LOURDES e a sublimidade do milagre

Lourdes foi tema de várias conferências e artigos de Dr. Plinio. Com seu proverbial discernimento dos espíritos, neles incluía sempre abordagens psicológicas, a par das religiosas e históricas. Estão elas presentes ao longo de todo o comentário aqui reproduzido, mas especialmente no fim, quando ele põe em relevo um aspecto pouco focalizado da virtude de Santa Bernadete.

Milagres, sempre os houve durante os dezenove séculos de História da Igreja, manifestando ao mundo a infinita misericórdia divina. Entretanto, adquiriram eles uma extraordinária freqüência, tornando-se abundantes e até comuns, a partir do momento em que, na gruta de Massabielle, em Lourdes, cidade localizada na vertente francesa dos Pirineus, apareceu Nossa Senhora a Santa  Bernadete Soubirous, e disse: “Eu sou a Imaculada Conceição”.

Havia apenas 4 anos, o Papa Pio IX definira solenemente a verdade de Fé segundo a qual Maria Santíssima foi concebida sem pecado original desde o primeiro instante de seu ser. Conquanto fosse esse dogma duramente atacado pelos inimigos da Igreja, [o hoje Beato] Pio IX, com uma coragem de anjo, proclamou-o a todos os homens. E não tardou para que Nossa Senhora ratificasse a sentença pontifícia, revelando-se a uma humilde jovem de Lourdes como sendo a Virgem sem mancha.

Triunfo de Maria sobre a impiedade

Foi essa uma das mais extraordinárias manifestações da luta de Nossa Senhora contra o demônio. Com efeito, a aparição se deu no auge das perseguições e ridiculizações movidas pelo anticlericlaismo do século XIX contra a Igreja, com o intuito de enfraquecê-la. Eram incontáveis os católicos que, acovardados pelo respeito humano, fingiam não ter mais fé, e poucos professavam abertamente a religião. Os não-praticantes pediam provas de sua veracidade.

Nessas circunstâncias Nossa Senhora apareceu, e teve início a espantosa série dos milagres de Lourdes,  concedidos com a solicitude e magnanimidade maternais da melhor de todas as mães. Das rochas de Massabielle passou a jorrar um curso de água ainda inexistente. Os doentes, que pensam em tudo para aliviar as suas dores, puseram-se logo a se banhar nessas águas e — oh maravilha! — começaram a curar-se em número surpreendente.

Não querendo dar a mão à palmatória, os ímpios logo ergueram a voz, afirmando ser impossível tratar-se de doenças autênticas; em conseqüência, as curas também não o eram. Não podiam reconhecer os milagres, porque isto os esmagaria.

A fim de eliminar quaisquer dúvidas e fazer triunfar a insondável bondade de Maria Santíssima, a Igreja instituiu um consultório médico especial, com todos os recursos mais modernos que a ciência possuía, a fim de analisar e comprovar as enfermidades antes de os doentes se banharem. Estes, munidos do atestado, entravam nas águas e pouco depois saíam — várias vezes, nem sempre — cantando as glórias de Nossa Senhora, por terem obtido a cura. Os médicos faziam novo exame e, com freqüência, concluíam pelo milagre.

No decorrer dos meses e dos anos, as curas foram se multiplicando, e a piedade católica constituiu todo um dossiê sobre essa manifestação maravilhosa da compaixão de Deus para com os homens.

Como os maus não se cansam de sua maldade, um ímpio, escritor famoso da França daqueles tempos, foi a Lourdes com a intenção de colher dados e informações para um livro contra os prodígios anunciados. Viajou incógnito, passeou pela gruta, observou tudo o que desejou, e depois… fugiu! De volta a Paris, confessou aos seus íntimos: “Eu não fiquei; fugi, porque o milagre me esmagava!”

Sublimidade do milagre Os milagres de Lourdes continuaram e continuam. Até hoje, o sobrenatural ali demonstra sua existência claramente, de viseira erguida, e o amor da Mãe de Deus se expande sobre os homens de todas as nações, de todas as línguas e, em certo sentido, de todas as religiões. Porque há curas de não-católicos em Lourdes, a maioria dos quais se converte.

O trágico e magnífico espetáculo de Lourdes… Aqueles doentes que chegam, conduzidos pelos “brancardiers” (carregadores de macas), deixam-se examinar pelos médicos para depois se dirigirem aos banhos na gruta.

É todo o drama da dor humana diante da doença, fruto do pecado original, que ali se desenrola. Pessoas debilitadas pelo mal que as aflige, tendo passado pelos incômodos de uma viagem mais ou menos longa, conforme o lugar de onde saíram, vão pedir a Nossa Senhora o milagre tão almejado.

E multidões de pessoas sãs estão ao lado delas, assistindo àquele desfile de sofrimento, cantando e rezando  para que os doentes sarem, durante  a Missa, a bênção com o Santíssimo Sacramento e a tocante e maravilhosa procissão das velas…

Imagine-se o que representou para um doente partir da África do Sul ou da ilha do Ceilão, da Patagônia ou do Alasca, para estar algumas horas em Lourdes. Às vezes são pobres — que gastam nessa viagem os últimos recursos financeiros de que dispõem, com a esperança da cura — que vêm… ou que não vêm. Não raro, a cura ocorre no caminho de volta para casa. De repente, quando nada mais se espera, um grito jubiloso: “Estou curado!”

Todas essas circunstâncias, aspectos e acontecimentos se revestem de uma sublimidade peculiar, sobrenatural, sacral, diante da qual nossa língua emudece. É a sublimidade do milagre.

Testamento espiritual de Santa Bernadete

Não se pode falar de Lourdes sem lembrar a personagem ligada de modo indissociável a essa história de bênçãos e misericórdias. A modesta pastorinha a quem Nossa Senhora apareceu é o primeiro milagre de Lourdes: milagre da graça, milagre da santidade.

Por isso a Igreja a elevou às honras dos altares como Santa Bernadete Soubirous.

Antes de partir deste mundo para as glórias da bem-aventurança eterna, a vidente deixou seu testamento espiritual, uma comovedora prece de ação de graças em que ela, ao invés de se mostrar reconhecida pelos insignes favores de que foi objeto, louva Nossa Senhora e seu Divino Filho por tudo o que lhe representou sofrimento e carência nesta vida:

“Pelas zombarias recebidas, pelas injúrias e pelos ultrajes da parte dos que me mandaram prender como doida, pela cólera que tiveram contra mim, tomando-me como interesseira. Pela ortografia que eu jamais consegui aprender, pela memória que eu  jamais tive, pela minha ignorância, graças vos dou, Senhora. Graças, porque se houvesse sobre a terra uma menina mais ignorante e mais estúpida do que eu, Vós a teríeis escolhido para lhe aparecer.

“Graças, ó Jesus, por ter dessedentado com amarguras esse coração por demais frágil que me destes! Por Madre Josefina, que disse de mim: não serve para nada… Pelos sarcasmos da madre mestra de noviças, pela sua voz dura, pelas injustiças, pelas ironias, pelo pão da humilhação, muito obrigada.

Graças por ter sido a Bernadete ameaçada de prisão porque tinha visto a Virgem Maria, olhada pelas pessoas como um raro animal, aquela Bernadete tão mesquinha que, ao vê-la, diziam: É essa?
“Pela minha doença, pelas minhas carnes em putrefação, pelos meus ossos com cáries, pelos meus suores, pela minha febre, pelas minhas dores surdas e agudas, graças ó meu Deus! E por essa ânsia que Vós me destes para o deserto da aridez interior, pelos vossos silêncios, mais uma vez por tudo, por Vós ausente e presente, graças, ó Jesus!”

O holocausto do puro amor desinteressado

É uma oração verdadeiramente heroica, de um heroísmo que sobressai da seguinte situação: a Santa Bernadete foi concedida a graça incomparável de ser a vidente a quem Nossa Senhora apareceu, a ela foi indicado o local onde brotariam as águas que operariam as curas milagrosas. Portanto, a partir das revelações feitas a ela, Maria Santíssima inaugurou uma série de maravilhas e de benefícios incalculáveis para os corpos e para as almas dos homens da terra inteira.

Além disso, a devoção à Mãe de Deus conheceu um novo e precioso crescimento sob a invocação de Nossa Senhora de Lourdes.

Assim, ela, a pequena, a miserável, a mesquinha; ela, nula, plebeia, pobre; ela, a tonta e ignorante Bernadete, foi o arco pelo qual quis entrar esse raio de sol no mundo contemporâneo, e mais especialmente no mundo do século dela, tão orgulhoso, tão cheio de revolta e de incredulidade.

Para tudo isso, foi escolhida essa pessoa tão insignificante. Santa Bernadete poderia fazer um raciocínio diferente: “Meu Deus, Vós me destes esses ossos cariados, essa carne putrefata, me destes toda essa miséria e essas contrariedades. Em compensação, porém, me concedestes a grande vantagem de ser a Bernadete escolhida por Vós para iluminar o mundo inteiro. Então, eu aceito de boa vontade tudo o que me destes de triste, de ruim, como ação de graças por aquilo que me destes de bom. Amém.”

Seria um pensamento legítimo. Mas, ela era uma santa, e por isso, diante da conduta da Providência em face dela, levou sua atitude de alma até o limite da sublimidade. Mediu sua personalidade, seus recursos mentais, sua saúde física, e percebeu que não valia nada. Era apenas uma pessoa muito equilibrada, nascida numa família pobre, menosprezada por todos. E ela aceitou  heroicamente sua nulidade, para que inúmeras almas fossem salvas e a Igreja Católica reluzisse de maior glória.

Ela compreendeu bem que não teve apenas aparições, mas recebeu também uma cruz, mais preciosa do que as próprias visões de Nossa Senhora.

E ter aceito de modo perfeito a cruz, levando-a até o fim com amor, com entusiasmo pelo sofrimento, por tudo quanto a dor significa no plano sobrenatural — isto fez dela uma santa.

Vemos, então, uma pessoa que reconhece não ser nada, e que transforma esse nada numa hóstia para oferecer a Nosso Senhor, dizendo: “Meu Deus, enquanto todos perdem a alma para ser alguma coisa, enquanto aqueles que Vós sobrecarregastes de dons os dilapidam de modo miserável, eu, a quem Vós fizestes nada, agradeço-Vos esse nada. Peço-Vos que, para vossa glória, aceiteis
minha conformidade com esse nada.

Sei que sou o rebotalho do mundo, sei que sou o asco da terra, sei que ninguém quer saber de mim, mas sei que para Vós, ó meu Deus — três vezes santo, perfeito, eterno, imutável, onisciente, misericordioso — para Vós, dentro de meu nada eu sou muito. Sou tanto que por mim Vós vos teríeis encarnado, e Vós teríeis sofrido o tormento da Cruz. Vós, sim, me amais. E se Vós amais esse nada, aceitai esse nada. Ele vale pelo amor que Vós lhe tendes. Aceitai esse nada e aceitai-o por aqueles a quem Vós destes tanto. Aqueles que receberam de Vós os dons que eu não recebi,  utilizem-nos segundo vossos desígnios, eu vos ofereço, meu Deus, eu vos agradeço os dons que não recebi”. Isso é levar o desinteresse até o sublime.

É o holocausto completo, o puro amor a Deus, sem preocupação por si. É o modelo que a Providência nos propõe para que tenhamos uma vida espiritual norteada, mais do que pelo desejo do Céu, pela graça de amar e adorar desinteressadamente o Senhor do Céu e da Terra.

Um encontro com o “Beau Dieu d’Amiens”

Acredito que ao longo de sua existência neste mundo, tem o homem incontáveis oportunidades de perceber a presença mais adorável, perfeita e sublime que imaginar se possa — a de Nosso Senhor Jesus Cristo, manifestada pelas ações da graça em nossa alma, quando meditamos em sua infinita grandeza, ou quando nos sentimos tocados por essa ou aquela representação artística de seu sagrado semblante.

Nesse sentido, sempre me comprouve de modo particular uma imagem de Nosso Senhor que se encontra no lado externo da famosa e linda catedral francesa de Amiens. Essa escultura O retrata numa tão majestosa e bondosa beleza, que ela passou a ser chamada de “Le Beau Dieu d’Amiens”: o belo Deus da cidade de Amiens.

Imaginemos quais sentimentos povoariam nosso coração se, enquanto passeássemos por um campo, de repente víssemos andando em sentido contrário o “Beau Dieu d’Amiens”!

Poderíamos então contemplá-Lo na nobreza do seu porte, no ereto de seu corpo, na harmonia de seus traços, na delicadeza de sua atitude, no que Ele possui de régio — pois a imagem na catedral é a de um Rei em toda a sua magnitude — e de hierático. Trata-se de uma figura que, a bem dizer, participa da heráldica, de tal maneira transparece nela o caráter sacral, as mãos em atitude de quem abençoa e ensina, estreitando ao peito o livro do Santo Evangelho.

Admiraríamos a luminosa cor de sua túnica, de seu manto, a formosura de sua face, emoldurada pelos cabelos e a barba igualmente formosos.

Caminhamos mais alguns passos, e Ele está à nossa frente. Antes mesmo de nos darmos conta, caímos genuflexos, tanto nos envolveria a noção da superioridade, da perfeição e da bondade infinitas de Jesus! Essa ideia nos faz dobrar os joelhos e nos aconchegarmos a Ele, como se Lhe disséssemos: “Contra todas as tempestades sois Vós, Senhor, o meu amparo. Protegei-me!”

Podemos crer que Nosso Senhor abandonaria a atitude hierática que a imagem de Amiens nos apresenta, e sorriria para nós. Essa nobreza divina, posta em sorriso, em quantas delicadezas se desfaz? Em quanta amenidade transluz? Em quanta clemência? E Ele nos pergunta: “Filho, o que queres?”

Os olhos profundos de Jesus — os quais imaginamos castanhos claros — penetram nos nossos, e nós, pelo olhar d’Ele, percebemos que o Mestre nos conhece melhor do que nós mesmos, nos ama de um amor acima de qualquer predileção humana, e sabe de todas as nossas necessidades, para todas é Ele próprio o remédio.

Jesus nos indaga, pois, sobre o nosso desejo. E teríamos vontade de Lhe responder:
— Senhor, quero tanta coisa, que nem sei dizer! Porém, Vós sabeis tudo quanto anelo. Mais: sabeis de tudo quanto preciso. Pois em meio a tantas volições minhas, quantas vezes estão ausentes as coisas de que realmente necessito, e quantas se atêm a coisas que me são supérfluas! Mas, Vós, Sabedoria eterna e encarnada, conheceis tudo que verdadeiramente me importa. Senhor, tende pena de mim!”

Um desejo mais elevado nasce em nossa alma, o de estar sempre com Ele; que o “Beau Dieu” nunca nos abandone. E quando começamos a balbuciar uma súplica nesse sentido, um fenômeno curioso, maravilhoso se opera: Jesus desaparece aos nossos olhos, e temos a impressão viva de que Ele está em nós! Misteriosamente, Ele habita em nosso interior, como se morasse numa casa, e ali, dentro de nossa alma, reza ao Padre Eterno por nós, cumula-nos de graças, favores, dons que nem sabemos descrever.

Tomados por sentimentos indizíveis, a Ele nos dirigimos:
“Senhor, eu estava certo de que me daríeis algo superior a todos os meus desejos. Concedeste-me a presença eucarística. Dentro de mim, realizais maravilhas e produzis benefícios dos quais só terei completa noção no Céu, quando, pelas mãos misericordiosas de vossa Mãe Santíssima, para lá me levardes e eu vos contemplar face a face. Senhor, para Vós, a minha gratidão inteira!”
Eis como poderíamos conceber um encontro com o “Beau Dieu d’Amiens”, em algum recanto daqueles agradáveis campos franceses…

Mediação Universal e realeza de Nossa Senhora

Como se verifica a realeza de Nossa Senhora?

Nossa Senhora é Rainha por uma circunstância fácil de perceber. Uma vez que Ela pode tudo junto a Deus, e Ele pode tudo quanto quer porque é Onipotente, Maria é onipotente junto ao Onipotente. Logo, ela possui uma onipotência participada, e acaba sendo, a seu modo, verdadeiramente onipotente.

Ora, Maria Santíssima, sendo onipotente, é Rainha no sentido próprio da palavra, isto é, Deus tomou todo o seu poder e colocou-o nas mãos d’Ela.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 31/5/1991)

Revista Dr Plinio (Fevereiro de 2011)

Nossa Senhora de Lourdes – Suplicar a cura moral

Nossa Senhora de Lourdes cura tantas pessoas! O que é mais difícil: sanar o corpo ou a alma? Para a Rainha do Céu e da Terra, nem uma coisa nem outra. Tudo aquilo que Ela pedir, obtém. Se Nossa Senhora cura de tal maneira os corpos, vamos suplicar a Ela que cure também as nossas almas, e as transforme a ponto de chagas ocultas, defeitos ignorados às vezes por nós mesmos, apegos, desordens de todo tipo cessarem maravilhosamente pela ação d’Ela.

Por vezes, as enfermidades narradas no Evangelho são símbolos de doenças morais. Assim como Nosso Senhor curava cegos e paralíticos físicos, há uma cegueira e uma paralisia espiritual. E, segundo certos comentadores, as curas físicas operadas por Ele atestavam seu poder de realizar curas morais.

Talvez alguns dentre nós sejam “cegos”, outros “surdos”, “mudos” ou “paralíticos”. Quem sabe se há algum “leproso”… Outros serão “epilépticos” e terão convulsões. Tudo isso simbolizando estados de alma.

Peçamos a Nossa Senhora de Lourdes que opere as curas morais e nos dê a graça de caminharmos para a festa d’Ela com a alma verdadeiramente renovada.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 11/2/1967)

CINTILAÇÕES DAS EXCELÊNCIAS DIVINAS

A partir dos mais remotos flashes que tive desde minha infância, através dessas graças especiais que foram se explicitando e maturando ao longo da vida, a Providência me colocou diante desta ideia: Deus emitiu para o mundo um “lumen” [uma luz], que é Nosso Senhor Jesus Cristo; mas este “lumen” que nos aparece em seu auge na pessoa divina d’Ele, e numa perfeição indizível na pessoa criada de Nossa Senhora, também pode ser percebido nos demais aspectos da criação, essencialmente considerados à luz da Civilização Cristã.

Portanto, a atração que sempre senti — menino, jovem ou homem maduro — pelas mais diversas maravilhas da Cristandade, devia-se não só à beleza delas, mas, sobretudo, ao fato de que me remetiam para algo diáfano, superior, lindíssimo, que desde logo conquistava minha alma. Eram reflexos de uma perfeição absoluta que reluziam aos meus olhos e a tornavam mais próxima de mim. Lembro-me, por exemplo, dos primeiros flashes que tive a respeito da Idade Média quando, num corso de Carnaval, reparei numa moça portando um chapéu cônico característico daquela época, com um grande tule pendurado e que o vento fazia tremular de modo elegante e airoso.

Quando ela passou perto do local em que me encontrava e meu olhar recaiu sobre o chapéu, abandonei o jogo das serpentinas e exclamei: “Ahhh! O que é aquilo?” E me disseram: “Um chapéu da Idade Média”. Eu pensei comigo: “Idade Média! Preciso reter esse nome. É da Idade Média. Aqui existe algo para mim!”

A graça me tocara, fazendo-me sentir uma espécie de avidez de segurar aquele objeto tão bonito. E se eu pudesse, faria parar o automóvel dela e diria à moça: — Não se mexa! Eu quero ver como é o seu chapéu! Era como se uma nuvem de ouro passasse sobre mim a propósito de um fruto da cristandade medieval, e que representava um “tréssaillement” [sobressalto] das graças da Idade Média ainda presente nas almas. A ideia que ficou no meu espírito de menino foi: “Esta beleza religiosa é tudo, é a fórmula de tudo, é a solução de tudo!” Era um flash, eco e reminiscência do luminoso flash em função do qual, penso eu, vivia toda a Civilização Cristã nos seus mais esplendorosos dias.

E assim como aquele chapéu cônico me transportou de entusiasmo, do mesmo modo, quando considero qualquer obra nascida da alma medieval — por exemplo, uma catedral, um vitral, uma fila de santos nos seus pedestais, uma torre ou um castelo — tenho a impressão de que por detrás dela como que se manifesta e se faz sentir um Espírito altíssimo, diante do qual eu não sou senão uma poeirazinha perdida, de tal maneira Ele é alto e sublime.

Um Espírito que nos envolve com sua inextinguível bondade, desejoso de comunicar à criação todas as suas sublimidades e riquezas, de forma que, para com a menor criaturazinha existente, Ele tem um amor pelo qual a atrai, vivifica e inunda, como se só existisse para ela. Ele a penetra com uma ternura absoluta, quase lírica, perto da qual a ternura materna não é senão pálida imagem.

Um Espírito que pensa profundamente sobre si próprio e sobre o que faz, tendo a respeito de tudo idéias prodigiosas, que eu não alcanço a não ser de longe e pelas fímbrias. Mas, a fímbria que eu alcanço me deixa maravilhado com o que há naquele interior imenso. Ele é um mar meio fechado para mim, do qual degusto algo que me encanta e arrebata, de modo pleno, cheio.

Um Espírito ao mesmo tempo infinitamente justo e equitativo, e que na sua equidade e justiça é rígido, intransigente e terrível, contrário a tudo quanto seja negação, caos, pecado, desordem, sujeira, erro, que n’Ele não podem encontrar senão a recusa inflexível como uma espada. Ele é a fonte de todas as bênçãos e de todas as misericórdias, assim como o é de todas as necessárias punições.

E essa diferença de aspectos, entretanto harmoniosos e complementares, também nos devem encher de enlevo e adoração. São perfeições divinas, cujos reflexos aparecem nas magnificências engendradas pela Igreja Católica, e que os flashes fazem reluzir aos nossos olhos, dando-nos como que visões de Deus. Num vitral de um azul fabuloso, por exemplo, com todas as tonalidades de  delicadeza que no azul cabem, veremos a suavidade deste Ser. Num vitral vermelho no qual a luz do sol acende incandescências, discerniremos a fornalha de caridade com que Ele inflama seu  próprio Coração Divino.

E assim, a propósito das extraordinárias policromias dos vitrais, dos sons graves ou festivos dos bronzes tangidos nos altos dos campanários, da imponência religiosa das torres que se erguem aos céus, da força vigilante e destemida das muralhas e ameias, da riqueza dos altares recamados de ouro e de prata, da singeleza austera e contemplativa dos claustros — a propósito de todas as maravilhas da Civilização Cristã, enfim, nossas almas podem conhecer algo das rutilantes excelências de Deus.

E o que me encanta de modo todo particular é saber que esse Ser, o próprio Deus, está realmente presente em todos os tabernáculos da Terra, na hóstia consagrada, numa pequena rodela de trigo com água transubstanciada no corpo, sangue, alma e divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Aí, então, sinto-me completamente satisfeito. Não há mais nada a dizer…

(Revista Dr Plinio, Janeiro de 2003, p. 30)

Contraste maravilhoso

O que me toca especialmente na devoção a Nossa Senhora é uma espécie de antinomia harmoniosa e maravilhosa pelo fato de Ela ser tão santa e, entretanto, saber colocar-Se tanto ao nível de todos nós, pecadores. Pensar que Ela, sem perder nada de sua incomensurável superioridade, sabe descer tão ao nosso plano!

Quando rezo à Santíssima Virgem, cogito sobre Ela, trato com Ela, sinto-A enormemente ao meu alcance, ao meu nível. Mas, de outro lado, maior do que eu, nem sei de que jeito! Ela, tão pura, poder — por  assim dizer — “tocar” numa alma que tem manchas, sem Se contaminar em nada; e, tendo todo horror ao pecado, não ficar com horror de mim!

Há aí uma espécie de contraste belíssimo, maravilhoso, em que eu me sinto aceito e assumido por inteiro.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 25/6/1972)

Como filhos carregados no colo…

Mãe de todos os homens, Nossa Senhora deseja que cada um de nós seja, em relação a Ela, como o filho carregado no colo, que Lhe pede toda espécie de coisas e d’Ela recebe muito mais do que esperava, e até o que não sabia solicitar a essa tão dadivosa Mãe.

A condição de tal benevolência, porém, é rogar-Lhe com essa intimidade especial e certeza de sermos atendidos, como se fôssemos crianças. Tornamo-nos então objetos de uma multidão de auxílios da Santíssima Virgem, os quais, mais do que aos grandes, compraz-Lhe dar aos pequenos.

Por isso as almas mais majestosas, fortes e extraordinárias da Igreja, sempre que falaram de Nossa Senhora e a Ela se dirigiram, fizeram-no nesse diapasão. Isto é, tendo em mente ser Ela a Mãe que está disposta a tratar a cada um de nós com a bondade, a solicitude, o sorriso e a compreensão com que se trata um menino de colo…

(Revista Dr Plinio, Janeiro de 2000, última página)

A perfeita felicidade

Por vezes, a primeira etapa da vida de uma pessoa parece ser a mais feliz de sua existência. Será que a vida consiste na procura inútil de uma felicidade que ficou para trás? Ora, Deus não poderia permitir que assim fosse, e nos faz ser visitados por uma felicidade provinda da alegria do esforço vitorioso, prenúncio da eterna bem-aventurança, que baixa sobre nós como uma estrela saída das maternais mãos de Maria.

 

Há um período inicial da vida do homem, ao menos para a grande maioria dos homens, que vai pouco mais ou menos do momento em que ele começa a conhecer o mundo externo até as primeiras desilusões com os seus amigos, quando estas não se dão dentro de sua própria casa. Inesquecível felicidade da primeira etapa da vida Nessa primeira etapa a vida há uma sequência contínua de felicidades, e as pessoas têm uma alegria da qual não se esquecem até o fim de sua existência.

Quando chegam à extrema velhice, depois de terem passado pelas situações de alma as mais  diferentes e, portanto, tendo alcançado às vezes os maiores triunfos, como também escorregado até o mais baixo das derrotas mais aflitivas, elas gostam de se lembrar daquela felicidade primeira, como se tivesse sido algo que, uma vez perdido, não se recupera mais. E isso era, para elas, o verdadeiro sentido da felicidade.

]Por vezes, ainda na juventude, depois de o indivíduo percorrer os primeiros quatro ou cinco passos da vida,  olha para trás e percebe que naquele período ele realmente era feliz, mas não sabia que o era. Parecia-lhe tão natural tudo correr bem, ele acomodava-se facilmente ao muito ou ao pouco que sua família possuía; oh, felicidade!

O sujeito avança um pouco na vida e percebe, de repente, que está cercado de preocupações, decepções, tem interrogações confusas, obscuras em relação ao futuro, sente carências, perplexidades e, ao mesmo tempo, uma vontade louca de viver. Mas, no meio de tudo isso, aquela felicidade sem mancha e sem nuvens do passado ficou para trás.

Para gozar bem a vida na Terra, a pergunta verdadeira seria: Como voltar àquela felicidade? Por vezes, os maiores poetas, os homens que passaram por situações as mais emocionantes e  agradáveis, quando falam do tempo de sua primeira infância se comovem.

Considerem a tragédia do homem que, pouco depois de ter dado uns passos iniciais numa grande estrada em busca de algo, percebe ter ficado para trás o que ele procurava, mas ele não pode  voltar.

Napoleão não encontrou a felicidade na carreira gloriosa…

A Córsega é uma ilha que no século XVIII tinha sido incorporada à França. Havia lá a família Bonaparte a qual, perseguida por razões políticas, por ter participado de guerrilhas naquelas  montanhas íngremes, teve que se mudar para a França, em condição pobre. Lá, o mais velho da família, Napoleão, por condescendência do rei, foi recebido como cadete na escola de oficiais.

Ele, então, começou sua carreira que comportou tudo, teve uma ascensão contínua, passou por vitórias militares inebriantes, foi coroado imperador dos franceses, casou-se com uma  arquiduquesa da casa imperial mais ilustre do mundo, a de Habsburg, presidiu congressos de imperadores, reis, príncipes, duques; aos seus pés as plateias eram de cabeças coroadas. Contava-se  este caso: Em determinado palácio onde

Napoleão se encontrava, foi dado um toque característico da entrada de um hóspede ilustre. Então um soldado perguntou para o outro: – Mas quem está chegando? – Ah! não é senão um rei… Tantos eram os imperadores que iam lá, que não sendo um imperador, era zero. Podemos imaginar quantas impressões alegres Napoleão teve na vida, com as quais ele nunca contara. Basta pensar, simplesmente, na data de sua coroação. Como aquilo havia de torná-lo radiante!

…nem na glória reconquistada, após terríveis reveses

Também as desgraças mais fulminantes o acometeram. Em 1814 ele caiu. Os russos, austríacos e prussianos invadiram a França, e ele foi deposto. Tão odiado a ponto de ter que caminhar para o Sul da França e ali tomar um pequeno navio que o conduziria a seu exílio, uma ilha pequena no Mediterrâneo, onde ele tinha o título ridículo de “Rei da Ilha de Elba”. E ele, para quem era  bondade receber um rei, começou a anunciar que Sua Majestade, o Rei da Ilha de Elba, Napoleão Bonaparte receberia todas as pessoas de passagem pela ilha que quisessem conhecê-lo. E se transformou, assim, numa espécie de atração turística, para ter gente com quem conversar.

Em certo momento, as situações políticas lhe são favoráveis, há mil circunstâncias, e ele volta para a França. Em pouco tempo está em Paris, o Rei da Casa de Bourbon foge, e Napoleão retorna ao  palácio, carregado por todos os seus fiéis, e ele é de novo o imperador dos franceses. Imaginem a ebriedade de dormir na cama que ele tinha deixado, servido novamente pelos cortesões
no palácio que ele perdera.

Pois bem, ao cabo de cem dias, exatamente, ele sofre uma derrota em Waterloo e tem que fugir, desta vez para o Norte, onde ele toma um navio inglês, e escreve ao Rei da Inglaterra uma carta na qual ele diz: “Eu vim me refugiar junto ao mais generoso e maior dos meus adversários. Espero de vossa parte uma magnânima acolhida.”

Ao que o monarca inglês responde: “Pois não, você está preso!” Ele vai para Santa Helena, uma ilha vulcânica no meio do Oceano Atlântico, num abandono, uma coisa tremenda! Abandonado  pelos maiores amigos, ele sobe numa embarcação e se dirige ao exílio acompanhado de uma cortezinha de gente que ficara fiel a ele, que o segue para se pendurar nas abas do paletó do homem ilustre.

Trinta dias de viagem, durante a qual ele passa longas horas silencioso, vendo o mar passar . Às vezes, desce para a sala de jantar onde, nas horas das refeições, tem longas conversas com pessoas de terceira ordem, que tomam nota do que ele diz para, quando ele morrer, publicarem suas confidências para ganhar dinheiro .

Desembarcam em Santa Helena e, daí a pouco, dá uma espécie de câncer no estômago dele . No fim de sua vida, ele estava tão fraco que não tinha força para levantar as pálpebras, e assim morreu.

Em determinada altura de sua vida, ainda no auge de seu triunfo, perguntaram para ele:

Qual foi o dia mais feliz de sua vida?

A resposta dele é famosa:

O dia de minha Primeira Comunhão .

Portanto, era a felicidade que ficara para trás.

Um prelúdio da felicidade futura

Mas, então, se é para caminhar cada vez mais se distanciando daquilo que nós procuramos com ebriedade, o que é a vida?

Uma vez que não posso evitar os dissabores, inquietações, desilusões, e encontro a fórmula da felicidade nas saudades dos primeiros passos de minha existência, devo compreender o seguinte: nesta vida, a felicidade é relativa.

Entretanto, Deus não seria Deus se fizesse dessa primeira felicidade originária apenas um sarcasmo: “Vive, Eu te dou uma lambiscada na taça inefável da felicidade e te solto no mar das dores. Anda”.

Não, Deus não faz isso. Ele dá ao homem uma promessa magnífica:

“Aquela felicidade que tiveste no início, meu filho, foi uma amostra da bem-aventurança  eterna  que terás no fim. Não é real que vais te afundando de infelicidade em infelicidade. Pelo contrário, a verdade é que, no fim do caminho, encontrarás a felicidade. Terás que passar pelos umbrais da morte, mas para além desta encontra-se a felicidade radiosa da qual Jesus Cristo goza no Céu. Tudo quanto foi felicidade em tua infância está para a que terás no futuro como a luz de um vaga-lume está para a de dez mil sóis reunidos. Não se pode ter ideia do que seja essa felicidade que te espera. Terás de caminhar e sofrer . Sofre com retidão e receberás esse prêmio. Caminha, afunda-te na dor, na dificuldade, com resignação e coragem, transpõe esse mar de tormentas e cai na sepultura; do outro lado será a aurora eterna! Não olha para teu passado como para a felicidade perdida. Olha para ele como a promessa da felicidade a ser adquirida.”

Gemendo sob o peso da cruz

Ao que alguém poderia responder: “Senhor, como tudo isso é grandioso, como é magnífico! Permiti-me dizer: como é misericordioso, como é terrível! Uma tão longa caminhada durante a qual não encontro um oásis, uma gota de água cristalina, uma sombra, um pouco de grama verde, um coqueiro, e tenho que caminhar, caminhar, caminhar, partir do Mar Vermelho para chegar ao outro lado do oceano . . . Senhor, sei que é um oceano de delícias, pois Vós o afirmais. E dizeis mais: a delícia para mim sereis Vós, e eu creio, meu Deus. Mas, Senhor, tende pena de mim! Quero muito chegar lá, mas não tenho forças para atravessar esse deserto. Tanto mais que não se trata apenas de transpô-lo. Muito mais do que isso, é mister atravessá–lo direito. É a lei da minha cruz, ó meu Deus: carregar a vossa.

“Carregar a cruz de não pecar, de ser virtuoso, de cumprir os vossos santos e magníficos Mandamentos . Mas estes são como a felicidade: encantam-me, começo a cumpri-los e eles me pesam. E o peso é tão grande que às vezes, por minha culpa, caio e tenho a desgraça de Vos ofender. Em minha jovem idade, quando vejo Dr Plinio com setenta e sete anos, imagino quanto tempo vou ter que andar nesse deserto!”

Um outro dirá a esse coitado:

Então peça a Deus para morrer .

Também não, – responderia o jovem – tenho medo de morrer Meu Deus, tenho medo da vida, tenho medo da morte! Oh, tempo dourado, que ficou para trás, quando eu não pensava nisso! Dr . Plinio, o senhor não percebe que eu não tinha vontade de olhar de frente o que o senhor está me mostrando? E o senhor abre, à machadinha, minha cabeça e me conta o que eu tinha medo de ouvir! Agora o fato está consumado, vi que é isso mesmo, e o senhor não leva em conta o quanto eu procurava envolver-me em nuvens para não olhar de frente. O senhor sopra em cima da minha nuvem e estou eu diante desse quadro. Oh! Dr . Plinio, por que o senhor fez isso?

O reencontro da felicidade primeira

Deus é Pai cheio de misericórdia e nos dá um meio de sentirmos, de vez em quando, ao longo do caminho, a felicidade que deixamos. Ela nos visita multiplicada por si mesma, como uma estrela que baixasse do céu para nos iluminar a via, e com a qual pudéssemos brincar.

É uma coisa que depende de  nós. De tal maneira depende tanto de nós que se diria depender só de nós e não d’Ele. Mas depende tanto d’Ele que se diria depender só d’Ele e não nós.

Quando o homem, nesta vida, tem a consciência reta, cumpre os Mandamentos pela graça que recebe do Céu e sabe estar caminhando para o Céu no meio de mil dores, há momentos em que a estrela cai do céu e visita-o. É o momento em que a pessoa se sente pura, tem alegria de consciência por estar levando a vida que devia, e correspondendo às felicidades enunciadas por Nosso Senhor no Sermão das Bem-aventuranças. E, por um lado de sua alma, aquela felicidade inicial continua até a pessoa chegar aos bordos iluminados de toda felicidade, e então morre tranquila.

Não há quem, sendo católico praticante, pela graça de Deus e rogos de Maria, não tenha sentido a alegria de confessar-se e sair deste sacramento com a impressão de que sua alma ficou limpa, a absolvição pousou sobre ele e o reconciliou com Deus, e ele deixou o confessionário satisfeito, com o corpo e a alma mais leves. Às vezes dura pouco, embora a pessoa mantenha-se por muito tempo em estado de graça. Mas que sensação, que felicidade! Não é verdade que reencontramos aquela felicidade primeira?

Um grau a mais da felicidade: a do heroísmo!

Daí a pouco  chega a tentação e começa a luta. Com a luta, tem-se a impressão de que a felicidade se afastou. E, realmente, muitas vezes a luta é terrível . Mas quando a luta passa, compreendemos que até durante a luta éramos felizes, porque tínhamos consciência de estar vencendo, sendo fiéis a Nossa Senhora, a Nosso Senhor e calcando o demônio aos pés.

Às felicidades da infância se junta uma nova que a infância não conhece: a felicidade da vitória, de  ter  feito o esforço e ter conseguido. A primeira infância não conhece isso. Tudo lhe cai na mão, sem esforço . A pessoa tinha a ilusão de ser aquilo felicidade  precisamente porque não exigia esforço. Mas quando conhece a alegria do esforço vitorioso, compreende: “Eu subi um grau na felicidade. Tornei-me herói, venci pela primeira vez e respirei o ar puro dos píncaros. Ah, quero mais píncaros, porque quero vencer!”

Vencer antes e acima de tudo o pecado. É essencialmente o inimigo que devemos derrotar. Que tranquilidade e gáudio quando um homem pode dizer: “Atravessei tal provação, porém cumpri meu dever. Tentado por toda forma de impureza, de cólera, de abatimento, de covardia, por tudo, resisti e venci!”

Alguém poderia objetar: “Pobre miserável, você não venceu nada. Você não fez carreira. O que você venceu?”

A resposta é simples, e agora falo do meu caso concreto. Eu venci o meu pior inimigo: Plinio Corrêa de Oliveira. Porque cada um de nós tem dentro de si o seu pior inimigo, de quem se trata de desconfiar, pegá-lo pelo pescoço e derrotá-lo. E se Nossa Senhora me conceder a graça de vencer até o fim esse inimigo, afinal de contas, olhando para meu passado eu diria: Foi um caminho de dor; é uma esteira de luz!

Então, o que vem a ser a felicidade nesta perspectiva? É a lembrança fiel, de um gosto do Céu que eu, batizado, filho da Igreja, membro do Corpo Místico de Cristo, tive na origem de minha vida. E, no fundo, é essa a felicidade que eu procurei a vida inteira e me foi dada às gotas, de vez em quando, enquanto eu ia caminhando. Eram os oásis. No fim, vem o Céu .

Todo homem que sinceramente possa dizer isso de si mesmo e para quem foi mesmo assim, dele se poderá escrever na sua sepultura: “Aqui jaz anônimo. Foi feliz porque foi para o Céu”.

O mundo nos oferece conchas cheias de aflição

Considerem um ricaço que reformou sua casa dez vezes ao longo da vida e comparem com uma pessoa que possui uma casinha média e passou a vida inteira contente naquela casa. Quem é mais feliz: o que reformou a casa uma porção de vezes ou quem soube encontrar deleite numa casa que não precisou de reformas?

O mundo apresenta padrões de felicidade que são conchas cheias de aflição . Para ver, são lindas . Experimenta-se, é aquela amargura. Que desilusão, que coisa tremenda! Uma vida sem sentido, sem significado, que leva as pessoas a se perguntarem para o que estão vivendo e, por vezes, a praticarem o suicídio.

Nossa civilização tão rica, à qual se insiste em apresentar como sendo o mundo da felicidade, é a que conheceu em alto grau uma das manifestações mais impressionantes de infelicidade, algo privativo de nossa época: o suicídio de crianças.

Alegria que desce do Céu sobre aquele que cumpre o dever

Qual é, então, o mundo da felicidade?

Pensem nos cruzados partindo para a Terra Santa. Sobre uma relva bonita os corcéis começam a desfilar, como tudo é bonito! Mas, sobretudo, é bonito notar uma certa alegria daqueles cruzados que vão para onde? Para o perigo. Eles sabem que, com as embarcações frágeis daquele tempo, podem ir parar no fundo do Mediterrâneo, e o mar se torna para eles uma sepultura .

Quando o atravessam, do lado de lá encontram o calor tórrido do deserto, com o qual não estão habituados, uma natureza seca, árida, onde o perigo maometano os aguarda. Com isso, quantas e quantas vezes a morte sem médico, sem cirurgia, tremenda, no campo de batalha; horas de sede abrasadora, porque o sangue está escorrendo e o cruzado tem vontade de beber uma gota de água, mas não tem quem a dê, porque está sem socorro. Metido naquela armadura que ele vestiu por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, sobre a qual bate o Sol, desde a manhã até a tardinha, e ele está metido num forno .

Sabendo de tudo isso, como podem estar tão alegres na hora de partir? Há, entretanto, algo da felicidade da infância. É a alegria descida do Céu sobre o homem que está cumprindo o seu dever. Uma alegria de Anjo que não o abandona, nem sequer quando ele

estiver, como num forno, dentro de sua própria couraça, exangue, morto de sede, mas lembrando-se de que Nosso Senhor, antes de expiar disse: “Tenho sede!” E na consideração de estar sofrendo o que Cristo sofreu, o cruzado tem o ósculo da graça na sua alma e morre em paz. Ah, isso é felicidade!

A perfeita alegria

Conta-se que estando São Francisco de Assis em viagem, em pleno inverno, junto com outro frade de sua Ordem, este lhe perguntou, atormentado pelo intenso frio.

Pai, peço-te, da parte de Deus, que me digas: onde está a perfeita alegria?

Ao que o Santo respondeu:

Quando chegarmos ao Convento, inteiramente molhados pela chuva e transidos de frio, cheios de lama e aflitos de fome, e batermos à porta, e o porteiro chegar irritado e disser: “Quem são vocês?” E nós dissermos: “Somos dois dos vossos irmãos”, e ele replicar: “Estão mentindo; são dois vagabundos . Fora daqui!” E nos deixar sob a neve e a chuva, com frio e fome até à noite; se então suportarmos tal injúria e crueldade sem nos perturbarmos nem murmurarmos contra ele, nisso está a perfeita alegria.

E acrescentava São Francisco:

– E se ainda, constrangidos pela fome e pelo frio, voltarmos a bater à porta durante a noite e pedirmos, pelo amor de Deus e com muitas lágrimas, que nos abra e nos deixe entrar, e ele mais escandalizado disser: “Vagabundos importunos, pagar-lhes-ei como merecem”. E sair com um bastão, nos agarrar pelo capuz, nos atirar ao chão, nos arrastar pela neve e nos bater; e suportarmos todas essas coisas pacientemente, pensando nos sofrimentos de Cristo; ó irmão Leão, nisso está a perfeita alegria!

A meu ver São Francisco fez uma grande descoberta. Quer dizer, na hora em que renunciamos a tudo por Nossa Senhora e vamos para a frente, em certo momento baixa sobre nós a perfeita felicidade.

Como uma estrela vinda das maternais mãos de Nossa Senhora

Se do alto píncaro franciscano é lícito descer para a vida corrente de nossos dias, conto um pequeno episódio para concluir estas reflexões.

Eu tinha mais ou menos vinte anos quando passei por uma série de provações espirituais tremendas, como eu nunca pensei que sofreria em minha vida.

Passados seis meses de tormento, certa manhã, na São Paulinho de então, com o movimento ainda pequeno, os primeiros bondes, os primeiros automóveis começavam a circular, eu estava esperando um bonde que me levaria à Avenida Paulista, numa esquina de onde eu podia ver a imagem de Nossa Senhora no alto da cúpula da Igreja da Imaculada Conceição .

De repente, começo a notar uma coisa assim: “Que luz particularmente bonita hoje! Como isso aqui está cheio de passarinhos que cantam! Essa aurora quer dizer alguma coisa. Está mais bonita até do  que

o costume, não pensei que auroras fossem bonitas assim. Que bem-estar sinto em mim, não posso compreender o que é isso. Tenho até a impressão de que o meu infortúnio está passando. Estou começando a sentir uma alegria como nunca senti na minha vida, ela me enche a alma, mas não sei explicá-la”.

Isso durou algumas horas, mas logo após o infortúnio se reapresentou com garra de ferro .

Dali a alguns dias, em meio à batalha, abro um livro de leitura espiritual e começo a ler. Aquilo me inundou de felicidade novamente, mas muito mais definida do que aquela que experimentara dias antes.

A partir de certo momento iniciou-se para mim um período de uns seis meses durante os quais sentia uma felicidade indizível e contínua. Eu vivia, então, no meio da alegria, da satisfação, e me sentia, por assim dizer, no Céu. Assim, depois de ter dito a mim mesmo: “Não pensei ser possível tanto sofrimento”, passei a pensar o seguinte: “Não pensei que se pudesse ser tão feliz nesta Terra”.

Atravessemos, pois, todos os infortúnios, e vamos para a frente, e encontraremos a verdadeira felicidade dos primeiros passos da vida reapresentando-se, de vez em quando, como uma estrela que Nossa Senhora deixa cair de suas maternais mãos para as nossas, para nos dar um certo gáudio que Ela, melhor do que ninguém, gradua para cada um, pois sendo nossa Mãe, sabe o que nos é necessário. A cada felicidade dessas nós devemos oscular e dizer, como a Santíssima Virgem: “Magnificat anima mea Dominum” e pensar:  “Ó Céu, eu caminho em direção a ti!”

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 26/7/1986)

A Virgem do Bom Sucesso

Nosso Senhor Jesus Cristo foi gerado pelo Espírito Santo em Maria Santíssima, virgem antes, durante e depois do parto. Quando a gestação tem como resultado o bom nascimento do filho, chama-se “bom sucesso”. Assim, Nossa Senhora do Bom Sucesso é o título conferido a Ela enquanto tendo dado à luz, maravilhosamente e do modo mais feliz possível, o Filho Divino que o Espírito Santo gerou em suas entranhas virginais.

A Lei mosaica ordenava que todo primogênito fosse apresentado no Templo e oferecido a Deus. Embora não precisasse cumprir esse preceito, pois seu Filho era o próprio Deus, Nossa Senhora nos deu um lindo exemplo de amor e de obediência à Lei, levando o Menino Jesus ao Templo onde o Profeta Simeão O aclamou como “luz para iluminar as nações” e “sinal de contradição” (Lc 2, 32 e 34).

O Bom Sucesso da Santíssima Virgem foi assim consagrado pela Apresentação do Menino Jesus no Templo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 2/2/1983 e 1/2/1984)

Nossa Senhora da Luz

Nossa Senhora da Luz, invocação lindíssima porque é Nossa Senhora enquanto suscitando toda espécie de luzes interiores — tão frequentes em nossas almas — que não podemos considerar nem fantasia, nem imaginação. São luzes que de fato nos iluminam por dentro e nos levam à prática da virtude.

Que Nossa Senhora da Luz, nossa Auxiliadora nos momentos de trevas interiores, faça raiar em nossas almas esta luz de uma confiança invencível na realização de nossa vocação, de nossa missão, que é a vitória da Causa Católica por meio dos auxílios que Ela nos dá em todas as circunstâncias.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/5/1971)