LOURDES e a sublimidade do milagre

Lourdes foi tema de várias conferências e artigos de Dr. Plinio. Com seu proverbial discernimento dos espíritos, neles incluía sempre abordagens psicológicas, a par das religiosas e históricas. Estão elas presentes ao longo de todo o comentário aqui reproduzido, mas especialmente no fim, quando ele põe em relevo um aspecto pouco focalizado da virtude de Santa Bernadete.

Milagres, sempre os houve durante os dezenove séculos de História da Igreja, manifestando ao mundo a infinita misericórdia divina. Entretanto, adquiriram eles uma extraordinária freqüência, tornando-se abundantes e até comuns, a partir do momento em que, na gruta de Massabielle, em Lourdes, cidade localizada na vertente francesa dos Pirineus, apareceu Nossa Senhora a Santa  Bernadete Soubirous, e disse: “Eu sou a Imaculada Conceição”.

Havia apenas 4 anos, o Papa Pio IX definira solenemente a verdade de Fé segundo a qual Maria Santíssima foi concebida sem pecado original desde o primeiro instante de seu ser. Conquanto fosse esse dogma duramente atacado pelos inimigos da Igreja, [o hoje Beato] Pio IX, com uma coragem de anjo, proclamou-o a todos os homens. E não tardou para que Nossa Senhora ratificasse a sentença pontifícia, revelando-se a uma humilde jovem de Lourdes como sendo a Virgem sem mancha.

Triunfo de Maria sobre a impiedade

Foi essa uma das mais extraordinárias manifestações da luta de Nossa Senhora contra o demônio. Com efeito, a aparição se deu no auge das perseguições e ridiculizações movidas pelo anticlericlaismo do século XIX contra a Igreja, com o intuito de enfraquecê-la. Eram incontáveis os católicos que, acovardados pelo respeito humano, fingiam não ter mais fé, e poucos professavam abertamente a religião. Os não-praticantes pediam provas de sua veracidade.

Nessas circunstâncias Nossa Senhora apareceu, e teve início a espantosa série dos milagres de Lourdes,  concedidos com a solicitude e magnanimidade maternais da melhor de todas as mães. Das rochas de Massabielle passou a jorrar um curso de água ainda inexistente. Os doentes, que pensam em tudo para aliviar as suas dores, puseram-se logo a se banhar nessas águas e — oh maravilha! — começaram a curar-se em número surpreendente.

Não querendo dar a mão à palmatória, os ímpios logo ergueram a voz, afirmando ser impossível tratar-se de doenças autênticas; em conseqüência, as curas também não o eram. Não podiam reconhecer os milagres, porque isto os esmagaria.

A fim de eliminar quaisquer dúvidas e fazer triunfar a insondável bondade de Maria Santíssima, a Igreja instituiu um consultório médico especial, com todos os recursos mais modernos que a ciência possuía, a fim de analisar e comprovar as enfermidades antes de os doentes se banharem. Estes, munidos do atestado, entravam nas águas e pouco depois saíam — várias vezes, nem sempre — cantando as glórias de Nossa Senhora, por terem obtido a cura. Os médicos faziam novo exame e, com freqüência, concluíam pelo milagre.

No decorrer dos meses e dos anos, as curas foram se multiplicando, e a piedade católica constituiu todo um dossiê sobre essa manifestação maravilhosa da compaixão de Deus para com os homens.

Como os maus não se cansam de sua maldade, um ímpio, escritor famoso da França daqueles tempos, foi a Lourdes com a intenção de colher dados e informações para um livro contra os prodígios anunciados. Viajou incógnito, passeou pela gruta, observou tudo o que desejou, e depois… fugiu! De volta a Paris, confessou aos seus íntimos: “Eu não fiquei; fugi, porque o milagre me esmagava!”

Sublimidade do milagre Os milagres de Lourdes continuaram e continuam. Até hoje, o sobrenatural ali demonstra sua existência claramente, de viseira erguida, e o amor da Mãe de Deus se expande sobre os homens de todas as nações, de todas as línguas e, em certo sentido, de todas as religiões. Porque há curas de não-católicos em Lourdes, a maioria dos quais se converte.

O trágico e magnífico espetáculo de Lourdes… Aqueles doentes que chegam, conduzidos pelos “brancardiers” (carregadores de macas), deixam-se examinar pelos médicos para depois se dirigirem aos banhos na gruta.

É todo o drama da dor humana diante da doença, fruto do pecado original, que ali se desenrola. Pessoas debilitadas pelo mal que as aflige, tendo passado pelos incômodos de uma viagem mais ou menos longa, conforme o lugar de onde saíram, vão pedir a Nossa Senhora o milagre tão almejado.

E multidões de pessoas sãs estão ao lado delas, assistindo àquele desfile de sofrimento, cantando e rezando  para que os doentes sarem, durante  a Missa, a bênção com o Santíssimo Sacramento e a tocante e maravilhosa procissão das velas…

Imagine-se o que representou para um doente partir da África do Sul ou da ilha do Ceilão, da Patagônia ou do Alasca, para estar algumas horas em Lourdes. Às vezes são pobres — que gastam nessa viagem os últimos recursos financeiros de que dispõem, com a esperança da cura — que vêm… ou que não vêm. Não raro, a cura ocorre no caminho de volta para casa. De repente, quando nada mais se espera, um grito jubiloso: “Estou curado!”

Todas essas circunstâncias, aspectos e acontecimentos se revestem de uma sublimidade peculiar, sobrenatural, sacral, diante da qual nossa língua emudece. É a sublimidade do milagre.

Testamento espiritual de Santa Bernadete

Não se pode falar de Lourdes sem lembrar a personagem ligada de modo indissociável a essa história de bênçãos e misericórdias. A modesta pastorinha a quem Nossa Senhora apareceu é o primeiro milagre de Lourdes: milagre da graça, milagre da santidade.

Por isso a Igreja a elevou às honras dos altares como Santa Bernadete Soubirous.

Antes de partir deste mundo para as glórias da bem-aventurança eterna, a vidente deixou seu testamento espiritual, uma comovedora prece de ação de graças em que ela, ao invés de se mostrar reconhecida pelos insignes favores de que foi objeto, louva Nossa Senhora e seu Divino Filho por tudo o que lhe representou sofrimento e carência nesta vida:

“Pelas zombarias recebidas, pelas injúrias e pelos ultrajes da parte dos que me mandaram prender como doida, pela cólera que tiveram contra mim, tomando-me como interesseira. Pela ortografia que eu jamais consegui aprender, pela memória que eu  jamais tive, pela minha ignorância, graças vos dou, Senhora. Graças, porque se houvesse sobre a terra uma menina mais ignorante e mais estúpida do que eu, Vós a teríeis escolhido para lhe aparecer.

“Graças, ó Jesus, por ter dessedentado com amarguras esse coração por demais frágil que me destes! Por Madre Josefina, que disse de mim: não serve para nada… Pelos sarcasmos da madre mestra de noviças, pela sua voz dura, pelas injustiças, pelas ironias, pelo pão da humilhação, muito obrigada.

Graças por ter sido a Bernadete ameaçada de prisão porque tinha visto a Virgem Maria, olhada pelas pessoas como um raro animal, aquela Bernadete tão mesquinha que, ao vê-la, diziam: É essa?
“Pela minha doença, pelas minhas carnes em putrefação, pelos meus ossos com cáries, pelos meus suores, pela minha febre, pelas minhas dores surdas e agudas, graças ó meu Deus! E por essa ânsia que Vós me destes para o deserto da aridez interior, pelos vossos silêncios, mais uma vez por tudo, por Vós ausente e presente, graças, ó Jesus!”

O holocausto do puro amor desinteressado

É uma oração verdadeiramente heroica, de um heroísmo que sobressai da seguinte situação: a Santa Bernadete foi concedida a graça incomparável de ser a vidente a quem Nossa Senhora apareceu, a ela foi indicado o local onde brotariam as águas que operariam as curas milagrosas. Portanto, a partir das revelações feitas a ela, Maria Santíssima inaugurou uma série de maravilhas e de benefícios incalculáveis para os corpos e para as almas dos homens da terra inteira.

Além disso, a devoção à Mãe de Deus conheceu um novo e precioso crescimento sob a invocação de Nossa Senhora de Lourdes.

Assim, ela, a pequena, a miserável, a mesquinha; ela, nula, plebeia, pobre; ela, a tonta e ignorante Bernadete, foi o arco pelo qual quis entrar esse raio de sol no mundo contemporâneo, e mais especialmente no mundo do século dela, tão orgulhoso, tão cheio de revolta e de incredulidade.

Para tudo isso, foi escolhida essa pessoa tão insignificante. Santa Bernadete poderia fazer um raciocínio diferente: “Meu Deus, Vós me destes esses ossos cariados, essa carne putrefata, me destes toda essa miséria e essas contrariedades. Em compensação, porém, me concedestes a grande vantagem de ser a Bernadete escolhida por Vós para iluminar o mundo inteiro. Então, eu aceito de boa vontade tudo o que me destes de triste, de ruim, como ação de graças por aquilo que me destes de bom. Amém.”

Seria um pensamento legítimo. Mas, ela era uma santa, e por isso, diante da conduta da Providência em face dela, levou sua atitude de alma até o limite da sublimidade. Mediu sua personalidade, seus recursos mentais, sua saúde física, e percebeu que não valia nada. Era apenas uma pessoa muito equilibrada, nascida numa família pobre, menosprezada por todos. E ela aceitou  heroicamente sua nulidade, para que inúmeras almas fossem salvas e a Igreja Católica reluzisse de maior glória.

Ela compreendeu bem que não teve apenas aparições, mas recebeu também uma cruz, mais preciosa do que as próprias visões de Nossa Senhora.

E ter aceito de modo perfeito a cruz, levando-a até o fim com amor, com entusiasmo pelo sofrimento, por tudo quanto a dor significa no plano sobrenatural — isto fez dela uma santa.

Vemos, então, uma pessoa que reconhece não ser nada, e que transforma esse nada numa hóstia para oferecer a Nosso Senhor, dizendo: “Meu Deus, enquanto todos perdem a alma para ser alguma coisa, enquanto aqueles que Vós sobrecarregastes de dons os dilapidam de modo miserável, eu, a quem Vós fizestes nada, agradeço-Vos esse nada. Peço-Vos que, para vossa glória, aceiteis
minha conformidade com esse nada.

Sei que sou o rebotalho do mundo, sei que sou o asco da terra, sei que ninguém quer saber de mim, mas sei que para Vós, ó meu Deus — três vezes santo, perfeito, eterno, imutável, onisciente, misericordioso — para Vós, dentro de meu nada eu sou muito. Sou tanto que por mim Vós vos teríeis encarnado, e Vós teríeis sofrido o tormento da Cruz. Vós, sim, me amais. E se Vós amais esse nada, aceitai esse nada. Ele vale pelo amor que Vós lhe tendes. Aceitai esse nada e aceitai-o por aqueles a quem Vós destes tanto. Aqueles que receberam de Vós os dons que eu não recebi,  utilizem-nos segundo vossos desígnios, eu vos ofereço, meu Deus, eu vos agradeço os dons que não recebi”. Isso é levar o desinteresse até o sublime.

É o holocausto completo, o puro amor a Deus, sem preocupação por si. É o modelo que a Providência nos propõe para que tenhamos uma vida espiritual norteada, mais do que pelo desejo do Céu, pela graça de amar e adorar desinteressadamente o Senhor do Céu e da Terra.

Nossa Senhora de Lourdes – Suplicar a cura moral

Nossa Senhora de Lourdes cura tantas pessoas! O que é mais difícil: sanar o corpo ou a alma? Para a Rainha do Céu e da Terra, nem uma coisa nem outra. Tudo aquilo que Ela pedir, obtém. Se Nossa Senhora cura de tal maneira os corpos, vamos suplicar a Ela que cure também as nossas almas, e as transforme a ponto de chagas ocultas, defeitos ignorados às vezes por nós mesmos, apegos, desordens de todo tipo cessarem maravilhosamente pela ação d’Ela.

Por vezes, as enfermidades narradas no Evangelho são símbolos de doenças morais. Assim como Nosso Senhor curava cegos e paralíticos físicos, há uma cegueira e uma paralisia espiritual. E, segundo certos comentadores, as curas físicas operadas por Ele atestavam seu poder de realizar curas morais.

Talvez alguns dentre nós sejam “cegos”, outros “surdos”, “mudos” ou “paralíticos”. Quem sabe se há algum “leproso”… Outros serão “epilépticos” e terão convulsões. Tudo isso simbolizando estados de alma.

Peçamos a Nossa Senhora de Lourdes que opere as curas morais e nos dê a graça de caminharmos para a festa d’Ela com a alma verdadeiramente renovada.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 11/2/1967)

Nossa Senhora da Luz

Nossa Senhora da Luz, invocação lindíssima porque é Nossa Senhora enquanto suscitando toda espécie de luzes interiores — tão frequentes em nossas almas — que não podemos considerar nem fantasia, nem imaginação. São luzes que de fato nos iluminam por dentro e nos levam à prática da virtude.

Que Nossa Senhora da Luz, nossa Auxiliadora nos momentos de trevas interiores, faça raiar em nossas almas esta luz de uma confiança invencível na realização de nossa vocação, de nossa missão, que é a vitória da Causa Católica por meio dos auxílios que Ela nos dá em todas as circunstâncias.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/5/1971)

Rainha do Bom Sucesso

Nossa Senhora do Bom Sucesso é a Rainha no verdadeiro sentido da palavra: tem majestade e, ao mesmo tempo, bondade; é a triunfadora e também a batalhadora, cujo semblante dá a ideia de que, ao combater, possui a certeza da vitória. Esta é a Rainha do Bom Sucesso.

Para nós, o que importa em nossa luta não é ganhar a batalha amanhã, a não ser como condição de vencer a guerra, pois é isso que devemos desejar. O sucesso é a grande vitória final da Contra-Revolução na guerra empreendida pela Revolução contra a Santa Igreja e a Civilização Cristã. Esta vitória devemos pedir a Nossa Senhora.

Santo Inácio de Loyola dá um conselho muito sábio: em todas as coisas, devemos atuar como se tudo dependesse de nós e nada de Deus; mas esperar como se tudo dependesse de Deus e nada de nós. Assim, na luta contrarrevolucionária devemos atuar com energia, constância, dedicação como se tudo dependesse de nós; mas confiar reconhecendo que tudo, inclusive a nossa dedicação e energia, depende de Deus Nosso Senhor. É pelas orações de Maria Santíssima que nos vêm as graças do Céu para sermos dedicados.

Temos que começar por suplicar a Ela que nos dê essa dedicação, o amor de Deus, o entusiasmo pela causa católica, aquela compenetração do espírito católico que fez com que o grande Apóstolo São Paulo dissesse de si mesmo: “Já não sou que vivo, é Jesus Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20).

Se pedirmos força à Santíssima Virgem, obteremos. Ela é a Rainha dos valentes. A Santa Igreja aplica à Mãe de Deus esta frase da Escritura: “Terrível como um exército em ordem de batalha” (Ct 6, 4).

Devemos, pois, impetrar a Nossa Senhora principalmente duas graças: uma grande confiança na sua misericórdia, e que Ela nos dê a sua intransigência soberana, perfeitíssima, a indignação triunfante com a qual presidirá os acontecimentos preditos por Ela em Fátima.

Então, contemplaremos em seu semblante a expressão de vitória comprazida de Rainha, como A representa a imagem do Convento das Concepcionistas de Quito, na qual encontramos esperança, força, senhorio e dominação.

Nossa Senhora do Bom Sucesso, eu interpreto como sendo, por excelência, a invocação do Reino de Maria. É dessa maneira que Ela Se nos apresentará, como a nos dizer:
“Meus filhos, alegrai-vos, levantai o vosso ânimo! Nada tem importância quando Eu resolver vencer. A minha hora de misericórdia está baixando sobre vós e, portanto, nada vos atingirá de maneira contrária a meus planos. O que atingir será de acordo com meus planos e, no fundo, para vosso bem. Alegrai-vos! O sucesso é meu, porque Eu sou a Rainha do Bom Sucesso; e o sucesso é, portanto, vosso, porque vós sois meus filhos.”

 

* Excertos de conferências de 26/8/1977, 16/11/1977 e 2/6/1979.

A Apresentação do Menino Jesus e Nossa Senhora do Bom Sucesso

Dos episódios narrados no Evangelho, nenhum evidencia tanto o papel de Nosso Senhor enquanto gladífero como a Apresentação do Menino Jesus no Templo. Nossa Senhora apresenta ali o êxito de sua divina gestação, tornando-Se padroeira de todos quantos procuram um bom sucesso para o serviço da Causa d’Ela.

 

Nossa Senhora do Bom Sucesso, das Candeias, da Purificação. O que querem dizer essas três invocações? O que elas falam a respeito da vida da Santíssima Virgem? Em que sentido devem nos fazer compreender as relações profundas que nossa piedade pode estabelecer entre a festa do Bom Sucesso, das Candeias, da Purificação e nós? Compreendendo isso poderemos relacionar a devoção a Nossa Senhora do Bom Sucesso com as nossas esperanças.

O nascimento do Menino-Deus

Consideremos o Menino Jesus recém-nascido, deitado na manjedoura em Belém, numa noite fria. Nossa Senhora prevendo tudo com o amor que podemos imaginar, apesar de sua pobreza, arranjou pequenas túnicas para pôr n’Ele, assim que nascesse. Evidentemente dispôs essas túnicas de acordo com as várias temperaturas possíveis, de maneira tal que o Menino Deus não sentisse frio.

Como seria o interior, o íntimo de Maria Santíssima cogitando essas coisas!? Admite-se piedosamente que Nosso Senhor tenha nascido à meia-noite e que, antes de Ele nascer, Ela entrou num êxtase altíssimo, durante o qual deu à luz o Menino Jesus.

O nascimento do Homem-Deus se deu um modo maravilhoso pelo qual sua Mãe Santíssima permaneceu virgem antes, durante e depois do parto; verdade esta que a Igreja sempre afirmou com esta energia de linguagem de que só o pensamento católico é capaz, atestando assim, de modo categórico, a virgindade materna de Maria.

Como Ele pôde fazer isso? Há uma cena no Evangelho em que Nosso Senhor entra em um recinto com todas as portas e janelas fechadas. Costuma-se citar essa passagem como explicativo da virgindade durante o parto. Jesus pode atravessar todos os obstáculos materiais, pois, sendo Deus, seu Corpo terreno poderia assumir as propriedades dos corpos gloriosos e atravessar tudo, antes mesmo de sua Ressurreição.

Logo depois, o mais alto dos êxtases se interrompeu e Ela precisou cuidar do Menino que podia estar com frio.

“Aquele que excogitaste, Tu O gerarás!”

Sendo concebida sem pecado original, a Santíssima Virgem possuía uma inteligência perfeita, isenta das fraquezas inerentes à nossa natureza manchada pela nódoa original. Em consequência, ao ler as Escrituras – ainda mais inundada de graças de Deus para interpretá-las – Ela chegou a compor a fisionomia, o espírito, a mentalidade do Messias anunciado pelos profetas e tão esperado por Ela.

No momento em que Maria Santíssima completou a imagem por Ela formada, em meditação, sobre o Messias, o Anjo apareceu convidando-A para ser Mãe d’Aquele que o espírito d’Ela tinha concebido.

Portanto, uma primeira tarefa na vida de Nossa Senhora foi conceber, pela inteligência, como seria o Filho de Deus. Mas conceber com cuidado, evitando qualquer distração e negligência que pudesse tornar um pouco menos nítida, menos santíssima, a imagem que Ela era chamada a ter d’Aquele que, sem Ela saber, seria seu Divino Filho.

Que santidade é necessário possuir para imaginar o olhar, o timbre de voz, os gestos, o andar, o divino repouso do Filho de Deus! Que alma precisa ter para tentar uma coisa como esta e alcançar êxito!

Mais ainda: Que alma deve possuir para, depois de ter feito essa obra interior de composição, Deus dizer a Ela: “Aquele que Tu excogitaste, Tu gerarás!” Que prêmio maravilhoso este: “Excogitaste, dedicaste a tua mente a desvendar isso? Acertaste! Tu fizeste com tanto amor e acerto, que Eu te afirmo: ‘Tu O gerarás!’” Nunca houve e nem haverá prêmio igual na História do mundo.

Jesus despede-se de sua Mãe

Entretanto, Ela ficava encarregada de tomar conta do Menino, de maneira que em nenhum momento um arrepio de frio ou um pouco de sofrimento com o calor pudesse ser sentido por Ele. E que todo o seu desenvolvimento físico e mental fosse perfeito. Ela era a responsável por isso e tinha uma obrigação enorme de levar a sua tarefa ao ponto perfeito.

Esse ponto perfeito foi o momento gaudioso e triste em que Jesus, ficando adulto, disse a Ela:

– Mãe, estou inteiramente constituído e formado. Chegou a minha vez; Eu caminho para a pregação, a fim de maravilhar os homens e ser crucificado por eles. Minha Mãe, adeus!

Podemos imaginar Nossa Senhora indo até a porta da casa, vendo-O afastar-Se pela estrada, talvez ao cair da tarde, e contemplando a sombra d’Ele a estirar-se ao longo do caminho. Depois, Ela fechava a porta e estava sozinha. Quiçá, para consolá-La, os Anjos começaram a cantar! Sem dúvida, era maravilhoso, mas não valia um olhar, uma manifestação de carinho e de respeito do Filho d’Ela. Só de ouvir, por exemplo, o eco de seus pés divinos sobre aquele soalho tão pobre, já A enchia de contentamento. Que andar de rei, de general, de mestre! Pobres reis, pobres generais, pobres mestres… O que é tudo isso em comparação com o reboar de um passo d’Ele sobre as pranchas de madeira da santa casa que hoje está em Loreto? Quem haveria de remediar esta ausência?

Ao longo da narração do Evangelho vemos que Nossa Senhora aparece, às vezes. Sobretudo, naquele encontro com seu Divino Filho no caminho do Calvário. A meu ver, a cena mais pungente que houve na Terra.

À missão de gerar sucede a de cuidar

Maria Santíssima tinha, portanto, uma primeira missão: conceber o Homem-Deus, e O concebeu esplendidamente. Possuía, ademais, a missão de gerá-Lo e, para isso, quantos cuidados a fim de que tudo se desse perfeitamente e essa gestação fosse para o Divino Embrião como um sol que nasce, tudo perfeitamente direito, adequado, conveniente, santo. Imaginem o enlevo d’Ela quando sentia em suas entranhas virginais que Ele Se movia. Mais ainda, Ele Se comunicava com Ela, por oração conversavam.

Vemos, então, como à tarefa de gerar perfeitamente bem Jesus sucede a de cuidar perfeitamente d’Ele. Acaba uma tarefa, começa outra. O Menino nasce, é o termo de todo um período que começou desde a primeira reflexão feita por Ela sobre como seria o Salvador até o momento de seu nascimento. E Ela contempla, pela primeira vez, aquela face que tanto desejara contemplar: rosto pequeno, de criança inocente, mas já fisionomia de Rei, de Mestre, de Quem fará milagres, porque o sobrenatural de tal maneira irradiava de Nosso Senhor que se tem a impressão de que ao aproximar-se d’Ele qualquer enfermo sararia imediatamente.

Sem dúvida, uma das incumbências da Santíssima Virgem foi vestir seu Divino Filho. Quando Adão e Eva pecaram, Deus fez para eles os primeiros trajes. Quando o Menino nasceu, foi a criatura humana que vestiu a Deus. Como tudo isso é bonito e se presta a meditações!

Maria Santíssima apresenta o Menino no Templo

A Lei do Antigo Testamento determinava que, tão logo quanto possível, as mães levassem seu filho recém-nascido ao Templo para apresentá-lo a Deus e se purificassem. Essa era uma regra que toda boa mãe israelita cumpria. Aliás, linda regra na qual se espelha a santidade de Deus. A criança nasce no meio de perigos. Toda a gestação traz riscos. Mas, afinal, ela nasceu. Ó sucesso feliz! A mãe toma a criança, vai até o Templo e oferece a Deus aquele bebê que pertence a Deus, pois Ele o criou. A antiga Lei tornava isso obrigatório.

Nossa Senhora era superior à antiga Lei. Deus não está sujeito à Lei que Ele mesmo fez. O Legislador é superior à Lei, entra pelos olhos. Então, Ele não era obrigado a ir e Ela não estava obrigada a levá-Lo ao Templo de Jerusalém. Mas Ela quis por respeito à Lei, à tradição. E amando esse conceito de tradição, animada pelo amor de Deus intensíssimo que Ela possuía, Nossa Senhora leva a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade ao Templo de Jerusalém.

Episódio único na história do Templo: é o próprio Deus Encarnado que nele entra. Valeria a pena construir um Templo mil vezes mais esplêndido do que aquele, para ali entrar Deus Encarnado. Era a hora máxima, a hora santa, a hora perfeita. Pode-se dizer que, nesse momento, os Anjos encheram o Templo e se puseram a cantar.

Ela entrou, mas quase ninguém notou… Ninguém ouviu os Anjos. A decadência religiosa do povo eleito era enorme. Aquilo estava cheio de barracas com gente fazendo comércio de toda ordem. Os sacerdotes eram os precursores próximos daqueles que haveriam de trabalhar para a crucifixão d’Ele, ou já eram os próprios que O crucificariam. Tudo estava em ruína. Aquele que é o Autor de todas as coisas entra naquelas ruínas espirituais… E aqueles homens de ruína não O perceberam. Ela cumpre o rito da Apresentação.

Um ancião amarrado à vida por uma promessa

Simeão, que era o profeta indicado por Deus para isso, atua para purificá-La, quer dizer, faz o rito com Ela, e recebendo o Menino nos braços entoou aquele cântico que começa assim, em latim: “Nunc dimittis servum tuum in pacem…” – “Agora, Senhor, levai o vosso servo na paz, porque os meus olhos viram o Salvador…”

Ela ouve encantada aquele ancião que parecia amarrado à vida por uma promessa que não se tinha cumprido: a promessa divina de que ele veria o Messias antes de morrer. Aquele homem viu o Messias chegar e canta: “Senhor, agora levai…” E prevê o futuro daquele Menino, a glória e a Cruz. Diz: “Tu serás pedra de escândalo para que se revelem de muitas almas as cogitações”. Mas ao mesmo tempo aclama, dizendo que Ele é “Lumen ad revelationem gentium” – “Luz que se manifesta aos homens”. E uma profetiza, Ana, também canta as glórias d’Ele. Os dois sabem, por inspiração divina, o que até então só São José e Ela sabiam, que Aquele era o Filho de Deus.

Padroeira para a hora em que o Reino de Maria nasça na Terra

O que significa aí o comemorar o bom sucesso? O sucesso é um bom sucesso, digno de nota, quando se realiza algo que pede cuidado, empenho e dá seu resultado. É filho do esforço, da dedicação e do heroísmo! Aí é que há o bom sucesso. Nossa Senhora leva ao Templo Aquele que é a prova de que a gestação fora perfeita. Ali estava o Filho de Deus.

Aqueles que estão entregues a uma tarefa árdua têm uma responsabilidade grande, uma série de coisas difíceis para fazer a fim de chegar a um resultado; quando alcançam o resultado eles têm um sucesso. Nossa Senhora do Bom Sucesso é a padroeira de todos aqueles que procuram um bom sucesso para o serviço da Causa d’Ela.

Como merece ser chamado de “bom sucesso” o êxito daqueles que, nas trevas da noite do neopaganismo de nossos dias, trabalham para que nasça o sol do Reino de Maria! Não será Nossa Senhora do Bom Sucesso uma padroeira muito felizmente indicada para a hora em que o Reino de Maria afinal nasça na Terra? E filhos indignos da Santíssima Virgem, mas amorosos, transidos de enlevo, quando raiar a luz do Reino de Maria poderemos dizer a Ela:

“Senhora, nós Vos apresentamos aqui o mundo que Vós iluminais; a luz de vosso Reino é o nosso sucesso; Mãe nossa, é o vosso sucesso! Vós fizestes tudo, a começar por nós. Quando um de nós, menino ainda, foi levado às fontes batismais, que mérito tinha para isso? Que graça teve senão a de vossas orações? Que gratuidade assombrosa a desse dom!”

Ora, foi a Santíssima Virgem quem nos obteve a graça que nos levou a sermos batizados. Quem trouxe essa graça para o gênero humano senão o Filho por Ela gerado? Ele é o autor e a fonte da graça. Se Nosso Senhor não tivesse morrido na Cruz, nós não teríamos a graça. Essa torrente de graça que jorra sobre o mundo abriu-se para os homens na hora em que Ele morreu. Mas essa graça, de algum modo, começou a estar presente no mundo no momento em que Ela disse: “Fiat mihi secundum verbum tuum!” – “Faça-se em mim, segundo a tua palavra!” E jorrou sobre o mundo no momento em que o Padre Eterno pediu o consentimento d’Ela para que Nosso Senhor Jesus Cristo morresse na Cruz. E Ela fez essa coisa sublimemente terrível, dizendo: “Morra então Ele, por amor ao gênero humano e para que se faça a vossa vontade”.

Todos os que trabalham a favor da Contra-Revolução, em última análise, atuam para que nasça o sol do Reino de Maria sobre o mundo! É algo vagamente parecido com uma geração, e o Reino de Maria se parecerá admiravelmente com um bom sucesso, com um magnífico sucesso.

Indicações para esculpir uma imagem

Talvez se encontre aí a explicação para o fato de Nossa Senhora aparecer tão régia na imagem que A representa, no convento das concepcionistas de Quito, esculpida milagrosamente por Anjos.

Durante uma aparição à Madre Mariana de Jesus Torres, a Santíssima Virgem dera todas as indicações de como deveria ser sua imagem, inclusive o tamanho, tomando o cordão do hábito da Madre Mariana e medindo-Se a Si própria.

O escultor começou a fazer a imagem e não conseguia. Um belo dia, ele chegou ao coro onde estava esculpindo a imagem em madeira e a encontrou pronta.

Depois disso, Nossa Senhora aparecia para conversar com Madre Mariana de Jesus Torres e andavam juntas por aqueles claustros do convento. Como prova da autenticidade dessas aparições, ao amanhecer o manto d’Ela estava todo molhado de orvalho. Que maravilha, o orvalho cair sobre o manto da Rainha do Céu e da Terra! Nenhum palácio, nenhum diadema real, nada teve a beleza dessas gotas de orvalho pousando e cintilando sobre o manto da Virgem!

Um fatinho da vida de Madre Mariana, profetiza do Bom Sucesso de Nossa Senhora

Madre Mariana de Jesus Torres, para ser fiel a sua vocação – uma espécie de profetiza do Bom Sucesso de Nossa Senhora, do Reino de Maria –, teve que passar por provações terríveis. Eu não resisto ao desejo de contar uma:

O mosteiro dela foi erigido no tempo em que tanto o Brasil como a América hispânica eram colônias, respectivamente de Portugal e da Espanha. Teve sete fundadoras; ela era uma, mas as outras religiosas fundaram com ela o convento. Depois receberam outras vocações da Espanha, creio eu, e entraram também muitas do lugar, que eram mestiças de índias. E uma freira péssima – Judas os há por toda parte e nos dois sexos –, índia, ou mestiça de índia, chefiou a revolta das índias contra as espanholas, que eram santas. Fizeram uma perseguição medonha, e Madre Mariana de Jesus Torres chegou a ser presa na cadeia do convento. Ela rezou continuamente pela perseguidora.

Em determinado momento ficou claro que a perseguidora não tinha razão, e que Madre Mariana estava certa, e foi eleita como abadessa. A perseguidora daí a algum tempo adoeceu, entrou em agonia e ia morrer. Madre Mariana, que havia cumulado essa revolucionária de bondades durante a sua doença, quando de sua agonia pediu especialmente a Deus, por meio de Nossa Senhora, que salvasse aquela alma. A resposta que veio foi esta: “Poderá ser salva, se por amor à tua perseguidora consentires em que tua alma passe cinco anos no Inferno”.

Ela consentiu e a freira se salvou, tendo passado por um Purgatório não pequeno. E a alma de Madre Mariana foi posta no Inferno. O que ela sofreu durante esses cinco anos é uma coisa tremenda, inclusive – as memórias dela não me pareceram muito claras a esse respeito – parece que ela tinha se esquecido que fizera esse oferecimento e passou cinco anos com o pavor da ideia de ter sido condenada, e que sofreria o Inferno por toda a eternidade. Ela só pedia uma coisa a Deus: nunca permitisse que ela deixasse de amá-Lo.

Passados os cinco anos, foi-lhe revelada a realidade e o tormento cessou. E ela que era uma pessoa de uma grande beleza, um prodígio de beleza, muito rosada, com cores muito saudáveis que ela conservou até o fim da vida, durante esse tempo emagreceu, definhou, mas depois refloresceu completamente!

Por aqueles claustros, que várias pessoas aqui presentes viram, passou penando, por uma inimiga, Madre Mariana. Com a alma sofrendo os tormentos do Inferno. Ela ali conversou com Nossa Senhora do Bom Sucesso. Que conversas… parecidas com as de Adão com Deus no Paraíso! Que penas e tormentos, que alegria quando ela voltou à luz e compreendeu que diante dela estava mais um tanto de vida e o Céu se abria.

Apresentação do Menino: Nosso Senhor enquanto gladífero

É interessante notar que, de todas as páginas do Evangelho, não me lembro de nenhuma em que o papel de Nosso Senhor enquanto gladífero venha tão bem acentuado quanto nessa passagem da Apresentação do Menino Jesus no Templo. Porque Ele é qualificado pelo Profeta Simeão, o qual recebe o Menino Jesus das mãos de Nossa Senhora, como pedra de escândalo que vai dividir os homens para que se conheçam em muitos corações as verdadeiras cogitações.

Quer dizer, Ele cria um caso, divide as almas ao longo de toda a História. Escandaliza os escandalosos, os sem-vergonha, os maus, os hipócritas. Esses que Nosso Senhor denuncia e coloca mal à vontade levantar-se-ão contra Ele. Aquele Menino levanta uma grande batalha até a consumação dos séculos e divide a humanidade. O grande divisor da humanidade é Nosso Senhor Jesus Cristo, aquele mesmo Menino, tão encantador, que nos é apresentado no presépio no Natal.

Como seria interessante se houvesse, em alguma igreja, ao pé do presépio uma faixa citando a respeito daquele Menino tão engraçadinho e inocente, com os braços em forma de cruz, a frase afirmando que Ele vai dividir o gênero humano! Como seria bom, como conformaria bem a piedade, como seria magnífico!

Castigos, sorrisos e provas de amor maternal que sobre a América Latina sobrevirão

Ora, a profecia de Nossa Senhora, de que Madre Mariana de Jesus Torres recolheu a revelação, trata exatamente disso. Ela fala de um tempo em que o Equador se terá tornado independente da Espanha, adotará uma forma de governo próprio, e que esse país e toda a América do Sul serão sacudidos por uma grande revolução.

E se refere indiscriminadamente à América do Sul como sendo um grande todo sócio-político-econômico que vai passar por uma revolução religiosa e uma revolução de ordem temporal, as quais irão chacoalhar tudo e que será um castigo para a humanidade. E depois virá o triunfo de Maria Santíssima, o Reino d’Ela, a vitória daqueles que Nossa Senhora tiver suscitado para lutarem por Ela nessa ocasião difícil.

Compreende-se essa concepção da América do Sul como que constituindo um todo. Porque no tempo em que Madre Mariana de Jesus Torres recebeu as revelações, o Brasil fazia parte da Coroa espanhola. Quer dizer, a Coroa de Portugal fora herdada por Felipe II, que era, portanto, Rei da Espanha e de Portugal. E, enquanto tal, senhor do Brasil, que era colônia portuguesa. Razão pela qual toda a América do Sul estava debaixo do domínio de um só monarca, que era Felipe II e seus sucessores. Compreende-se que ela visse isso tudo como um abalo só.

É curioso que perante o mundo de nossos dias a América Latina é tida como um todo só também. Tem-se, portanto, a noção da grande unidade que a América Latina constitui e, consequentemente, dos grandes castigos, sorrisos e provas de amor maternal que sobre a América Latina se abrirão.

Assim, esta festa nos diz muito especialmente respeito.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 2/2/1983 e 2/2/1985)

Sinal de contradição

A invocação de Nossa Senhora da Luz refere-se ao episódio em que Ela apresentou o Menino Jesus no Templo, onde Ele foi recebido por um profeta, Simeão, e por uma profetisa, Ana.

Simeão fez uma linda profecia na qual ele enaltece Nosso Senhor como Luz para iluminar as nações e sinal de contradição para a queda e o soerguimento de muitos em Israel.

Assim como uma pedra posta no meio do rio separa as águas, estaria Ele no centro da História da humanidade, dividindo os homens, sendo objeto da ira de uns e do amor de muitos outros, para  que se revelassem as cogitações dos corações.

Devemos ter o desígnio de representar Nosso Senhor nesta perfeição: sermos pedras a dividir as águas. De maneira que onde o rio da impureza e da Revolução corre sem ninguém se contrapor, ali esteja um escravo de Maria contestando: “Eu não estou de acordo!”

Que linda vocação! (Extraído de conferência de 19/7/1985)

São João Bosco – Virtudes irmãs

São João Bosco possuía o dom de suscitar muita confiança e muita paz nas almas. Ele tinha um sorriso, uma bondade impregnada de fortaleza, mas de tal maneira comunicativa, generosa e apaziguante, que basta rezarmos diante de uma boa imagem dele para percebermos algo de indefinivelmente suave que se perpetuou no seu modo de ser, no seu estilo.

É essa suavidade espiritual que devemos pedir a São João Bosco, nesta época de árduos combates.

Todas as virtudes são irmãs. Portanto, a combatividade mais irredutível e implacável é irmã afetuosíssima dessa bondade, delicadeza e suavidade próprias do espírito de São João Bosco.

(Extraído de conferência de 31/1/1969)

Apresentação do Menino Jesus

Em tudo, Nosso Senhor e sua Mãe Santíssima são para nós modelos que devemos imitar. Ela estava acima da lei que obrigava as mulheres a se purificarem depois de ter dado à luz, e Ele, da que preceituava o oferecimento e resgate dos primogênitos. Entretanto, por amor a essas leis, ambos se dirigiram ao Templo para cumpri-las.

Assim se realizavam os desígnios da Providência: a fim de que Nossa Senhora guardasse em seu coração as esplêndidas profecias do velho Simeão a respeito de Jesus, e para que Mãe e Filho se tornassem exemplos de observância aos Mandamentos divinos.

Plinio Corrêa de Oliveira

São Francisco de Sales: exemplo de combate aos vícios

Quando São Francisco de Sales morreu, resolveram fazer a autópsia. Para surpresa geral, encontraram seu fígado endurecido, como se fosse de pedra…

De fato, embora tivesse um gênio péssimo, ele se dominou de tal maneira que ficou famoso por sua doçura: era considerado o santo da doçura.

Assim devemos ser: se possuímos dificuldade de trato, procuremos ter gênio angélico; se somos inclinados à preguiça ou temos medo de lutar, procuremos ser heróis ao serviço de Nossa Senhora. A exemplo dos santos, sejamos exímios no combate aos defeitos que julgamos mais difíceis de vencer.

Para isso, devemos examinar nossos atos implacavelmente, sem nunca pensarmos em atenuantes. Porque nós só os reconheceremos se formos implacáveis, analisando-os com lupa, um por um.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 11/11/1989)

Revista Dr Plinio 167 – Fevereiro de 2012

São João Bosco Austeridade e ação intelectual na vida de um insigne educador

Com profunda admiração pela obra salesiana, Dr. Plinio evoca o grande segredo da educação que Dom Bosco dispensava a seus “birichini”, os meninos pobres dos bairros de Turim: freqüência dos sacramentos e uma assídua assistência à Missa; e para sua congregação sobreviver às investidas do laicismo, a destemida e ágil astúcia dos santos…

No dia 31 de janeiro celebra-se a memória de São João Bosco, fundador dos Salesianos e extraordinário apóstolo da juventude. A fim de nos unirmos a essa comemoração, será oportuno considerarmos algumas notas a respeito de sua obra evangelizadora e de suas idéias pedagógicas.

Influência da “Mamma” Margarida

É indiscutível que a personalidade da mãe de Dom Bosco influiu em sua formação. Essa mulher, viúva aos 29 anos, marcou profundamente a alma de seus três filhos. Era puco instruída, mas dotada de raro bom senso. A retidão de seu julgamento, uma grande piedade e não menos devotamento, aliados a uma firmeza viril, dela fizeram a educadora exemplar.

O trabalho era obrigação constante em sua casa. Margarida sujeitava seus filhos a todas as atividades domésticas e dos campos. Desde a aurora, no verão, e ainda antes, no inverno, as crianças iniciavam o dia pela oração. “A vida é muito curta, dizia a mãe, para dela perdermos a melhor parte”. A fadiga não era considerada, as refeições permaneceram sempre de uma extrema frugalidade. À noite dormia-se no chão. Quando mais tarde João for para o seminário, levará o cobertor prescrito. Mas nas férias a mãe o fará guardar cuidadosamente, considerando essa doçura inútil e prejudicial.

 

Convém frisar que a família de São João Bosco vivia numa fria região do norte da Itália, e essa mãe exemplar não hesitava em acostumar suas crianças aos rigores do clima adverso. Preparava, assim, seus filhos, para a vida, de acordo com o que afirmava: “Somos soldados de Cristo sempre em armas, sempre em presença do inimigo, e é preciso vencer”.

Temos aqui a descrição da mulher forte do Evangelho — que levanta cedo para iniciar seus afazeres domésticos, cumprindo-os com exatidão — cujo preço é tão valioso que se faz necessário ir até os confins do universo para encontrar algo comparável a ela.

Mentalidade oposta à de certo ideal contemporâneo

Vemos, por outro lado, uma mentalidade profundamente diferente daquela que propugnam certos espíritos contemporâneos, para os quais a pessoa que padece fome e frio não é capaz de cultivar a vida espiritual. Segundo tal concepção, importa primeiro dar comida, cama e boa coberta, para só depois se falar em espiritualidade. Portanto, o começo da atividade apostólica é necessariamente uma ação de caráter material; portanto, para converter o mundo moderno importa, antes de tudo, eliminar o subdesenvolvimento. E por causa disso, em última análise, a luta contra o subdesenvolvimento deve ser uma finalidade específica da Igreja…

Ora, o exemplo da Mamma Margherita nos mostra o contrário. Ela e sua família residem numa casa tão pobre que as pessoas não têm cama: dormem no chão, sem cobertores suficientes, nem mesmo para os piores dias de inverno. Como vimos, Dom Bosco levou uma coberta para o seminário, pois o regulamento o exigia. Mas, quando retornava para passar as férias em casa, sua mãe o mandava guardar, considerando uma “doçura” supérflua.

Refeições frugais, trabalhos constantes. Propriamente uma vida pobre, porém santificada pelo espírito de renúncia e de sacrifício, pelas práticas de piedade e pela oração, considerada a “melhor parte” daquela sua penosa existência. Foi nesse árduo quotidiano, ungido pela virtude, que se formou um homem de físico forte e resistente para toda espécie de labuta, como foi Dom Bosco.

Esse aspecto da formação do Santo nos faz compreender como é quase um embuste pensar que as condições cômodas da vida são indispensáveis para o êxito do apostolado. Não são. E dir-se-ia mais: uma certa austeridade, sim, é necessária para educar as almas na virtude e na piedade. E essa formação deveria ser dada a toda juventude, de todas as classes e condições sociais.

Aliás, conservou-se por longo tempo na Europa, especialmente nas famílias de alta graduação, essa forma de educar os filhos numa vida rude. Lembro-me, por exemplo, de ter lido a biografia de um nobre francês que morava em Londres, num castelo junto ao rio Tamisa. Ora, o despertar matutino desse príncipe e de seus irmãos não era outro senão este: acordavam e se jogavam pela janela do quarto nas águas frias do rio que corria embaixo…

Somos levados a crer que, se a civilização hodierna não tivesse abandonado essa formativa austeridade, muita decadência teria sido evitada, e talvez o mundo conhecesse muitos outros santos como Dom Bosco.

Ação intelectual, mais valiosa que a assistencial

Prossegue a nota biográfica:
Apesar de muito trabalho, o estabelecimento das duas congregações religiosas, a ereção de igrejas, a fundação de numerosos patronatos e a preparação de missões longínquas, Dom Bosco consagrava boa parte de seus dias e de suas noites a escrever. Com a pena, tanto quanto com a palavra, ele sabia servir a Igreja, combater o erro e reconfortar as almas. Homem de seu tempo, observou a importância desse novo gigante moderno, a imprensa. Sua pena agiu durante quarenta e cinco anos, produzindo obras de acordo com as necessidades de sua época.

O Protestantismo lançava rudes assaltos à Igreja no norte da Itália. À propaganda protestante pela brochura, D. Bosco opôs as “Leituras Católicas”. Em 1883 respondeu ao “Amigo do Lar”, que os protestantes distribuíam a granel, com o primeiro almanaque da Europa.

Aparece-nos aqui o senso da atualidade no espírito de Dom Bosco. Não era um santo que vivia nas nuvens, pois nestas não vivem os santos. Na realidade, Dom Bosco era um homem ciente dos problemas de seu tempo, conhecia os adversários da Igreja na sua época e os combatia, tanto através dos seus escritos quanto por suas realizações apostólicas. E nisso ele nos deu outro exemplo.

Com efeito, fala-se muito da necessidade de se promover obras católicas e pouco a respeito de se escrever livros católicos. Por quê? Porque se dá mais importância ao econômico do que ao espiritual. Ora, o livro se dirige ao espiritual, enquanto a obra se destina ao econômico.

Não houve homem mais compenetrado da necessidade de obras católicas do que Dom Bosco. Entretanto, quando se examina melhor sua atuação, percebe-se ter sido mais escritor do que um empreendedor de obras. É a prova de que no pensamento desse imenso paladino da Igreja, a formação moral valia mais do que a assistencial.

Admirável continuidade de uma ordem religiosa

São João Bosco enfrentou incríveis dificuldades para levar a cabo seus intentos. O ano de 1876 foi um dos mais dolorosos para ele. Os ministros piemonteses, já em guerra contra o Papa, procuravam pegar em falta o santo fundador, a quem acusavam de manter uma correspondência secreta com Pio IX e os bispos. Multiplicavam as buscas em sua casa e queriam a qualquer preço encontrar sinais de uma conspiração.

Um dia, Dom Bosco procurou o Conde de Cavour, então primeiro-ministro, que várias vezes lhe testemunhara simpatia, e declarou-lhe sua intenção de descarregar em suas mãos o cuidado de todos os órfãos de sua instituição. Essa solução inesperada fez o ministro, se não terminar as perseguições, pelo menos fazê-las mais encobertas.

Ou seja, passaram a incomodar tanto a Dom Bosco que este procurou o ministro e lhe disse: “Vou soltar os meninos todos na rua. É o que você quer?”O ministro recuou.

Esse fato me traz à lembrança outro episódio, bem mais recente, ocorrido numa instituição salesiana em São Paulo, e que nos mostra a admirável continuidade existente nas ordens religiosas. Deu-se num período de nossa história em que se estabeleciam leis a granel, muitas das quais nem sequer passavam pela aprovação parlamentar. Por essa época, certo dia se apresentou no Liceu Coração de Jesus — o colégio salesiano que funciona ao lado da igreja de mesmo nome — um desses inspetores pedantes, enviado para examinar possíveis irregularidades. Durante a inspeção, encontrou no canto da grande cozinha uma calça que o cozinheiro havia lavado e ali deixara para secar. Ele chamou o padre responsável pelo estabelecimento e disse:
— Bem, lavar roupa em cozinha configura uma infração ao parágrafo tanto do artigo tanto da lei tal. De acordo com o regulamento, o colégio que o infringe deve ser fechado. Portanto, decretarei o fechamento do Liceu Coração de Jesus.

O padre respondeu:
— Ah, o senhor quer fechar? Pois não. Dê-nos um documento por escrito, e eu imediatamente solto todas as crianças na rua. Depois o senhor explica à cidade de São Paulo que essas crianças estão na imoralidade, morrendo debaixo de ônibus e automóveis, passando fome e vergonha, simplesmente porque havia um par de calças secando no canto de uma cozinha. É isto que o senhor quer?
O inspetor que, não é juízo temerário supor, esperava um generoso “argumento” para não fechar o colégio, ficou desarmado e sem graça. Desconversou, fez algumas observações de estilo e logo se despedia…

O segredo da disciplina de São João Bosco

Continua a biografia:
O fato seguinte é relatado como um dos mais característicos dos resultados dos métodos do grande santo.

Um ministro da rainha da Inglaterra, visitando o Oratório de São Francisco de Sales, em Turim, foi introduzido numa grande sala onde estudavam quinhentos jovens. Ele não pôde deixar de se admirar dessa multidão de escolares observando um rigoroso silêncio, embora ninguém os vigiasse. Sua admiração foi ainda maior quando soube que durante o ano inteiro não se havia a lamentar uma única palavra de dissipação, nem mesmo uma única ocasião de punir ou de ameaçar punição.

— Como é possível obter um tal silêncio, uma disciplina assim perfeita? — indagou ele. E voltando-se para seu secretário, ordenou que anotasse a resposta dada.
— Senhor — respondeu o superior do estabelecimento —, os meios que usamos não podem ser empregados em vosso país.
— Por quê? — pergunta o ministro.
— Porque são segredos revelados somente aos católicos.

Esplêndida resposta.
— E quais são esses segredos?
— A confissão e a comunhão freqüentes. Missa todos os dias e bem assistida.
— Tendes razão — disse o ministro. Faltam-nos tais meios de educação. Mas não há outros?
— Se não nos servimos desses elementos que a religião nos fornece, é preciso recorrer à ameaça e ao castigo.

Calou-se o ministro inglês, embora garantindo que iria repetir o que aprendera.

Devemos imaginar a cena, passada numa época em que a Inglaterra se encontrava no auge de sua irradiação política e cultural, e quando os ministros ingleses eram sempre “gentlemen” pertencentes à aristocracia britânica, trajados com o requinte da moda vigente, pois a opinião pública exigia dos ministros da coroa que fossem verdadeiros modelos de imponência, distinção e elegância.

Acontece, porém, que muitos ingleses ainda nutriam certo preconceito contra o mundo latino, julgando-o inferior e distante da perfeita limpeza, puritana e protestante, do reino britânico.

E esse ministro inglês visita o oratório de São João Bosco na Itália daquele tempo, encontrando ali meninos que seriam ótimas pessoas, mas talvez menos asseados do que o lorde gostaria.

Imaginemos esse aristocrata que se apresenta com ar enfatuado, amabilidade superficial, ruminando prevenções contra o clero católico e é recebido por um padre de Dom Bosco. Sacerdote naturalmente digno, composto, nem um pouco intimidado, porque um homem de verdadeira vida interior não se intimida com valores materiais: libra esterlina, limpeza, bonita gravata, tais coisas não impressionam o varão de autêntica virtude. Além disso, sutil como costuma ser um italiano.

Aparece o ministro com pouco caso e, de repente, o religioso salesiano lhe arma uma “cilada”, na qual o dignitário britânico cai por inteiro, com todos os seus requintes e suas elegâncias. Calou-se e garantiu que levaria o ensinamento para seu país…

Era mais um triunfo do grande São João Bosco. Que este interceda por nós, junto ao trono de Maria Auxiliadora, da qual foi um modelar devoto.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 30/1/1967)