Na Roma atual, um espetacular monumento faz recordar a antiga cidade: o histórico, terrível e grandioso Coliseu. Por que razão multidões acorrem para junto dele?
Reportemo-nos à Roma antiga e dirijamo-nos ao imponente Coliseu.
Com pórticos em forma de arcos, com assentos pouco cômodos, tal monumento possui em seu interior uma arena onde vai realizar-se um horrível espetáculo.
É noite, alguns cristãos permanecem em seus cárceres, a pouca distância de onde estão as feras que vão devorá-los no dia seguinte. Tais animais são mantidos com uma horrível fome, para que, à vista dos mártires, se lancem para saciar seu bestial apetite. Os cristãos, que morrerão no dia seguinte, passam a noite alternando fervorosas orações e ouvindo o uivar das feras. Este será o último som que ouvirão na vida: o uivar das feras lançando-se sobre eles, misturado com os aplausos frenéticos dos pagãos que assistem ao terrível espetáculo.
Após entrarem na arena, os mártires ouvem o ranger das grades que prendem as feras, e vêem-nas avançarem sobre eles…
Neste momento alguns tinham pânico, e pediam a Deus que lhes desse força para não apostatarem. Outros, ao contrário, tinham uma calma magnífica.
Assim são os heróis reais e verdadeiros, pois esse é o auge do heroísmo. O heroísmo não consiste em não ter medo, mas sim em, mesmo tremendo de medo, entregar-se com ânimo.
No subconsciente dos espectadores pairava uma profunda interrogação: “Por que não sacrificar ao ídolos e ver-se livre de tais tormentos? O que existe nesta religião para enfrentarem a morte deste modo?” Um romano sentado na arquibancada não compreendia como os cristãos pudessem fazer aquilo.
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Voltemos aos dias de hoje. Este mesmo Coliseu, durante a noite, é genialmente iluminado e permite entrever belezas diversas das que possui à luz do dia com todas as claridades do glorioso sol de Roma.
Parece pairar sobre este ambiente uma atmosfera de gravidade. Alguns muros ruídos do Coliseu são notados discretamente. Num outro ângulo, colunas de uma ruína erguem-se no céu escuro. Uma fendida, a outra inteira, ambas são um protesto mudo e vencido, porém perseverante, contra os ultrajes dos séculos.
Uma impressão de persistência em sobreviver, de conservação milenar de um espírito e de uma tradição, em meio a um ambiente inteiramente transformado, se desprende muito mais pungente das muralhas que permaneceram altaneiras através dos séculos.
A luz dos projetores, os lampadários de iluminação, o asfalto úmido e marcado, tudo afirma o século XX. Entretanto, a massa harmoniosa, imponente, séria, ao mesmo tempo leve e monumental do Coliseu, faz sentir em meio ao ambiente moderno toda a nobreza, a dignidade, a pujança de um Império em toda a sua elevação, robustez e lógica de espírito, que tinha por ideal o Direito.
Entretanto, tudo se desfez, e vivo do Coliseu resta apenas o sangue ainda quente dos mártires!
Sendo apenas ruína, o Coliseu exerce nos pontos mais extremos da Terra, enorme atração, convidando turistas de regiões longínquas a conhecê-lo. É que um grande ideal de beleza refulge ainda nestas pedras mortas…
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“Tout passe, tout casse, tout lasse et tout se remplace”(1). Em parte, o Coliseu dos mártires ruiu. Um dia, poderão ruir os monumentos do mundo moderno. E que impressão deixarão seus destroços, se restos ficarem? Se a iluminação noturna do Coliseu permite vislumbrar toda a grandeza que possui, as imagens dos edifícios modernos demonstram todas as suas lacunas. Muitos monumentos modernos são uma peça de máquina, banal, rude, na qual se apinham alguns milhares de indivíduos. É a expressão de um mundo que tomou por ideal, não o Direito como Roma, nem a Filosofia como a Grécia, e muito menos a Teologia como a Europa medieval, mas a máquina, ou seja, a matéria. Almas materialistas, homens mecanizados, isto é o que se presencia em numerosas edificações atuais, como alguns estádios esportivos e tantas outras congêneres.
Algum dia os povos verão suas ruínas? Talvez… para compreender melhor como desabou esta civilização, para menear a cabeça e prosseguir o caminho, pensando na justiça de Deus.
De perene, no mundo, existe somente a Igreja!
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 26/3/77 e 17/7/94; e do “Catolicismo” de junho de 1954)
Revista Dr Plinio 140 – Novembro de 2009 (Luzes da Civilização Cristã)
1) Expressão francesa que se traduz: Tudo passa, tudo quebra, tudo cansa e tudo se substitui.