

A resposta é: Não se deve estar a provocar coisas de modo contínuo. Quando minha mãe morreu, a imagem estava lá. Inúmeras vezes, durante minha vida, eu a olhei. Mas acho que não a devo tirá-la de lá. Ela está onde mamãe a deixou quando faleceu, tendo ali passado grande parte de sua vida. Eu nunca vou ao quarto sem olhar para a imagem e rezar um pouco. Mas não seria homem de, por assim dizer, forçar a continuidade da graça, pondo uma imagem de Nossa Senhora das Graças diante dos meus olhos, e dizendo: “Agora eu Vos agarrei”. Não é do meu gênero. Há imponderáveis que levam a uma outra atitude. É o que eu teria a dizer.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 3/10/1981)

Na vossa luz veremos a luz

Ó minha Mãe, Medianeira de todas as graças, na vossa luz veremos a luz.

Mãe, antes ficar cego do que deixar de ver vossa luz, porque  vê-la é viver. Na sua claridade contemplaremos todas as luzes; e sem ela, nenhuma luz refulge.

Não considerarei vida os momentos em que ela não brilhar; e eu, da vida, não quererei ter mais nada do que a mente banhada por essa luz.

Ó luz!, eu vos seguirei custe o que custar: pelos vales, montes, desertos e ilhas; pelas torturas, pelos abandonos e olvidos; pelas perseguições e tentações, pelos infortúnios, pelas alegrias e triunfos. Eu vos seguirei de tal maneira que, mesmo no fastígio da glória, não me incomodarei com ela, porque só me preocuparei convosco.

Eu vos vi, e até o Céu não desejarei outra coisa, porque, uma vez, vos contemplei!

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Nossa Senhora das Graças

A invocação de Nossa Senhora das Graças quer dizer que Ela tem em suas mãos todas as graças, porque é a depositária de todos os tesouros de Deus. Mas também significa Nossa Senhora dadivosa, misericordiosa, que tem as mãos abertas para mostrar que Ela quer dar tudo.

Ela é a Mãe de misericórdia, que deseja tocar todas as almas, inundá-las de benefícios, encher o mundo inteiro das manifestações soberanas e celestes de sua bondade e de seu poder.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 26/11/1970)

Mãe da Divina Graça e da perseverança

Estreitamente unido a Maria Santíssima por meio da escravidão de amor, segundo o método de São Luís Grignion de Montfort, tinha Dr. Plinio grande devoção à invocação “Mater Divinæ Gratiæ” — Mãe da Divina Graça —, neste mês comemorada na festa da Medalha Milagrosa.

Sobre a efígie impressa na Medalha, cuja confecção foi pedida pela própria Mãe de Deus, abaixo reproduzimos um profundo comentário de Dr. Plinio(1), relacionando-a à Contra-Revolução, à realeza de Maria e à graça da perseverança que deve ser almejada por cada um dos filhos da Santa Igreja: Nós temos, numa das faces da medalha, Nossa Senhora pondo os pés sobre o mundo, na afirmação de sua realeza sobre toda a Terra. É exatamente essa a doutrina da realeza de Nossa Senhora que vem lembrada em Fátima e afirmada com uma vitória sobre a Revolução.

Ela calca também uma serpente, o que está inteiramente coerente, concludente, porque desse lado está escrito: “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós”.

Quer dizer, é a Imaculada Conceição. Mas não é pura e simplesmente a Imaculada Conceição, porque há aqui um atributo que não se encontra nas imagens da Imaculada Conceição como tal: Nossa Senhora está com as mãos abertas em sinal de aquiescência, de atendimento, e de suas mãos partem fachos luminosos imensos, simbolizando as graças e os favores que pelas mãos d’Ela — quer dizer, pela ação e por meio d’Ela — descem sobre o mundo.

Essas graças são concedidas para a conversão dos pecadores, dos hereges, mas também para o castigo dos irredutíveis e proteção daqueles que se mantiveram fiéis até o fim. São graças para a perseverança dos fiéis. Tudo isso sai das mãos de Nossa Senhora como de um manancial.

Ela está afável, risonha, acolhedora, para todos aqueles que tendo em vista esse conjunto de fatos, de símbolos, de atributos, de noções, se dirigem confiantes a Ela, pedindo as graças de que precisam.

Vamos pedir a Nossa Senhora que pelas graças da Medalha Milagrosa, Ela apresse o dia de sua vitória, de um lado. E de outro lado, também nos ajude a sermos fiéis durante todas as tormentas que se aproximam. Porque devemos nos lembrar bem disso: a perseverança é uma graça inestimável. Do que adianta ter virtudes, se depois cair no pecado?

Essa perseverança não é fruto de nossas qualidades pessoais, mas da graça que se trata de pedir humildemente, de implorar com insistência, e à qual se trata de corresponder. Portanto, precisamos pedir as graças que nos assegurem a perseverança.

Essa invocação de Nossa Senhora das Graças — ou de Nossa Senhora da Medalha Milagrosa — é particularmente eficiente na luta contra o poder das trevas, que tanto e tanto nós devemos conduzir nos dias de hoje.

 

Plinio Corrêa de Oliveira – Revista Dr Plinio 212 (Novembro de 2015)

1) Conferência de 27/11/1964.

Uma porta do céu se abriu para o mundo

Neste ano a Capela da Rue du Bac celebra o jubileu das aparições de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré. Como melhor modo de associar esta revista e seus leitores a data tão significativa, estampamos a seguir um eloquente comentário de Dr. Plinio sobre aquelas visões de alcance inapreciável para todos os homens.

Quem visita a Capela da Rue du Bac, em Paris, onde Nossa Senhora apareceu a Santa Catarina Labouré e lhe pediu a cunhagem da Medalha Milagrosa, sente-se envolvido por uma intensa impressão de paz, de calma, de céus abertos, como se não existissem obstáculos entre a Terra e a feliz eternidade. No íntimo de sua alma, o fiel ouve a voz de Nossa Senhora, exorável, disposta a atender todos os nossos pedidos, com sua maternal benignidade transpondo distâncias incontáveis para se tornar acessível a nós. Tudo isso faz daquela capela um lugar de serenidade realmente privilegiado.

Serenidade, calma e paz autênticas, ou seja, toques de sobrenatural que afagam nossa alma com verdadeira unção, verdadeira consolação e verdadeira confiança, e nos infunde a plena certeza de que, em última análise, Nossa Senhora nos alcançará as graças tão desejadas por nós.

A época das aparições da Rue du Bac

As aparições da Santíssima Virgem se deram em 1830, sendo a mais importante delas no dia 27 de novembro, quando revelou a Santa Catarina os tesouros de dádivas celestiais destinados ao mundo com a difusão da Medalha Milagrosa.

Cumpre recordarmos que, naquela época, a par de um grande reflorescimento da prática da religião Católica, havia também fortes manifestações de laicismo e ateísmo hostis à Igreja, de maneira que um fosso abismal separava o catolicismo do anticlericalismo. Ecos dessa animosidade eu mesmo conheci, no Brasil dos anos 20. Portanto, quase um século depois das aparições da Rue du Bac.

Tão profundo era esse valo divisório entre as coisas da Igreja e as da sociedade civil que, ao se transpor os umbrais do ambiente profano e ingressar no religioso, era como se deixássemos um país para entrar em outro. Lembro-me de quando comparecia à bênção do Santíssimo Sacramento na Igreja do Coração de Jesus, após a qual, saindo do templo, observava o edifício daquilo que então era o internato do Liceu, desdobrado em duas alas em torno de todo o quarteirão.

As janelas dos andares inferiores permaneciam fechadas e protegidas por grades. Ao contrário daquelas dos andares superiores através das quais, no lado onde eu sabia situado o dormitório dos meninos, podia-se ver algumas luzes azuis acesas: sinal de que as crianças já dormiam. E o relógio da torre ainda não marcava nove horas da noite…

Recordo-me da impressão que causava em mim o entrar na sociedade profana — insisto, dos anos 20 — e perceber o contraste entre o coruscante, o assanhado, o divertido daquele mundo, e o dormitório extenso, onde um grande número de meninos repousava sob a supervisão de um padre pronto a acordar ao menor sinal de perturbação, para restabelecer a ordem e a tranqüilidade!

Encantava-me saber que aqueles meninos dormiam placidamente, aos cuidados de um sacerdote que representava ali a eterna tradição da Igreja ordenativa, moralizante, disciplinadora. Alegrava-me ver que, enquanto todos se achavam imersos no sono noturno, as luzinhas azuis simbolizavam a maternalidade da Igreja a envolver seus filhos em brumas amigas; a vigilância de quem sabe sorrir sem fechar os olhos, sempre ciente do que se passa. Tudo isso me dava a impressão de haver naquele ambiente uma austeridade, uma sacralidade, uma ordenação que o mundo fora não conhecia. Era outro universo.

Pois bem, numa atmosfera análoga a essa tiveram lugar, na Paris de 1830, as revelações de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré.

O sobrenatural se desenrola numa modesta capela

Era esta uma freira da congregação das Filhas da Caridade, fundada por Santa Luísa de Marillac e São Vicente de Paulo. Essas religiosas se distinguiram sempre por sua extrema e abnegada solicitude cristã, dedicando-se ao cuidado dos pobres, órfãos, e enfermos nos hospitais e Casas de Misericórdia. Até há pouco eram conhecidas pelo seu hábito característico: túnica escura com gola branca engomada, a cabeça adornada por uma touca bretã, estilizada pela inspiração e pelas mãos da Igreja. Essa cobertura se desdobrava em duas abas largas, lembrando vagamente as asas de uma gaivota em voo. Na cintura, como é natural nos hábitos religiosos, pendia um grande rosário.

Não tive contato assíduo com essas freiras, mas encontrei-me com muitas delas. Em geral pessoas robustas, fortes e prontas para o trabalho. Olhar límpido, reto, atitude despretensiosa de quem preferia passar desapercebida. Realizavam obras de misericórdia temporal como ocasião para obras de misericórdia espiritual. Ou seja, elas aproveitavam a ocasião de cuidar de um paciente terminal para trazer um padre junto a ele, para convidar uma criança a ir ao catecismo da paróquia, ou se encontravam uma pessoa desventurada na rua, procuravam ajudá-la em todo o necessário, etc. Enfim, faziam tudo quanto pudessem para atender aos infortúnios, as carências materiais e, sobretudo, as espirituais, nos mais variados ambientes por onde costumavam se infiltrar.

A elevação desse apostolado das Irmãs de Caridade de São Vicente de Paulo era tão grande, e as admiravam tanto por isso, que costumavam ser tidas como o próprio símbolo da religião numa de suas expressões mais belas e comovedoras.

O seu principal convento situa-se num antigo e aristocrático bairro da capital francesa, o Faubourg Saint-Germain, e se tornou conhecido pelo nome da rua em que foi edificado: Rue du Bac.

Devemos imaginar a cidade de Paris nos idos de 1830, bem menor e menos populosa do que é hoje, silenciosa, tranquila, ainda sem ruídos de motores e luzes de néon. Podemos pensar na rua calçada com pedras, sobre as quais, vez por outra, o eco das patas de um cavalo ou das rodas de uma carruagem interrompia a longa calada da noite. No dormitório das freiras de São Vicente, não havia luzinhas azuis, mas talvez alguns candeeiros acesos. Todas as religiosas repousam, entre elas Santa Catarina Labouré.

Nesse ambiente modesto, puro e elevado, completamente diverso do mundo exterior, o maravilhoso sobrenatural começa a se desenrolar.

Colóquios com a Rainha do Céu

A primeira aparição ocorreu na véspera da festa de São Vicente de Paulo, em 18 de julho de 1830, como que preparada por uma atitude da vidente repassada de ingenuidade, inocência e caráter filial muito bonitos. Ela ouvira no dia anterior uma exposição sobre a devoção a Nossa Senhora, e sentiu um ardente desejo de vê-La. E foi se deitar com o pensamento de que, naquela mesma noite, encontrar-se-ia com a Santíssima Virgem.

E foi o que aconteceu. Como nos relata a própria Santa Cataria Labouré, por volta das onze e meia da noite, ela ouve alguém lhe chamar. Corre a cortina de seu leito e vê um menino de 4 ou 5 anos que lhe diz: “Vinde à capela, a Santíssima Virgem vos espera”.

A santa demonstra um pouco de receio, temendo que as outras religiosas a surpreendessem fora da cama, mas o menino a tranquiliza, ela se veste e começa a segui-lo pelos corredores do convento. Detalhe curioso, registrado pela vidente que muito se admirou do fato: por todos os lugares onde passaram as candeias estavam acesas.

Ela entra na capela e sua surpresa é ainda maior ao notar todas as velas acendidas nos candelabros, como se estivessem preparados para uma Missa do Galo. O menino a conduz até o presbitério, ao lado da cadeira em que se sentava o vigário. Santa Catarina se ajoelhou, enquanto a criança permaneceu de pé. Ela, sempre com o receio de que alguma freira passasse por ali e os encontrasse, pedindo-lhe explicações que não saberia dar…

Afinal, o menino lhe advertiu: “Eis a Santíssima Virgem”. A vidente ouviu um “frou-frou”, um roçagar de vestido de seda, mas ainda não distinguia Nossa Senhora. Então o menino insistiu — já não com voz de criança, mas em tom vigoroso — que a Rainha do Céu estava presente. Nesse momento Santa Catarina viu a Mãe de Deus sentada na cadeira do vigário, deu um salto para junto d’Ela e, genuflexa, apoiou suas mãos nos joelhos de Maria.

Quer dizer, uma cena fabulosa, uma aparição cercada de afabilidade extraordinária. Compreende-se, pois, que Santa Catarina tenha registrado esse instante como o mais doce de sua vida, impossível de ser descrito em palavras. Recebeu ali diversos conselhos e orientações de Nossa Senhora, os quais preferiu manter em sigilo.

A Medalha Milagrosa

Podemos bem conceber como Santa Catarina se sentiu após esse encontro com Nossa Senhora, e como seu coração latejava de um intenso desejo de revê-La. Alguns meses depois, ela seria largamente atendida. O segundo e mais importante encontro se deu na tarde do sábado 27 de novembro de 1830. Assim o relata um cronista das diversas aparições de Maria:

“Na sua capela da Rue du Bac, as Filhas da Caridade — Irmãs e noviças — se reúnem para a meditação vespertina. Recolhimento e religioso silêncio. De repente, em meio à sua piedosa contemplação, Catarina Labouré julga ouvir o roçar de um vestido de seda… A Santíssima Virgem, ali!

“Qualquer pensamento é impossível diante da inconcebível beleza de Maria. Ela usa um vestido de seda alvíssima como a aurora. Da mesma cor é o véu que Lhe desce da cabeça até os pés. Estes repousam sobre volumoso globo, que parece fixo num ponto do espaço. As mãos, elevadas à altura do peito, sustentam graciosamente um outro globo, menor que o pedestal e encimado por uma cruz. A Virgem tem o olhar voltado para o céu. Seus lábios oram. Ela oferece o globo ao Mestre, seu Filho.

“De súbito o globo desaparece e as mãos permanecem estendidas. Os dedos se cobrem de anéis guarnecidos de cintilantes pedrarias, que emitem raios deslumbrantes para todos os lados. Mil fulgores preciosos se fundem num só brilho transcendente. Mil irradiações circundam a santa figura.

“A Virgem pousa os olhos sobre Catarina em contemplação, abismada num mundo de sensações, de sentimentos, de descobertas, de revelações inexprimíveis. No fundo de seu coração, a noviça ouve uma voz que lhe diz:

“— Este globo representa o mundo inteiro, e especialmente a França, e cada homem em particular.
“— A chuva de raios redobra em força, em magnificência.
“— Eis o símbolo das graças que Eu derramo sobre aqueles que mas pedem. As pedras que permanecem na sombra (dirá ainda, uma outra vez, a Santíssima Virgem) simbolizam as graças que se esquecem de me pedir…”

Segundo narração de Santa Catarina, formou‑se em torno de Nossa Senhora um quadro de forma ovalada, no alto do qual estavam escritas em letras de ouro as seguintes palavras: “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a Vós” . E novamente ela ouviu uma voz que lhe mandava cunhar uma medalha conforme aquele modelo. E a promessa: Todos os que a usarem, trazendo-a ao pescoço, receberão grandes graças, que serão abundantes para quem a portar com confiança”.

Em seguida, diz a vidente, o quadro pareceu girar e ela viu o reverso da medalha: no centro, o monograma da Santíssima Virgem, composto pela letra “M” encimada por uma cruz, a qual tinha uma barra em sua base. Embaixo, os Corações de Jesus e de Maria, o primeiro coroado de espinhos, e o outro, transpassado por um gládio.

Era o desenho da Medalha Milagrosa, como esta seria amplamente conhecida e difundida pelo mundo inteiro, alcançando graças e favores celestiais para incontável número de pessoas, milagres de ordem física, como a cura de doenças, e também de ordem espiritual, reformas de vida e conversões das mais inesperadas.

Desígnios de alta misericórdia para o mundo

Por exemplo, célebre se tornou a conversão de um prelado apóstata, o arcebispo francês Mons. Duprat. Ele abandonou a Igreja Católica e se tornou secretário de finanças de outro famoso bispo renegado, Talleyrand.

Conta-se que Mons. Duprat, sabendo chegado aos seus últimos dias, relutava em se confessar e emendar. Algum zeloso parente ou conhecido, preocupado com a salvação eterna dele, prendeu a Medalha Milagrosa no travesseiro do arcebispo. Foi o bastante para que a graça o tocasse. Dias depois ele pedia que lhe trouxessem um padre: “Mudei de ideia, desejo me confessar”. O sacerdote se apresentou, e o filho pródigo fez as pazes com Deus, com a Igreja e com a sua consciência. Não se passou muito tempo, e morreu readmitido no seio da Esposa mística de Cristo.

Casos como esse se multiplicaram ao longo dos anos e ainda hoje se verificam pelo mundo afora. Assim como tantas outras formas de amparo e benefício oriundos do uso da Medalha.

Lembro-me, aliás, deste outro fato. Uma senhora da aristocracia francesa mantinha no salão nobre de sua residência, magnificamente decorado, um quadro com a Medalha Milagrosa, manchada e amassada no centro. Os visitantes que ela recebia em casa, estranhavam aquilo exposto com tanta evidência num recinto esplêndido, em meio a objetos de alta categoria, e perguntavam a razão disso. A senhora respondia:
“— Guardo esta medalha porque meu filho era um estroina, e estando num mau lugar, levou um tiro. A bala acertou diretamente na medalha, e em vez de perfurá-la, de modo inexplicável apenas a danificou, como para autenticar o fato extraordinário, e caiu no chão. Diante do prodígio, meu filho se converteu e hoje é um católico modelar. Eu desejo, então, que minhas visitas conheçam este favor recebido de Nossa Senhora e saibam agradecer. Por isso esta medalha está aqui.”

É simplesmente incontável o número de episódios semelhantes, onde foram obtidas graças preciosas através da Medalha Milagrosa. Motivo pelo qual ela é objeto de tanta devoção, tendo sido destinada por Maria Santíssima a ser um maravilhoso meio de se realizarem desígnios de sua alta misericórdia para o mundo.

Expressão do carinho materno de Maria

É interessante frisar, ainda, que essa particular proteção da Virgem Santíssima em relação a nós transparece muito na sua prerrogativa de Mãe da Divina Graça.

Quantos já não nos sentimos, ao aproximarmos de uma imagem sob essa invocação, recebidos por um sorriso d’Ela, envolvidos por uma espécie de doçura que nos prometia compaixão, pena, a convicção de sermos atendidos e favorecidos por um ato de inesgotável bondade?

É a certeza de que Nossa Senhora sempre se acha disposta a nos socorrer e amparar com sua clemência, seja em nossas carências materiais e físicas, seja marcadamente em nossas lacunas espirituais, ajudando-nos a vencer nossos defeitos, as tentações e o pecado. Portanto, Nossa Senhora das Graças podia se dizer Nossa Senhora da Misericórdia, que nunca, nunca, nunca nos deixará desamparados.

E creio jamais ser suficiente insistir nesta verdade: Mãe da Divina Graça significa a tesoureira de todas as graças de Deus. As dádivas celestiais constituem um tesouro inexaurível, posto nas mãos de Nossa Senhora e por Ela difundido àqueles que recorrem à sua intercessão.

Maria é a dispensadora de todas as graças e também a Mãe dos que Lhe suplicam favores. Mãe dos miseráveis, dos aflitos, daqueles que quase perderam a esperança, aos quais Ela reanima, e faz reacender em seus corações a chama da Fé.

Basta considerarmos uma imagem de Nossa Senhora das Graças para compreendermos o quanto esse título exprime o carinho materno de Maria em relação a nós. Acolhe-nos de braços abertos, o sorriso nos lábios, repassada de um convite amorável para nos aproximarmos e convivermos um pouco com Ela. Envolve-nos com uma afabilidade e uma promessa de perdão sem limites, insondável. E nos faz ouvir no fundo da alma a sua voz carinhosa: “Tendes a Mim, sou inteiramente sua. E por causa disso, todos os caminhos para o Céu lhe são franqueados…

Plinio Corrêa de Oliveira