Cogitações na linha do senso do maravilhoso

Dr. Plinio possuía, desde tenra infância, um senso do maravilhoso tão excelente que, vendo um vasinho colorido, imaginava uma catedral, as ruas e casas de uma cidade feitas com o mesmo material, com as mesmas cores e luminosidades. Muito mais sensível às cores que às formas, ele cogitava a respeito de universos possíveis dos quais aquele vasinho era uma amostra.

 

Gostaria de analisar um objeto que, em minha infância, serviu-me para muitas cogitações na linha do senso do maravilhoso.

Espírito muito mais cromático do que dado às formas

Trata-se de um pequeno vaso que, de si, não tem nada de extraordinário, nem é de grande valor comercial. Porém, tem isso de próprio e que me foi muito favorável: ele visa, em vários pormenores, imitar e reunir pedaços de estilos que, sob alguns aspectos, apontam para o admirável.

Seu formato, os desenhos dourados, a base também dourada que, invertida, dá ideia de uma coroa, tudo isso encaminha o espírito para uma ideia de objeto maravilhoso.

Para a criança não é tão importante a questão – que a pessoa se põe depois dos trinta anos, quando começa a maturar errado –: se o objeto tem ou não o maravilhoso para o qual tende. Mas a pergunta que a criança se coloca, ainda que implicitamente, é: Qual o valor do maravilhoso para o qual aponta?

Então, digamos, um vasinho francamente ordinário – não como este que é bom –, mas que apontasse melhor para o maravilhoso, uma criança lhe daria mais valor do que ao bom. Porque a pergunta não é qual o valor venal, nem da pura concepção artística, mas para onde visou, como sendo a primeira qualidade a ser tomada em consideração.

Assim eu via, em menino, este objeto. Notem que meu feitio de espírito é muito mais cromático do que dado às formas. Para mim, mais do que a forma ou a qualidade do material, este vaso é uma gota de cor, na qual se verifica a mistura que me é bem-amada: vermelho e branco. Não assim: uma lista vermelha, uma lista branca, mas são esbranquiçados de vermelho ou uns avermelhados de branco, postos de cá, de lá e de acolá.

A matéria da qual ele é composto tem uma certa transparência a qual permite à luz um certo jogo que se presta muito para a reprodução desse gênero de cor.

Há aqui uma espécie de teoria da mistura das cores que me agrada extremamente. As cores podem misturar-se até um certo ponto onde uma degenera na outra. Então já não é uma mistura, mas uma outra coisa. E o passar por todas as gamas intermediárias dá um valor cromático ideal muito especial.

Imaginar ruas e casas feitas com essa matéria

Aprazia-me considerar como seria um mundo no qual a cor e as luminosidades dominantes fossem essas, onde as pedras das ruas e os tijolos das casas fossem dessa matéria, onde os homens, em consequência, não seriam vermelhos e brancos, mas tivessem um espírito dotado desse jogo de reversibilidades, em que estivesse presente a afirmatividade, mas também houvesse concessões e afabilidades, tendo entre si um trato que eu imaginava nobilíssimo, mas ao mesmo tempo delicadíssimo, todo feito de condescendências recíprocas fantásticas, na linha do bem, de maneira que nada fosse mau, mas tudo aprazível, concessivo, bondoso, um perene sorriso e uma fórmula da perpétua “douceur de vivre”(1).

Seria, propriamente, o relacionamento das pessoas que se estimam por serem diferentes. Não é o relacionamento dos iguais, mas dos diversos que, na diversidade, nesse “ludus”, se completam.

A meu ver, o papel do dourado nessa combinação é lembrar que infinitamente acima paira outra coisa, evocando uma diversa clave de valores.

Imaginem que alguém esborrifasse mil gotinhas douradas em cima disso, por onde o vasinho pudesse tomar um valor venal maior. Para mim, não valorizaria; ainda que fosse de ouro verdadeiro, não lucraria nada. Eu mandava lavar o vasinho porque o dourado se tornaria promíscuo com isso, e faria com que o restante, por assim dizer, se envergonhasse de ser o que é.

Certamente, o artesão que concebeu esse vaso não teve essas ideias explícitas, mas o fato é que ele pôs o dourado fora do tema central. O tema está na parte nacarada. O dourado corresponde aos horizontes para onde a mescla de vermelho e branco aponta, fora do tema, como algo para alcançar.

Transpondo para o jogo das relações humanas, seria mais ou menos como se nas fímbrias desse relacionamento se compreendesse o convívio com Deus como algo de infinitamente mais alto, mais elevado, mais nobre.

Necessidade da prova

Se a grande indústria pudesse e devesse continuar a existir no Reino de Maria, ela poderia e deveria ser utilizada para finalidades superiores à mera produção quantitativa. Poder-se-ia compreender uma grande indústria que fabricasse uma catedral desse material e a colocasse num panorama estudado para combinar com isso.

O fato é que o vitral se fez sem a grande indústria. E nós poderíamos imaginar, com a evolução da indústria dos vitrais, igrejas todas feitas de vidro. De maneira que seria possível ir longe.

Ademais, golpeado com jeito, esse material emite um som bonito. Imaginem uma igreja que seja o sino de si mesma, onde o toque não se dá no campanário, mas na parede da própria torre! Torres que vibram elas próprias como se fossem badalos postos no ar, de maneira a fazer corresponder em som a cor contemplada pelo olhar.

É preciso dizer que fiquei com inúmeros mundos assim possíveis inacabados na mente. Sobretudo cores que eu vi de cá, de lá, de acolá, e que davam margem a imaginar universos possíveis dos quais esse vasinho era uma amostra. Creio que a matriz da inspiração artística é essa.

Um perigo contra o qual é necessário precaver-se: um mundo vivido assim é tal que não se compreenderia dentro dele a dor e nem sequer a prova. Quer dizer, se imaginássemos um mundo de criaturas assim e que Deus resolveu impor a prova para elas, teríamos um suspense como se víssemos o Criador traindo a sua própria obra. Há uma dificuldade em instalar dentro disso a ideia de prova como, por exemplo, em compreender que Deus tenha permitido a entrada da serpente no Paraíso.

O mais interessante é que só depois de ter passado pela prova compreendemos que tudo isso só toma sua perfeição para quem passou pela prova. Somente quando isso recebeu a trombada do oposto e se afirmou, é que propriamente justificou a sua existência.

Donde poderia vir uma objeção: “Então o mal é necessário?”

Não, o mal não é necessário, mas a prova é. Essas maravilhas devem existir em ordem de batalha contra o que as quer destruir. É nesta postura de ordem de batalha que elas adquirem uma espécie de plenitude de consistência que lhes dá força e dignidade.

Um modo de relacionar-se próprio à visão beatífica

Entra, então, um aspecto que à primeira vista não se imaginaria: um cavaleiro cuja armadura fosse feita deste material, mas inquebrantável, trazendo o próprio símbolo da delicadeza e do feérico na batalha mais feroz.

Na Chanson de Roland, as despedidas entre Olivier e Roland dão ideia disso. Os dois iam morrer, encontravam-se numa situação em que estavam liquidados. Entretanto, a ternura com a qual ambos se tratam é enorme.

Ouvi dizer, não sei se é verdade, que hoje em dia se tiram fotografias por onde se percebe a cor de certos corpos celestes, nos quais se vê reinar um colorido diferente do existente aqui na Terra.

Poder-se-ia imaginar um mundo para o qual o colorido desse vasinho fosse como a luz do dia para nós, onde todas as pessoas se tratassem como o vermelho e o branco se “tratam” aqui, e que no interior de cada pessoa – não só fisicamente, mas moralmente – a luz brincasse como brinca neste objeto.

Essas pessoas se compreenderiam e teriam uma espécie de avidez de se entenderem, uma necessidade de mútuo entendimento cordial superabundante, por onde se uniriam umas às outras numa perpétua troca de alegria com a “surpresa”, na consideração de que a outra existe.

De maneira tal que indo à rua não se encontraria uma multidão de anônimos, mas de boas surpresas: “Oh, existe também este, aquele…!” As pessoas, sem se conhecerem, parariam, se saudariam e se alegrariam neste diapasão. E haveria, por assim dizer, um perpétuo sorriso de encantamento, um perene cântico e uma espécie de perpétua dança das pessoas se encontrando, se falando. O Céu deve ser assim.

A questão é que existe um mundo de outras coisas que se prestam a considerações como estas. O objeto aqui analisado é uma gotícula que ocupou, nas minhas cogitações de criança, um pequeno espaço. Os jades, as porcelanas chinesas, os cristais da Boêmia, os esmaltes, os ônix, as mil coisas preciosas que há, exprimem uma ordem natural, filosófica, quiçá metafísica. Acenam para uma superior natureza, mas estão inteiramente dentro da nossa ordem natural. O sobrenatural está fora e acima. Não é inimigo; ao contrário, é amigo, bafeja, abençoa, mas se encontra diretamente acima.

Para considerar como isso se instalaria na ordem sobrenatural, teríamos que imaginar como um objeto desses caberia na gruta de Belém, na noite de Natal.

A ordem natural transposta para a clave sobrenatural

Poder-se-ia fazer uma distinção entre a natureza do Céu empíreo, que ainda está na linha do natural, e a do metafísico. Aquilo que em nós é puramente espiritual enquanto contempla o que nos outros é também espírito; e, depois, o que em nós é espírito e contempla a Deus, portanto a essência divina, infinitamente acima de nós. São coisas inteiramente diferentes.

Mas tudo isso, que seria uma contemplação árdua, difícil, pode-se resumir e acompanhar muito melhor, considerando a união das naturezas humana e divina em Nosso Senhor Jesus Cristo. N’Ele encontramos todas as belezas e excelências possíveis da ordem natural transpostas para a clave sobrenatural.

Assim, poderíamos imaginar as operações da graça pairando sobre objetos como esse. Por exemplo, os vitrais da Sainte-Chapelle são naturais, e aquelas cores são produzidas pela natureza, assim como as desse vaso. Mas quem vê aqueles vitrais recebe uma graça por onde percebe um certo sobrenatural análogo àquela natureza.

O sobrenatural tem certo modo de assumir as coisas por onde estas, sem deixarem de ser elas próprias, elevam-se tanto que mudam de aspecto.

Por exemplo, a imagem de Nossa Senhora do Miracolo tem joias até na cintura. Essas joias são pedras naturais, mas as graças que se recebem na Igreja do Miracolo são tais, que brilham por assim dizer também a respeito dessas joias. Essas joias naturais tomam um luzimento que para nós enriquece o que de sobrenatural a imagem quer dizer.

Em termos mais precisos, a graça se serve também da pedra para comunicar algo a nós. Portanto, no presepe, ela poderia servir-se também deste vasinho para – por um processo análogo, difícil de imaginar – manifestar alguma coisa de si mesma a nós.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 10/2/1983)

 

1) Do francês: doçura de viver.

São João da Mata – Finalidade nobre e santa

São João da Mata foi suscitado especialmente pela Providência para a obra da redenção dos cativos católicos capturados pelos maometanos e resgatados mediante pagamento.

Esses prisioneiros, tratados como escravos, ficavam sujeitos a tentações medonhas, o que era agravado pelo fato de não terem padres para se confessar. Podemos imaginar o tormento de certas almas que, tendo pecado e podendo morrer de um momento para o outro, encontravam-se em risco de irem para o Inferno, por não contarem com a absolvição sacramental.

Para tirar essas almas deste tormento, São João da Mata e seus religiosos expunham-se ao perigo de, eles mesmos, tornarem-se escravos dos mouros.

Eis a finalidade nobre e santa, a forma de heroísmo desenvolvida por São João da Mata.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 8/2/1977)

Ansiedade jubilosa do maravilhoso

Atmosfera sobrenatural, piedade, colorido interior, são alguns dos fatores que tornam a Basílica de Santo Antônio em Pádua um lugar que convida à prática da virtude e ao desejo do Céu.

Santo Antônio era um polemista de primeira ordem. Doutor da Igreja, homem de grande inteligência, cultíssimo, falecido aos trinta e nove anos; portanto, muito prematuramente. Era tal polemista que arrasava os adversários, tendo passado para a História com o título de “Martelo dos hereges”.

Peregrinando em Pádua

A penúltima vez que fui a Pádua foi durante um período de peregrinações. Afluíam peregrinos de todas as partes da Europa e do mundo, em especial da Itália e de Portugal. A basílica enchia-se de gente falando, quase não se podia mover ali dentro.

Ademais, havia dentro da igreja mesinhas vendendo aos peregrinos medalhinhas e outros objetos de piedade, isso também muito legítimo, pois as pessoas voltam para casa levando lembranças religiosas para suas famílias, amigos. Longe de mim criticar isso. Mas há sempre gente indecisa que para diante do balcão e fica comparando medalhinha com medalhinha não sei por quanto tempo. Outros que querem comprar se empurram… E a cena repete-se na próxima mesa.

Entra aqui uma questão pessoal: tenho uma verdadeira ojeriza a lugares de oração superlotados. Alegra-me que estejam cheios, mas me comprazo de estar lá quando estão com pouca gente. Acho legítimo que as pessoas sintam isso de um modo diferente, pois depende do temperamento de cada um.

Entretanto, em minha última visita, não. Era um interstício entre temporadas de peregrinação e havia menos gente. Eram pessoas piedosas do lugar e das redondezas que iam lá como todo mundo vai às respectivas igrejas por toda parte. Era um bom número, rezavam e não tinham a preocupação do compra-compra, do vende-vende, sendo vários deles realmente fiéis. Percebia-se que eram pessoas boas, piedosas, que estavam lá para rezar. É Santo Antônio de Pádua e o ambiente criado pelas relíquias dele, as graças das quais ele é ocasião e veículo, que impregnam de algum modo a basílica e condicionam também essa piedade.

A presença dessa piedade cotidiana, boa, realçada pelas graças recebidas por meio de Santo Antônio, faz bem à alma.

Algo do “pulchrum” católico

Pádua pertenceu outrora ao distrito político da República Aristocrática de Veneza e, enquanto tal, era muito influenciada por Bizâncio e pelos Bálcãs. Veneza fica praticamente em frente aos Bálcãs, e a travessia do Mar Adriático, mesmo com os meios de navegação antigos, era muito fácil e relativamente rápida.

Os críticos de arte são unânimes em afirmar que a Basílica de São Marcos em Veneza tem uma nota bizantina muito marcada.

Assim também nota-se que, sendo Pádua politicamente dependente de Veneza na época em que a Basílica de Santo Antônio foi construída, esta dá um pouquinho a ideia de um edifício à maneira de igrejas orientais, e algumas de suas torres lembram minaretes turcos.

A Basílica de Santo Antônio em Pádua exprime bem algo do “pulchrum” da Igreja Católica. Não é uma grande peça de arquitetura, mas exprime o que eu quero fazer notar.

Jogo de cúpulas e minaretes

É impossível negar certa beleza à sucessão de cúpulas e torres, quer pelo colorido, quer pelo ar de fantasia que há dentro disso, por onde se tem a impressão de que essas abóbodas emergem de dentro da igreja como as bolhas de gás de um copo de água mineral: sobem e depois estouram. A aparente desordem em que tudo isto está colocado em cima é bonita, entretém e é agradável de olhar. Portanto, em profundidade, não é uma desordem, pois isso tudo atrai e contenta muito o espírito.

Nota-se, nessa construção, o contraste entre o estilo veneziano e o florentino. É uma outra concepção das coisas pela qual vê-se a riqueza espiritual e intelectual da Europa e, particularmente, da Itália daquele tempo: a uma distância pequena, dois mundos que se desenvolvem lado a lado, sem interferir um no outro, mas numa posição quase polêmica de aspectos diferentes da vida. O despojado está totalmente ausente do interior da Basílica de Pádua. Se nos dermos o trabalho de lembrar a Catedral de Florença, olhando essas pinturas e essa espécie de sinfonia de cores, triunfal, alegre — “Cristo ressuscitou, vamos nos alegrar!” — encontramos uma diferença radical. Porque aqui tudo é pintado, tudo é enfeitado, tudo fala. Enquanto em Florença é o tal estilo despojado.

As cúpulas e essas espécies de minaretes têm o borbulhar de certas formas de beleza como o têm certos movimentos do mar.

Olhando para o telhado, quase que se esquece do corpo do edifício. Temos a impressão de que o resto da construção existe como uma bandeja para carregar bem alto o jogo musical dessas cúpulas. Podemos imaginar um movimento musical crescendo em que as notas se vão sucedendo alegremente umas às outras; assim, temos a impressão que esses minaretes e essas cúpulas estão alegremente esperando a hora que se lhes corte a base para poderem subir para o céu. Uma ansiedade do maravilhoso, uma ansiedade jubilosa, alegre, apenas contida por uma corda que uma mão caridosa irá cortar.

Isso se encontra, por exemplo, em muitos monumentos da Igreja Ortodoxa que são da arquitetura grega. Pádua recebe a influência, através de Veneza, muito helenizante, pelas razões geográficas que já expliquei.

Também a Igreja de São Basílio, se não me engano, na Praça Vermelha, tem aquela série de torres, de torreões, aquilo que sobe, um jogo dessa natureza. No castelo francês de Chambord não encontramos cúpulas assim, mas um jogo de tetos, de chaminés, que também aproveitam este princípio do corre-corre rumo ao céu. É como um dos modos de beleza do mar e isso me agrada.

Atmosfera sobrenatural e preciosa relíquia de Santo Antônio

No corpo material da igreja há o Santíssimo Sacramento — antes de tudo e mais nada —, as relíquias, as imagens especialmente abençoadas que datam de várias épocas da História da Igreja Católica, desde mais ou menos o tempo de Santo Antônio até os nossos dias. Várias épocas foram fazendo as suas pinturas, acrescentando suas imagens; aquilo poderia um pouco parecer um compêndio da história da piedade católica, cada vez menos intensa à medida que nos aproximamos dos grandes dramas, dos grandes cataclismos e dos grandes vazios de hoje em dia. Há também os fiéis que recebem graças e deixam-nas transpirar de algum modo na sua maneira de ser, no modo de andar e de rezar, etc. Esses fatores concorrem, numa igreja como esta de Pádua, com uma especial intensidade para dar uma única impressão da graça e da piedade verdadeira, da presença da Igreja.

O post cerimônia ali deixava um não sei quê de sobrenatural flutuando pela igreja, que tornava este período da vida da Igreja, ao menos para mim, particularmente saboroso. E foi o que eu peguei na Basílica de Santo Antônio. E isso, naturalmente, me encantou. Eu saía com a alma cheia. Falando sobre isso minha alma ainda se enche. São as coisas de que eu gosto mais do que qualquer outra coisa na vida, porque elas são o antegozo do Céu.

Agora, por que a relíquia da língua de Santo Antônio?

Porque se ele era “martelo” era por causa da língua. Ele era um grande orador sacro e fulminava os hereges do tempo dele, e ele os rechaçou magnificamente. Então ele morto, os amigos da verdadeira Fé quiseram glorificar esta língua que tanto falou a favor da glória de Deus. Cortaram e ali está.

Pintura de Santo Antônio

Nessa pintura vê-se como a piedade daquele tempo imaginava o Santo Antônio da hagiografia, da história santa. Nota-se uma placidez extrema decorrente do rosto, mas também de uma coisa que é muito expressiva: a posição dos ombros como modo de indicar o estado de espírito da pessoa.

Ele é franciscano. A capa do hábito forma várias dobras, muito ordenadas, quase diríamos ondas em um suave avançar “rangé”, que exprimem que esse homem nunca faz um movimento exagerado, excessivo, em que o hábito se coloca fora do lugar. A ordem do hábito é uma espécie de sismógrafo da ordem da mente.

O rosto, quase imberbe, com uma boca pequena. O nariz adunco muito bonito, que tem qualquer coisa do bico de uma ave de rapina. No arcado das sobrancelhas, uma delicadeza, uma precisão e uma força que sobretudo o olhar exprime. É um olhar, sob certo ponto de vista, glacial. Não deixa transparecer emoção alguma. O que aparece é a análise — esse tipo de análise que só os pacíficos fazem. Nesse olhar vê-se toda a precisão de quem já passou por todos os desencantos; já viu tudo como é, conhece o pecado original e seus efeitos, satanás com suas pompas e suas obras. Tudo está analisado, catalogado, ele tem um discernimento extraordinário.

A ponta dos lábios é fina e muito ordenada. Ele tem a resposta que faz dele um martelo que está preparando o seu golpe. Há uma pureza, uma castidade e uma serenidade extraordinárias.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

PERFEIÇÃO INCOMPARÁVEL

Se possível fosse reunir numa única mãe as perfeições de todas as mães que houve e haverá até o fim do mundo, e constituir em seu espírito o mais requintado equilíbrio das virtudes maternas, fazendo dela um modelo de bondade e paciência, de força e solicitude extraordinárias — essa mãe ainda nada seria em comparação com a Mãe por excelência, Maria Santíssima, da qual nasceu Jesus.

Virgem e Mãe

Não há título maior que o de Mãe de Deus, nem foi dado a uma criatura ser elevada a uma honra superior à conferida pela maternidade divina.

Contudo, Nosso Senhor Jesus Cristo preza tanto a virgindade que desejou fosse sua Mãe, além de imaculada e adornada de todos os dons do Céu, igualmente virgem. Para isso, operou em favor d’Ela um estupendo milagre que excede à nossa imaginação: Maria permaneceu virgem antes, durante e depois do parto. Segundo a bela comparação que fazem os teólogos, assim como Nosso Senhor saiu do sepulcro sem esforço, assim deixou Ele o claustro materno, sem detrimento da inviolada virgindade de Maria Santíssima.

Santo Elói Ourives, ecônomo e apóstolo perfeito

Perpetuado numa canção popular francesa, a figura do “grande Santo Elói” resplandece em sua época, unindo o extraordinário talento artístico ao discernimento ímpar de diplomata e, sobretudo, à excelência de suas virtudes. Dr. Plinio nos evoca as principais facetas da vida deste modelo de apóstolo, artesão e político.

Santo Elói distinguiu-se no seu tempo pelas qualidades sui generis que o caracterizaram, tendo sido sua vida semeada de fatos interessantíssimos dos quais nos dá conhecimento uma biografia escrita pelo Pe. Rohrbacher. Desta, algumas passagens merecem ser aqui comentadas.

Hábil ourives e diretor das finanças do reino

Escreve o ilustre hagiógrafo:
“Santo Elói foi dotado de invulgar personalidade. Viveu de 588 a 659. Natural de Limoges [França], revelou desde criança grande aptidão para os trabalhos manuais. Encaminhado para a profissão de ourives, tornou-se um dos mais hábeis artistas de seu tempo. Famoso é o caso da confecção do trono do Rei Clotário, que o queria ímpar e incrustado de pedrarias. Com o ouro recebido para tal fim, Elói fez não um, mas dois tronos igualmente preciosos.”

A ideia de um santo confeccionar um trono para um monarca, contribuindo com sua arte para a pompa real, talvez contrarie não poucos espíritos modernos, adeptos de uma simplicidade equivocada. Mais ainda os chocariam a iniciativa de Santo Elói de fazer algo aparentemente inútil: dois tronos em vez de um só…

“O rei então o nomeou seu ourives e diretor da Moeda.”

ais cargos tendiam a ser conexos naquele tempo, porque as moedas eram de ouro e quem exercia a função de ourives do rei poderia igualmente ser escolhido para dirigir a economia.

Como se vê, não era fácil a existência de alguns personagens daquela época.

Grande político e diplomata

“Sucedendo a Clotário seu filho Dagoberto, Santo Elói tornou-se grande amigo do soberano, revelando-se então insigne conselheiro, hábil político e diplomata.”

Vemos assim a ascensão de Santo Elói: de ourives passou a diretor da Moeda e, em seguida, diplomata.

“Afirma-se que os enviados de príncipes estrangeiros avistavam-se primeiro com ele, antes de se dirigirem ao monarca. Sua influência junto a Dagoberto era suficientemente grande para que o santo pudesse repreendê-lo contra sua moral, bastante relapsa, e também quanto ao seu modo desmazelado de trajar-se.”

Esta circunstância da vida de Santo Elói deu origem à conhecida canção popular francesa “Le bon Roi Dagobert” (ver quadro). Percebe-se, entretanto, que o bom Rei Dagoberto não era tão louvável assim, merecendo algumas censuras. Mas, possuía esta qualidade: simpatizava-se com Santo Elói, apreciava-o e devotava-lhe grande amizade. Mais ainda. Quando o santo conselheiro lhe chamava a atenção, o rei acatava a reprimenda com submissão e alegria.

Muito interessante o fato de Santo Elói corrigir o Rei quanto ao desmazelo de seus trajes, querendo assim que ele se vestisse com distinção e bom-gosto. Essa atitude do homem de Deus pode chocar certos espíritos contemporâneos, notadamente aqueles que chamaríamos de “heresia branca”. Pois, segundo esta, um rei deve usar roupas comuns e baratas, e desejar desfazer-se das galas e preeminências que cercam seu cargo.

Artífice de relicários e fundador de mosteiros

Continua a biografia:
“O tempo que lhe sobrava de seu trabalho na corte, de suas orações e obras de caridade, empregava-o em honrar com sua arte as relíquias dos santos.”

Hoje em dia vemos muitas pessoas aplicarem seu tempo livre em ninharias. O passatempo de Santo Elói era fazer relicários!

Imaginemos uma sala de estilo românico, pressagiando o gótico, cujas porta e janela dão para um pátio. A tarde começa a se confundir com o anoitecer. Nosso Santo, terminado seus afazeres, senta-se junto a uma mesa de ourives no palácio real, acende as velas de alguns candelabros, e continua a trabalhar nos lavores e polimentos de um bonito relicário, ornado de pedras preciosas, no qual ele guardará os restos de um bem-aventurado de sua devoção. Nessa tarefa, emprega ele toda a sua piedade e todo o seu talento artístico! É uma cena maravilhosa.

E se pensarmos que, na linguagem atual, Santo Elói era o Ministro da Fazenda daquele rei, que diferença em relação a certos estadistas contemporâneos!

“Atribuem-se-lhe os relicários de São Germano de Paris, São Denis, São Severino, São Martinho, Santa Colomba e Santa Genoveva. Além desses trabalhos, Santo Elói fundou numerosos mosteiros.”

Cumpre assinalar o extraordinário vigor de Santo Elói e sua intensa atividade. Afinal, era diplomata, político, ecônomo, ourives, artífice de relicários e ainda encontrava tempo e meios de fundar mosteiros! Foi um desses homens dos quais emanam mil obras, todas repletas de pensamento e santidade.

Zelo, sabedoria e bondade

“Tendo sido ordenado sacerdote, foi sagrado Bispo, ocupando a Sé episcopal de Noyon. Como muitos outros prelados da época merovíngia, foi um grande organizador, um apóstolo repleto de zelo, sabedoria e bondade.”

As fecundas ações deste homem de Deus evocam as de São Martinho de Tours, comentadas por nós em oportunidade anterior. Quer dizer, nas épocas de estruturação e organização da Cristandade medieval, a Providência suscitou vários santos que empreenderam inúmeras obras admiráveis. Um deles foi Santo Elói.

“Sua atividade irradiou-se para Flandres, Holanda e, segundo afirmam, Suécia e Dinamarca.”

Isso significa uma alta e árdua missão, pois naquele tempo a Suécia e a Dinamarca eram ainda habitadas por povos bárbaros. E até lá propagou-se o zelo apostólico do grande Santo Elói.

Velado por uma santa

Após essa vida de intenso serviço a Deus e ao próximo, ele receberia afinal o prêmio por suas virtudes. E o Pe. Rohrbacher registra esse tocante fato:
“Era grande sua fama, a tal ponto que, sabendo-o agonizante, a Rainha Santa Batilde fez longa viagem para vê-lo antes de morrer. Mas chegou a Noyon no dia seguinte ao de seu falecimento.”

Portanto, a magnífica existência de Santo Elói se encerra e logo se verifica esta bela cena: a Rainha Batilde, santa ela mesma, tendo notícia de que o Bispo de Noyon se achava à beira da morte, desloca-se por estradas difíceis, correndo riscos, protegida por um grande séquito, rezando para encontrar Santo Elói ainda vivo. Naturalmente, desejava receber algum conselho dele. Porém, alcança Noyon quando aquele já entregara sua alma a Deus.

Podemos imaginar a chegada de Santa Batilde à cidade, o cortejo de autoridades e de pessoas do povo que vão recebê-la e lhe transmitem a notícia da morte de Santo Elói. A Rainha se dirige imediatamente para junto do esquife, venera os restos mortais e eleva suas preces — por ele e a ele. É uma santa ao lado do cadáver de outro santo!

Eis um maravilhoso epílogo para uma vida pontilhada de episódios também maravilhosos, numa época repleta de maravilhoso.

Plinio Corrêa de Oliveira

“Não vos abandonarei”

Eu mesma estarei convosco. Tenho sempre velado por vós e vos concederei muitas graças.

Momento virá em que pensarão estar tudo perdido. Tende confiança, Eu não vos abandonarei.

Conhecereis minha visita e a proteção de Deus.

(Palavras de Nossa Senhora a Santa Catarina Labouré)

Santo André, Apóstolo: imitador do Divino Mestre em sua Paixão na Cruz

Ao ler a narração da morte de Santo André, Apóstolo, Dr. Plinio incentiva, uma vez mais, seus filhos espirituais ao amor à Cruz.

A Igreja comemora no dia 30 de novembro a festa do Apóstolo Santo André. Extraídas do Pe. Rohrbacher, como também do Abbé Daras, são as seguintes notas biográficas que passaremos a comentar.

“Santo André, primeiro Apóstolo a reconhecer Cristo, ao qual levou seu irmão Pedro, futuro primeiro chefe da Igreja, teve sempre um grande amor à Cruz. Na hora de sua morte, ao ver o madeiro no qual iriam pregá-lo, saudou-o com alegria.”

A saudação de Santo André à Cruz, feita neste momento, não deve ser considerada como pura literatura, pois cada palavra contém uma gravidade e um significado. Depois de açoitado, e ensanguentado, diante de sua cruz, a qual era em forma de “X” — por isto conhecida como Cruz de Santo André — está postado o Apóstolo mártir. Diante dela ele profere as seguintes palavras:

Cruz belíssima, desejada e amada com doçura

“Ó Cruz belíssima, que foste glorificada pelo contato que tiveste com o Corpo de Cristo! Grande Cruz, docemente desejada, ardentemente amada, sempre procurada, e afinal preparada para meu coração apressado, desejoso de ti.”

Eis a beleza da exclamação de um homem para a hora do sofrimento que Deus preparou para ele, e para a aceitação do cálice que ele tem de beber, a fim de obter sua glória no Céu. Cálice este, que, quando não sorvido, não alcança o prêmio celeste. Chega afinal a hora de seu máximo sofrimento, de seu martírio. Ele conhece o sofrimento, pois refletiu incontáveis vezes sobre a Paixão de Nosso Senhor, que assume sua alma nessa circunstância.

A cruz, que era um objeto de desprezo, um instrumento de punição para criminosos, contudo é por ele intitulada como “cruz belíssima”.

Por que belíssima? Ela foi glorificada pelo contato que teve com o Corpo de Cristo. Então ele acrescenta que a desejara com doçura.

Neste gesto é possível notar os inúmeros anos de amor ao martírio, que lhe tinha sido previsto e profetizado, a espera do momento em que ele faria por Deus este ato de holocausto desinteressado. Por amor a Jesus, ele deixou-se matar, assemelhando-se ao vaso de Santa Maria Madalena, quebrado com unguento junto aos pés do Senhor, sem utilidade prática, num ato de amor  desinteressado, em holocausto que não tinha outra razão de ser, senão seu próprio sacrifício. De forma tal que mesmo não sendo útil às almas, ou edificante para muitos, e ainda que não fosse uma humilhação para os adversários da Igreja, para manifestar a Deus que ele levava seu amor até aquele ponto, desejou a Cruz docemente, como algo suave.

Que beleza é a alma de um mártir, e quão belos sãos os esplendores existentes na alma de um mártir!

O que dá sentido à vida não é o prazer, mas a Cruz

“Grande Cruz, docemente desejada, ardentemente amada,…”

De todos os modos os homens fogem do sofrimento. O sofrimento é exatamente o que não desejam. Qualquer forma de luta contra as paixões, qualquer forma de renúncia ao mal, causa-lhe horror. A ideia predominante é de que a vida foi dada ao homem para que ele possa obter proveitos e vantagens, e que é preciso gozá-la, e o que não é fruir a vida, é morrer.

Pelo contrário, Santo André amava ardentemente sua cruz, compreendendo que o verdadeiro sentido da vida de um homem não é o gozo ou o prazer que tem, mas o sacrifício que pratica. Isto dá sentido à vida de um homem e, portanto, todo homem verdadeiramente sobrenatural, verdadeiramente homem, almeja o encontro com sua grande Cruz, com seu grande martírio.

Este é o filho da Cruz, o amigo da Cruz, como fala São Luís Grignion de Montfort.

Amar a Cruz, da qual todos fogem

“… sempre procurada…”

Não são muitos os homens que no momento de prestar contas a Deus, podem dizer que sempre buscaram a Cruz, e que em todos os acontecimentos de sua vida procuraram o sacrifício. Pelo contrário, geralmente os homens fogem da Cruz, pois não desejam de forma alguma o sacrifício. Entretanto, Santo André pôde dar de si mesmo o testemunho: “sempre procurada”. Assim, no instante de ele aproximar-se de sua cruz, estava disposto ao sacrifício.

Continua:
“… e afinal preparada para meu coração apressado, desejoso de ti.”

Manifesta-se aqui que Deus afinal concedera a Cruz para o coração que tinha grande afã da crucifixão.

O martírio significa o último holocausto. Nosso Senhor afirmou: “Ninguém tem um maior amor do que aquele que dá a vida pelos seus amigos (Jo 15, 13).

Ninguém pode dar maior prova do amor de Deus, do que desejar desta forma a Cruz.

“Cruz preparada para o meu coração, desejoso de ti, recolhe-me, ó cruz! Realmente abraça-me, retira-me dos homens, leva-me depressa, diligentemente, ao Mestre. Por ti Ele me receberá, Ele que por ti me resgatou.”

Pode haver uma oração mais bela do que esta? Existirá uma alma mais pronta para a visão beatífica do que uma alma que no momento da morte fala de tal forma?

Pode haver cátedra semelhante à Cruz?

“Por três dias esteve pregado na cruz, e durante três dias, do alto da cruz, ensinou aos homens”.

O fato é tão impressionante que pertence àqueles aos quais não competem comentários… Ficar dias preso à cruz, pregando ao povo, e ao cabo desses dias morrer, é um milagre extraordinário.

Apresenta a cruz como a mais grandiosa e augusta de todas as cátedras, cátedra do homem que sofre e, em nome de seu sofrimento, fala ao povo e produz enorme impressão. É uma tão grande plenitude de apostolado, que verdadeiramente não se sabe o que dizer.

Imaginemos um homem que era idoso, atado à cruz, no desconforto tremendo daquela situação, com açoites marcando seu corpo, possivelmente com as mãos e os pés perfurados. Nessa dor tremenda é mantido em vida por um verdadeiro milagre. Continua pregando ao povo, e a um povo ardoroso, contrito, provavelmente genuflexo, que lhe “bebia” as palavras, uma por uma. É uma das mais belas cenas de pregação católica de todos os tempos e de todos os lugares.

Pode-se imaginar quais foram as palavras, os ensinamentos, as graças, enfim, o martírio de Santo André? Que cátedra! Quem durante a vida possuiu uma cátedra semelhante à Cruz?

“Senhor, Rei Eterno da glória, recebei-me assim pendido como estou ao madeiro, à Cruz tão doce. Vós sois meu Deus, Vós a quem vi. Não permitais que me desliguem da Cruz; fazei isto por mim, Senhor, que conheci a virtude da Vossa Santa Cruz.”

E com estas palavras expirou.

Prêmio no Céu e nesta terra

Uma morte tão pulcra, da qual poder-se-ia dizer que apenas a de Nosso Senhor superou em beleza, era merecedora das maiores honras por parte da Santa Igreja, como de fato constatou-se séculos depois.

“Santo André foi sempre objeto de grande devoção por parte dos católicos. Assim foi, com indescritível entusiasmo, que a cabeça do santo foi recebida em Roma por Pio II, a 11 de abril de 1462. O Papa dirigiu-se ao encontro da preciosa relíquia. O cardeal grego, Besarion apresentou-lhe a caixa que a continha, e que estava colocada sobre um estrado. Antes de receber o sagrado depósito, Pio II pronunciou tocante alocução. Depois, beijou, chorando, a cabeça do Apóstolo, rezou diante dela; em seguida tomou-a nas mãos, segurando-a bem no alto, fez a volta no estrado para mostrá-la a todos os assistentes. Neste ponto, cantos e gritos dessa imensa multidão elevaram-se de todas as partes como uma única e grande voz, implorando a misericórdia de Deus.

A cabeça do Apóstolo foi depositada em São Pedro.”

Vê-se a descrição da linda cerimônia com que o Papa Pio II recebeu a relíquia de Santo André. O crânio de Santo André estava no Império Bizantino, infelizmente cismático. E à medida que os turcos invadiam o Império, algumas das relíquias insignes foram sendo retiradas do Império e levadas por mãos fiéis para terras católicas, onde pudessem ser adequadamente veneradas. Assim ocorreu com o crânio sagrado de Santo André.

Esse crânio foi recebido pelo Papa com toda a veneração narrada. Ele mesmo toma o relicário onde estava o crânio, e dá a volta no estrado para mostrar ao povo que o crânio de Santo André estava em Roma. Depois, o crânio, com enorme veneração, é levado até à Basílica de São Pedro e é colocado num relicário embutido numa das colunas da Basílica Vaticana.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 30/11/1964 e 29/11/65)

Sabedoria, certeza e contemplação

A existência humana, entre outras coisas, é própria a ser objeto de uma análise que abarque todo o seu conjunto. Nesse sentido, há pessoas que passam pelo jogo da vida e nada compreendem. Outras, prestam demasiada atenção em si mesmas para se inteirar do restante da humanidade. Outras, ainda, embora sem se importarem tanto consigo, não atingem a síntese ideal que seria uma conjugação das melhores disposições com que se tomam os interesses individuais e os coletivos.

Deve haver, portanto, diante da vida, uma noção e um conhecimento que sejam a arquitetura de todas as impressões que o quotidiano humano nos oferece, o qual tem de ser, por isso mesmo, observado e contemplado com sabedoria. Sabedoria e arquitetura estas que nos fazem compreender os supremos valores da vida e, por esse caminho, nos conduzem a conhecer algo a mais da infinita perfeição do Criador que dispôs assim a ordem terrena.

A meu ver, magnífica expressão desse estado de espírito sábio e contemplativo são as esculturas dos profetas de Aleijadinho. Em todas aquelas fisionomias transparece essa visão do conjunto da existência humana, e aqueles olhos grandes, dir-se-ia abertos para um superior conhecimento da vida.

Figuras de varões que nos transmitem a sensação da profunda certeza que os anima, certeza da missão que lhes foi confiada, certeza que os toma por inteiro e que passa pelo temperamento de cada um como o talento de um músico passa através do instrumento que ele toca. Um profeta daqueles, pelo seu porte, seu jeito, sua atitude, é uma orquestra de expressão de uma grande convicção que ressoa como uma sinfonia.

Diante deles, sentimos o nosso próprio ser como que deliciosamente invadido pela sua presença, por essa certeza, essa sabedoria e contemplação que eles exprimem, não para sermos censurados, mas elevados. Nós nos sentimos descansados, animados, afagados e protegidos. Sentimo-nos mais nós mesmos, porque ele está ali, profeta que contempla e compreende a vida. 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências em 18/5/1963 e 17/4/1977)

Revista Dr Plinio 128 (Novembro de 2008)

A mais augusta das cátedras

Santo André amava ardentemente a sua cruz, compreendendo que não é o gozo e o prazer que dão sentido à vida de um homem, mas o sacrifício que ele realiza. Portanto, todo homem verdadeiramente sobrenatural deseja carregar sua própria cruz.

Nosso Senhor disse: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15, 13). Ninguém pode dar maior prova do amor de Deus, do que desejar, por esta forma, a cruz.

A cruz é a mais grandiosa e augusta de todas as cátedras. É a cátedra do homem que sofre e que, em nome e com os acentos de seu sofrimento, fala ao povo. Isso representa uma tal plenitude de apostolado, que verdadeiramente não se sabe o que dizer!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 30/11/1964 e 29/11/1965)

Revista Dr Plinio 188 (Novembro de 2013)