Diante do Menino-Deus, a maternal admiração de Nossa Senhora

Dr. Plinio tinha o propósito de sempre, em suas conferências, palestras, reuniões, inserir em certo momento alguma referência a Nossa Senhora. E havendo oportunidade, dedicava a Ela todo o tempo da reunião, notando-se seu júbilo de alma em fazer reluzir, nos seus comentários, as excelências da Mãe de Deus. Enquanto fundador e mestre de uma família de almas, Dr. Plinio visava também, com tais reflexões, afervorar seus seguidores na devoção a Maria Santíssima, assim como alentá-los no cumprimento da vocação a que foram chamados. Exemplo disso é a meditação que a seguir transcrevemos, feita por ele numa véspera de Natal.

Nada mais oportuno, em torno do santo nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, do que considerarmos o afeto, o amor e a admiração indizíveis de Maria, a Mãe celeste, para com seu Filho único e incomparável.

Embora sabendo-se o ápice e a mais eleita de todas as meras criaturas, Nossa Senhora é também modelo de humildade, e tem pleno conhecimento da infinita distância que A separa de seu Criador. Trata-se, portanto, de uma humildade teocêntrica, isto é, mais ainda do que a sua condição limitada de ser humano, tem Ela em vista a inabarcável grandeza de Deus.

Tomando em conta essa perfeitíssima disposição de alma, é compreensível que, no sublime e augusto momento em que a Virgem Mãe trouxe ao mundo o Divino Salvador, tenha Ela, em primeiro lugar, manifestado todo o respeito, toda a admiração e toda a adoração que Ele merece. E somente num movimento posterior passasse a externar seu incomensurável amor pelo Menino Jesus. Há nisso uma ordenação lógica de sentimentos e atitudes. De fato, quando queremos muito bem a alguém, devemos começar por admirá-lo, porque a admiração é o fundamento do amor.

Ora, no caso concreto da Santíssima Virgem, tinha Ela para amar Aquele que, enquanto Homem-Deus, é o mais admirável ser da Criação, hipostaticamente unido à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. E Maria sabia, por revelação divina, que o fruto gerado em suas entranhas era Este que se encontra acima de tudo, o Verbo Encarnado. Havia, portanto, para essa admiração e esse amor, razões que excediam o fato de o Filho recém-nascido ser sumamente belo e gracioso. Então, o primeiro pensamento dEla é para Deus, no que Ele tem de magnificente: “Tão fraco, tão pequenino, entretanto o Altíssimo, na sua infinita grandeza, na sua incomensurável admirabilidade, aí está!”

Em seguida, Ela mede a profundidade dessa União Hipostática, e a glória que tal União faz derivar, a torrentes solares, sobre a natureza humana de seu Filho. Depois, começa a analisar o Menino, mas com todo o afeto de mãe: contempla aqueles olhos nos quais reluz o brilho da luz divina; toca-lhe os tenros braços, os pezinhos, e vai assim manifestando para com Jesus recém-nascido sua insondável ternura materna.

Quando qualquer mãe se enternece com seu bebê, no subconsciente dela está a seguinte reflexão: “Eis aqui um novo homem (ou uma nova mulher). Que grandeza há numa criatura humana, chamada a levar uma vida de extensa duração, a cumprir deveres graves, os deveres da paternidade, os da maternidade, mas, sobretudo, os deveres para com Deus, a ser boa filha ou bom filho da Igreja Católica, dominar as suas paixões, santificar-se e ir para o Céu por toda a eternidade! Esse como que projeto de anjo que está aqui, que coisa extraordinária! E como eu fico enternecida vendo como algo tão grande cabe em tão pouco!”

Depois, quando ela considera que aquele é seu próprio filho, ainda aí entra uma ternura muito grande, mas também uma imensa admiração: “Que mistério admirável pelo qual eu, criatura humana, gerei outra criatura humana! Que coisa misteriosa, profunda! Este menino nasceu de mim, foi alimentado por mim, formou-se no meu claustro, eu o liberei para a vida e aqui está, tão pequenino, tão minúsculo e, entretanto, para ele existir, realizou-se um vasto mistério, semeado de aspectos fascinantes”.

De um lado, o belíssimo prodígio pelo qual de um ser humano nasce novo ser humano. Mas, depois, essa outra misteriosa maravilha: o instante no qual Deus, debruçando-se sobre aquele embrião que começa a se formar, infunde nele uma alma. E lhe dá algo que a mãe não gerou, que não veio do ato nupcial, e sim da infinita bondade do Criador. Mais ainda. Por ser espiritual, essa alma confere àquele embrião uma participação na natureza dos próprios anjos. Que coisa magnífica!

Horizontes que se abrem para a nova vida

Assim, na ternura de uma mãe verdadeira, da mãe bem orientada para com seu filho, transparece a consciência que ela tem de toda essa série de mistérios que se formaram nela: a carne da carne, o sangue do sangue, um “outro eu mesmo” dela, ao qual se somou a obra divina, tão imensamente maior, soprando no novo ser uma alma imortal.

E para essa alma, que horizontes se abrem, ainda que consideremos apenas sua vida nesta terra! Horizontes de luta, de batalha, de abnegação, como também de alegria, de vitória, de momentos em que se tem a impressão de estar tocando o Céu com as mãos. Mas ainda, horizontes de tristeza, de abatimento, de desfalecimento, em que se tem de pedir a Deus graças para continuar a percorrer o caminho.

Tal reflexão faz surgir aos nossos olhos outro aspecto do nascimento de uma criança. É que, segundo a Igreja, a vida de toda criatura humana é comparável ao combate de um gladiador. Este, antes de entrar na arena, prepara-se com exercícios, fricções, óleos, etc., a fim de que toda a sua musculatura esteja em condições de enfrentar as feras ou outros lutadores. Em seguida, munindo-se de suas armas e escudo, penetra na cena da batalha. Quem, antes de ele ser chamado para a imensa contenda, o visse sentado, tranqüilo, preparado para entrar na arena, não poderia deixar de admirá-lo.

Ora, assim é uma criança que entra no mundo. Ela está no pórtico de uma imensa batalha. E seja ela menina, seja menino, poderá a mãe dizer: “Batalhador! Batalhadora! Eu te admiro porque és combatente do bom combate! Teu dever é este. Uma vez que recebas o Batismo, a graça te chamará. E a partir desse momento, começará uma vida sobrenatural em ti”.

Estes devem ser alguns dos movimentos de afeto e admiração de uma mãe em re-lação a seu filho recém-nascido.

Nossa Senhora em face do Menino Jesus

Se assim ocorre com as mães comuns, que dizer da Mãe das mães, Maria Santíssima, diante do Menino Jesus?

Sem dúvida, a alma dEla transbordava de admiração e de carinho para com seu Divino Filho. Ela tinha o conhecimento do mistério da Encarnação do Verbo, e bem sabia que aquele Ser, gerado em suas imaculadas entranhas por obra do Espírito Santo, representava a remissão do gênero humano. Ele era seu Filho, seu Deus, seu Redentor! E como tal Ela O amava e venerava na Gruta de Belém.

Só na Gruta de Belém? Evidentemente, não.

Junto ao presépio, existe já todo o desenvolvimento de uma história. Da história de ambos, Jesus e Maria. Do período que Ele passou recolhido ao lado dEla e de São José. Do tempo em que, após a morte do glorioso Patriarca, Ele prestava assistência à sua Mãe Santíssima, num sublime convívio que extasiava os Anjos. Podemos imaginar os dois, sozinhos na casa em Nazaré, à noite, após uma refeição que fora sóbria mas cheia de agrado, porque estavam juntos, olhavam-se e se queriam bem. Que indizível felicidade o estarem unidos, conversarem, trocarem pensamentos e desejos de alma!

Depois, em certas horas, enquanto Jesus executava seus trabalhos de carpinteiro, Nossa Senhora meditava no que aconteceria com Eles; vislumbrava aquele momento em que os Anjos haveriam de elevar aos ares a santa casa de Nazaré e transportá-la para um lugar chamado Loreto. E que ali, um incontável número de peregrinos, provavelmente até o fim do mundo, iria venerar as paredes sagradas onde ecoaram essas conversas; onde se ouviram os risos cândidos e cristalinos do Menino Jesus; onde se ouviu a voz grave, paterna e afetuosa de São José; onde se ouviu a voz modelada quase ao infinito como um órgão, de Nossa Senhora, exprimindo adoração, manifestando veneração, em todos os seus graus e modalidades. Em tudo isso Ela pensava.

Como pensava também nos milagres que Nosso Senhor praticaria na sua vida pública, nas almas que Ele iria conquistar, converter e salvar. Pensava em como toda essa bondade divina seria recusada pelos judeus, em como Ele teria de sofrer o esquecimento e a covardia dos Apóstolos, a traição de Judas e a morte na Cruz.

Ela pensava em Pentecostes, na dilatação da Igreja pela bacia do Mediterrâneo e por tantos lugares aonde chegariam os discípulos de seu adorável Filho.

Com vistas proféticas, Nossa Senhora considerava o reluzimento da Santa Igreja, saída vitoriosa das perseguições e brilhando sobre a face do mundo. Ela pensou na extraordinária figura de São Bento apartando-se da sociedade decadente do fim do Império Romano, fixando-se nas grutas de Subiaco e dando início, ali, a uma vida espiritual da qual nasceriam a Idade Média e a Civilização Cristã.

Mas, Nossa Senhora via também o processo de derrocada e ruína dessa Cristandade e todos os seus desdobramentos até os dias de hoje, lançando a humanidade na grave crise moral e religiosa que a Santíssima Virgem haveria de censurar em Fátima.

E por que não imaginarmos que Nossa Senhora considerou igualmente o triunfo de seu Imaculado Coração, por Ela prometido na Cova da Iria?

E essa meditação em torno do Santo Natal estende-se na consideração também da história individual de cada um dos que participam dos nossos ideais. Do caminho que a graça percorreu nas almas de todos, os altos e baixos, as correspondências e as infidelidades, as vitórias sobre si mesmo, às vezes as derrotas, e novamente a vitória e a misericórdia de Deus.

“Não me tireis os dias na metade da minha obra”

Tudo isso nós devemos considerar quando estivermos ante o presépio. E ao nos aproximarmos para venerar a maternal e enlevada figura da Santíssima Virgem, a respeitosa e protetora figura de São José, e, sobretudo, a imagem dAquele que é, segundo a Escritura, a pedra de escândalo que divide a História ao meio — e tudo quanto está com Ele é bom, tudo quanto é contra Ele é mau — façamos esta prece:

Eis-me aqui, Senhor Jesus Cristo, ajoelhado a vossos pés, antes de tudo para Vos agradecer.

Agradeço a vida que me destes. Agradeço o plano eterno que tínheis a respeito de mim, como de qualquer homem, um plano determinado e individual. Agradeço-Vos por terdes posto uma luta no meu caminho. Agradeço-Vos a força que me destes para resistir, para combater e para rezar.

Grato Vos sou por tudo isso, Senhor. Porém, há mais. Agradeço-Vos todos os anos de minha vida que já se foram e que se tenham passado na vossa graça. Agradeço-Vos também os anos que se foram e que não se passaram em vossa graça, porque Vós os encerrastes num determinado momento, e eu abandonei o caminho da desgraça, para entrar novamente na vossa graça.

Agradeço-Vos, ó Divino Infante, ó Menino Jesus, pelas mãos de Maria Santíssima e de São José, agradeço-Vos o momento em que eu disse “sim” ao vosso chamado e comecei a travar o bom combate por Vós.

Agradeço-Vos todo o auxílio que me destes para eu vencer os meus defeitos. Agradeço-Vos por não Vos terdes impacientado comigo, e por haverdes me conservado vivo para que eu ainda tivesse tempo de corrigi-los.

E se uma prece eu Vos posso fazer nesta noite de Natal, Senhor Jesus, formulá-la-ei inspirado nas palavras do Salmista, que Vos disse: Não me chames na metade dos meus dias (Sal. 101). E eu Vos digo: Não me tireis os dias na metade da minha obra, e ajudai-me para que meus olhos não se cerrem pela morte, meus músculos não percam seu vigor, minha alma não fique privada de sua força e sua agilidade, antes que eu tenha, por vosso louvor, em mim vencido todos os meus defeitos, galgado todas as alturas interiores às quais me destinastes, e que no vosso campo de batalha tenha eu, por feitos heroicos, prestado a Vós toda a glória que esperáveis de mim quando me criastes. Assim seja.

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr. Plinio 09 – Dezembro de 1998

Uma meditação para o homem de hoje

Numa conferência para jovens, no tempo de Natal, Dr. Plinio fez duas meditações, de tipos diferentes, a fim de verificar qual delas mais tocava o coração de seus ouvintes. A primeira, seguindo o método de Santo Inácio de Loyola, com pouco apelo ao sentimento. Improvisou em seguida a outra, com pensamentos formulados mais de acordo com as novas gerações. Transcrevemos aqui o cerne da segunda meditação.

A bordo agora o tema por um prisma inteiramente diferente do da escola de Santo Inácio de Loyola. Isso servirá para verificar que tipo de meditação mais toca a geração dos que estão aqui.

Fundo de quadro

Imaginem-se vendo chegar os Reis Magos com suas caravanas, os animais carregados de tesouros, a estrela, etc., e esses Reis oferecendo ao Menino Jesus, em atitude de adoração, ouro, incenso e mirra.

Retendo na imaginação tal fundo de quadro, qual das cenas que vou descrever causaria a cada um dos que aqui estão mais alegria de alma? Por qual delas sentir-se-iam mais próximos do Menino Jesus?

N’Ele poderíamos considerar, entre outros aspectos, a infinita grandeza, de um lado; a infinita acessibilidade, de outro lado; e também sua infinita compaixão.

Grandeza do Menino Jesus e de Nossa Senhora

Ao considerar a infinita grandeza, podemos imaginar uma gruta alta, grande quase como uma catedral, que não tivesse evidentemente uma arquitetura definida, mas onde o movimento das pedras nos fizesse pressentir vagamente as ogivas de uma catedral da futura Idade Média.

Podemos imaginar ainda a lapa onde ficava o berço do Menino colocada num ponto majestoso da encruzilhada dessas várias naves laterais naturais, com uma luz celeste, toda de ouro, pairando  sobre Ele naquele momento.

O Menino Jesus, com majestade de verdadeiro rei, embora deitado em seu presépio e sendo ainda uma criança. Ele, rei de toda majestade e de toda glória. O criador do Céu e da terra, Deus  encarnado feito homem. Ele, desde o primeiro instante de seu ser — portanto já no claustro materno de Nossa Senhora —, tendo mais majestade, mais grandeza, mais manifestações de força e de  poder que todos os homens que existiram e existirão na terra.

Ele, incomparavelmente mais inteligente do que São Tomás de Aquino, mais poderoso do que Carlos Magno, Napoleão ou Alexandre. Ele, conhecedor de todas as coisas, sabendo  incomparavelmente mais do que qualquer cientista moderno. Ele, manifestando na fisionomia sempre variável essa majestade feita de sabedoria, de santidade, de ciência e de poder.

Imaginem-se, portanto, encontrando isso misteriosamente expresso na fisionomia desse Menino. Ele às vezes movendo-se, e no movimento aparecendo o seu lado de Rei. Abrindo os olhos, e no olhar aparecendo um fulgor de tal profundidade que fizesse ver n’Ele um grande sábio.

Estando rodeado por uma atmosfera tal que nimbasse de santidade todos os que d’Ele se acercassem. Uma atmosfera de pureza tal que as pessoas não se aproximassem sem antes pedir perdão por seus pecados, mas ao mesmo tempo se sentissem atraídas a se corrigirem, pela santidade que emanava do local.

Imaginem ali, ainda, Nossa Senhora aos pés do Menino Jesus, também Ela como verdadeira Rainha, com uma dignidade e imponência tais, que não precisava nem de roupas nobres nem de  tecidos de qualidade para se fazer valer.

Conta-se de Santa Teresinha que ela era tão imponente, que o pai a chamava “minha pequena rainha”. O jardineiro do carmelo contou, no processo de canonização, que viu certa vez uma freira, de costas, fazer alguma coisa, e essa freira era Santa Teresinha. O “advogado do diabo” então perguntou: “Como é que, vendo-a de costas, o senhor sabia que ela era Santa Teresinha?” Ele respondeu: “Pela majestade dela. Ninguém tinha a mesma majestade”.

Se assim foi Santa Teresinha, o que seria Nossa Senhora? Imaginem, portanto, Nossa Senhora majestosíssima, transcendente, puríssima, rezando ao Menino Jesus. E os anjos, invisíveis, cantando hinos de glorificação, com toda a atmosfera reinante saturada de valores tais que se diria haver naquela pobreza e naquela miséria uma atmosfera de corte.

Imaginem-se aproximando e sentindo a grandeza do Menino-Deus, e adorando-O pelos seus aspectos nobres, belos, santos, intransigentes e combativos. Adorando esse Menino que atrai para junto de si todas as formas de grandeza, todas as formas de pureza, todas as formas de santidade que d’Ele dimanam, e que não são senão participação  da santidade d’Ele; e que, ao mesmo tempo, rechaçando para longe de si o pecado, o erro, a desordem, o caos, a Revolução¹, deixa-os no chão, de longe, sem nem sequer ousar levantar os olhos para aquela cena magnífica em que a ordem, a hierarquia, a pompa e o esplendor dominam completamente.

Enorme acessibilidade

Imaginemos, agora, o Menino Jesus imensamente acessível. Esse Rei tão cheio de majestade em certo momento abre para nós os olhos. Notamos que seu olhar puríssimo, inteligentíssimo, lucidíssimo, penetra em nossos olhos até o mais fundo. Vê o mais fundo de nossos defeitos, como também o melhor de nossas qualidades, e toca nesse momento a nossa alma, como tocou, 33 anos depois, a de São Pedro.

Conta-nos o Evangelho que o olhar de Nosso Senhor para São Pedro foi tal que este saiu e chorou amargamente. Chorou a vida inteira. E esse olhar provoca em nós uma tristeza profunda por  nossos pecados. Dá-nos horror aos nossos defeitos.

Mas também, penetrando em nós, mostra-nos seu amor não só às nossas qualidades, mas também à condição de criaturas feitas por Ele. Um amor a nós, apesar de nossos defeitos, por sermos destinados a um grau de santidade e de perfeição que Ele conhece e ama enquanto podendo existir em nós.

E, quando o pecador menos espera, por um rogo amável de Nossa Senhora, o Menino sorri. E com esse sorriso, apesar de toda a sua majestade, sentimos as distâncias desaparecerem, o perdão  invadir nossa alma, uma qualquer coisa nos atrair. E, assim atraídos, caminhamos para junto d’Ele. Ele afetuosamente nos abraça e pronuncia nosso nome. — Fulano! Eu te quis tanto e te quero tanto! Desejo para ti tantas coisas e perdoo-te tantas outras. Não penses mais nos teus pecados! Pensa apenas, daqui por diante, em servir-Me. E em todas as ocasiões de tua vida, quando tiveres alguma dúvida, lembra-te desta condescendência, desta amabilidade, deste beneplácito que agora te faço, e recorre a Mim por meio de minha Mãe, que atender-te-ei. Serei teu amparo e tua força,  e esse amparo e essa força hão de te levar ao Céu para ali reinar ao meu lado por toda a Eternidade.

Essa seria, portanto, a meditação enfocada pelo prisma da acessibilidade do Menino Jesus.

Infinita compaixão para com todos os homens

Imaginem, agora, a misericórdia do Menino Jesus, não só enquanto visando ao nosso bem e ao que há em nós de bom e de mau, mas olhando para a condição miserável de todo homem na terra.

Olhando, portanto, para nossa tristeza, para o sofrimento que cada um traz em si, passado, presente e futuro, que Ele já conhece porque é Deus. Olhando, inclusive, para o risco que nossa alma corre de ir para o Inferno. Pois o homem, enquanto está  na terra, arrisca-se a se condenar.

Imaginem, ainda, o Menino Jesus olhando o Purgatório e os tormentos que ali nos aguardam se não formos inteiramente fiéis. Brota n’Ele, então, um olhar de pena, de participação profunda na nossa dor, um desejo de remover esta dor em toda a medida que for possível para nossa santificação um desejo de nos dar forças para suportar essa dor na medida em que ela for necessária para nos santificarmos.

Notamos n’Ele, então, aquilo que tanto consola o homem, e que Ele não encontrou quando chegou sua hora de sofrer: a compaixão perfeita. Está na natureza humana — e é uma coisa reta — de se consolar na hora do sofrimento pelo fato de ter alguém que nos tenha pena. A pena divide o sofrimento. O homem é feito de tal maneira que, quando ele está alegre e comunica sua alegria, ele dobra essa alegria; quando está triste e comunica sua tristeza, divide essa tristeza. “A fortiori” somos nós assim em relação ao Menino Jesus, ao encontrarmos n’Ele a compaixão perfeita.

Em todos os sofrimentos de nossa vida, portanto, quando a taça a beber for muito amarga, devemos repetir por meio de Nossa Senhora a oração d’Ele: “Meu Pai, se for possível, afaste-se de mim este cálice; mas faça-se a vossa vontade e não a minha”. Quer dizer, em todos os momentos pediríamos que a dor passasse; mas se fosse da vontade d’Ele que ela viesse sobre nós, teríamos certeza de que durante a dor encontraríamos a dor compassível d’Ele: “Meu filho, Eu sofro contigo! Soframos juntos, porque Eu sofri por ti. Há de chegar o momento em que tu participarás eternamente  de minha alegria”. E nós podemos ter a certeza de que o olhar compassível de Jesus não nos abandonará um momento sequer de nossa existência.

Ao longo das vicissitudes da existência quotidiana deveríamos reter esta tríplice lembrança: a da majestade infinita, a da acessibilidade infinita, e a da compaixão sem limites do Menino Jesus em  relação a nós. E esta deveria ser uma lembrança sensível, pois procuraríamos compor em nossa imaginação o quadro tal qual ele nos toca.

Uma objeção

Uma objeção que se poderia fazer é que o presépio não pode conter ao mesmo tempo esses três aspectos. Não é verdade. Em Nosso Senhor, enquanto natureza humana, as perfeições, os estados de alma, também todos eles perfeitos, existiam em graus diversos ao mesmo tempo, conforme as circunstâncias de sua vida. Existiam, e Ele foi cheio de majestade, de acessibilidade, de exorabilidade, de compaixão para com os homens desde o momento em que veio à terra. É natural que, apesar de Menino, conforme as almas que d’Ele se acercassem, ora aparecesse um aspecto, ora outro.

Escola de pintura especializada nos olhares

Seria muito bonito se numa igreja, em vez de um só, houvesse três presépios em três altares diferentes, nos quais as figuras e toda a ambientação representassem cada um desses aspectos,  facilitando assim a cada alma a meditação que mais lhe tocasse.

Como eu gostaria de ter entre nós pintores ou desenhistas que soubessem, por exemplo, pintar três presépios de acordo com essa concepção! Ou seja, presépio ostentando toda a grandeza, ou toda a acessibilidade, ou toda a compaixão de Nosso Senhor. Como Seria bonito!

O difícil seria pintar aquilo que é o centro do presépio: um Menino recém-nascido que, sem perder as características  de Menino, tivesse tudo isso. E tivesse sobretudo um olhar. Como pintar um olhar infantil capaz de exprimir  tais coisas? Antes de pintor, esse artista deveria ser psicólogo, para primeiro imaginar esse olhar, e depois  pintá-lo.

Se alguém se sente propenso a pintar olhares, esse seria o pintor que iniciaria a nossa escola. Tenho a impressão de que, no pintar expressão de olhar, nossa escola estaria largamente  representada.

Plinio Corrêa de Oliveira
Revista Dr Plinio 57 – Dezembro de 2002

Luz, o grande presente

Ora, naquela mesma região havia uns pastores que velavam e faziam de noite a guarda ao seu rebanho. E eis que apareceu junto deles um Anjo do Senhor, e a claridade de Deus os envolveu, e tiveram grande temor. Porém o Anjo disse-lhes: Não temais; porque eis que vos anuncio uma grande alegria, que terá todo o povo. Nasceu-vos hoje, na cidade de Davi, um Salvador, que é o Cristo  Senhor (S. Lucas II, 8 a 11).

A noite ia em seu meio. As trevas tinham chegado ao auge de sua densidade. Tudo em torno dos rebanhos era interrogação e perigo. Quiçá alguns pastores, relaxados ou vencidos pelo cansaço,  estivessem dormindo.

Entretanto, outros havia a quem o zelo e o senso do dever não consentiam o sono. Vigiavam. E presumivelmente oravam também, para que Deus afastasse os perigos que rondavam. Subitamente, uma luz apareceu para eles e os envolveu: “a claridade de Deus os envolveu”. Toda a sensação de perigo se desfez. E lhes foi anunciada a solução para todos os problemas e todos os riscos. Muito mais do que os problemas e os riscos de alguns pobres rebanhos ou de um pequeno punhado de pastores. Muito mais do que os problemas e os riscos que põem em contínuo perigo todos os interesses terrenos. Sim, foi-lhes anunciada a solução para os problemas e riscos que afetam o que os homens têm de mais nobre e mais precioso, isto é, a alma. Os problemas e os riscos que ameaçam, não os bens desta vida, que, cedo ou tarde, perecerão, mas a vida eterna, na qual tanto o êxito quanto a derrota não têm fim.

Sem a menor pretensão de fazer o que se poderia chamar uma exegese do Texto Sagrado, não posso deixar de notar que esses pastores e esses rebanhos e essas trevas fazem lembrar a situação do  mundo no dia do primeiro Natal.

Numerosas fontes históricas daquele tempo longínquo nos relatam que se apoderara de muitos homens a sensação de que o mundo havia chegado a um fracasso irremediável, de que um emaranhado inextricável de problemas fatais lhes fechava o caminho, de que estavam em um fim de linha além do qual só se divisava o caos e a aniquilação.

Olhando para o caminho percorrido desde os primeiros dias até então, os homens podiam sentir uma compreensível ufania. Estavam num auge de cultura, de riqueza e de poder. Quanto distavam as grande nações do Ano 1 de nossa era — e mais do que todas o superestado Romano — das tribos primitivas que vagueavam pelas vastidões, entregues à barbárie e açoitadas por fatores adversos de toda ordem! Aos poucos, haviam surgido as nações. Essas tinham tomado fisionomia própria, engendrado culturas típicas, criado instituições inteligentes e práticas, rasgado estradas, iniciado a navegação e difundido por toda parte, tanto os produtos da terra, quanto os da indústria nascente. Abusos e desordens, havia-os por certo. Mas os homens não os notavam inteiramente. Pois cada  geração sofre de uma insensibilidade surpreendente para com os males de seu tempo.

O mais cruciante da situação em que  se encontrava o Mundo Antigo não estava, pois, em que os homens não tivessem o que queriam. Consistia em que “grosso modo” dispunham do que desejavam, mas depois de ter feito laboriosamente a aquisição desses instrumentos de felicidade, não sabiam o que fazer deles. De fato, tudo quanto haviam desejado ao longo de tanto tempo e de tantos esforços, lhes deixava na alma um terrível vazio.

Mais ainda, não raras vezes atormentava-os. Pois o poder e a riqueza de que não se sabe tirar proveito servem tão-só para dar trabalho e produzir aflição. Assim, em torno dos homens, tudo eram trevas. — E nessas trevas, o que faziam eles? — O que fazem os homens sempre que baixa a noite. Uns correm para as orgias, outros afundam no sono.

Outros, por fim — e quão poucos — fazem como os pastores. Vigiam, à espreita dos inimigos que saltam no escuro para agredir. Aprestam-se para lhes dar rudes combates. Oram com as vistas postas no céu escuro, e as almas confortadas pela certeza de que o sol raiará por fim, espancará todas as trevas, eliminará ou fará voltar a seus antros todos os inimigos que a escuridão acoberta e convida ao crime. 

No Mundo Antigo, entre os milhões de homens esmagados pelo peso da cultura e da opulência inúteis, havia homens de escol que percebiam toda a densidade das trevas, toda a corrupção dos costumes, toda a inautenticidade da ordem, todos os riscos que rondavam em torno do homem, e sobretudo todo o “non sense” a  que conduziam as civilizações baseadas na idolatria.

Estas almas de escol não eram necessariamente pessoas de uma instrução ou de uma inteligência privilegiadas. Pois a lucidez para perceber os grandes horizontes, as grandes crises e as grandes  soluções, vem menos da penetração da inteligência do que da retidão da alma. Davam-se conta da situação os homens retos, para os quais a verdade é a verdade, e o erro é o erro. O bem é o bem, e o mal é o mal. As almas que não pactuam com os desmandos do tempo, acovardadas pelo riso ou pelo isolamento com que o mundo cerca os inconformados.

Eram almas deste quilate, raras e  esparsas um pouco por toda parte, entre senhores e servos, anciãos e crianças, sábios e analfabetos, que vigiavam na noite, oravam, lutavam e esperavam a  Salvação.

Esta começou por vir para os pastores fiéis. Mas, passado tudo quanto o Evangelho nos conta, ela extravasou dos exíguos confins de Israel e se apresentou como uma grande luz, para todos os que, no mundo inteiro, recusavam como solução a fuga na orgia ou no sono estúpido e mole.

Quando virgens, crianças e velhos, centuriões, senadores e filósofos, escravos, viúvas e potentados começaram a se converter, baixou sobre eles o ciclo das perseguições. Nenhuma violência, porém, os fazia vergar. E quando, na arena, fitavam serenos e altaneiros os césares, as massas ululantes e as feras, os Anjos do Céu cantavam: Glória a Deus no mais alto dos Céus, e paz na terra aos homens de boa vontade.

Este cântico evangélico, nenhum ouvido o ouvia. Mas ele comovia as almas. O sangue desses serenos e inquebrantáveis heróis se transforma, assim, em semente de novos cristãos. O velho mundo, adorador da carne, do ouro, e dos ídolos, morria. Um mundo novo nascia, baseado na Fé, na pureza, na ascese, na esperança do Céu. Nosso Senhor Jesus Cristo, resolverá tudo.

* * *

Há ainda hoje homens de boa vontade autênticos, que vigiam nas trevas, que lutam no anonimato, que fitam o Céu esperando com inquebrantável certeza a luz que voltará?

— Sim, precisamente como no tempo dos pastores. […] A esses autênticos homens de boa vontade, a esses genuínos continuadores dos pastores de Belém, proponho que entendam como dirigidas a eles as palavras do Anjo: “Não temais, porque eis que vos anuncio uma grande alegria, que terá todo o povo”!

Palavras proféticas, que encontram seu eco na promessa marial de Fátima. Poderá o comunismo espalhar seus erros por toda a parte. Poderá fazer sofrer os justos. Mas, por fim — profetizou Nossa Senhora na Cova da Iria — o seu “Imaculado Coração triunfará”.

Esta é a grande luz que, como precioso presente de Natal, desejo para todos os leitores, e mais especialmente, para os genuínos homens de boa vontade.

Plinio Corrêa de Oliveira (Transcrito da “Folha de S. Paulo”, 26/12/71)

Tabernáculo do Verbo Encarnado

Tudo leva a crer que a gestação de Nosso Senhor Jesus Cristo, por ter sido perfeita, tenha durado nove meses normais. Nesse período, Maria Santíssima trazia consigo, como num tabernáculo, o Verbo Encarnado. Isso significava um processo interno de produção do Corpo d’Ele, ao qual deveria corresponder, certamente, um processo de união de alma com o Filho que Ela estava gerando: Ela Lhe dava o Corpo e Ele A revestia de graças em proporções inimagináveis.

Depois disso, Ela deveria aproveitar, com perfeitíssima fidelidade, os trinta anos da vida oculta de seu Divino Filho. Cada minuto de presença de Nosso Senhor Jesus Cristo na Sagrada Família representava imensa graça para a Virgem Maria e São José, superiormente correspondida pelos dois.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 4/8/1965)

Simbolismos e zigue-zagues na vida de São João da Mata

Dirigindo-se a Roma, São João da Mata foi atacado pelos mouros que arrancaram a vela de sua frágil embarcação. O Santo, porém, substituiu-a por seu manto e, assim, foi conduzido milagrosamente às costas da Itália. Esse barco simboliza a Contra-Revolução que, embora seus recursos não passem de uma pequena vela, pelo poder da oração a Nossa Senhora chegará ao porto feliz, que é a proclamação do Reino de Maria.

 

Vamos comentar algumas notas biográficas sobre São João da Mata, tiradas da obra Vida dos Santos, de Darras.

Um Anjo aparece sobre o altar

São João da Mata nasceu na Provence, a 23 de junho de 1160, de nobre família. As armas da casa de Mata representavam um cativo carregado de correntes com estas palavras como divisa: “Senhor, livrai-me destas correntes, destes vínculos!”

Enquanto sua mãe aguardava seu nascimento, um dia em que se recomendava particularmente à Santíssima Virgem, Ela lhe apareceu dizendo: “Não temas, tu darás ao mundo um filho que será santo e o redentor dos escravos cristãos. Será pai de um grande número de filhos que cumprirão o mesmo ministério para a salvação das almas.”

Seus pais o educaram no amor de Deus e da Virgem, e desde cedo o menino correspondeu a seus cuidados. Fez seus estudos na Universidade de Aix-en-Provence e, ao voltar para casa, decidiu retirar-se para o deserto, escolhendo a região de Beaume, onde Santa Maria Madalena vivera em penitência.

O demônio o assaltou rudemente, mas foi vencido por uma coragem semelhante à de Santo Antão e de outros solitários. Após um ano de solidão, Nosso Senhor recomendou-lhe que fosse acabar os seus estudos porque queria servir-Se dele.

João foi para a Universidade de Paris cursar Teologia. Um dia em que rezava ante um crucifixo, no convento de São Vítor, ouviu uma voz que lhe disse por três vezes: “Procure a sabedoria, ó meu filho, e alegra o meu Coração!” Ele voltou aos estudos com novo vigor e tornou-se tão versado que os mestres da universidade lhe ofereceram o chapéu de doutor. Ele a princípio recusou, mas São Pedro lhe apareceu ordenando-lhe que aceitasse em nome do Senhor.

Sendo professor de Teologia, São João da Mata foi ordenado sacerdote. Quando o bispo lhe impôs as mãos dizendo: “Aceite o Espírito Santo”, um globo de fogo apareceu sobre a sua cabeça.

No dia da primeira Missa, no momento da elevação, a assistência admirada viu surgir sobre o altar um Anjo vestido de branco, trazendo no peito uma cruz azul e vermelha. Ele estendia as suas mãos cruzadas sobre dois cativos, um dos quais era cristão e o outro, mouro. São João explicou então que Deus o chamava a fundar uma Ordem para a redenção dos cativos. Então, com essa finalidade dirigiu-se ao Papa Celestino III.

Encontro com São Domingos e São Félix de Valois

Nesse tempo, São Domingos estudava em Palência. Um dia, uma pobre mulher veio pedir-lhe uma esmola para ajudá-la a resgatar um de seus irmãos que era escravo dos mouros. O Santo, que nada tinha para dar, ofereceu-se ele mesmo. E como a mulher não quisesse vendê-lo, São Domingos lançou-se aos pés de um crucifixo, implorando a Deus que viesse em socorro do cativo e dos outros escravos cristãos. Então, o Crucificado respondeu-lhe em voz alta: “Meu filho, não é a vós que quero encarregar desta obra, mas João, doutor em Paris. Eu te reservo outro ministério, que exercerás entre os cristãos.”

Mais tarde São João e São Domingos encontraram-se na França, quando aí estabeleceram suas Ordens.

São João partira de Roma. Em Faucon, encontrou São Félix de Valois, que a ele se associou para a consagração de seus desígnios.

No dia da purificação da Virgem, 2 de fevereiro de 1198, Inocêncio III, em pessoa, deu-lhes o hábito da nova Ordem. Ao vesti-los, disse-lhes que as três cores que o compunham eram o símbolo da Santíssima Trindade. O branco representando o Pai, o azul, o Filho, e o vermelho, o Espírito Santo. E acrescentou as palavras: “Hic est ordo aprobatur, non a sancto fabricato, sed a Deo solo summo – Esta é uma Ordem aprovada, feita não por santos, mas exclusivamente por Deus supremo, sumo.”

Os dois Santos retiraram-se para a França onde fundaram o Mosteiro Serfroit e dedicaram-se ao seu trabalho.

Suas lutas são inenarráveis, sendo acompanhadas de numerosos milagres. É conhecido aquele em que os mouros de Tunis retiraram as velas do navio que levariam São João a Roma. Este fez de seu manto uma vela, e o barco foi conduzido em seis horas às costas da Itália. Este Santo fundou ainda numerosos conventos e pregou a Cruzada contra os albigenses.

Tendo Inocêncio III convocado um Concílio em Latrão, o Rei Filipe Augusto escolheu São João da Mata para seu teólogo. Mas Deus já o queria no Céu, pois o Santo caiu doente, vindo a falecer em dezembro de 1213. Foi canonizado por Urbano IV, em 1262.

Tudo quanto é de Deus passa por zigue-zagues

Essa biografia é rica em dados saborosos e de alto valor simbólico. Antes de tudo, é interessante notar como a predestinação de São João da Mata aparece clara. Desde o ventre materno, Deus quis tornar patente que o destinava para uma grande missão. Mas, enquanto o designava para essa finalidade, fez de sua vida um verdadeiro zigue-zague.

Primeiramente, ele começou a estudar, em seguida se tornou eremita, mais tarde voltou para os estudos, depois já não bastavam os estudos, mas era preciso fundar uma Ordem religiosa. Foi então que ele realizou verdadeiramente a sua vocação.

Por que isso? Porque tudo quanto é de Deus passa por zigue-zagues, por aparentes ou verdadeiros fracassos, derrotas, que representam o extermínio daquela obra, mas depois, afinal de contas, a Providência intervém, arranja as coisas e a obra continua.

Vemos nessa biografia um caminho maravilhoso. Em meio a milagres, como também a lances da vida dele que pareciam desvios de sua verdadeira vocação, encontrando aqui e acolá Santos extraordinários como São Domingos, recebendo deste a confirmação de sua missão providencial, através da revelação do Crucificado feita ao futuro Fundador dos dominicanos, por fim chega o momento em que São João da Mata funda essa Ordem para a redenção dos cativos.

Tratava-se de obter esmolas para, por meio delas, comprar dos maometanos os católicos que tivessem caído no cativeiro deles, aprisionados enquanto viajavam pelo Mediterrâneo ou capturados nas guerras contra os sarracenos.

Esses prisioneiros eram tratados como escravos. Ficavam sujeitos, portanto, à vida mais rude que se possa imaginar, e a tentações medonhas, uma vez que eles viviam na promiscuidade maometana, o que trazia toda espécie de solicitações ao pecado. Situação agravada pelo fato de não terem à disposição padres para se confessarem.

Hábito com as cores que simbolizam a Santíssima Trindade

Imaginem quantos deles padeciam do tormento de pensar que poderiam morrer de um momento para o outro, sem saber se iriam para o Céu ou não, pois quem peca mortalmente e se arrepende dos seus pecados apenas por medo do Inferno não pode ter certeza de salvar-se, porque é só mediante a absolvição sacramental que ele irá para o Céu. A simples atrição, se não vem seguida da absolvição sacramental, não abre para o fiel as portas do Paraíso celeste.

Então, para tirar essas almas desse tormento, os religiosos de São João da Mata obtinham esmolas e iam às terras dos mouros resgatar os cativos. Porém, eles mesmos ficavam em perigo de serem aprisionados, porque não se podia ter a menor confiança na palavra desses mouros.

São João da Mata deu o exemplo para que essa forma de heroísmo se desenvolvesse, e convocou religiosos no mundo inteiro para salvar essas almas.

Com efeito, o número de escravos cristãos aprisionados pelos mouros em campo de batalha era enorme. Por isso a Providência suscitou essa Ordem composta de católicos dispostos até a se entregarem como escravos para resgatar aqueles prisioneiros. De maneira que aquelas almas sujeitas a um sumo risco fossem substituídas por outras que, por terem mais virtudes e perseverança, expunham menos a risco a sua salvação eterna entre os infiéis.

Foi, portanto, para esse elevado objetivo que essa Ordem foi fundada; e Deus chamou para a redenção dos cativos não só um homem de linhagem nobre, como São João da Mata, mas um príncipe, como São Félix de Valois. Ambos foram os Fundadores dessa Ordem, cujos membros deveriam estar prontos a se entregar como escravos.

É bonito ver, no momento em que lhes é dado o hábito com as três cores – branca, vermelha e azul –, o Papa declarar que são as cores da Santíssima Trindade. Debaixo de certo ponto de vista, é uma das mais belas combinações de cores que há. O Papa indicou o simbolismo: o branco é o Padre Eterno, o azul, o Filho, e o vermelho, que é o fogo do amor, o Divino Espírito Santo. Então, com as cores da Santíssima Trindade, eles foram mandados para esse apostolado.

As Cruzadas eram um empreendimento santo

Vimos tudo quanto eles fizeram nesse apostolado, e como a obra se tornou famosa durante séculos. Entretanto, São João da Mata queria pregar uma Cruzada contra os albigenses. Portanto, este Santo tão cheio de mansidão, que pregava o resgate dos cativos, também se distinguiu pelo valor com que pregou a Cruzada.

Por outro lado, é um lindíssimo apostolado que indica a solidariedade de São João da Mata com o movimento das Cruzadas. Isso comprova o quanto as Cruzadas eram um empreendimento santo, e como agem muito mal os que as difamam. Santos verdadeiros foram cooperadores das Cruzadas, entusiasmados com elas.

Ademais, ao resgatar os prisioneiros de guerra, exerciam um efeito favorável à Cruzada, porque diminuía o medo nos cruzados com a esperança de serem resgatados e, por vezes, os cativos libertos podiam voltar à luta. Vemos, portanto, a importância dessa obra complementar das Cruzadas.

Tudo isso é muito bonito e constitui um aro de ouro no qual se crava uma pedra preciosa que é este outro fato: São João da Mata embarca com uma série de cativos resgatados e, como as velas de seu barco foram rasgadas, ele faz duas coisas características. Primeira, improvisa uma vela insuficiente. Segunda, reconhecendo que a vela não era suficiente, passa o tempo inteiro rezando e cantando salmos.

Nossos recursos não passam de uma pequena vela

Figurem um pequeno barco, com cento e tantas pessoas nas ondas do Mediterrâneo, com aquela vela, perdidos no fluxo do mar, e um Santo, com o crucifixo na mão, cantando salmos a bordo. Podemos ter ideia do entusiasmo e da Fé desses cativos, os momentos de pânico pelos quais passaram… Considerem quantas vezes São João da Mata precisou exortá-los a terem confiança em Deus, e o bem feito para essas almas e a toda Cristandade com esse prodígio!

Mas o que esse prodígio queria dizer? Era a confirmação desta regra inaciana, séculos antes de Santo Inácio: Devemos agir como se tudo dependesse de nós e nem um pouco de Deus; mas rezar reconhecendo que tudo depende de Deus e não de nós. Ele fez de seu manto uma vela e mandou que o barco fosse manobrado aproveitando os ventos. Mas, ao mesmo tempo, rezava reconhecendo que tudo dependia da oração.

Esse barco bem pode simbolizar a Contra-Revolução. Ela é também um barco solto, e todos os nossos recursos não passam de uma pequena vela. Devemos pedir a São João da Mata para fazer o que ele realizou: cantar orações contínuas aos pés de Nossa Senhora para nosso barco chegar ao porto feliz, que é a proclamação do Reino de Maria, depois de derrotada a Revolução que hoje impera no mundo.

 

(Extraído de conferências de 7/2/1966, 7/2/1969 e 8/2/1977)

Voltemo-nos para o Menino Jesus…

A  expectativa de mais um Natal, e na comemoração dos 107 anos do nascimento de Dr. Plinio, meditemos uma mensagem natalina gravada por ele em 1992, cuja atualidade permanece e faz-se, hoje, muito mais clamorosa do que há duas décadas.

Nós nos encontramos numa situação dominada completamente pelo caos. Não há um aspecto da vida política internacional contemporânea na qual não se note a confusão.

Junto ao berço do Menino Jesus não é o momento de estarmos rememorando tantas atitudes mal feitas, mal pensadas, mal planejadas, porque não as presidiu o Espírito de Nosso Senhor Jesus Cristo.

O segredo da organização adequada de todas as coisas da vida terrena se encontra na canção que os Anjos entoaram, na noite de Natal, para os pastores maravilhados: “Glória a Deus no mais alto dos Céus e paz na Terra aos homens de boa vontade”.

Quando todos os homens reconhecem a majestade, a onipotência, a santidade, enfim, o acúmulo de todas as perfeições que há em Deus, no mais alto dos Céus, e O glorificam por isso, então nascem no coração dos homens aquelas boas disposições de espírito pelas quais eles se tornam homens de boa vontade.

Se nos lembrarmos de que essa noite de Natal é uma noite de misericórdia e de bondade, de perdão e de esperança, que próxima ao berço do Menino Jesus está Nossa Senhora — cuja prece junto a seu Divino Filho é onipotente — e que Ela tem um coração de Mãe que ama mais cada um dos homens do que todas as mães do mundo amariam a seu filho único, e que, portanto, Ela está na disposição de nos obter do Divino Infante o perdão de nossas faltas, a emenda de nossos erros e defeitos, e o propósito firme de seguir em tudo a Lei de Deus, se tomarmos isso em consideração, compreenderemos que, por mais forte que seja o mal, todas as portas da esperança estão abertas para nós, desde que nos voltemos para o Menino Jesus nascido em Belém.

É para essa esperança consoladora que eu quero atrair a atenção de todos.

Desejo que, quando os sinos tocarem à meia-noite anunciando que o Natal chegou, os povos estiverem se dirigindo, tranquilamente, para assistir ao Santo Sacrifício da Missa, e as famílias forem, em grupos, rezar aos pés do Santo Presépio, todos se lembrem dessa grande esperança e, deixando de lado as aflições da hora presente, compreendam o que disse o Apóstolo: “Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre”(Hb 13, 8)(1).

 

1) Excertos da mensagem de Natal de 18/11/1992.