Os sacratíssimos Nomes de Jesus e de Maria

O Nome de Jesus é um símbolo sacratíssimo que tem o poder de atrair sobre nós todas as graças e de causar o terror nos demônios. Intimamente relacionado com ele está o Nome de Maria.

A Igreja comemora em janeiro o Santíssimo Nome de Jesus, a respeito do qual diz a Sagrada Escritura: “Que ao Nome de Jesus se dobre todo joelho no Céu, na Terra e no Inferno” (Fil 2,10).

O nome de algo deve designar sua natureza

Qual a razão pela qual se festeja o Santíssimo Nome de Jesus? Naturalmente, tudo quanto se refere a Nosso Senhor Jesus Cristo merece nossas homenagens, nossa veneração e, portanto, deve ser comemorado.

Mas por que essa insistência especial no que diz respeito ao Nome de Jesus? Por que grandes santos da Igreja afugentavam os demônios com o Nome de Jesus? O que é o nome aqui? Não dizemos também “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”? Quando fazemos algo de muito importante, por exemplo, no início da Missa o padre se persigna; na redação de um testamento, diz-se:

“Em nome da Santíssima Trindade, Padre, Filho e Espírito Santo, eu, Fulano de tal, faço meu testamento.”

De acordo com a ordem profunda das coisas, que foi truncada pelo pecado original, a linguagem humana era capaz de exprimir adequadamente os seres, dando-lhes um nome. E esse nome era ma palavra que definia aquilo que havia de mais interno, mais substancial, mais característico no ser para o qual ele era aplicado.

O nome de uma coisa deve designar sua natureza mais íntima, e os orientais têm uma certa ideia disso — quando não dão às pessoas nomes como os nossos; por exemplo, alguém pode chamar-se Plinio, que para ele não quer dizer nada. Mas os orientais dão nomes com um sentido próprio. Como por exemplo, lembro de ter tomado conhecimento de que um nome oriental, do qual não me recordo, significava “Chuva de Primavera”. São nomes poéticos para indicar algo da nota dominante daquela alma. Depois do pecado original e da torre de Babel essas coisas se perderam e a linguagem humana não tem mais essa precisão. Entretanto, ficou-nos essa vaga ideia de que entre o nome e a natureza da coisa há uma relação.

Conta o Gênesis que quando os animais passaram diante de Adão, ele foi dando um nome a cada um. Ou seja, dava uma definição para, por meio de uma palavra, exprimir adequadamente — por uma relação natural entre o vocábulo e a coisa, e não apenas algo convencional — aquilo que era o ser.

Tomemos, por exemplo, a águia. Nós a chamamos com esse nome, mas não há uma relação necessária entre a palavra “águia” e o conteúdo dessa ave, aquilo que é o típico dela. É uma coisa convencional. Mas na linguagem usada por Adão, não. Entre os sons, a música, a estrutura da palavra “águia” e a realidade da águia, havia uma relação verdadeira e profunda.

A Igreja quer uma ordem sacral e hierárquica

Então o Santíssimo Nome de Jesus é, de um modo misterioso, a própria definição daquilo que na Pessoa adorável de Nosso Senhor Jesus Cristo existe de mais definitivo, de mais capaz de mencionar aquilo que Ele é. E, relacionado a Ele, o Nome imaculado de Nossa Senhora. Ambos trazem consigo bênçãos, graças especiais, porque são o símbolo, a expressão misteriosa e inefável da realidade santíssima que n’Eles existe. Então podemos compreender por que Deus concede tantas graças aos que usam com frequência os Nomes de Jesus e Maria.

E, nesse sentido, o nome é uma imagem, um símbolo da pessoa, e o Nome de Jesus — do qual, aliás, o Evangelho fala com muito cuidado — é um símbolo sacratíssimo que, enquanto símbolo, tem o poder de atrair sobre nós todas as graças e de causar o terror dos demônios. E o Nome de Jesus se resume naquelas três iniciais “IHS — Iesus, hominum Salvator”, Jesus, Salvador dos homens — que se coloca abaixo da cruz, nos documentos e em certos papéis. A cruz e o Nome de Jesus são os dois símbolos perfeitos.

Um estandarte com esses Nomes — por exemplo, o de Santa Joana D’Arc — é um meio de afugentar os demônios, de atrair as graças de Deus, de conquistar a boa vontade dos anjos.

Isto tem alguma relação especial conosco? Tem, naturalmente. O Nome de Jesus, sendo a palavra que indica sua glória, é a manifestação desta. E nós queremos a glorificação dos Nomes de Jesus e de Maria. Um dos estandartes que serão lançados na alvorada do Reino de Maria, com certeza vai ser gloriosamente pintado com o Nome de Jesus, e outro com o Nome de Maria.

O que deseja a Igreja quando glorifica o Nome de Jesus? Ela quer que se dê honra a Jesus, que o Nome de Jesus esteja por cima de todas as coisas e que tudo Lhe esteja sujeito; quer uma ordem sacral baseada na única Fé verdadeira, que é a Católica, Apostólica e Romana; uma ordem que nada tenha de laicista nem de igualitário. E a festa do Nome de Jesus é uma das numerosas solenidades da sacralidade, da hierarquia e da civilização cristã.

A saudação ”Salve Maria!”

Nós temos essa prática de nos saudar, dizendo “Salve Maria!” É uma saudação na qual se repete, a todo o momento, o Nome de Nossa Senhora. Ao invés de dizermos ao outro “Bom dia”, afirmamos: “Que a Santíssima Virgem seja glorificada!” O “Salve Maria!” é uma honra, uma glorificação, um ato de amor a Nossa Senhora. Ao conscientizar o valor dessa saudação, podemos adquirir mais méritos. O “Salve Maria!” não deve ser pronunciado às pressas, nem de forma atrapalhada, mas como uma oração que lucraria em ser dita com mais piedade, mais unção, mais propósito, porque, às vezes, nos esquecemos de Nossa Senhora e o transformamos num “Bom dia”.

O “Salve Maria!” tem um alto valor próprio, que devemos ter em mente. Daí minha insistência para um máximo de piedade ao pronunciar essa saudação, em vista do valor do Nome de Nossa Senhora ou do valor infinitamente maior do Nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Esses são os pensamentos que nos devem animar e é adequado pedirmos que o Nome de Jesus seja cercado de toda a glória. Que Jesus seja conhecido e adorado por todos os homens, sendo reverenciadas as coisas que são conformes a Ele. Que a Revolução seja derrotada e que a Contra-Revolução vença, porque esta é a própria vitória do Nome de Jesus.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 1/1/1965 e 1/1/1966)

Nome acima de todos os nomes

Por isso Deus O exaltou soberanamente e Lhe outorgou o nome que está acima de todos os nomes, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho no Céu, na Terra e nos infernos. E toda língua confesse, para a glória de Deus Pai, que Jesus Cristo é o Senhor” (Fil 2, 9-11).

Fazendo suas essas ardorosas palavras do Apóstolo, o Martirológio Romano recorda, no dia 3 de janeiro, a Festa do Santíssimo Nome de Jesus. Para Dr. Plinio, tal comemoração encerra um especial significado, assim descrito por ele:

“Por que razão se exalta o Santíssimo Nome de Jesus?

“Naturalmente, tudo quanto se refere ao Verbo Encarnado merece nossas homenagens, nossa veneração e é digno, portanto, de uma festa. Porém, poder-se-ia perguntar qual o motivo dessa particular insistência no que diz respeito ao Nome do Filho de Deus. Por que grandes santos da Igreja expulsavam e afugentavam os demônios, invocando o Nome de Jesus? E por quê, ao realizarmos alguns atos comuns ou importantes de nosso quotidiano, nos persignamos e fazemos uma pequena oração que sempre se inicia com o Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo? 

“Que valor possui, afinal, um nome, e o Nome de Jesus?

“De acordo com a ordem profunda das coisas que foi truncada pelo pecado original, a linguagem humana era capaz de distinguir de modo conveniente os seres criados, dando-lhes um nome adequado, um vocábulo que definisse o que havia de mais interno, substancial e característico na criatura nomeada.

“Assim, segundo a narração do Gênesis (2, 19-20), cada animal recebeu de Adão um nome que os caracterizava e que era a definição mais apropriada de seus respectivos predicados.

“Nesse sentido, pois, o nome é uma imagem da pessoa que o porta. E mais que todos, o Nome de Jesus é um símbolo d’Ele e uma representação sacratíssima que, como tal, tem o poder de atrair sobre nós todas as graças e o poder de causar terror nos demônios. É interessante notar que, na iconografia católica, o Nome de Jesus se resume nas três iniciais — “IHS (isto é, Iesus Hominum Salvator”, Jesus Salvador dos Homens — colocadas em alguns documentos eclesiásticos, com uma Cruz sobre o “H”. Juntos, o Nome e a Cruz, os dois símbolos perfeitos de Nosso Senhor Jesus Cristo.

“Ao celebrar, portanto, de forma especial o Nome do Divino Redentor, pretende a Igreja salientar a obrigação dos fiéis de honrar a Jesus, de glorificar o seu Nome, para que este se situe acima de todas as coisas e que tudo lhe esteja sujeito. Quer a Igreja, com essa solenidade, frisar seu anseio por uma ordem sacral, baseada numa fé católica, apostólica e romana autêntica, uma ordem na qual a festa do Nome de Jesus seja uma das grandiosas comemorações da Civilização Cristã.

“Tais são os pensamentos que nos devem animar na recordação dessa luminosa data do calendário litúrgico, e inspirar em nossas almas o pedido de que o Nome de Jesus seja de fato cercado de toda a glória. Que Nosso Senhor seja conhecido, adorado, reverenciado por todos os homens, sendo reverenciadas as coisas que são conformes a Ele. Que a Revolução seja esmagada e a Contra-Revolução vença, pois a vitória dela é a própria vitória do Nome de Jesus.”

Santíssimo nome de Jesus

Há uma misteriosa e insondável relação entre o nome de Jesus e o Verbo feito carne, de tal maneira que não se concebe outro que lhe fosse mais apropriado. É o mais suave e santo dos nomes que  jamais um homem tenha usado.

Nome que, de modo maravilhoso, é a própria manifestação da glória d’Ele. Nome que é um símbolo sacratíssimo do Filho de Deus e, enquanto tal, tem o poder de atrair sobre nós todas as graças e favores celestiais.

Plinio Corrêa de Oliveira

São Gregório Nazianzeno

Bispo, Doutor, monge e poeta, São ­Gregório Nazianzeno foi um ­varão de grande clareza de princípios, de uma sólida firmeza no proceder e que triunfou ­magnificamente na ­batalha mais importante e difícil que o ­homem tem na vida:

a batalha contra si mesmo. Por isso, foi um pastor de almas amado por sua bondade e respeitado ­pela austeridade de seus ­sábios conselhos.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 10/5/1971)

Bendita Mãe de Deus

“Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus” — dizemos a Nossa Senhora quando recitamos a Ave-maria, depois de A exaltarmos como bendita entre todas as mulheres.

Ela, excelência do gênero feminino, transmitiu essa maravilhosa primazia ao Esperado das Nações, o Messias, o Redentor do mundo.

A Escritura nos apresenta grandes heroínas da fé e da virtude, virgens e mães santas, cujo elogio os autores sagrados se comprazem em cantar. Porém, nenhuma outra mereceu o incomparável louvor que o Anjo trouxe do Céu para manifestá-lo a Maria Santíssima. Ela é o pináculo das mulheres, o píncaro das mães.

Entre todas Bendita, deu-nos o Bendito entre todos.

Mãe de Deus e nossa Mãe

Deus, estabelecendo a união hipostática com a natureza humana, dignificou toda a Criação. Ele quis que essa união se operasse no seio virginal de Maria Santíssima, Aquela que supera todas as meras criaturas.

A importância da Maternidade Divina de Nossa Senhora para a piedade católica está em que todas as graças extraordinárias pela Virgem Maria recebidas — que fizeram d’Ela uma criatura única em todo o universo e na economia da salvação — têm como título e ponto de partida o fato de Maria ser Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo.

O espírito contrarrevolucionário ama o matiz

Podemos ver como na obra de Deus estabeleceu-se uma espécie de hierarquia, e como todas as coisas da Providência são matizadas.

O espírito revolucionário é a favor das simplificações. O espírito contrarrevolucionário, pelo contrário, ama o matiz. E quando vê algo antitético, difícil de entender, ama aquilo porque sabe que naquela aparente antítese há, no fundo, uma verdade muito bonita que se vai acabar por compreender.

Desde pequeno, eu tinha surpresas quando via certas coisas na Igreja que me deixavam confuso. Mas depois aprofundava a observação e percebia que, quanto mais esquisito era o que eu via, tanto mais bonita era a explicação daquilo.

Habituei-me, então, à ideia de que toda objeção que se tente fazer à Igreja é como os pequenos furos que se encontram na areia da praia, dos quais saem umas borbulhas. Cava- se um deles e aparece um caramujo. Assim também na Igreja. Sabendo-se esperar e aprofundar, tudo quanto parece esquisito ou antitético e contraditório, que não se entende bem, em certo momento Nossa  Senhora nos faz compreender aquilo  e encontramos uma “pérola”, uma verdadeira maravilha. Isto é próprio da Igreja: numa coisa eriçada de contradições, encontra-se sempre algo de uma harmonia profunda que esconde uma verdade.

Para um espírito cartesiano, que afirmação pode parecer mais absurda do que “Mãe de Deus”? Uma pessoa que nunca teve aula de Doutrina Católica abismar-se-ia sabendo que a Igreja Católica ensina ser Deus eterno, puro espírito e, ao mesmo tempo, que tem Mãe. Mãe material, carnal, de um ente espiritual; Mãe temporal de um ente eterno.

Vê-se aí uma série de contradições. Tratando-se da Igreja, em tudo quanto se julga absurdo não há absurdo. Existe uma harmonia profunda e superior presa a um princípio extraordinário. A questão é esperar para compreender.

Essência da devoção mariana

Deus infinito, eterno, perfeito, cria os Anjos e, abaixo deles, os homens. Mas a Encarnação, a união hipostática, é estabelecida não com Anjos, mas com a natureza humana. Parece também uma  contradição,  pois a dignidade superior dos Anjos pediria que a união hipostática fosse feita com o mais alto dos coros angélicos.

Ora, Deus, estabelecendo a união hipostática com a natureza humana — portanto num grau menos elevado que o angélico —, opera maravilha maior do que se fizesse essa união com um Anjo, pois dignificaria apenas as criaturas espirituais.

Mas realizando-a com a natureza humana Ele dignifica os Anjos porque o homem, enquanto tendo alma e corpo, participa da dignidade espiritual dos Anjos; e enobrece ainda todo o reino material, pois o homem é também feito de matéria. Assim, todo o cosmos se dignifica muito mais com a aparente incongruência da união hipostática  feita com a natureza humana, do que se ela   fosse realizada com uma natureza angélica. Estabelece-se, desse modo, uma hierarquia admirável: acima de tudo Deus, infinito, incomparável a qualquer criatura; depois, a humanidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, em  Quem a condição de criatura é aceita em união hipostática com a natureza divina: Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Após Nosso Senhor Jesus Cristo há naturalmente um abismo.

Porém esse abismo é preenchido por Aquela que supera tudo quanto pode existir na mera Criação: Maria Santíssima, Mãe do Verbo encarnado. A Santíssima Virgem é o espelho mais perfeito que de Deus possa  ser uma mera criatura.

É a Rainha dos Anjos e dos homens, Rainha do Céu e da Terra, revestida de todas as outras qualidades e graças, de todos os outros títulos que Ela possui, inclusive o da mediação universal; tudo isso pelo fato de ser Ela Mãe de Deus. A Maternidade de Nossa Senhora, de algum modo, é a própria raiz, a própria essência da devoção mariana.

Espírito simplificador revolucionário

Há uns vinte anos, eu quis fundar  uma Congregação Mariana num bairro de São Paulo, e uma das pessoas por mim convidadas para fazer parte dela disse: “A congregação chamar-se-á Nossa  Senhora, Mãe de  Deus.”

Pareceu-me irrepreensível e perguntei- lhe: “Mas por que você escolheu esse título pouco usual?” Resposta: “Porque, afinal, em Nossa Senhora apenas importa o fato de ser Mãe de Deus. Todos os outros títulos dados a Ela não valem nada”.

Evidentemente havia nessa concepção um desequilíbrio. Seria o mesmo que dizer: na árvore só se deve considerar a raiz e o tronco; a galharia, as flores, os frutos não importam.

Entrava nisso a influência do espírito simplificador protestante, revolucionário que, sob o pretexto de ir às raízes, rejeita a galharia, afirmando que, uma vez aceita a doutrina, procura-se despojá-la de toda essa complexidade e variedade de títulos de invocação, para ficar só o tronco. O espírito católico é o oposto dessa mentalidade. Ele procura venerar imensamente esse título de Nossa
Senhora, respeitando-o como merece  ser respeitado, mas por isso mesmo sendo sequioso de tirar dele todas as suas consequências. Assim, volta-se para as mil invocações já existentes e para as novas que se  criarão até o fim do mundo, a fim de cultuar a Santíssima Virgem debaixo de mil aspectos, sempre decorrentes da Maternidade Divina.

Ainda sobre essa invocação podemos considerar um ponto muito importante. Nossa Senhora como Mãe de Deus é, a título especial, Mãe dos homens e, portanto, nossa Mãe. A mais preciosa graça que podemos receber, em matéria de devoção a Maria Santíssima, é a de Ela condescender em estabelecer, por laços inefáveis, com cada um de nós uma relação verdadeiramente materna. Isso se pode dar de mil maneiras diferentes.

Mas geralmente Nossa Senhora revela-se verdadeiramente nossa Mãe quando nos tira de algum apuro de um modo especial, que nos fica gravado indelevelmente, ou quando Ela nos perdoa alguma falta particularmente imperdoável, por uma dessas bondades que só é dado às mães terem. Jesus Cristo curava a lepra, de maneira a não ficar nada da doença.

Realmente, nada naquela falta merecia ser perdoado, nada ali tinha atenuante, tudo pedia somente a cólera de Deus; porém Ela como Mãe, com seu poder soberano, indulgente como só as mães conseguem ser, com um sorriso apaga tudo, elimina o passado que fica queimado e completamente esquecido.

Mais um sorriso, mais um perdão

Nossa Senhora concede às vezes essas graças de um modo tal que, na vida inteira, fica a alma marcada com fogo. É fogo do Céu, não da Terra e menos ainda do Inferno: a convicção de que podemos recorrer a Ela em circunstâncias mil vezes mais indefensáveis, e sempre Ela nos perdoará de novo, porque abriu para nós uma porta de misericórdia que ninguém fechará.

É propriamente do que a nossa família de almas vive. Um crédito de misericórdia aberto por Nossa Senhora, mas de misericórdia como poucas vezes terá havido. Não merecendo nós coisa alguma, Ela tem ainda para nós mais um sorriso, mais um perdão. “Porque eles eram fracos, Eu lhes abri uma porta que ninguém poderá fechar”, diz o Apocalipse (cf. Ap 3, 8). Muito legitimamente podemos ver aplicadas essas palavras ao Imaculado Coração de Maria e ao Coração Materno de Maria para conosco.

De maneira que, propriamente, quando se fala da graça especial do nosso Movimento, não se deveria entender como graça merecida por nós; isto é conversa fiada com C e F maiúsculos! Mas enquanto dada por Nossa Senhora e imerecida, eu não conheço verdade mais palpável, mais digna do nosso amor e de nossa gratidão. Para dar uma imagem criada, muito reles, que me vem agora ao espírito, nós estamos para Maria Santíssima como o Brasil para com os Estados Unidos: pagamos empréstimo, contraímos novo empréstimo em que andam incorporados os juros do empréstimo anterior; estamos  completamente entalados. Só que Ela nos trata como os Estados Unidos estão muito longe de nos tratar.

Se Nossa Senhora nos der a graça, ao cabo deste dia ou desta semana de ter no íntimo da alma um sentimento de confiança — não porque tenhamos razão de estar contentes conosco, mas porque sabemos como Ela é boa —, tenho a impressão de que o dia e a semana foram inteiramente pagos.

Existe um antigo adágio que diz: “Mais vale cair em graça do que ser engraçado”. Quando um potentado, um rei, por exemplo, acha graça em alguém, é melhor do que de fato alguém ter graça. Se o potentado achou graça,  todas as coisas passam como se fossem engraçadas. Porém, adianta ter graça quando o potentado não acha graça? Isso acontece conosco em relação a Nossa Rainha, Maria Santíssima: não temos graça, mas caímos em graça, o que deve ser para nós motivo de alegria e satisfação.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 11/10/1965)

Mãe de Deus e nossa!

Desde toda a eternidade, Maria foi eleita para gerar o Salvador. Em virtude dessa predestinação, foram-Lhe concedidos todos os demais dons e privilégios constitutivos do grande edifício de sua   santidade ímpar e insuperável por qualquer outra criatura humana ou angélica. “Deus Pai ajuntou todas as águas e denominou-as mar; reuniu todas as suas graças e chamou-as Maria”, afirma São Luís Grignion de Montfort. Entretanto, a própria plenitude de graça n’Ela existente, foi-Lhe conferida pelo Senhor em função de sua Divina Maternidade.

Até mesmo nesse pináculo de perfeição marial está presente o pressuposto cristocêntrico da ordem da criação. E estes eram princípios fundamentais da piedade de Dr. Plinio. Nada o comovia  tanto quanto a contemplação das excelsas relações entre Jesus e Maria, quer durante os nove meses de gestação, quer nos trinta anos de convívio na humilde casa de Nazaré. Dr. Plinio era  sensivelmente tocado por graças ao considerar aspectos da vida quotidiana entre Mãe e Filho, como longa preparação para as ações públicas do Salvador.

Nos seus escritos, conversas ou conferências, Dr. Plinio jamais deixava de se referir a Maria, e com facilidade estendia à maternidade espiritual os maravilhosos corolários de ser Ela a Mãe de  Deus: “Nossa Senhora é incomparavelmente melhor do que todas as mães da Terra. Ela nos ama e é muito mais nossa verdadeira Mãe do que aquela que nos trouxe ao mundo. Ora, sabemos até onde nossa mãe seria capaz de ir para nos proporcionar um benefício. Do que, então, será capaz Nossa Senhora?

“Se, pois, cada filho tem para com sua mãe terrena um carinho peculiar, devemos    cada um de nós amar Nossa Senhora de maneira inteiramente própria, especial e inconfundível. Ela, por sua vez, terá para conosco uma ternura particular, que pousará sobre cada um de nós, como se só nós existíssemos na face da Terra.” Imbuído desses sentimentos, uma das orações mais caras a Dr. Plinio era a “Salve Rainha”, na qual se invoca sobretudo a misericordiosa maternalidade de Maria, “vida, doçura e esperança nossa”.

Foi a “Salve Rainha”, aliás, rezada candidamente como “Salvai-me Rainha!”, que o livrou de uma provação infantil e imprimiu em sua alma, de modo indelével, a noção vivíssima de ser filho de Maria Santíssima.

Por isso mesmo, ainda muito jovem adquiriu o costume de dizer essa tocante prece, ao ouvir as badaladas que encerram um ano e abrem outro, na meia noite do 31 de dezembro (Cfr. “Dr. Plinio”  nº 34, seção Datas na vida de um cruzado).

Cumpre ressaltar que essa entranhada devoção a Maria, como Mãe de Deus e nossa, era na alma de Dr. Plinio um eco da mais pura doutrina católica, conforme nos ensina o Papa João Paulo II na Encíclica “Redemptoris Mater”: “A Tradição e o Concílio não hesitam em chamar a Maria ‘Mãe de Cristo e Mãe dos homens’: ela está, efetivamente, associada na descendência de Adão com todos os homens; (…) mais ainda, é verdadeiramente mãe dos membros [de Cristo], (…) porque cooperou com o seu amor para o nascimento dos fiéis na Igreja. Esta ‘nova maternidade de Maria’, portanto, gerada pela fé, é fruto do ‘novo’ amor, que n’Ela amadureceu definitivamente aos pés da Cruz, mediante a sua participação no amor redentor do Filho”. Nossa Revista — que alcança hoje sua 70ª edição — honra-se em ser, graças a Deus, testemunha de que Dr. Plinio não cessou de pregar o amor filial a Maria Santíssima como o melhor caminho para se chegar até as profundezas do Coração de Jesus.

Plinio Corrêa de Oliveira

Mãe de Deus e dos homens

Pináculo de tudo quanto possa haver de meramente criado, Nossa Senhora é a Rainha do Céu e da Terra, dos Anjos e dos homens, Medianeira universal de todas as graças. Esses títulos e as inúmeras invocações que existem ou existirão até o fim do mundo para cultuar Maria Santíssima são uma decorrência da Maternidade Divina.

A importância, para a piedade católica, da Festa da Maternidade Divina da Bem-aventurada Virgem Maria está em que todas as graças extraordinárias que Nossa Senhora recebeu — e que fizeram d’Ela uma criatura única em todo o universo e na economia da salvação —, têm como ponto de partida e razão de ser o fato de Ela ser Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo e, portanto, Mãe de Deus.

Como os pequenos orifícios existentes nas areias das praias…

A propósito desse tema, é interessante ressaltar o modo pelo qual se estabelece a hierarquia na obra de Deus, como todas as coisas feitas por Ele são matizadas, e como isso é contrarrevolucionário.

O espírito revolucionário é a favor das simplificações. Pelo contrário, o espírito contrarrevolucionário ama o matiz, e quando vê uma coisa meio difícil de compreender e até meio antitética, ama aquilo porque compreende que naquela aparente antítese há, no fundo, uma verdade muito bonita que acabará por encontrar. É uma realidade que, desde pequeno, habituei-me a ver na Igreja.

Tive uma surpresa quando comecei a ver coisas aparentemente esquisitas na Igreja, e eu ficava meio enovelado com aquilo, mas depois aprofundava a análise do assunto e percebia que quanto mais esquisito, tanto mais bonita era sua explicação.

Habituei-me, assim, à ideia de que toda objeção que se pode fazer à Igreja é como aqueles furinhos que há na praia. Vê-se um furinho insignificante do qual estão saindo borbulhazinhas. Mete-se o dedo ali, e de dentro sai um caramujo.

Assim também na Igreja: tudo quanto se nos afigura como esquisito, meio incompreensível, antitético, contraditório, desde que saibamos buscar e esperar a explicação, quando de fato Nossa Senhora nos der a entender aquilo, ali encontraremos uma pérola, uma verdadeira maravilha.

É próprio da Igreja que, numa coisa eriçada de contradições, se encontre sempre uma harmonia profunda resultante de uma verdade.

A união hipostática foi feita com uma criatura humana e não angélica

Para um espírito cartesiano, o que pode parecer mais absurdo do que a figura da Mãe de Deus?

Pensemos em um indivíduo a quem nunca se expôs a Doutrina Católica e que toma conhecimento de que a Igreja, ao mesmo tempo em que ensina ser Deus eterno e puro espírito, afirma que Ele tem uma Mãe. Como é possível um ente espiritual ter essa Mãe material e carnal que, sendo temporal, gera um Ser eterno?

São contradições que, para um espírito protestante, correspondem a um verdadeiro absurdo. Ora, tratando-se da Santa Igreja Católica, nunca há absurdo. Existe, isto sim, uma harmonia profundíssima e superior presa a um princípio extraordinário. A questão está em esperar para compreender.

Consideremos que Deus eterno, perfeito, criou os anjos e, abaixo deles, os homens. Contudo, Ele não estabeleceu com um anjo a união hipostática, e sim com a natureza humana.

Também isso pareceria uma contradição: a superior dignidade dos anjos pediria que a união hipostática fosse feita com eles e, principalmente, com o mais alto, o melhor dentre eles. Ora, Deus estabelece a união hipostática com uma natureza inferior à angélica, e opera uma maravilha maior do que se a estabelecesse com o maior dos anjos.

Porque feita a união hipostática com um anjo, Deus dignificaria somente a natureza espiritual. Porém, ao realizá-la com uma criatura humana, Ele dignifica os anjos — porque o homem, enquanto tendo alma, é participante da dignidade espiritual dos anjos — bem como todo o reino material, pois o ser humano é também composto de matéria. Portanto, é todo o cosmo que se dignifica com essa aparente incongruência de Deus Se unir hipostaticamente a uma natureza inferior.

Um desequilíbrio na consideração da maternidade divina

Decorre daí uma disposição hierárquica admirável, toda ela matizada também. No ápice, Nosso Senhor Jesus Cristo, Homem-Deus. Depois, uma criatura humana que é o pináculo de tudo quanto pode existir de meramente criado: Maria Santíssima.

Ela, como Mãe de Deus, está posta como Rainha do Céu e da Terra, dos Anjos e dos homens, investida de todas as outras qualidades, graças e títulos, inclusive de Medianeira Universal de todas as graças, por causa de sua Maternidade Divina.

Assim, essa festa atrai a nossa atenção e a nossa piedade sobre aquilo que, de algum modo, é a própria raiz da devoção mariana: a Maternidade Divina de Nossa Senhora.

Isso é tão verdadeiro, tão ortodoxo! Entretanto, vejamos onde pode entrar um desequilíbrio na consideração dessa verdade.

Há uns vinte anos, eu quis fundar uma congregação mariana em um bairro de São Paulo e convidei para isso algumas pessoas conhecidas naquele lugar, sem saber já estarem elas influenciadas por certas tendências contrárias à sã doutrina.

Depois de confabularem entre si, uma delas me disse:
— A Congregação se chamará “Nossa Senhora Mãe de Deus”.

Título doutrinariamente irrepreensível, mas pouco usual naquela época. Então lhe indaguei:
— Mas por que você escolheu esse título que é pouco usual?

Resposta:
— Porque, afinal, só o que importa em Nossa Senhora é ser Mãe de Deus. Todo o resto não é nada.

Aqui já entra o desequilíbrio. É o mesmo que dizer: na árvore só o que importa é o tronco. A galharia, as folhas, as flores, os frutos, nada disso tem importância. Aceitar a doutrina da Maternidade Divina de Maria, procurando despojá-la de toda essa maravilhosa complexidade e dessa variedade de títulos que dela deflui, para ficar só com o tronco, já é, por si mesma, uma posição errada.

Nota-se nisso o bafo do espírito simplificador, protestante, sob o pretexto de ir às raízes, rejeitando o restante da galharia.

O espírito católico, ao contrário, leva-nos a venerar imensamente esse principal título de Nossa Senhora, respeitando-o como ele merece ser respeitado, mas sequiosos de tirar dele todas as suas consequências. Portanto, tendo o espírito aberto e voltado para as mil invocações que existem e se criarão, até o fim do mundo, para cultuar a Santíssima Virgem, debaixo desse ou daquele aspecto, o que será sempre uma decorrência da Maternidade Divina d’Ela.

Mãe dos homens

Há outro ponto muito importante para nós nessa invocação. Por ser Mãe de Deus, Nossa Senhora é também, por uma série de consequências e a título especial, Mãe dos homens.

Acredito que a mais preciosa graça que se pode ter, em matéria de devoção a Maria Santíssima, é a de Ela condescender em estabelecer com cada um de nós, por laços inefáveis, uma relação verdadeiramente materna.

Isso pode dar-se de mil modos, mas em geral Nossa Senhora se revela principalmente nossa Mãe quando nos tira de algum apuro, de modo a seu amparo nos ficar inteiramente inesquecível. Ou então, quando nos perdoa alguma falta que particularmente não tinha perdão, mas que Ela, por uma dessas bondades que só as mães têm, passa por nós, perdoa e elimina aquilo, como Nosso Senhor Jesus Cristo curava a lepra, de maneira a não ficar nada.

Realmente, nada ali merecia ser perdoado, não havia atenuante e não merecia senão a cólera de Deus; mas Ela, como Mãe, com seu poder soberano e com essa indulgência que as mães têm, com um sorriso apaga aquilo, elimina, e o passado fica completamente esquecido.

Nossa Senhora nos obtém graças dessas, às vezes de um modo tal que, para a vida inteira, fica marcada a fogo na alma — um fogo do Céu, não da Terra — essa convicção de que poderemos recorrer a Ela mil vezes, em circunstâncias mil vezes mais indefensáveis, e Ela sempre nos perdoará de novo, porque abriu para nós uma porta de misericórdia que ninguém fechará.

Creio ser disso que vivemos: um crédito de misericórdia aberto por Maria Santíssima; dessas misericórdias como poucas vezes terá havido. Por essa razão, embora nós não merecendo e fazendo de tudo, Ela ainda tem mais um sorriso, mais um perdão, Ela nos repesca mais uma vez.

Vem-me à memória uma passagem do Apocalipse: “Eis que pus à tua frente uma porta aberta que ninguém poderá fechar, pois tens pouca força, mas guardaste a minha palavra e não renegaste o meu nome”(1). Certa vez vi uma aplicação dessas palavras à devoção ao Sagrado Coração de Jesus, e acho imensamente legítima. Parece-me também muito legítimo aplicá-las ao Imaculado e Materno Coração de Maria para conosco.

Não conheço verdade mais palpável, mais digna de nosso amor e de nossa gratidão do que esta.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 11/10/1963)

Maternidade de Maria

A importância da maternidade divina de Nossa Senhora para a piedade católica, é que todas as graças extraordinárias que Ela recebeu e que fizeram d’Ela uma criatura única em todo o universo e na economia da salvação, têm como título e ponto de partida o fato de Maria ser Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas, envolvida nesse fato, a afirmação da Igreja de que Ela é Mãe de Deus!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/11/1965)

Admiração e afeto da Virgem-Mãe

Ao contemplar o Menino Jesus, Nossa Senhora tinha por Ele um afeto cheio de admiração, primeiramente considerando-O como Deus, e secundariamente em sua fragilidade humana.

Ao meditarmos no relacionamento de Maria Santíssima com seu Divino Filho ainda criança, consideremos a adoração da criatura para com seu Deus e Criador e, ao mesmo tempo, o afeto d’Aquela Mãe celeste para com seu Filho único e incomparável.

Afeto que começa por atos de admiração

Sendo modelo de humildade, Nossa Senhora não se aproximaria do Menino-Deus antes de ter-Lhe manifestado todo o respeito e toda a admiração que Ele merecia. Por outro lado, Ela, que sabia Quem era enquanto mera criatura, ou seja, a chave de cúpula da Criação, entretanto não poderia deixar de se colocar nessa posição humilde diante do Salvador. Porque a mais alta das criaturas está tão infinitamente abaixo do Criador que pode falar a Nosso Senhor como se fosse a última delas. Por exemplo, se uma pessoa se julgasse mais próxima do Sol por medir dez centímetros a mais do que o comum dos homens, daríamos risada, porque é tal a distância entre a Terra e o Sol que se pergunta: o que são dez centímetros?

Assim Deus, sendo infinito, até mesmo a imensa distância que separa Nossa Senhora de todos nós é pequena diante daquela que A separa de Nosso Senhor. Portanto, é compreensível a série de atos de humildade que Ela poria na presença do Menino Jesus.

Não é uma humildade egocêntrica, e sim teocêntrica. Ela não começa apenas a dizer “Eu sou a última das criaturas”, mas, mais do que a sua condição limitada de criatura, Nossa Senhora tem em vista a grandeza infinita de Deus. Por isso, seus afetos começam por atos de admiração.

Há nisso uma ordenação lógica que merece um rápido comentário. Quando queremos muito bem a alguém, devemos começar por admirá-lo. Porque a admiração é o fundamento do amor verdadeiro. Amar por quê? Ter amor por outrem apenas como alguém que gosta de um bonequinho, isso é sentimentalismo. No caso concreto, a Santíssima Virgem tinha para amar Aquele que, enquanto homem, era a mais admirável de todas as criaturas, e enquanto Homem-Deus, hipostaticamente unido à Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, estava infinitamente acima de tudo. A Santíssima Trindade, nem se têm palavras para admirar. Ora, se não há palavras para admirar, também não há palavras para exprimir suficientemente o amor, pois este é a defluência da admiração.

No frágil Menino, contemplar a infinita grandeza de Deus

Evidentemente, Maria Santíssima tinha razões para amar seu Filho recém-nascido muito acima do fato de Ele ser muito engraçadinho, bonitinho, etc. Isso tem seu papel legítimo também, mas não é o principal. Muita gente imagina que Nossa Senhora olhou o Menino Jesus e disse: “Que engraçadinho! Que bonequinho!” Absolutamente isso não estaria à altura da circunstância.

Ela conhecia, por revelação divina feita diretamente a Ela, que o Filho gerado n’Ela era a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. E o primeiro assombro é: “Tão fraquinho, tão pequenino, entretanto Deus, na sua infinita grandeza, e na sua admirabilidade incomensurável. Deus está aí!” O primeiro pensamento d’Ela vai para Deus no que Ele tem de grandioso, depois se volta para o Menino, medindo o espaço que vai de um a outro, a profundidade da união hipostática, e a glória que essa união faz defluir, a torrentes solares, sobre o Menino; para depois começar a analisá-Lo com afeto de mãe, e ver no olhar d’Ele o sol de Deus que se faz refletir. Entra, então, a ternura materna pelo Filho tão pequenino.

A admiração e o afeto são duas posições de alma correlatas

Contudo, a admiração não desaparece nessa hora, para deixar lugar ao puro afeto, porque na hora em que admiração morresse, o afeto morreria também; assim como na hora em que morresse o afeto, morreria a admiração.

A admiração e o afeto são duas posições de alma correlatas, a tal ponto que quando uma boa mãe tem um bebê, ela se enternece com a criança, mas deveria estar, ainda que no subconsciente dela, a seguinte ideia: “Que grandeza há no fato de uma criatura humana, chamada a levar uma vida de longa duração, a cumprir obrigações graves, como as da paternidade ou da maternidade, e, sobretudo, os deveres para com Deus, a ser boa filha ou bom filho da Igreja Católica, dominar as suas paixões, santificar-se, ir para o Céu por toda a eternidade! Este como que projeto de anjo que está aqui, que coisa extraordinária! E como eu fico enternecida vendo como uma coisa tão grande cabe em tão pouco.”

Ao considerar que aquele pequenino é seu filho, entra uma ternura muito grande, mas também uma grande admiração: “Que mistério admirável pelo qual eu, criatura humana, gerei outra criatura humana! Que coisa misteriosa e profunda! Nasceu de mim, foi alimentado por mim, formou-se no meu claustro, eu o liberei para a vida e aqui está tão pequenino, tão minúsculo, mas para ele existir realizou-se um imenso mistério.”

Depois este outro mistério: a hora exata, que não se sabe qual é, na qual Deus, como que Se debruçando sobre aquele embrião, “sopra” uma alma, e lhe dá algo que a mãe não gerou, que não veio do ato nupcial, mas criado diretamente por Deus. Que coisa magnífica!

Na ternura de uma mãe verdadeira, bem orientada para com seu filho, deve aparecer isto.

Toda essa série de mistérios que se formaram nela, ao qual ela deu origem, e que fizeram com que sobre a carne da carne e o sangue do sangue dela — esse “outro eu mesmo” — pairasse o Divino Espírito Santo, e criasse uma alma que não foi dada por ela, em que a obra de Deus se somou à obra dela para fazer uma coisa tão imensamente maior: infundir-lhe uma alma. Com a alma, os horizontes se abrem para aquela criança! Horizontes na Terra, horizontes de luta, de batalha, de abnegação, horizontes também de dias de alegria, de vitória, em que se tem a impressão de estar tocando o Céu com as mãos. Mas também horizontes de tristeza, de abatimento, de desfalecimento, em que se tem que pedir graças a Deus para se continuar.

Elucubrações de uma verdadeira mãe

Então, aparece outro aspecto do nascimento de uma simples criança. Segundo a Igreja, a vida de toda criatura é comparável a um herói que se prepara com exercícios para a luta, e, depois, na hora de entrar na arena, se prepara por fricções, óleos perfumados, etc., para que toda a musculatura esteja em condições para enfrentar as feras que vai combater, ou então outros gladiadores com os quais vai lutar. Pega as armas, o escudo, e com tudo em forma entra na arena. Quem olhasse para um herói desses na sala dos gladiadores, dos domadores de feras, e o visse sentado esperando o chamado, tranquilo, pronto, para uma imensa batalha, não poderia deixar de se admirar.

Ora, uma criança que entra no mundo é como esse herói. Ela está na entrada de uma imensa batalha. Seja uma menina ou um menino, se a mãe tiver uma verdadeira noção das coisas, ela dirá: “Batalhador! Batalhadora! Eu te admiro porque és combatente do bom combate! Teu dever é este. Uma vez que recebas o Batismo, a graça te chamará. E a partir desse momento começará uma vida sobrenatural em ti que é mais ou menos como uma vela na qual alguém ateia um fogo.” Então a criança é para a mãe como uma vela que daqui a pouco vai ser acessa. Ela mesma vai levá-la até o padre que vai acender ali a luz da graça, participação criada na vida de Deus. Ela olha e diz: “Quanto vai arder esta alma? Que bem fará? Que glória dará a Deus?”

Se for um medíocre, mas tiver a coragem de assumir a própria mediocridade, dirá: “Eu nasci e Deus me criou de inteligência, de saúde, de capacidade de atrair, de capacidade de agir medíocres, eu todo sou medíocre. Mas em mim uma coisa não é medíocre: eu adoro a Deus de todo o meu coração! Creio na Santa Igreja Católica com toda a minha alma, e estou disposto a viver a minha vida medíocre e a carregar a minha cruz de mediocridade, que me imporá em todas as circunstâncias o segundo, o terceiro, o quinto lugar, pouco importa, mas eu carregarei tudo isso comigo até o fim.

E quando eu morrer, entregarei a Deus a minha mediocridade ornada pelo meu sacrifício, pela minha aceitação, pela minha humildade. Deus receberá essa mediocridade ornada com o amor com que Ele a criou medíocre. E na escala de valores, Ele amorosamente me destina um lugar no Céu. Que maravilha ter a fronte no Céu iluminada por toda a eternidade com esta nota: é um medíocre que amou sua mediocridade com todo o amor, porque assim realizava os desígnios de Deus. Oh, grande homem!”

Na mesma hierarquia dos seres celestes, nós poderemos encontrar talvez grandes homens, com grande inteligência, e na fronte escrito: “Grande homem, teve grandes dotes e fez algo por Deus”. Isto lhe valeu um lugar no Céu.

Assim é como uma mãe olha para o seu filho.

Antes de tudo, ver nas almas o desígnio de Deus

Mais ainda, se uma mãe tiver a coragem de levar os seus raciocínios até o fim, ela não poderá deixar de pensar: “Não será que essa criança vai, um dia, ofender a Deus? Não abusará ela da paciência divina? Não será que Deus descarregará sobre esta pessoa a sua cólera e ela irá para o Inferno? A mim, como mãe, que preparei para ele este berço tão delicado, tão esplendoroso, como me dói pensar que esta boquinha que chora é capaz de ser condenada, de tal maneira que blasfemará contra Deus por toda a eternidade! E se eu me salvar, do alto do Céu, por toda a eternidade, verei esta criancinha, já adulta, blasfemando contra Deus por toda a eternidade! E direi: ‘Meu Deus! Não teria sido melhor que não tivesse nascido a correr esse risco?’”

Entretanto, se ela for verdadeira mãe, é porque antes de tudo soube ser verdadeira filha de Deus e, portanto, pensará de outra maneira:

“Se acontecer que essa minha criança, apesar de eu rezar por ela como Santa Mônica rezou por Santo Agostinho, resistir a qualquer graça e for precipitada no Inferno, oh! Deus, que destino terrível! Mas se ela merecer a vossa cólera eterna, eu não sei, meu Deus, desunir-me, desligar-me de Vós; e se Vós a odiardes, eu a odiarei também! E quando ela blasfemar contra Vós no Inferno, e Vós a amaldiçoardes, desde já junto à vossa a minha maldição de mãe. Se ela for vossa inimiga, ela terá a mim, mãe dela, como inimiga também.”

Esta seria a meditação de uma mãe levada até o último ponto.

Convívio entre Nossa Senhora e Nosso Senhor

Mas, voltando a meditar no convívio entre a Santíssima Virgem e seu Divino Filho, podemos considerar a história d’Eles durante os trinta anos em que Jesus passou recolhido na casa de Nazaré, assistiu à morte de São José — proclamado, com muito tato e acerto, pela Igreja, como Padroeiro da Boa Morte, pois não se pode morrer em melhores condições do que assistido por Nossa Senhora e pelo próprio Menino Jesus —, e o auxílio prestado pelo Filho a sua Mãe que ficara viúva.

Poderíamos imaginar as conversas d’Ele com Ela, quando, estando sozinhos na casa de Nazaré, à noite, terminada a refeição, olhavam-se e se queriam bem, fruindo da enorme felicidade de estarem juntos, de se olharam e de se quererem bem, de conversar, trocar pensamentos, etc.

Nossa Senhora meditando no que aconteceria futuramente, pensava, inclusive, que viria um determinado momento em que os Anjos haveriam de transportar aquela casa santa pelos ares para não cair nas mãos dos maometanos. Que a santa casa de Nazaré, ia ser pousada num lugar chamado Loreto, e que ali, um número incontável de peregrinos, provavelmente até o fim do mundo, iriam venerar as paredes santas entre as quais ecoaram essas conversas, onde se ouviram os risos cândidos e cristalinos do Menino Jesus, onde se ouviu a voz grave, paterna e afetuosa de São José, onde se ouviu a voz de Virgem-Mãe, modulada quase ao infinito como um órgão, exprimindo adoração, veneração e ternura em todos os graus e modalidades.

Maria Santíssima pensava na vida pública de Nosso Senhor, nos milagres que Ele iria praticar, nas almas que Ele iria atrair, como tudo isto daria no momento em que Ele começaria a ser recusado pelos judeus, e na traição de Judas.

Depois Pentecostes, a dilatação da Igreja por toda a bacia do Mediterrâneo, os lugares misteriosos por onde andariam os Apóstolos, enchendo a Terra com a presença deles. A libertação da Igreja por Constantino, a Igreja que brilha na face da Terra, a invasão dos bárbaros, depois São Bento, que se desprende daquele pantanal, caminha até Subiaco e ali começa uma vida espiritual da qual nascerá a Idade Média.

Vem a Idade Média, mas começa a Revolução: o Renascimento, o Humanismo, o Protestantismo, a Revolução Francesa, a Revolução Comunista…

Tudo isso nós devemos considerar quando estivermos ao pé do Presépio, e dizer: Ele é a pedra de divisão, a pedra de escândalo que divide a História pelo meio. Tudo quanto está com Ele, é a Contra-Revolução, tudo quanto é contra Ele é a Revolução.

Prece ao Divino Infante

Poderíamos, então, fazer esta oração junto ao Presépio:

Aqui está mais um filho da Igreja militante, Senhor Jesus Cristo, trazido pela graça que vossa celeste Mãe, por suas preces, obteve de Vós. Aqui está este batalhador, ajoelhado diante de Vós, antes de tudo para Vos agradecer.

Agradeço-Vos a vida que destes ao meu corpo, o momento em que insuflaste minha alma, o plano eterno que tínheis a respeito de mim, como de qualquer homem, um plano determinado e individual, por onde deveria haver nos desígnios de Deus alguém que, dentro da coleção dos homens, haveria de ocupar este lugar, mínimo que fosse, no enorme mosaico de criaturas humanas, que devem subir até o Céu.

Agradeço-Vos por terdes posto uma luta no meu caminho, para que eu pudesse ser herói. Agradeço-Vos a força que me destes para rezar, resistir e espancar o demônio, como dizia Santo Antonio Maria Claret, o fundador dos padres do Coração de Maria: “A Dios orando y con el mazo dando”.

Agradeço-Vos todos os anos de minha vida que já se foram e que se passaram na vossa graça. Agradeço-Vos os anos que se foram e que, embora não se tenham passado na vossa graça, Vós os encerrastes, num determinado momento, e eu abandonei o caminho da desgraça, para entrar de novo na vossa graça.

Agradeço-Vos, oh! Divino Infante, oh! Menino Jesus, a hora em que eu disse sim e comecei a Vos servir.

Eu Vos agradeço tudo quanto fiz de difícil para combater os meus defeitos; por não Vos terdes impacientado comigo, e por terdes me conservado vivo para que eu ainda tivesse tempo de corrigi-los antes de morrer. E se um pedido quero Vos fazer neste Natal, Senhor Jesus, ei-lo, adaptando um pouco o versículo de um Salmo que diz “Não tireis a minha vida na metade dos meus dias”: Não me tireis os dias, na metade da minha obra, e concedei-me que meus olhos não se cerrem pela morte, meus músculos não percam seu vigor, minha alma não perca a sua força e sua agilidade, antes que eu tenha, para a vossa glória, vencido todos os meus defeitos, galgado todas as alturas interiores que Vós me criastes para galgar, e no vosso campo de batalha eu tenha prestado a Vós, por feitos heroicos, toda a glória que Vós esperáveis de mim quando Vós me criastes. Assim seja.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 23/12/1988)