REFLEXO DO INESGOTÁVEL ESPÍRITO DA IGREJA

Nascido e cultivado na Cristandade européia, o estilo gótico, em vários dos seus traços, representa de modo muito característico o espírito medieval que o inspirou.

O gótico é forte e, porque forte, tende ao perene. Suas construções têm um visível desejo de durar sempre, de se tornarem algo que nunca mais será substituído. E nisto o gótico bem se mostra um filho da Idade Média, a qual, diferentemente do homem moderno, não era escrava do tempo. Aquela foi uma época em que os edifícios — as catedrais, por exemplo — podiam levar cem, duzentos ou mais anos para serem completados. E as gerações que participavam da edificação de uma catedral, mesmo sabendo que dificilmente a veriam pronta, morriam em paz.

Eram gerações de Fé, imbuídas da noção de que, quando chegassem ao Céu, teriam diante de si uma visão incomparavelmente mais bela do que a catedral: a recompensa da paz com que elas adormeciam em Deus. Nas cercanias do templo, às vezes ainda em construção, os corpos eram inumados com as mãos postas, à espera do juízo e da infinita misericórdia de Nosso Senhor.

Gerações de Fé, numa época de Fé. Além de forte, o estilo gótico tem uma seriedade que confere ao interior de seus edifícios um certo recolhimento, uma compostura própria de quem é profundamente sério. A luz que neles penetra não é comum, mas tamisada pelo colorido feérico dos vitrais, fazendo-nos pensar num dia ideal, num sonho que está do lado de fora.

A esses vitrais deve o gótico a sua capacidade de apaziguar os espíritos, de transmitir serenidade e temperança. Imagine-se uma pessoa muito aflita, tomada por graves angústias e preocupações. Ela passa defronte a uma catedral gótica, resolve entrar e se senta próximo de um vitral. Repara na figura de um santo nele representado, ou numa imagem de Nossa Senhora da qual aquela luz filtrada serve de resplendor.

Começa a rezar. De início, pensa apenas nos seus problemas. Roga à Santíssima Virgem, aos Anjos e Santos que sejam seus intercessores junto ao nosso clementíssimo Salvador, para que a ajude nas dificuldades, obtenha-lhe o perdão de um pecado, a correção de um defeito, etc. Ao cabo de algum tempo de orações, a pessoa passa instintivamente a prestar atenção no vitral. Este, entretanto, antes mesmo dessa observação clara e explícita, já lhe vinha apaziguando a alma, pois nesses vitrais há grande harmonia, vida, riqueza de cores e matizes, abundância de arte nos seus menores aspectos.

Basta a alguém estar perto deles para se sentir tranquilizado. Quando começa uma análise explícita do vitral, a pessoa já está preparada para prestar atenção em algo que não é o seu mero interesse individual. Acalmada, ela volta a rezar, contemplando a imagem de Nossa Senhora, as figuras e as cenas desenhadas no vitral. E assim vai, numa alternância entre a prece, o pedido, a necessidade, e o deixar-se influenciar por uma arte inspirada pela Igreja, que dulcifica a alma e a enche de paz.

* * *

Forte, sério e temperante, o gótico é‚ ao mesmo tempo, delicado. Considerem-se, por exemplo, as formidáveis colunas de uma catedral.

Os medievais lograram atenuar nelas as características que poderiam transmitir a impressão de força quase bruta, dando-lhes o aspecto de um feixe de coluninhas, que parecem amarradas umas às outras para suportarem as grandes abóbadas. E assim, sustentando com toda a firmeza o que lhes vai por cima, esses pesadíssimos pilares góticos dão a ideia de serem leves e elegantes.

Elegância e leveza, entretanto, não dissociada da força. Daí, a extrema beleza das ogivas. De fato, a coluna gótica de grande estilo, ainda que talhada para dar aquela impressão de que acima falamos,
conserva algo de coluna de combate. E do combate medieval, que, quando justo, sempre visava à paz e a uma concórdia equilibrada. Disposição esta muito bem simbolizada pela ogiva: são dois arcos que podemos imaginar opostos, e que se resolvem numa posição de equilíbrio, ou seja, numa reconciliação.

Não é raro existirem florões e adornos no ponto de encontro das duas partes, quase como a festejar a paz.

Presente está também no gótico uma profunda noção do dever. Tal noção se exprime, por exemplo, através das colunatas das abadias e catedrais, que dão ao homem a ideia de um caminho alto, estreito, mas conducente a uma grande solução.

É o caminho do Céu. Uma estrada não larga, não folgada, não espaçosa nem agradável, mas apertada e difícil, sempre a dois passos de precipícios, problemas, tentações e perigos. Representa algo grandioso, metódico, do qual não se pode afastar nem um passo, porque se perderia de vista a meta e se transviaria.

Essa é a imagem da nossa própria existência enquanto vivida à luz dos Mandamentos.

E é precisamente o que nos sugere a colunata gótica: a ideia de um caminho apertado, estreito, sério, reto e, sobretudo, elevado. Quer dizer, se nos sentirmos opressos por estarmos cercados de colunas, nossos olhos e nossa alma encontram os grandes espaços olhando para o alto. O que, em outros termos, significa: “Quando a vida estiver apertada, olhemos para o Céu”. Assim era a alma católica medieval, que deu origem ao gótico.

Na colunata como na ogiva, essa mesma alma, depois de ter explicitado seu desejo e sua afirmação de força, começou a sorrir e a manifestar sua própria doçura, como quem continua a descrever em pedra os diversos aspectos de sua personalidade. Dessa maneira, sem atraiçoar a coluna, que será sempre o objeto do maior entusiasmo, surgem os florões, as figuras esculturais e toda espécie de adornos graciosos do gótico.

E assim, à maneira de alguém que vai retirando de sua arca as mais variadas peças de um opulento tesouro, o medieval foi lentamente manifestando as riquezas de seu espírito através dos requintes da arte gótica.

Esta parece, pois, descrever uma alma profunda e verdadeiramente católica. Sim, porque o gótico é, no fundo, um magnífico reflexo do imenso, inesgotável e fabuloso espírito da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 16 (Julho de 1999)

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