Majestade e sofrimento

Com a alma pervadida de enlevo, veneração e ternura, Dr. Plinio imagina como seria o convívio diário na Sagrada Família, abordando desde os assuntos mais comezinhos até os mais sublimes. E compõe uma oração própria de uma pessoa que não foi maculada pela Revolução.

Encontramos diversas estampas pitorescas, várias delas muito respeitáveis, decorosas, apropriadas e dignas, representando a santa casa onde residiu a Sagrada Família.

Simplicidade sublime

Em geral essas ilustrações se empenham em representar a casa de Nazaré com uma pureza diáfana, uma luz que não era apenas a de um dia lindamente luminoso, mas uma luminosidade persistentemente matinal, ao lado de uma grande simplicidade e uma limpeza absoluta.

O que dizer da limpeza dessa casa?

É difícil imaginar, porque talvez nem sequer os Anjos tinham o privilégio de limpá-la. Era Nossa Senhora, a Rainha dos Anjos, São José, o castíssimo esposo d’Ela, e às vezes, quando estavam cansados, o próprio Menino que, diante de todos os coros angélicos extasiados, limpava a casa para que seus pais descansassem.

Num canto, um jarro simples do qual se levanta uma açucena, muito ereta, como a virgindade, como a pureza, perpendicular, da qual brota o cálice de uma flor maravilhosa; é a única coisa que fala de arte, de gosto; o resto é muito simples.

Mas olhando para qualquer madeira tosca, para o ponto em que um pé de cadeira encosta no chão, o ponto em que uma prateleira suporta três ou quatro pequenos objetos indispensáveis para viver, fica-se extasiado, sem saber o que dizer diante dessas sublimes bagatelas, tão comuns na vida de qualquer um, mas que por estarem postas naquela luz tomam um caráter maravilhoso! 

E para muito adequadamente realçar a humildade de personagens tão puros, apresentam dentro deste décor, a Sagrada Família: São José que, sentado, está torneando algum móvel; Nossa Senhora fazendo uma costurinha; o Menino em pé, tão pequeno ainda que se apoia, não na mesa, mas em uma cadeira vazia, sobre a qual brinca com dois ou três objetos, como se aquilo fosse uma mesa.

Atentos aos gestos, à voz, ao olhar do Menino Jesus

Um silêncio no qual ninguém diz nada, mas todos se entendem superlativamente. Ao mesmo tempo, juntando a vidinha de todos os dias de uma pobre família operária e o encanto de considerações metafísicas, sobrenaturais, de Nossa Senhora e de São José que viviam inundados pela presença do Menino, com tudo quanto essa presença significava e era.

O Menino, nascido da Virgem-Mãe, da raça de Davi e, portanto, da mesma estirpe de São José — que possuía sobre Ele um autêntico direito de pai, por ser a criança o fruto das entranhas de sua esposa —, mas que era o Filho gerado pelo Espírito Santo no seio virginal de Maria.

O que dizer disso? Não há palavras que bastem!

A Santíssima Trindade, por assim dizer, “Se movia” ao menor movimento do Menino, brincando com algumas pedrinhas ou mexendo com uma coisa qualquer, enquanto sua infância ia se desenvolvendo segundo a ordenação posta por Deus na natureza humana, mesmo sendo esta tão elevada e tão distante do pecado original, como era a do Menino-Deus, Filho de Maria Virgem, concebida sem pecado original desde o primeiro instante de seu ser.

Poderíamos, assim, imaginar as cenas mais comuns na vida de uma criança, como procurar algum objeto, hesitando sobre se estaria aqui ou lá, e não encontrando onde procurou, para depois buscar no lugar certo porque Nossa Senhora ou São José tinha mudado de lugar o objeto, ou o vento soprou e tocou para longe o paninho que Ele tinha separado…

Que repercussão episódios tão simples teriam nas relações das três Pessoas da Santíssima Trindade?

Por outro lado, São José e Maria Santíssima também cuidando dos afazeres domésticos, mas, tanto quanto possível, procurando não perder um gesto, um movimento, atentos à mínima emissão de voz d’Ele como a uma música inefável. O menor olhar d’Ele era um tesouro sem conta, o menor movimento tinha uma majestade e uma graça inexprimíveis! E eles sabiam que era o Homem-Deus que estava ali, hesitava, Se movia, falava… Podemos imaginar o enlevo sem fim que os inundava!

Como seria o convívio diário na Sagrada Família?

Deveria acontecer também que, pelas contingências da vida concreta, pela necessidade de prestar atenção nos afazeres, às vezes eles desviavam a atenção do Menino. De repente, tinham uma surpresa com alguma atitude e comentavam-na entre si, cochichando baixinho.

Em outras ocasiões, um dos dois esposos tinha estado fora e, quando voltava, recebia encantado o “jornal falado”.

Outras vezes era o próprio Menino Jesus que tinha saído para brincar com outra criança no jardim, enquanto São José e Nossa Senhora ficavam dentro de casa, confabulando: “O que estará fazendo Ele?”, sabendo não se tratar apenas da satisfação de um desejo infantil de ter um companheiro, mas considerando como tudo quanto Ele fazia tinha um significado muito profundo.

Como seria o relacionamento entre os três, na casa de Nazaré? Teriam entre Si um contato, uma interlocução tal que a todo o momento fizessem referência à natureza divina de Jesus? E o Menino, à virgindade fecunda de sua Mãe e à virgindade milagrosa, florindo num casamento casto, de São José? Ou esses eram temas que eles sabiam, veneravam, mas sobre os quais falavam pouco, deixando-os implícitos e conversando sobre eles apenas nas grandes ocasiões, quando baixavam do Céu luzes extraordinárias e, contemplando o Menino, o santo casal tinha êxtases místicos?
Com exceção desses momentos, talvez o resto do tempo transcorresse em uma vida comum, com os assuntos cotidianos:

— José, meu esposo, fostes vós que abristes aquela porta? Quereis porventura sair levando um banco que acabastes de fazer, ou quereis ainda ficar aqui?

— Senhora, eu ainda preciso ficar aqui, exceto se vossa vontade for outra…

Algum tempo depois, diria São José:

— Senhora, Vós vos distraístes — ele bem sabia que Ela tinha estado conversando com os Anjos! — e o almoço já vai longe no nosso pequeno fogareiro; vede um pouco como está… Enfim, poder-se-ia imaginar tudo.

Refulgindo como no Tabor

Eu seria propenso a achar que, na maravilha desse convívio interno, as coisas mais diferentes se davam simultaneamente. Entretanto, tudo se juntava em uma fórmula maravilhosa que não sabemos qual é, mas podemos intuir.

Seria uma fórmula que comportaria momentos de uma seriedade extraordinária, de uma gravidade maravilhosa, em que a Santíssima Trindade se manifestasse ao santo casal? Ou que o Menino — que quando adulto reluziu no Tabor entre Moisés e Elias, de um modo tão esplendoroso — de repente aparecesse a eles com um brilho cada vez mais intenso, num momento inopinado em que Ele viesse pedir licença para brincar um pouco no jardim. E ambos passassem um tempo sem conseguirem responder ao Menino que, entretanto, esperava reluzente a resposta; e eles completamente transportados para outra esfera, pois estavam diante de Deus!

Poderia ser que, depois de terem visto esse esplendor, não comentassem. E Maria dissesse a José:

— Está ficando tarde, não é? Vou recolher a roupa que está lá fora.

E ele diria:

— Senhora, preciso acabar este objeto que me encomendaram para hoje à tarde.

Enquanto Ela ia pegar a roupa e ele trabalhava no objeto, este tomava rapidamente a forma que ele queria. Nossa Senhora, entrava, via o objeto pronto e dizia:

— Senhor, já está pronto o objeto? — suspeitando ter sido concluído pelos Anjos.

E ele, discreto, responderia:

— Senhora, às vezes as coisas correm depressa…

Há um matiz nesse convívio da Sagrada Família que eu não vejo reproduzido na iconografia, e compreendo, porque não é fácil reproduzir. Isso tudo estava impregnado de uma respeitabilidade, de uma majestade, de uma seriedade augusta, de uma determinação forte, para dizer tudo em uma palavra só, de uma seriedade e de uma dor desconcertantes.

Prefiguras da Agonia no Horto, do levar a Cruz ou da coroação como Rei

Em certos momentos, o santo casal deveria ver que o Menino brincava e Lhes aparecia, de repente, chagado dos pés à cabeça, esmagado de dor, e brincando com dois pauzinhos que Ele carregava às costas. E era o precônio da Cruz.

Eles ficavam com o coração partido, e viam o Menino andar de um lado para outro, determinadamente, fazendo um gesto ao Padre Eterno. E era um primeiro, um segundo, um quinto lance prefigurativos da Agonia no Horto. Que dor, que nobreza, que grandeza, que majestade!

Outros dias Ele aparecia como Rei, em comparação com o qual os Césares não eram senão moleques.

Poderíamos, assim, imaginar formas de venerabilidade as mais augustas.

Acredito que os que quisessem habitar na dor seriam pouco numerosos. Mais raros ainda seriam os que não se cansassem da majestade.

Escudo e espada para defender o Menino-Deus

Contudo, quem, considerando a grandeza dessas cenas, não tivesse nenhuma nódoa de Revolução na alma, diante dessa majestade se ajoelharia e diria:

“Ó Majestade divina, dentro desse mar imundo de vulgaridade que é hoje a Terra dominada pela Revolução, quanto Vos procurei sem saber que era a Vós que eu procurava! Quanto Vos desejei, quanto me comprouve em pegar os menores fiapos de majestade que encontrei pelo meu caminho e me deter diante deles conscientemente, pensando em Vós que eu não conhecia!

“Mas afinal, ó Majestade, eu Vos encontro! Majestade, eu Vos compreendo! Vós tendes todo o império dos Anjos, sois tudo quanto há de grande!

“Quando apareceis a mim, ó Majestade, penso no estrondo das cataratas mais caudalosas que, entretanto, são minúsculas torneiras abertas diante de Vós. O oceano parece um dedal de água em vossa presença, e todas as grandezas da Terra não são nada em comparação convosco.

“Ó Majestade, quanto eu Vos procurei, ó pátria de minha alma! Afinal Vos encontro!

“Quando eu fitava a Igreja e renovava enlevado o meu ato de Fé, não sabia que um dos nomes dela era “Majestade”. Agora compreendo. A Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana, receptáculo da Majestade, vaso de honorificência!

“Se eu visse Maria, que majestade! Se eu visse José, o modesto carpinteiro, que majestade! Se eu visse o Menino, minha alma procuraria rimas para celebrar-vos, ó Majestade!

“Meus braços ansiariam por um escudo e por uma espada para Vos defender! Meu corpo inteiro se retesaria diante da possibilidade de Vos proclamar diante dos homens, ó Majestade!

“E precisamente porque Vos compreendo, ó Majestade, compreendo também que na vossa imensidade cabem todas as outras coisas: não há amor paterno nem materno, nem carinho fraterno, nem amizade, nem socorro, nem proteção, nem nada do que o coração humano possa produzir de mais suave e de mais terno, que não more em Vós, ó Majestade! Vós sois todas as grandezas, todas as magnificências, até mesmo das coisas pequenas.

“Vós sois o meu repouso quando estou cansado; a tranquilidade e a harmonia do meu sono; a alegria do meu despertar.”

Morar no santuário da majestade

Quem compreende que no santuário incomensurável da majestade há um altar, bem no centro, colocado para o sofrimento? Portanto, também para esta forma de dor de espírito, que é a ascese, por onde o homem abandona o que é frívolo, superficial, fútil, e se volta para o que é profundo, sério, para o esforço da mente na procura da verdade, para o esforço do corpo inteiro na procura do bem e do belo; holocausto mil vezes feito de todos os modos pela alma à procura da verdade, do bem, e da beleza.

Sem essa dor, para nós, concebidos no pecado original, não teria sentido o santuário infinito da majestade. Essa é a verdade.

Há a dor, há a cruz. A Cruz sacrossanta de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Quem ama a dor? Quem ama a cruz? É tal a ligação entre a cruz e a majestade que, a partir de certo momento da História cristã, nenhuma coroa houve que não fosse encimada pela cruz. O píncaro da majestade, a cruz pequena sobre a coroa, como se a cruz estivesse numa altura tal que mesmo sobre a coroa ela fosse difícil de ver. Tal é a majestade da cruz!

Quem amará esses pensamentos? Quem se habituará a conviver com eles? Quem quererá morar no santuário da majestade, ajoelhado aos pés da cruz?

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/11/1982)

A Sagrada Família

Imaginando aspectos da Santa Casa de Nazaré, Dr. Plinio comenta as sublimes realidades do dia-a-dia da Sagrada Família, bem como o enlevo e a admiração do Santo Casal por seu Filho-Deus.

É comum encontrar estampas com pitorescas representações da casa onde viveu a Sagrada Família. Muitas são respeitáveis e bastante apropriadas. Em geral, combinam uma pureza diáfana com uma luz que não era apenas a de um dia belamente luminoso — luz persistentemente matinal de um horário que já não é matinal. Em síntese, apresentam uma simplicidade absoluta junto a uma limpeza absoluta.

Isto é o que nos apresentam tais figuras, mas fica-se sem saber o que dizer a respeito do que acontecia na Casa de Nazaré. Imaginemos, então.

Imaginando aspectos da casa e do dia-a-dia

O que comentar, por exemplo, da limpeza desta casa?

Era Maria Santíssima que, diante dos coros angélicos extasiados, fazia a limpeza da Santa Casa. Às vezes era São José, seu castíssimo esposo, quem a fazia. Noutra ocasião, quando estavam cansados, era o Menino quem limpava a casa para que os pais a encontrassem em bom estado… É difícil crer, mas nem sequer os Anjos tinham o privilégio de limpá-la.

Num canto da casa, há um simples jarro, do qual se levanta uma açucena, reta como a virgindade. É a única coisa que fala de arte; o resto é tão simples…

Entretanto, olhando para qualquer madeira tosca, para o pé de uma cadeira, por exemplo, ou para uma prateleira que suporta três ou quatro pequenos objetos indispensáveis para viver, fica-se extasiado! Não se sabe o que dizer diante dessas “sublimes bagatelas”, tão comuns na vida de qualquer um, mas, que por estarem postas naquela casa, assumem um caráter todo especial.

Sublimes realidades

Imaginemos São José sentado, torneando alguma coisa, enquanto Nossa Senhora faz alguma costurinha, e o Menino que, tão pequeno ainda, brinca com duas ou três pedrinhas, em pé, apoiado numa cadeira vazia.

Não há palavras que bastem para nos explicar o que, na realidade, está se passando: este Menino — verdadeiro menino, nascido da linhagem de David — foi gerado pelo Espírito Santo nas entranhas de Nossa Senhora, a flor do gênero humano!

Enquanto o Menino Jesus brinca com suas pedrinhas, e n’Ele a natureza humana se desenvolve segundo a ordenação posta por Deus, que repercussão estará havendo nas relações das Três Pessoas da Santíssima Trindade? Entretanto, tudo tão simples, tão elementar.

Enlevo e admiração pelo Filho-Deus

Pode-se imaginar o enlevo sem fim que o casal tinha por cada olhar ou movimento do Menino. Enquanto trabalhavam em alguma coisinha, Maria e José ficavam atentos ao mínimo gesto de Jesus e procuravam não perder sequer uma emissão de voz d’Ele.

Quem não ficaria atento? Afinal, eles sabiam que era o Homem-Deus que estava assim Se movendo.

Isto representava para eles um tesouro sem conta.

O dia-a-dia da Sagrada Família

Como seria o relacionamento no seio da Sagrada Família?

Conversariam sobre a virgindade fecunda de Nossa Senhora? Teriam uma interlocução por onde, constantemente, faziam referência à natureza divina? Ou somente falavam sobre estes assuntos nas grandes ocasiões, quando, por exemplo, baixavam do Céu luzes extraordinárias, ou quando contemplando o Menino tinham êxtases místicos?

Eu sou propenso a acreditar que, na maravilha desse convívio interno, as situações mais diferentes se sucediam simultaneamente, e isto constituía uma forma de convivência celeste.

A vida comum de uma pobre família operária, e o encanto das considerações metafísicas e sobrenaturais de Nossa Senhora e de São José, que viviam inundados pela presença do Menino, uniam-se no dia-a-dia da Casa de Nazaré.

Numa ocasião comum, Nossa Senhora perguntaria:

— José, meu esposo, fostes vós que abristes aquela porta? Ireis porventura sair, levando o banco que acabastes de fazer?
— Senhora, responderia São José, preciso ainda ficar aqui por algum tempo, exceto se vossa vontade for outra.

Acrescentaria ele:

— Senhora, Vós Vos distraístes — ele bem sabia que Maria tinha estado conversando com os Anjos — e o almoço vai longe em nosso pequeno fogareiro; vede um pouco… Quem sabe ao certo como se davam estas coisas? Pode-se imaginar tudo.

Previsão do sofrimento e da glória

Noutra ocasião, o Menino — que quando adulto, no Tabor, reluziria entre Moisés e Elias de um modo tão esplendoroso —, no momento inopinado em que vinha pedir licença aos pais para brincar um pouco no jardim, apareceria diante deles com um brilho deslumbrante. Eles passavam alguns instantes sem poder responder ao Menino — o qual esperava reluzente a resposta —, completamente transportados para outra esfera: estavam diante de Deus.

Em certos momentos, Eles viam que o Menino Lhes aparecia brincando com dois pauzinhos que Ele carregava às costas: era o precônio da cruz.

Ficavam, então, com o coração partido, olhando o Menino Jesus andar determinadamente de um lado para outro na casa, fazendo um gesto ao Padre Eterno. Era um ato figurativo da Agonia no Horto.

Tudo estava impregnado por uma respeitabilidade, uma majestade, de uma seriedade augusta, de uma determinação forte, para dizer tudo em uma só palavra, de uma seriedade e de uma dor desconcertantes!

Que dor, que nobreza, que grandeza, que majestade!

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/11/82)

Mãe do Redentor

Tendo a Virgem Maria dado sua carne e sangue para formar a humanidade santíssima do Filho de Deus, que n’Ela estava pronto para nascer, a união entre ambos atingiu um ápice insondável na noite de Natal, e Ela estava preparada para ser, em todos os sentidos da palavra, a Mãe do Redentor.

Que alma Nossa Senhora precisava ter para ser a Mãe santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo! Sua alma chegou à perfeição para o papel de Mãe de Deus no momento em que, na noite de Natal, num êxtase enorme, Ela foi elevada a uma intimidade superlativa com a Santíssima Trindade e deu à luz, virginalmente, o Verbo Encarnado.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/12/1968)

Santos Inocentes

A Santa Igreja comemora, hoje, o martírio dos Santos Inocentes.

No segundo capítulo do Evangelho de São Mateus encontramos a narração das circunstâncias da fuga da Sagrada Família Fuga para o Egito. Foi um êxodo por causa da perseguição ordenada por Herodes, o Grande, que tinha como objetivo matar o Menino Jesus.

Transcrevemos um pensamento de Dr. Plinio a este respeito:

Santo Estêvão quis ser mártir e foi. São João quis ser mártir e não foi. Os bem-aventurados Inocentes — as crianças mortas por Herodes, em sua tentativa de, junto com elas, matar também o Messias que há poucos dias nascera — não quiseram ser mártires e foram. Porque elas não tinham vontade e entendimento, mas foram mártires sem querer.

A respeito, D. Guéranger escreve o seguinte:

“Mas quem duvidará da coroa obtida por estas crianças? Perguntareis: onde estão os méritos para esta coroa? A bondade de Cristo seria vencida pela crueldade de Herodes? Este rei ímpio pode mandar matar crianças inocentes, e Cristo não poderia coroar aqueles que morreram por sua causa?”

Assim sendo, temos uma legião de inocentes que estão no Céu e que rezam continuamente por nós. Compreendemos melhor de que maneira o mundo realiza o plano salvador de Deus. Quando se pensa profundamente no enorme número de crianças que morreram batizadas — sem culpa nenhuma, que vão, portanto, diretamente para o Céu —, compreende-se que são também santos inocentes.

Se tivéssemos um santo canonizado em nossas famílias, nós seríamos muito devotos dele. Ora, certamente, na família de todos existem como que santos canonizados. Isto porque nas famílias de todos, ou de quase todos — se não entre os irmãos, pelo menos entre primos ou parentes mais afastados —, existem crianças que morreram batizadas. Logo, estão no Céu, onde elas têm toda a lucidez de uma alma que está convivendo com Deus face-a-face. Podemos então rezar, recomendando-nos às orações delas, que são padroeiras naturais da família.

(Plinio Corrêa de Oliveira – extrato da conferência de 28/12/1965)

 

A eternidade numa mudança de ano…

Ao transpor os portais de um novo ano, sente-se, como que, o roçar da eternidade. De fato, é mais um período de nossas vidas que fica para trás, a respeito do qual devemos fazer um exame de consciência, pedindo a Nossa Senhora que cubra com seu manto o que nele não foi belo.

Esta é a última reunião de sábado à noite de 1988, pois no próximo sábado teremos o Santo Natal. Os portais de um ano, trezentos e sessenta e cinco dias, se escoam e os portais de outro ano se abrem. O passado se encerra e fica um ano para trás; o futuro se abre e temos um ano pela frente.

A eternidade é bela, mas só podemos calcular sua pulcritude por meio de algumas comparações. Fomos criados dentro do tempo e, por causa disso, só compreendemos as coisas em função do tempo.

Fomos criados na matéria, temos um corpo material. Vivemos dentro deste globo. Como nós, que estamos imersos no tempo, podemos calcular o esplendor da eternidade? Os homens não se sentem tão atraídos pelo Céu quanto deveriam, porque têm dificuldade em imaginar como será a eternidade.

Sentir o roçar da eternidade

Se dissermos para uma pessoa: “Você vai para a eternidade, deixará as aflições do tempo e gozará as glórias da eternidade” — há o Purgatório; quem sabe o que lá sucederá, e por quanto tempo? —, ela poderá se perguntar: “Mas como é essa eternidade? Fica tudo parado? O que lá acontece?”

Para se ter ideia do que é a eternidade e da sua beleza, deve-se considerar o seguinte: o tempo vale muito menos do que a eternidade, porque aquele é próprio para nós mortais e a eternidade é própria para os imortais, que nunca perecerão. Então, basta estarmos ligados à morte para entendermos que o tempo seja muito menos belo do que a eternidade. Porque a morte, a qual não deixa de ter sua beleza, é muito menos bela do que a vida. Então, para compreendermos a eternidade, temos que entender a beleza do tempo.

Esta mudança de ano, na qual estamos, é uma dessas situações em que se sente o roçar da eternidade, pois um ano de nossas vidas se encerra.

Se um homem, por exemplo, que viveu muito tempo numa cidade, muda-se para uma localidade noutro extremo do país, adota outra profissão, tem outras relações, ele passa para um mundo diferente; uma etapa de sua existência se encerra e outra se abre. Para esse homem isto tem muita significação, porque tudo o que se passou fica como um bloco na vida dele, o qual, no interior de sua alma, só ele mesmo conhece. Os fatos externos de sua existência os outros poderão conhecer. Se for um personagem célebre, os historiadores escreverão sobre o que ele disse ou fez, o que fizeram contra e a favor dele. Quem poderá escrever o que se passou em sua mente? Ora, a essência da vida de um homem é o que se passa em sua alma, a qual é fechada para todo mundo. E ninguém conhece essas coisas, a não ser Deus e aqueles a quem Ele resolver revelar.

No dia do Juízo Final tudo será revelado de forma estupenda

Isto será revelado aos olhos de todos os homens, no dia do Juízo Final, quando tudo o que se passou em nós de interno e externo, referente à nossa santificação, aos nossos pecados, Deus vai revelar e julgar. Todos os homens que houve, há e haverá até o fim do mundo, salvos ou precitos, assistirão a isso. Uns já garantiram o Céu e terão ressuscitado pouco antes de o Filho de Deus vir para julgar os vivos e os mortos. Outros foram condenados ao Inferno. O Purgatório estará vazio, porque todos que nele estiverem irão para o Céu e não para o Inferno. Os que já estão no Inferno ressuscitaram num corpo que vai aumentar o tormento deles. E não só a História dos homens, mas das nações, das civilizações, das culturas, das instituições, tudo vai ser revelado de forma estupenda.

E o Juízo não será demorado, como se poderia pensar, porque para as pessoas que estão nesse estado o tempo não conta. Podemos ter ideia do que será sua rapidez pelo seguinte: há vários depoimentos de pessoas que passaram por risco de morte e contam que, em determinado momento, toda a sua vida lhes passou diante do espírito. Ora, se toda a existência se mostra em minutos, compreendemos como as coisas podem ser comprimidas sem tirar nada. Nesse lance estupendo, sem sentirmos cansaço — nem sei se se pode falar de tempo, nesse momento em que todos estão entrando para a eternidade —, veremos tudo e cada um será mandado para o seu lugar, para onde a justiça divina o encaminhou.

Nas épocas e nas situações em que vemos o tempo passar, percebemos também a beleza do tempo. Quer dizer, quando uma coisa existe, está funcionando, nota-se sua beleza ou feiura. E quando, por exemplo, uma instituição deixa de funcionar e cai no passado, a partir deste ela é vista numa perspectiva especial, e podem-se notar belezas e aspectos que quando ela estava viva não se percebiam.

Uma almofadazinha para prender alfinetes

Estou me lembrando de um caso que minha mãe me contou uns vinte anos antes de morrer. Ela já estava idosa, e, certa vez, foi sozinha visitar uma amiga que se tinha mudado havia pouco para perto de sua casa. A amiga, que a recebeu muito bem, tinha móveis bastante bons e na sala de visita de sua residência havia uma vitrine com objetos curiosos, antigos. Ela disse a minha mãe:
— Lucilia, você quer ver uns objetos interessantes que eu tenho na vitrine?

Minha mãe olhou os objetos, achou tudo muito interessante. Havia grande liberdade entre ambas e mamãe perguntou-lhe:
— Tudo que está na sua vitrine é tão fino, tão bonito, mas eu não compreendo por que você guarda entre esses objetos uma almofadazinha. No fim do Império e no começo da República, as senhoras, além de outros trabalhos domésticos, costuravam e usavam uma almofadazinha para prender alfinetes.

A amiga respondeu:
— Isso é uma verdadeira raridade histórica, e eu vou lhe contar.

Então, ela narrou o seguinte fato:

Um passado que aparece com toda a sua beleza

Essa senhora era muito monarquista e tinha uma amiga que era esposa de Campos Sales, ex-presidente da República do Brasil, a qual lhe contou que, devido à proclamação da República, a família do Imperador foi exilada, tendo levado consigo os objetos que puderam, mas deixando muita coisa no palácio imperial. Logo depois, algumas senhoras tiveram curiosidade em visitar tal palácio, que estava sendo dirigido por autoridades da República. Obtiveram licença facilmente, porque eram casadas com líderes republicanos que exerciam o poder.

O palácio estava fechado, silencioso, ainda ornado com flores já murchas. Ninguém tinha lá entrado, ninguém havia movido nada. Sobre uma mesa, um chapéu atirado por alguém que entrara no palácio pouco antes da proclamação da República e ali o deixara… Era um sinal de coisa ainda viva.

Elas foram olhando tudo aquilo, e a esposa de Campos Sales, bem como as outras que lá estavam, começaram a ter uma espécie de sentimento de tristeza, que provocava um aperto na garganta. E, quando chegaram ao quarto de dormir da Imperatriz, viram objetos de uma mãe de família que não pudera mexer em nada, por ter saído correndo. Foi uma tristeza tão pungente que não conversavam mais entre elas; apenas olhavam…

Esta senhora viu aquele passado num todo, cujas portas eram fechadas pelo presente. Tudo aquilo estava afundado no passado, deixou de ser, como que empurrado para o não ser. Ela observou tudo o que se perdia, se desfazia. E, considerando o desastre daquela família, mandada embora depois de governar durante tanto tempo o Brasil, ficou com tanta tristeza e pena que quis guardar uma recordação daquilo.

Mas todos os objetos eram de valor, e ela não poderia levar nenhum deles. Como havia sido encontrado aquele travesseirinho que a Imperatriz usava, e era uma coisa sem nenhum valor monetário, a esposa de Campos Sales jeitosamente o apanhou e o levou para sua casa, para nunca mais se esquecer da Imperatriz.

O curioso foi que essa senhora continuou republicana, porém via agora o Império perdido nas brumas e na grandeza de todo um passado que formava um bloco, saído de dentro das escórias do presente e aparecia com toda a sua beleza. Assim, o passado surgia iluminado por uma luz nova e, por causa disso, ela tomava aquele objetozinho e o levava como uma espécie de relíquia. Quando estava para morrer, ela chamou essa amiga monarquista, contou-lhe o fato e disse-lhe:

— Vou dar-lhe este objeto de presente, porque das minhas amigas você é a única capaz de compreender o que isto significa. Guarde consigo, porque é uma grande recordação. Pelo eco, vejo que todos os que se encontram neste auditório entendem perfeitamente o que isto quer dizer.

No Museu Histórico do Rio de Janeiro eu vi um quadro que simbolizava bem isso.

O baile da Ilha Fiscal

Alguns dias antes da proclamação da República no Brasil, uma esquadra de guerra chilena, que estava fazendo um percurso mundial, ancorou no Rio de Janeiro, e a Marinha brasileira lhe ofereceu um baile. Estava sendo inaugurado nessa ocasião, numa ilha junto à cidade do Rio, chamada Ilha Fiscal, um prediozinho neogótico, e nesse local o baile seria realizado.

Mas para se chegar até lá era preciso tomar um barco. O Imperador, já velho, foi de barco até a ilha, e no momento de passar para a terra firme, devido à flutuação do mar, perdeu um pouco o equilíbrio e quase caiu. Seguraram-no, e ele então disse:

— A Monarquia escorrega, mas não cai.

Falou como gracejo, e entrou para o baile. Durante este, começaram a chegar denúncias de que estava sendo tramada uma rebelião republicana. Contaram-me — não li isso em nenhum livro — que o comandante da esquadra chilena mandou oferecer suas forças ao Imperador a fim de mantê-lo no trono; se este quisesse, a esquadra bombardearia o Rio de Janeiro. Mas o Imperador declarou que não queria que a capital dele fosse bombardeada por estrangeiros, para ele permanecer no trono. E foi proclamada a República.

O quadro existente no Museu Histórico do Rio de Janeiro, de um bom pintor nacional — se não me engano, Benedito Calixto —, apresenta o baile da Ilha Fiscal, com o prédio reluzente, cheio de pessoas. No céu, um duplo movimento. Numas nuvens brancas vem, representando a República que entra, uma mulher com uma túnica, barrete vermelho na cabeça, acompanhada de umas figuras mitológicas. De outro lado – é para isso que eu queria chamar a atenção dos presentes – o céu se abre e, se não me equivoco, anjos vão levando a coroa, o cetro e outras insígnias: é a Monarquia que se vai embora… Então, a República baixa para a terra, e a Monarquia é um passado que se encerra como um bloco e vai sendo conduzido para o céu. Quer dizer, o passado aparece embelezado, visto no seu conjunto como uma coisa digna de penetrar na eternidade.

É bonito o movimento pelo qual uma coisa se encerra, forma um bloco e sobe para o julgamento de Deus. Também é bonito o movimento de algo novo que entra e inicia na História outra caminhada. Como se deve saborear a vida, o tempo, conhecendo nas etapas da vida de cada um aquilo que acabou, subiu para um julgamento, e o que vai começar! Fazer uma ideia de conjunto desse tempo que foi e deitar um olhar para o tempo que vem.

Então, se é bonito o tempo, como será bonita a eternidade!

O rochedo que divide as águas

Fecha-se um ano para a nossa vida. Todo ano é uma etapa. Pergunta-se: que ideia de conjunto fazer dessa etapa?

As reuniões de sábado à noite constituem uma parte dentro dessa etapa; com exceção do período em que eu estive na Europa, tive a alegria de encontrá-los aqui todos os sábados. Farei uma reflexão rápida a respeito disso.

Todos nós tivemos luta. E a luta foi a nossa grande característica. Por quê?

Imaginemos um rochedo num curso de água; ele recebe a investida contínua das águas e permanece de pé. O que foi esse ano para o rochedo? Foi luta! O curso das águas sempre lhe foi contrário, mas o rochedo continuamente as dividiu e meteu em reboliço a camada de água que passava perto dele. Assustou os peixes que passavam; algum peixe esmagou-se contra a mole insensível e fria dele, e foi depois seguindo morto, água abaixo.

O que se passa na massa líquida de um rio ninguém sabe. Mas uma coisa é certa: a água que bateu no rochedo não fica como era antes.

A existência do rochedo foi luta. Assim fomos nós, graças a Deus, em 1988. E foram, portanto, os que estão neste auditório, que formam comigo um só todo; foram na jovem e na juveníssima idade de alguns dos presentes.

Ter-se-ia a ilusão: “Não! Na juventude só há saúde e não há luta!”

Abrir o caminho nas águas revoltas da Revolução

Que bobagem! Já fui jovem e cheguei a ter lutas tão árduas, que eu tinha inveja dos velhos. Eu pensava: “Estou vendo diante de mim um velho que não faz nada, oscilando na sua cadeira de balanço. Como eu daria de presente a minha juventude para acabar com a minha luta, poder refestelar-me e balançar! Mas abrir o meu caminho nas águas revoltas da Revolução que vêm em sentido oposto; deitar o meu peso num ponto, ficar nele, criar condições para que outros se agarrem a mim e não se deixem levar pelas águas, que luta, que batalha!”

Porque todo homem tem, entre outros, um instinto chamado de sociabilidade, que nos leva a querer conviver com os outros. Deus disse no Paraíso Terrestre que não era bom para o homem que este ficasse só; por isso Ele criou Eva. Devido ao instinto de sociabilidade, o homem tem necessidade de estar com outros. E quanto mais amplo o convívio, maior o bem-estar, a satisfação que tem o homem.

Esse convívio, para corresponder ao instinto de sociabilidade, não se satisfaz só porque é um convívio, mas porque nele se encontra uma harmonia de alma. Se há desarmonia, antes só que mal-acompanhado — diz um provérbio.

Suponhamos que um homem esteja navegando sozinho num barco e pense várias vezes: “Como seria bom que eu tivesse um companheiro.” Aproxima-se outro barco e lhe dizem:
— Você quer ter um companheiro muito cacete que só diz bobagens ou blasfêmias?

— Não! Fico sozinho! Por mais terrível que seja a solidão, antes só que mal- acompanhado.

Para quem tem a Fé católica, apostólica, romana, como nós temos, a vida é uma solidão em todos os ambientes em que encontramos a heterogeneidade, o desacordo, a incompreensão, a fricção, às vezes descortesias, esquivamentos e até agressões, não físicas, mas pelo menos agressões morais. E para a pessoa suportar isto, a vida é terrível.

Viver isolado é grande sofrimento

Lembro-me de que certa ocasião li o resumo de um romance, escrito por um francês que fazia previsão do fim da Igreja Católica. Então, descrevia o último católico da Terra. Era um homem que vivia num isolamento completo, porque ninguém o entendia, ninguém queria saber nada dele. Esse homem tinha os meios com que satisfazer materialmente as suas necessidades, vivia no meio dos outros, mas era um estranho para todo mundo. No momento em que exalou o último suspiro, morreu com ele o último membro da Igreja Católica.

A hipótese é uma blasfêmia, porque Nosso Senhor prometeu que as portas do inferno não prevaleceriam contra a Igreja. Mas, a história faz sentir bem o isolamento tremendo de um de nós, se vivesse sozinho, mantendo-se fiel.

Imaginemos que um de nós receba a ordem de ir morar na Birmânia para lá fundar uma sede de nosso Movimento. Vai para aquele país e trabalha para a fundação, dizendo às pessoas que se trata de uma enorme organização também existente noutros lugares.

De repente, ele recebe um telegrama afirmando que as sedes de nosso Movimento foram fechadas em todos os lugares do mundo. A pessoa não terá mais contato com ninguém de nossa Associação, mas apenas com birmaneses; não há dinheiro para voltar a seu país de origem. A Birmânia é pagã. Ele precisa morar sozinho e escolhe o único lugar onde se pode viver só: à beira-mar… Pelo menos, o mar conversa com ele.

De noite, após o jantar, as ocupações do dia terminaram, ele vai para o terraço da casa, que fica perto das ondas, e ouve o som do mar. As ondas vão e voltam. Tudo sempre diferente, porém, no fundo, tudo sempre repetido. Olha para aquilo e pensa: “Esse murmúrio perpétuo das ondas é o murmúrio da minha solidão; estou isolado, que coisa terrível!”

Os que estão neste auditório são salvos disso exatamente pelo nosso Movimento, porque ele constitui em torno de nós um ambiente onde encontramos concórdia, simpatia, consonância, a sociabilidade. Pondo o pé fora do portão desta sede, encontramos o contrário.

Mas daqui de dentro sentimos a nossa solidão coletiva. Nosso Movimento é como a pedra colocada dentro do rio: as águas passam e a pedra fica; e vai marcando a história das águas do rio.

O Sol sempre está iluminando alguma das sedes de nosso Movimento

Apesar da hostilidade dos ambientes de fora, nós lutamos de tal maneira que trazemos gente de dentro da multidão para vir participar do nosso isolamento.

E ingressam em nosso Movimento pessoas das mais diversas nações. A respeito de Carlos V, Imperador do Sacro Império Romano Alemão e Rei da Espanha, foi dito: o Sol não se punha nos seus domínios. Ele era senhor de um império tão vasto que abrangia as nações de língua alemã, uma parte da Itália, Países Baixos, a Espanha, e depois todo o mundo ibero-americano. De maneira que quando numa parte do império dele o Sol estava se pondo, do outro lado do seu império o Sol começava a renascer.

Assim, também, com nosso Movimento.

Hoje há alguma coisa mudada na história do Sol: nunca deixa de iluminar uma sede nossa. Se se pudesse dizer, afirmar-se-ia que há algo novo na história do Céu: ele nunca mais deixará de contemplar — pelo menos enquanto nossa Associação existir — um filho dele que está lutando e rezando nesta Terra.

E um pensamento que os aqui presentes poderiam cultivar na hora de dormir seria este: na outra parte da Terra há um membro de nosso Movimento que está acordando. Como seria bonito se, antes de conciliar o sono, rezassem a Nossa Senhora uma rápida jaculatória por esse irmão distante e, às vezes, desconhecido!

A jaculatória poderia ser “Regina Apostolorum, ora pro nobis”. Somos apóstolos, vamos rezar por aquele que está acordando, para que seu despertar seja tonificante; por aquele que está dormindo, a fim de que seu sono seja bom; pelo que já está agindo, para que sua ação seja reta, trabalhando a fim de trazer gente para nosso Movimento.

Pedir a Nossa Senhora, antes de tudo, a perseverança

Durante este ano, os que estão aqui fizeram um esforço ativo e excelente de recrutamento, arrancaram muitos jovens ao mundo, introduzindo-os no jardim santo de nossa Associação. Mas o mundo continuou a bombardear esse jardim com suas seduções, atrações, mentiras, promessas. E não foram poucos os que passaram um tempo limitado nesse jardim, e depois saíram.

Há este fato preponderante na história individual de cada um dos presentes e na história do querido conjunto dos enjolras(1) de nosso Movimento: atraíram muitos, vários saíram, mas os que ficaram permaneceram porque trabalharam na fixação deles.

Mais ainda, os que estão aqui também foram bombardeados. Pela graça de Nossa Senhora, não saíram. Que coisa bonita! Os anos passam e estão no solo sagrado de nossa Associação.

Na minha velha idade, o que peço a Nossa Senhora? Antes de tudo, perseverança, perseverança, perseverança! Tudo quanto fiz de bom e merece continuar, que continue e se desenvolva.

Poder-se-ia fazer nessa ocasião uma prece muito bonita que está no “Te Deum”: “Dignare, Domine, die ­isto sine peccato nos custodire — Dignai-vos, Senhor, guardar-nos sem pecado neste dia”.

Nós poderíamos dizer: “Dignare, Domina, anno ­isto sine peccato nos custodire”. Nossa Senhora, Nossa Mãe, levai-nos até a outra ponta do ano sem a menor poeira de um pecado.

Exame de consciência compungido e alegre

Neste ano que se encerra, que tentações cada um dos aqui presentes enfrentou? Que provações internas teve? Quantas vezes venceu essas provações internas, ou não as venceu? O que foi a vida interior de cada um? A resposta cada um saberá dar.

Se Deus quiser, todos transporão este ano rezando, com as mãos postas. E o coração está posto tão alto quanto no ano passado? Ou menos alto? Não o sei… Cada um dos presentes o pode saber.

Que bela pergunta ao encerrar o ano: “Meu Deus, como estou?” Devemos fazer um exame de consciência ao mesmo tempo compungido e festivo. Porque quando um homem faz um exame de saúde e vê que está são, ele se alegra. Mas quando percebe que está doente, fica apreensivo; porém, se ao mesmo tempo lhe informam: “Fulano, aqui nesta cidade há um médico que cura essa doença, porque tem um remédio ótimo”, ele se alegra. Não é a alegria da saúde, mas a alegria da saúde que ele vai recuperar. E se lhe dizem: “Não é o médico que vai curá-lo, mas a melhor das mães, com o melhor dos remédios, e com o sorriso d’Ela”, ele quase dirá: “Valeu a pena ter estado doente”. Essa mãe é Nossa Senhora.

E se o balanço do ponto de vista interior não foi positivo para nós, tenhamos ânimo e ânimo redobrado, porque Maria Santíssima é Mãe de Misericórdia. Digamos a Nossa Senhora: “Minha Mãe, está passando o ano. Uma etapa se encerrou. Pousai vosso manto sobre aquilo que não é belo em minha alma. Olhai para o que é belo, olhai para o vosso Coração. E dai-me de vosso Coração novas belezas de alma para o ano que vem”. Assim, transporemos com ânimo este ano, e abriremos 1989 com a chave de ouro, chave com duas voltas, cujos nomes são: Confiança e Devoção a Maria. É o que de todo o coração lhes desejo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/12/1988)
Revista Dr Plinio 165 – Dezembro de 2011

1) Palavra afetuosa utilizada por Dr. Plinio para designar seus jovens discípulos, surgidos aproximadamente a partir de 1970. Havia neles acentuado grau de debilidade, se comparados com aqueles que os antecederam, os da “geração nova” (cf. “Dr. Plinio” número 81, p. 17).

Sentinela, mesmo após a morte

São Tomás Becket, assassinado por defender os direitos eclesiásticos contra os abusos do poder temporal na Idade Média, foi mártir da liberdade da Igreja.

Homenageado pelos ingleses durante quatro séculos, teve seus restos mortais profanados e destruídos por ordem do Rei Henrique VIII que, ao proclamar-se chefe da igreja anglicana, deliberou injuriar as relíquias daquele que morrera para que tal usurpação não se desse.

Nessa execução póstuma há uma verdadeira glória para São Tomás Becket: ser odiado pelos maus e sofrer perseguição por amor a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Este Santo, até depois de morto, constituía uma barreira para os inimigos da Igreja. Foi preciso remover esse obstáculo para que a caudal da heresia pudesse continuar. Ora, um homem que, deitado inerte no seu jazigo, representa ainda uma sentinela pela qual só se passa eliminando-a, é uma verdadeira beleza!

Santa Teresinha do Menino Jesus dizia que ela passaria seu Céu fazendo bem sobre a Terra. São Tomás Becket, à maneira dele, fez isto: quatrocentos anos após seu martírio, seu corpo era uma trincheira e um pavor para os adversários.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 28/12/1968)

Reflexões para o final do ano

Recordando fatos que marcaram profundamente a História — como a queda de Constantinopla e a reconquista da Espanha, a partir de Covadonga —, Dr. Plinio nos ensina a ver a importância dos pequenos sintomas, quer relativos ao mal, quer referentes ao bem.

Chegamos a mais um fim de ano! Qual é a reflexão que me vem ao espírito a respeito disso?

A civilização medieval foi sendo corroída gradualmente

Quando examinamos a história da Revolução e depois a história da Contra-Revolução(1), notamos existir um princípio que é preciso ter muito em vista, ao se considerar a enorme rotação do auge do esplendor da civilização medieval até a paganização dos nossos dias. Aos poucos se foi manifestando um verme roedor, que corroía gradualmente aquela ordem de coisas magnífica, a qual prometia subir indefinidamente até altitudes inexcogitáveis pelo espírito humano; e, em determinado momento, ela caiu e chegou até os dias atuais, em que o processo baixou a profundidades inimagináveis.

Tão alto se elevou que não se podia imaginar antes que pudesse subir tanto; e foi apenas até a metade do caminho! Tão fundo caiu, tanto se degradou, tão completamente se conspurcou, que não se poderia imaginar também que caísse mais baixo e fosse pior do que está.

Por que razão essas coisas se deram?

Porque um determinado princípio de sabedoria comum — mas que é negligenciado por um grande número de pessoas de responsabilidade decisiva em acontecimentos históricos — não foi tomado em consideração, não foi aplicado nos momentos em que deveria ter sido. O resultado é que a História apresenta essas derrapagens tristes; e poderia manifestar, pelo contrário, ascensões magníficas se se tivesse levado em conta esse princípio.

Que princípio?

Com relação ao bem e ao mal nada é sem importância, por menor que seja

Devemos considerar que, com relação ao bem e ao mal, nada é sem importância, por pequeno que seja, nada é sem perigo, por insignificante que seja, nada é digno de ser passado por alto sem tomar uma providência, um remédio, por débil que seja. E assim que notamos em qualquer ponto da mentalidade de uma pessoa alguma concessão ao mal, devemos procurar remédio imediatamente; só não devemos combater energicamente quando essa pessoa já está entregue ao mal.

Felizes são aqueles com quem se pode ser enérgico! Por exemplo: notando numa pessoa um começo de mal, chamamo-la e dizemos: “Fulano, você tem ido bem, eu lhe quero, tem sido para mim fonte de muita satisfação, mas você me inquieta por tal sintoma”. E mencionamos uma coisa na aparência insignificante, porém é um sintoma que tem um significado profundo. Pode ser uma simples irritação no rosto que, entretanto, é um sintoma de uma grave doença. Então, chegamos junto dele e avisamos: “Isto é sintoma de um mal muito grave, e você precisa ser operado amanhã — feliz dele porque pelo menos suporta o trauma da advertência —, está sendo avisado hoje porque você tem força, coerência, amor de Deus e, advertido já, você está apto para resistir”.

Pelo contrário, infeliz é aquele em quem se nota um defeito e se percebe que não está preparado para receber a advertência. Então a primeira coisa que precisamos fazer é sorrir para ele e fazer de conta que não notamos nada. Deixamos passar o tempo até que apareça uma boa ocasião para falar, porque do contrário a psicologia dele reage em sentido oposto. Não quer dizer que ele se revolte — pode se revoltar conforme o caso —, mas recebe com modorra, com indiferença, com preguiça, essa advertência. Por isso, temos que retardar o momento de fazê-la e com isso ele vai se arriscando.

Então, aquele que diante dos menores fatos, que são sintomas de situações espirituais ou sociais, ou quaisquer outras, sabe discernir logo o mal e pula em cima dele e o apaga, pode ser um homem de Deus.

Mas não é homem de Deus aquele que tem um otimismo tranquilo diante dos pequenos sintomas de mal, pois isso é uma prova de que perdeu uma das condições mais preciosas da integridade da alma, da integridade da virtude, que é compreender a importância enorme dos pequenos sintomas para intervir logo, antes que eles se tornem monstros.

Vemos instituições ruírem, desaparecerem, civilizações caírem, acontecer tudo, diante destes olhos fechados para o mal que fazem com que a pessoa não compreenda o que querem dizer os sintomas, fecha os olhos por preguiça de combater, de ser solerte, enérgico, e por causa disso as coisas vão ruindo, vão se esboroando.

A queda de Constantinopla

Eu creio já ter tratado aqui da tomada de Constantinopla pelos turcos, no século XV.

Constantinopla era um dos portos mais famosos do Mediterrâneo naquele tempo; e até hoje é um porto importante. Uma cidade lindíssima que era a capital do Império Romano do Oriente. Era um império que fora muito poderoso. No tempo do General Belisário(2) tinha chegado quase até a orla do Atlântico; ocupou grande parte do Norte da África no Mediterrâneo, enquanto o Império Romano do Ocidente conquistou todo o litoral europeu. Assim, os romanos podiam dizer orgulhosamente que o Mediterrâneo era um lago romano, o “mare nostrum”, o “nosso mar”. A cidade de Bizâncio — Constantinopla —, era famosa pela sua grandeza, riqueza, etc., e a corte bizantina, famosa pelo seu luxo, esplendor, cerimonial complicado, etiqueta refinada. A cultura dos homens de letras de Bizâncio era extraordinária. Ela era uma das maiores metrópoles do mundo naquele tempo.

Aos poucos, os turcos foram corroendo os territórios bizantinos na Ásia. Depois caíram os territórios bizantinos na África, e Bizâncio ficou quase reduzida à capital, que vivia de umas terrinhas que havia em volta, mas que evidentemente não bastavam para entreter todo aquele luxo. Em vez de reagirem, se oporem e declararem a guerra, preverem que a ruína os estava ameaçando e, portanto, tomarem a situação a sério, pelo contrário, eles foram deixando se arrastar.

Afinal aconteceu que a esquadra turca se impostou diante de Bizâncio e começou o ataque, que foi terrível. O Imperador lutou energicamente contra os turcos e pereceu na batalha; os bizantinos foram quase todos exterminados, muitos fugiram pelos Balcãs e chegaram até a Itália onde os turcos não conseguiram chegar, de maneira que se salvaram levando até objetos de arte, tesouros, que eles vendiam para poder sobreviver. Mas o Imperador morreu em condições tão trágicas, que o corpo dele foi encontrado numa montanha de cadáveres, e só foi reconhecido porque os imperadores de Bizâncio usavam sapatos vermelhos.

Conta-se que um homem foi morto pelos turcos, enquanto tocava calmamente um instrumento musical. Os turcos mataram o homem e quebraram o instrumento. É claro! Não podia acontecer outra coisa, ele tinha preparado isso. A cidade inteira entregue ao drama, aquela Cristandade devastada, sujeita à pior miséria, e ele tocando seu instrumento, calmo, como se estivesse vivendo uma manhã normal. O fim dele foi o símbolo dessas pessoas que não observam esse princípio de obstar, desde logo e no começo, os primeiros sintomas verdadeiramente perigosos.

O bem é mais difícil de ser praticado

Em sentido oposto, muita coisa boa se tem deixado de fazer na História, porque muitos não percebem que, assim como uma coisa pequena e má pode desenvolver-se e transformar-se em um perigo, também uma coisa pequena e boa pode crescer e tornar-se uma salvação.

Portanto, não há princípio que mais favoreça o mal, de tal maneira que as batalhas sejam sempre ganhas por ele. E em virtude disso, o bem, mesmo quando é do tamanho de um grão de arroz, tem a possibilidade de a partir disso fazer algo colossal.

Sabe-se com que facilidade o milho se multiplica. Um indivíduo com um grão de milho pode ser que faça um milharal. Com um milharal é possível que obtenha uma fortuna, porque soube não desanimar quando tinha no bolso apenas um grão de milho.

É bem verdade que, se considerarmos apenas a ordem natural das coisas, veremos que nesta Terra, devido ao pecado original e ao demônio, é mais fácil ao mal vencer do que ao bem. Porque o mal oferece o atrativo de um gosto, de um deleite, de um prazer. E o homem muito facilmente atende o convite do prazer.

O bem, pelo contrário, oferece um ideal, uma grande perspectiva de ordem espiritual, mas pede o sacrifício do corpo e muitas vezes o sacrifício da alma. O bem é mais difícil de seguir, encontra mais resistências. Mas o bem tem de seu lado algo que o mal não possui: a graça de Deus, a ajuda de Nossa Senhora.

Covadonga: uma das vitória mais brilhantes da História

Um exemplo tão conhecido entre nós, mas tão magnífico que não pode deixar de ser mencionado nestas circunstâncias, é da resistência espanhola em Covadonga.

A Espanha foi rapidamente dominada pelos árabes, que a submeteram ao seu poder. No entanto, um grupo pequeno de pessoas, já próximas do mar no norte da Espanha, reunidas na gruta de Covadonga rezavam. E ali, no último momento, Nossa Senhora aparece, lhes promete que Ela dirigirá a reação e que a Espanha será reconquistada.

Qual foi o efeito dessa promessa? Esses últimos resistentes podiam muito pouco, eram em pequeno número e trânsfugas. Eles vinham fugindo, traziam dentro de si todos os defeitos da mentalidade do homem fujão, mas com a mão de Nossa Senhora, “ubi Sanctissima posuit manus”, onde a Santíssima Mãe de Deus pôs sua mão, tudo se resolve! Eles começam uma reconquista que terminou oitocentos anos depois! Por seu lado, os portugueses, em vitórias também gloriosas, expulsaram os árabes de Portugal e a Península Ibérica inteira passou a ser uma península cristã, católica.

Isto tudo quer dizer que um punhadinho de resistentes — que estavam fugindo, com mulheres, crianças etc. —, protegidos pela Providência, por Nossa Senhora, vão até a última vitória. Tiveram de manter viva a esperança durante oitocentos anos, mas a glória deles foi que, durante todo esse tempo, eles confiaram e lutaram. Venceram, segundo a fórmula de Santo Antônio Maria Claret, espanhol catalão: “A Dios orando y con el mazo dando.” Foi uma vitória das mais brilhantes da História. Por quê? Eles compreenderam que um pequeno elemento de resistência poderia vencer todos os obstáculos.

A luta é o sentido da vida

Deus tudo faz segundo sua Providência e, mesmo os acontecimentos que parecem mais absurdos e mais contraditórios, num plano geral se encaixam. Deus quer que haja sol e também trevas, e que as trevas e o sol se sucedam para o bem do homem e não para tensioná-lo, a fim de criar um ambiente em que o homem descanse, e outro em que ele acorde alegre e se sinta em condições para trabalhar. À noite, um ambiente em que o homem se lembra da morte, de sua própria ruína, compreende o efêmero dos dias de sol, e que só uma coisa tem valor absoluto, que paira acima do sol e da noite: é Deus em sua eternidade. Só para Ele devemos olhar, só n’Ele precisamos confiar.

Deus cria com isso as condições para o homem viver na Terra. Uma Terra perpetuamente escura, ou perpetuamente de sol, não é viável; como uma vida de perpétua alegria — quantos homens querem ter essa vida! —, ou uma vida de perpétua desgraça — tantos homens acham mais cômodo se habituar a essa ideia do que esperar, rezar e lutar —, essas vidas são opostas à natureza do homem.

Com essa rotação, Deus nos dá o sinal do seguinte: tudo é efêmero, tudo pode passar, tudo pode levar a resultados inesperados; o homem deve lutar e a luta é o sentido da vida. Luta contra si mesmo, contra seus defeitos que a todo o momento estão procurando renascer e arrastá-lo para o mal. Luta, por outro lado, contra o adversário externo, extrínseco a si: o demônio, o mundo e a carne, que querem arrastá-lo para o pecado. Luta em todos os sentidos da palavra, luta contra a doença, contra as carências, contra a indigência; esta luta se chama o trabalho.

Esta luta é um elemento sem o qual a vida não seria vivível, ela se tornaria mais insuportável do que a vida de um mendigo, de um miserável; ela é o normal da vida. Nesse normal da vida devemos procurar guiar os acontecimentos, conforme a quota de direção que Deus nos entregou a respeito deles. Deus nos deu meios para que, nesta invariabilidade de muitos fenômenos, podermos variar muita coisa. Mas desde que reconheçamos que é preciso lutar e que sem luta não há vida; e, em segundo lugar, com a graça d’Ele, nós temos — é uma palavra que saiu do vocabulário usual — a solércia, quer dizer, a agilidade, a prontidão no julgar, no perceber, no discernir, para agir logo no começo e obter “in ovo” vitórias brilhantíssimas e prolongar assim o glorioso reinado do bem.

Mas de outro lado, devemos também compreender que o mesmo se dá com o mal. Até quando o mal parece mais poderoso, mais possante, sua vitória mais inabalável, quem confia e reza a Nossa Senhora, assistirá ainda a aurora do bem e da vitória d’Ela.

Na passagem de ano, quando estivermos nos esplendores das belas cerimônias que se realizarão, sobretudo quando o Santo Sacrifício da Missa chegar ao seu ápice, quer dizer, a Consagração, em que Nosso Senhor Jesus Cristo renovará de maneira incruenta o Santo Sacrifício do Calvário, lembremo-nos destas considerações. No momento em que o sacerdote pronunciar as palavras da Transubstanciação, peçamos a Nossa Senhora, e por meio d’Ela a Nosso Senhor Jesus Cristo: “Adveniat Regnum tuum”, para que venha logo o vosso Reino! E teremos passado um ano-bom bem-aventurado!

(Extraído de conferência de 30/12/88)

1) O termo “Revolução e Contra-Revolução” é aqui empregado no sentido que lhe dá Dr. Plinio em sua obra de mesmo nome, escrita em abril de 1959.
2) General Belisário (c. 495-565): Primeiro general do Império sob Justiniano, vencedor dos persas (530), salvou a monarquia de uma sedição (532) e foi instrumento da reconquista bizantina na África (533), na Sicília (535) e na Itália (Nápoles, Roma, Ravena).

Precursor na luta contra a heresia

São João Evangelista foi um dos primeiros lutadores contra a heresia, que nascia em seu tempo, a respeito das relações entre as naturezas humana e divina de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Então, o Apóstolo virgem, o Apóstolo do Coração de Jesus, o Apóstolo que recebeu Nossa Senhora como Mãe, foi também o precursor de todos os lutadores da Fé até o fim do mundo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 27/12/1964)

São João Evangelista

Era uma alma eminentemente virgem, chegada de modo extremo a Nosso Senhor, devotíssima do seu Coração Sagrado.

São João Evangelista, mais que Apóstolo, foi verdadeiro amigo do HomemDeus. Por isso, Nosso Senhor, antes de expirar no madeiro, deixou ao seu discípulo predileto um tesouro inapreciável: Maria Santíssima.

Receber Nossa Senhora, é receber  tudo o que Deus depois de dar-se a Si mesmo pode conceder ao homem. Maria, Virgem, foi dada pelo virginal Filho ao virginal amigo que era São João. Nessa  entrega vemos uma manifestação extraordinária do amor de Deus às almas virgens. E vemos, também, um dos rutilantes traços da grandeza do Apóstolo Evangelista.

Plinio Corrêa de Oliveira

São João Evangelista

Como diz muito bem o Abade Dom Guéranger, “São João Evangelista era parente de Nosso Senhor segundo a carne, e enquanto outros foram Apóstolos e discípulos, ele foi amigo do Filho de Deus”, a quem Jesus tributava um sentimento mais próximo e íntimo que aos demais.

Na última Ceia, São João reclinou-se sobre o peito do Mestre e ouviu as pulsações do Sagrado Coração: naquele instante, pulsações de amor, mas também de dor e angústia, diante dos abismos de sofrimentos que d’Ele se acercavam.

Alma eminentemente virgem e unida a Nosso Senhor, predileta e devota do Sagrado Coração de Jesus, São João mereceu como recompensa um tesouro sem preço: aos pés da Cruz, recebeu por Mãe a própria Mãe do Redentor, Maria Santíssima. Mais do que isto, abaixo d’Ele, Deus não lhe poderia dar…