Nosso Senhor, indubitavelmente, é muito ultrajado em nossos dias. Sejamos nós algumas daquelas almas reparadoras, que, se não pelo brilho de nossa virtude, ao menos pela sinceridade de nossa humildade — humildade inteligente, razoável, sólida, e não apenas humildade de palavrório sonoro e pescoço torto — reparemos nestes dias santos, junto ao trono de Deus, tantos ultrajes que, incessantemente, Lhe são feitos.
Pela dor do santo Encontro…
Quem, Senhora, vendo-Vos assim em pranto, ousaria perguntar por que chorais? Nem a terra, nem o mar, nem todo o firmamento poderiam servir de termo de comparação à Vossa dor. Dai-me, minha Mãe, um pouco, pelo menos, dessa dor. Dai-me a graça de chorar a Jesus, com as lágrimas de uma compunção sincera e profunda:
“Ó minha Mãe, pela dor do santo Encontro, obtende-me a graça de ter sempre diante dos olhos Jesus Sofredor e Chagado, precisamente como O vistes neste passo da Paixão.”
Plinio Corrêa de Oliveira (Da Via-Sacra composta por Dr. Plinio em 1951).
“Carregou nossos pecados e suportou nossas dores”
Os comovedores acentos de um cântico que recorda as dores de Nosso Senhor Jesus Cristo durante sua Paixão, oferece a Dr. Plinio a oportunidade de meditar na infinita misericórdia do Divino Redentor ao abraçar a cruz e se entregar à morte para redimir os homens e lhes abrir as portas do Céu.
Entre os belos e tocantes cânticos que a piedade católica engendrou para honrar a Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo está o “Ecce vidimus”, que evoca os atrozes desfiguramentos que as injúrias físicas provocaram na pessoa do Divino Redentor.
“Eis que O vimos sem formosura”
O texto dessa música, retirado do Profeta Isaías (53, 4-5), nos sugere a ideia desses padecimentos, e assim diz: Eis que O vimos disforme e sem formosura. Ele está irreconhecível. Carregou nossos pecados e sofreu por nós. Está ferido por causa de nossas iniquidades. Somos curados em virtude de suas chagas. Na verdade, Ele carregou nossas fraquezas e suportou nossas dores.
Trecho em extremo significativo, pois é uma apóstrofe ao ilogismo e à contradição do que se abateu sobre Nosso Senhor.
De fato, não podemos sequer imaginar a extraordinária formosura do Filho de Deus, toda a beleza do seu corpo e de sua face sagrada. Sem dúvida, o conjunto dos princípios da estética do universo estavam condensados no semblante de Jesus. E quem fala da face, deve pensar no olhar. O olhar divino d’Ele, espelho da alma, certamente ainda mais esplendorosa que o corpo. Só esse olhar seria suficiente para encantar os anjos por toda a eternidade.
Além disso, devemos pensar em Nosso Senhor caminhando, com movimentos repassados de graciosidade, nobreza no andar, distinção no porte, sobriedade de maneiras, e sua infinita bondade se irradiando a todo momento de modo incomparável.
Que dizer então da voz do Divino Mestre dirigindo-se ao povo que O seguia? Quem pode conceber a variação dos timbres, a capacidade de expressão e de santa sedução que Ele imprimia em suas frases? Terá sido o som mais cativante que foi dado ao homem ouvir, desde o começo até o fim do mundo.
Ora, diz o cântico, este que reunia em si toda a beleza do universo foi visto passar carregando a cruz, palmilhando a via dos tormentos, disforme e sem formosura. Todo aquele esplendor fenecera; seus traços maravilhosos perderam a forma. Tudo desaparecera por força dos maus tratos, dos flagelos, dos açoites que Lhe arrancaram pedaços da carne e espalharam seu sangue por todos os lados. Na aparência externa de Nosso Senhor, tudo deixara de ser atraente. Ele não era senão uma imensa chaga sanguinolenta que passava, levando a cruz às costas.
O mais formoso dos homens com uma aparência de feiúra: que insondável paradoxo!
Irreconhecível porque carregou nossos pecados
À vista desse fato inaudito, a letra acrescenta, com acentos de profunda ternura: Ele está irreconhecível. Carregou nossos pecados e sofreu por nós.
Ou seja, nada mais lembra a figura do suave Jesus, Filho de Maria. Ele todo é sangue, ferida, irreconhecível porque pagou pelos nossos pecados.
Não carregava os pecados d’Ele, nem sofria por suas faltas. Verbo Encarnado, Jesus era a própria virtude, não tinha pecados a expiar. Essa grande vítima, acabrunhada sob o peso de tantos castigos, era a inocência infinita. E Ele padeceu nessa proporção desmesurada por causa da enormidade dos nossos pecados. Pecamos tanto e de tal maneira, que o Filho de Deus aceitou de oferecer ao Pai Eterno essa incalculável reparação: transformar-se nessa chaga trágica e pavorosa, acumulando outros sofrimentos até chegar ao alto do Calvário e ali, crucificado, pronunciar o “consummatum est”.
Cumpre a cada um de nós, redimidos por este holocausto, lembrar-se de que foi o pecado a causa de todo esse horror padecido por Jesus. Foram minhas fraquezas e minha maldade que Ele carregou vinte séculos antes de eu nascer. Naqueles dolorosos momentos de sua Paixão, Nosso Senhor pensou em mim, conheceu minha iniquidade, os lados miseráveis de meu caráter, e quis sofrer para me resgatar, pagar o preço de minhas culpas e abrir para mim as portas do Céu.
Essa verdade deve me tanger de gratidão. Deve, sobretudo, varar-me de lado a lado de compunção e de tristeza o pensar que Quem carregou os meus pecados era a pureza, a santidade, o sacrossanto por excelência, o Filho de Deus e de Maria Santíssima.
Não há, na capacidade humana, compunção nem intensidade de adoração, de reconhecimento e de reparação suficientes para agradecer o infinito benefício que recebemos do nosso Salvador.
O remédio das misérias humanas
Com efeito, prossegue o cântico: somos curados em virtude de suas chagas. Ou seja, todo esse sacrifício não foi em vão. Em cada chaga, em cada gota de sangue vertida por Nosso Senhor, estava a cura de nossos males e de nossas misérias morais. Contemplemos o corpo desfigurado e machucado do Divino Mestre: esta ferida, aquela outra, curaram minha alma. Se nesta existe algo de bom, é por causa daqueles ferimentos sagrados que vejo passar diante de mim.
Na verdade, Ele carregou nossas fraquezas e suportou nossas dores.
Quer dizer, o peso daquela cruz é o fardo das minhas fraquezas. Jesus as carregou. As dores que eu, por justiça, deveria sofrer, Ele, o inocente, padeceu-as por mim.
Mais uma vez, deve resultar dessa consideração um sentimento de gratidão indizível a Nosso Senhor, de reconhecimento a Nossa Senhora porque Ela consentiu no holocausto de seu Divino Filho por nós. Além disso, uma atitude de completa confiança em relação a Eles: pois quem foi resgatado por preço tão imenso, por pouco que confie no valor desse preço, por menos que peça seja aquele sangue derramado sobre nós para nos regenerar, este pode esperar sua salvação. Pode ter a certeza de que, mais dia menos dia, uma moção da graça, um movimento interior o reconduzirá ao caminho da virtude e do Céu.
Súplicas em nome das santas chagas de Jesus
Há, nesse sentido, duas lindas súplicas que exprimem as verdades acima consideradas. Uma: “Perdão e misericórdia meu Jesus, pelos méritos de vossas santas chagas”.
Quer dizer, “não mereço perdão nem misericórdia, mas vossas chagas, Redentor Divino, têm mérito infinito e foram oferecidas ao Altíssimo em meu favor. Constituem meu tesouro infinitamente grande. Peço-vos, pelos méritos de vossas santas chagas, perdão e misericórdia para mim”.
É uma súplica que dificilmente não tocará a bondade infinita de Nosso Senhor, pois invoca as próprias chagas com as quais Ele curou nossas almas, alcançou-nos graças para corrigirmos nossos defeitos e crescer no amor que devemos ter a Ele.
Outra jaculatória muito substanciosa e bela, despertada pela consideração das chagas de Nosso Senhor, é esta: “Padre Eterno, eu vos ofereço as santas chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo para curar a minha alma”.
Ou seja, eu, diante do Padre Eterno, posso ter defeitos e pecados, mas apresento a Ele as santas feridas de Nosso Senhor Jesus Cristo a fim de obter de sua infinita misericórdia o remédio para as minhas doenças de alma.
Pedir por meio de Nossa Senhora, “dona” das chagas de seu Filho
A essas considerações devemos acrescentar um ponto muito importante: não convém e nem será próprio do devoto de Maria Santíssima, meditar nos lances da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, abstraindo da figura co-redentora de sua Mãe.
E ao invocarmos as chagas do Salvador como a cura de nossos pecados, é preciso lembrar que tal impetração passa pelos rogos da Medianeira de todas as graças. Dispensadora, por vontade divina, de todos os dons celestiais, os méritos dessas chagas como que foram todos entregues a Ela, para deles dispor em benefício dos homens. Em certo sentido, Ela é, pois, a dona dessas chagas. Aliás, as imagens de Nossa Senhora da Piedade — inclusive a famosa Pietà de Michelangelo —, que representam Jesus morto no colo de Maria, exprimem muito bem a ideia desse augusto senhorio: a Mãe é a dona daquele cadáver e, portanto, de todos os méritos infinitos que aquele Homem inanimado em seus braços conquistou para nós. Tudo nos vem através d’Ela, e por mais extraordinário que seja o valor dessas chagas, sem a intercessão de Maria nada obteremos.
Peçamos, então, o patrocínio de Nossa Senhora das Dores, a invocação propícia para essas súplicas. É a figura da Santíssima Virgem que traz seu próprio coração chagado e ferido pela consideração dos padecimentos do Filho. Nunca a alma de uma mãe carregou chaga semelhante à que feriu o coração de Maria, tomado por imensurável tristeza durante a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Esse Imaculado Coração transpassado pela espada da dor é a porta por onde atingimos as chagas de Jesus. Rezemos a Nossa Senhora, do fundo de nossa alma, confiantes e humildes, na certeza de que Ela alcançará em nosso favor a aplicação dos méritos infinitos dos sofrimentos redentores de seu Divino Filho.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 22/3/1967)
O gládio que transpassou o Coração da Santíssima Virgem
Durante trinta e três anos, Nossa Senhora, em meio a alegrias inenarráveis, previu a Paixão e Morte de seu Divino Filho. E junto à Cruz, enquanto tantos homens desertaram, Ela estava de pé. Nunca ninguém sofreu tanto, com força e sobranceria, quanto a Mãe de Deus. Unindo-Se às intenções da Trindade Santíssima, Ela queria o esmagamento do demônio e da Revolução por todo o sempre.
Na apresentação do Menino Jesus no Templo, em profeta Simeão que a respeito do Divino Infante fez esta esplêndida profecia: “Agora, Senhor, podeis deixar vosso servo partir em paz, segundo vossa palavra, porque meus olhos viram a salvação que preparastes ante a face de todos os povos, luz para iluminar as nações e glória de Israel, vosso povo” (Lc 2, 29-32).
Destinados à maior glória, percorrendo os mais extremos sofrimentos
Nossa Senhora, à vista dessa profecia, ficou ainda mais inteirada de toda a glória do Menino Divino que carregava nos braços. Depois de abençoar o Menino e sua Mãe, disse Simeão: “Este Menino está posto para ruína e a ressurreição de muitos em Israel, e para ser alvo de contradição” (Lc 2, 34).
Assim, depois de um futuro esplêndido, o venerável ancião predizia uma vida e uma luta tremenda para aquele Menino e prenunciava para Maria Santíssima um sacrifício: “Uma espada transpassará tua alma” (Lc 2, 35). Quer dizer, Ela terá um dos sofrimentos mais atrozes que uma pessoa pode suportar. E ele anuncia isso com trinta e três anos de antecedência.
Temos aqui dois fatos a considerar, muito elucidativos para a mentalidade do homem moderno: em primeiro lugar, uma vez que Deus decretara que esse Menino fosse o Rei vitorioso de que falava a profecia de Simeão, como explicar que, lógica e sabiamente, houvesse de querer, ao mesmo tempo, que Ele passasse por todas essas lutas, as quais importassem num determinado momento em revés? Porque não se podia compreender de outro modo essa espada de dor que atravessaria o Coração de Nossa Senhora.
Não seria natural, arquitetônico, de acordo com a ordem estabelecida pela sabedoria divina, que, uma vez sendo da vontade de Deus que o Menino Jesus fosse o Rei de todos os povos, em todos os tempos, que nada viesse atrapalhar essa carreira gloriosa? Que esta se fizesse de trabalhos bonitos, sapientes, triunfais, de lutas vencidas facilmente com um golpe “mágico” que faria tudo retroceder diante de Jesus, e assim Ele chegasse à sua glória?
Por que o mistério desse momento terrível, em relação ao qual estava anunciado que um gládio atravessaria o Coração de Nossa Senhora? Como se pode compreender que Deus permita, no meio dessa trajetória, um sofrimento tão grande e uma aparente derrota? Isso não é uma coisa estranha?
A mentalidade “happy end” nos impede de compreender o modo pelo qual as obras de Deus se realizam
O estado de espírito do homem moderno correspondente a isso reflete-se, com frequência, no modo pelo qual somos levados a considerar os reveses de nossa vida espiritual e de nosso apostolado. Muitas vezes percebo em algumas pessoas dificuldades para explicarem a si mesmas a razão pela qual, embora estejam andando bem espiritualmente, podem ser tentadas.
A ideia é esta: se Nossa Senhora, se Deus querem que me santifique, por que, então, devo ser tentado? Por que até permitem que eu peque e Lhes desagrade? Isso não é uma contradição? Se o fim é um, não é normal que tudo caminhe direitinho e coerentemente para ele? Como explicar a ocorrência de coisas que parecem contrariar esse fim?
Vê-se nessas interrogações o reflexo daquela mentalidade “happy end” do cinema norte-americano. As coisas têm que correr certinhas; quando não correm, são atrapalhações que podem ser até grossas, mas já se sabe que terminará tudo direitinho, porque o homem é chamado para ser feliz nesta Terra, entender tudo quanto se passa com ele e triunfar.
E quando as coisas não acontecem assim, ele tem a sensação de que a vida humana não está em ordem. Tal como os heróis de um romance de filme, que sofrem durante o enredo, mas o expectador já sabe – e tem a sensação de que os atores também – que tudo vai terminar à beira de um lago, olhando-se amorosamente, navegando num barquinho, os passarinhos cantando, a fita acabando, e o burguês que a assistiu voltando prosaicamente para casa, satisfeito.
Essa mentalidade “happy end” intoxica nosso espírito e não podemos compreender o modo pelo qual as obras de Deus se realizam. Uma vez posto o pecado, com a queda dos anjos, e posteriormente a do homem, a vida humana tem um caráter não só de prova, mas de expiação e de luta.
Aceitar o sofrimento não choramingando, mas como o soldado que vai para a luta
A Providência Divina age de acordo com sua sabedoria, permitindo para os bons os reveses, as doenças, as tentações, a luta contra o adversário, e exigindo deles a aceitação de que essas coisas lhes podem vir em ocasiões onde isso lhes pareça incompreensível, pois o normal nessa vida é sofrer e que muitas coisas, de fato, não deem bom resultado, ou tenham consequências diferentes do que se quereria. Desse resultado errado Deus tira, para sua glória, algo de melhor e mais brilhante do que o sucesso por nós imaginado.
As provações e os sofrimentos inesperados não só constituem algo pelo qual o homem decaído deve passar, mas podem corresponder também a uma punição pelos pecados cometidos, ou esconderem uma prova de amor querida por Deus de sua criatura; uma prova de confiança cega, de desprendimento e de abnegação que a criatura deve dar e que constitui um elemento altamente pedagógico para ela, porque a criatura só vale na medida em que realmente aceita esses sofrimentos com espírito sobrenatural, não choramingando, mas como o soldado que vai para a luta.
Compreende-se, então, o mistério que há no seguinte fato: segundo a mentalidade moderna, não seria o caso de avisar Nossa Senhora, trinta e três anos antes, que Ela iria sofrer essa dor. Mas fazer o contrário: ir tapeando ou ficar quieto. Mesmo na hora de Nosso Senhor ser morto, enfim, de Maria Santíssima tomar conhecimento da Paixão, adiar, contar-Lhe aos poucos para Ela não se assustar muito. Afinal, quando não houvesse mais remédio, Ela saberia, e ainda assim haveria os calmantes.
A ação da Providência não é essa. Com trinta e três anos de antecedência, Ela avisa Nossa Senhora. Exatamente porque a previsão dessa dor já é uma tremenda dor. Maria Santíssima carregou a previsão desse sofrimento durante todo esse tempo e o viu chegando de longe. Com isso, sua alma imaculada, criada sem pecado original, foi-se aperfeiçoando e santificando na longa previsão e aceitação da dor que deveria vir.
Trinta e três anos de Horto das Oliveiras
Compreende-se que até para a alma imaculada da Santíssima Virgem a previsão forte, corajosa, razoável – eu diria, mesmo varonil – da dor vindoura era um elemento para uma crescente união com Deus, a qual Ela já possuía num grau insondável desde o primeiro instante de seu ser. Entretanto, essa profecia de Simeão foi intencionada para que Ela carregasse essa dor durante trinta e três anos, na compreensão desse fato de que o homem nasceu para sofrer, é normal que sofra, que é preciso aceitar a dor por inteiro antes dela vir, e, quando chegar, que ela nos encontre calmos, fiéis, sobranceiros e heroicos, porque assim se deve ser diante do sofrimento.
Então, encontramos essa analogia entre a vida de Nosso Senhor e a de sua Mãe Santíssima: a vida de Nossa Senhora foi trinta e três anos de Horto das Oliveiras, ao longo dos quais Ela previu a Paixão e a Cruz no meio de alegrias inenarráveis.
Ela foi vendo seu Divino Filho crescer, preparar- Se para a vida pública – durante a qual esse gládio de dor A esperava –, sair de casa, ouvindo falar dos rumores criados em torno d’Ele e do ódio que subia e O rodeava de todos os lados. Era o mal que haveria de armar contra seu Filho o golpe mais atroz possível. E Ela que O adorava como seu Deus e seu Filho, sentindo o pecado horrível que estava sendo preparado, considerava de frente os tormentos que deveriam vir.
O resultado foi a hora magnífica de sua fidelidade: enquanto tantos homens desertaram, Nossa Senhora se encontrava de pé junto à Cruz. Não era de duvidar que estivesse, pois estava confirmada em graça; mas Ela ali se encontrava como fruto dessa longa preparação. Quer dizer, não desmaiada, nem desfalecendo, nem alquebrada pelos acontecimentos. A iconografia católica apresenta, em todos os séculos, Maria Santíssima muito firme, de nenhum modo desorientada, sem domínio de Si, ou desejando fugir. Essas são paixões vis que não caberiam em sua alma, às quais se contrapunham, na ordem teórica, virtudes mais excelsas que Ela tinha elevado ao mais alto dos supremos graus. Nunca ninguém sofreu tanto, com tanto domínio dos acontecimentos, compreendendo tanto a lógica do que se passava, com tanta força e sobranceria, com anto ódio ao mal, quanto Nossa Senhora.
Para esmagar o demônio, Nossa Senhora desejou os mais atrozes sofrimentos
Ela sabia que todo o mal no mundo seria esmagado no momento em que o seu Divino Filho expirasse. Durante todo o tempo, a Santíssima Virgem esteve na seguinte disposição: “Adoro meu Filho, mas se for preciso sacrificá-Lo para esmagar o demônio, derrotar o poder das trevas, concordo que meu próprio Filho morra. Eu O entrego, por assim dizer, O imolo. Esse gládio Eu mesma enfio em meu próprio Coração. Mas é preciso que o demônio seja esmagado. É necessário que o mal – que hoje chamamos Revolução – seja estraçalhado por todo o sempre. Uno-me às intenções santíssimas do Pai, do Filho e do Espírito Santo e faço esse sacrifício horroroso.
Mas isso que está acontecendo no alto da Cruz Eu quero, e não deixo de querer um instante, com toda a intensidade de meu ser”.
Se isto não é espírito de combate, disposição para arrasar o adversário, então não sei mais o que significam essas palavras.
Trinta e três anos de preparação! O que tem isso de comum com a vida de Nosso Senhor? Para não falar de preparação remota, no Horto das Oliveiras Nosso Senhor quis meditar e prever tudo o que Lhe aconteceria. Então, Ele começou a sentir horror e pavor do que viria, e fez aquela oração: “Meu Pai, se for possível, afaste-se de Mim esse cálice” (Mt 26, 39). Quer dizer, se não for condição para o gênero humano ser redimido, enfim, se dentro de vossos desígnios for possível derrotar o demônio sem isso.
Porém, faça-se a vossa vontade e não a minha. Eu aceito e quero todo esse sofrimento para chegar a esse resultado. Ordem mental, lógica, calma e ante a dor, e o amor ao sofrimento que se deve ter.
Gládio representando a dor e a luta
Muitas vezes, em nossa vida, há aspectos triunfais, no meio de toda a guerra em que nos movemos. Mas precisamos nos compenetrar bem de que o normal, na luta tremenda que estamos tendo, é virem vários momentos nos quais um gládio de dor transpasse a alma de cada um de nós. Por vezes pareceremos derrotados, desorientados, abandonados pela Providência, como diz o Salmo que Nosso Senhor recitou no alto da Cruz: “Deus meu, Deus meu, por que Me abandonaste?” (Mt 27, 46).
Devemos nos colocar diante desta perspectiva: essas são as coisas que podem acontecer, nossa luta não será sempre uma parada de vitórias. Não seríamos dignos de Nosso Senhor Jesus Cristo, nem de sua Mãe Santíssima, se isso fosse assim. É mister termos diante dos olhos sempre a ideia de que um gládio de dor nos atravessará em determinado momento.
Devemos pedir a Nossa Senhora que nos alcance a graça – que, sob determinado ponto de vista, não temo chamar de suprema – de desejarmos, amarmos e, desde logo, prepararmos nossa vida para essa hora.
Porque assim como a hora do gládio, junto com a da Encarnação, foi a grande hora da vida da Santíssima Virgem, a hora da fidelidade, assim também podemos dizer não ter sido a grande hora de nossa vida somente a vocação, mas vai ser a hora da perseverança, que corresponderá à hora do gládio.
Tivéssemos nós um gládio que, com maior furor guerreiro e de um modo mais terrível, representasse ao mesmo tempo a dor que deve transpassar nossas almas e a luta contra nossos adversários, e eu o poria como símbolo em nossa capela, porque, mais do que uma resignação, uma sadia e equilibrada apetência desse gládio deve nos caracterizar.
Conta-se que Nosso Senhor, quando recebeu a Cruz, antes de colocá-la nas costas chorou de emoção, abraçou-a e a beijou com muito carinho, porque desde sempre a desejara. Oxalá, na hora de nosso gládio, possamos também chorar varonilmente de emoção, osculá-lo com muito carinho e dizer que desde sempre o desejávamos. É o pedido do amor a esse gládio que devemos apresentar a Nossa Senhora das Dores.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/4/1965)
São Casimiro e a supremacia do exemplo
Mais do que agir e realizar grandes feitos, a excelência espiritual consiste em ser e em difundir no universo da Igreja o aroma da perfeição: eis o valioso ensinamento que nos transmite Dr. Plinio, ao comentar alguns traços da vida de São Casimiro, príncipe da Polônia.
No dia 4 de março a Igreja celebra a festa de São Casimiro, da estirpe real polonesa e patrono desta nação. Sua breve existência foi profundamente marcada pela intensa piedade que o caracterizava, conforme lemos no Pe. Rohrbacher:
Espírito continuamente unido a Deus
São Casimiro, príncipe da Polônia, foi o terceiro dos treze filhos de Casimiro III com Isabel da Áustria, filha do Imperador Alberto II. Veio ao mundo em 5 de outubro de 1458 e demonstrou, desde a infância, muita inclinação para a virtude.
Teve por preceptor João Dlugosz, denominado Longino, cônego de Cracóvia e historiador da Polônia, homem que aliava rara piedade a grande extensão de conhecimentos. Casimiro e os outros príncipes, seus irmãos, lhe eram tão ternamente afeiçoados que não podiam tolerar que os separassem dele um momento. Mas, nosso Santo foi aquele que mais aproveitou as lições de tão hábil mestre.
Viram-no, na flor da idade, entregar-se com ardor aos exercícios de piedade e às práticas da mortificação. Trazia um cilício sob as vestes, que eram sempre muito simples. Diversas vezes deitava-se no chão duro e passava boa parte da noite a orar e meditar. A Paixão de Jesus Cristo era o assunto mais costumeiro de suas meditações. Saía com freqüência à noite para ir rezar à porta das igrejas, onde esperava se abrissem para assistir às matinas.
Espírito e coração continuamente unidos a Deus, a paz interior de sua alma se manifestava a toda a gente pela serenidade da face. Cheio de respeito por tudo o que concernia ao culto divino, as menores cerimônias eclesiásticas lhe tocavam a piedade. Tinha particular devoção a Jesus padecente pelos homens, e jamais pensava no mistério da Redenção sem desfazer-se em lágrimas e sentir-se abrasado de amor.
Quanto ao santo sacrifício da Missa, a ele assistia com tanto fervor e recolhimento que parecia maravilhado em êxtase. Para marcar a confiança que possuía na proteção da Santíssima Virgem, compôs em honra d’Ela o hino que traz seu nome, e do qual desejou que uma cópia fosse depositada em seu túmulo, quando morresse. (Esse cântico iniciava-se com as palavras “Omni die, dic Mariae, mea laudis anima”.)
Amava tão ternamente os pobres que lhes sentia de certo modo as misérias. Não contente de lhes distribuir os bens, empregava ainda, para aliviá-los, tudo o que tinha de crédito junto a seu pai e a seu irmão Vlasdilau, Rei da Boêmia.
Consumando a obra da santificação
Os húngaros, insatisfeitos com Matias, seu monarca, quiseram elevar nosso Santo ao trono, em 1471. Enviaram para esse fim uma deputação ao Rei da Polônia, seu pai. O jovem Casimiro, que não completara ainda 13 anos, desejaria bem recusar a coroa que lhe ofereceram.
Mas, para agradar ao pai, partiu à testa de um exército, a fim de sustentar o direito de sua eleição. Tendo chegado às fronteiras da Hungria, soube que Matias acabava de reunir dezesseis mil homens para ir à frente dos poloneses e que tornara a conquistar o coração dos súditos. Soube também que o Papa Sisto IV se declarara pelo rei destronado e enviara uma embaixada a seu pai, para fazê-lo abandonar a empresa.
Todas essas circunstâncias reunidas deram secreta alegria ao jovem príncipe. Pediu ao pai que voltasse sobre os próprios passos, o que só com muita dificuldade lhe foi concedido. Porém, para não aumentar o desgosto que o pai sentia por ter visto malograr seus desígnios, evitou a princípio aparecer na presença dele. Em lugar de ir direto a Cracóvia, retirou-se ao Castelo de Dobzski, situado a uma légua da cidade, e lá passou três meses na prática de austera penitência.
Tendo reconhecido, em seguida, a injustiça da expedição que o tinham forçado a empreender contra o Rei da Hungria, recusou constantemente render-se a segundo convite que lhe fizeram os húngaros, e isso malgrado as solicitações e reiteradas ordens do pai.
Casimiro empregou os doze últimos anos de vida em consumar a obra de sua santificação. Viveu na maior continência, apesar das razões prementes que se alegavam para levá-lo ao casamento. Morreu de tísica em Vilna, capital da Lituânia, em 4 de março de 1483, com a idade de vinte e quatro anos e cinco meses. Predissera a morte e para esta se preparou através de um redobramento de fervor e pela recepção dos sacramentos da Igreja.
Operou-se grande número de milagres por sua intercessão, sendo canonizado pelo Papa Leão X em 1522. Cento e vinte anos após sua morte, encontraram-lhe o corpo incorrupto, assim como foram achados intactos os ricos tecidos com os quais o tinham envolvido, apesar da excessiva umidade do jazigo onde fora enterrado. Mandaram então construir magnífica capela de mármore para nela serem depositadas suas relíquias.
São Casimiro é patrono da Polônia, e o propõem comumente aos jovens como perfeito modelo de pureza.
Santidade é sobretudo o ser e o não agir
A respeito de São Casimiro, convém notar de modo especial três traços.
Há santos fundadores de povos, outros dão origem a ciclos de civilização, e por sua ação extraordinária eles movem a História.
Existe também a categoria dos santos que se tornam exímios na prática de uma determinada virtude, da qual são modelos em toda a vida da Igreja. E para que a atenção dos fiéis não se desvie deste ponto central, esses heróis da Fé morrem relativamente jovens e a biografia deles permanece marcada por aquela virtude.
São Luís Gonzaga, por exemplo, pouco realizou em sua breve existência. Morreu ainda adolescente, mas havia atingido um apogeu na prática da castidade. Se ele tivesse feito muitas obras, a tendência dos que o admirassem seria de se voltar para o que ele produziu e não para o que foi.
Tais santos nos mostram, assim, que a excelência espiritual consiste sobretudo em ser, em manter uma ação de presença dentro da Igreja, difundir o aroma da perfeição, não só enquanto estão vivos, mas depois de mortos. E que os dias deles, tão precocemente imolados e em geral oferecidos em benefício da Igreja Católica, são elementos preciosíssimos para a salvação das almas.
Elementos, portanto, valiosos na ordem do sacrificar-se e não no terreno do agir.
A supremacia do exemplo, da imolação, da realização interior de uma obra própria que justifica inteiramente a existência, apesar de externamente não se ter feito nada, esse é o ensinamento que almas como São Casimiro, São Domingos Sávio, São Luís Gonzaga e tantos outros, nos trazem à mente. É um aspecto deste sol de santidade que é a Igreja Católica Apostólica Romana.
Pompa e penitência
Há ainda um traço interessante na vida de São Casimiro: trajava roupas régias, embora simples, enquanto portava o cilício sob elas. Vemos nisso o equilíbrio do verdadeiro santo. Ele deseja fazer penitência, mas sabe que sua condição lhe impõe o vestir-se com a pompa inerente à sua categoria. E como não é um igualitário, usa todo o necessário para a manutenção de seu estado, sem descuidar da penitência: coloca sobre si um instrumento de sacrifício, mas o leva às ocultas.
Por fim, uma nota curiosa que pode ser especialmente útil para nós.
São Casimiro teve dificuldades com seu pai, pois este desejava que ele conquistasse a Hungria, e não compreenderia a recusa do filho alegando um motivo — no juízo do monarca — frívola: o Papa dava razão ao outro e o príncipe seria, portanto, um usurpador.
Dando provas de muito tato e sabedoria, o jovem santo evitou comparecer de imediato à presença do pai. Retirou-se para um castelo distante da corte, e ali permaneceu durante três meses, até que os ânimos serenassem. Só então retornou.
Foi um santo apuro e depois um santo ardil, que deve servir de inspiração para todos nós.
Plinio Corrêa de Oliveira
A CENA DO HORTO SE REPETE…
Sempre causou profunda impressão em Dr. Plinio o paralelo entre o odioso tratamento recebido por nosso Redentor, durante a Paixão, e as ofensas e ingratidões de que é alvo a Igreja Católica. Reproduzimos aqui algumas reflexões a esse respeito, escritas em 1947.
A verdadeira piedade deve impregnar toda a alma humana, e, portanto, também deve despertar e estimular a emoção. Mas a piedade não é só emoção, e nem mesmo é principalmente emoção. A piedade brota da inteligência, seriamente formada por um estudo catequético cuidadoso, por um conhecimento exato de nossa Fé, e, portanto, das verdades que devem reger nossa vida interior. A piedade reside ainda na vontade.
Devemos querer seriamente o bem que conhecemos. Não nos basta, por exemplo, saber que Deus é perfeito. Precisamos amar a perfeição de Deus, e, portanto, devemos desejar para nós algo dessa perfeição: é o anseio para a santidade. Desejar não significa apenas sentir veleidades vagas e estéreis. Só queremos seriamente algo, quando estamos dispostos a todos os sacrifícios para conseguir o que queremos. Assim, só queremos seriamente nossa santificação e o amor de Deus, quando estamos dispostos a todos os sacrifícios para alcançar esta meta suprema. Sem esta disposição, todo o querer não é senão ilusão e mentira.
Podemos ter a maior ternura na contemplação das verdades e mistérios da Religião: se daí não tirarmos resoluções sérias, eficazes, de nada valerá nossa piedade. É o que se deve dizer especialmente nos dias da Paixão de Nosso Senhor. Não nos adianta apenas o acompanhar com ternura os vários episódios da Paixão: isto seria excelente, não porém suficiente. Devemos dar a Nosso Senhor, nestes dias, provas sinceras de nossa devoção e amor.
Estas provas, nós as damos pelo propósito de emendar nossa vida, e de lutar com todas as forças pela Santa Igreja Católica. A Igreja é o Corpo Místico de Cristo. Quando Nosso Senhor interpelou São Paulo, no caminho da Damasco, perguntou-lhe: Saulo, Saulo, por que me persegues? Saulo perseguia a Igreja. Nosso Senhor lhe dizia que era a Ele mesmo que Saulo perseguia. Se perseguir a Igreja é perseguir a Jesus Cristo, e se hoje também a Igreja é perseguida, hoje Cristo é perseguido.
A Paixão de Cristo se repete de algum modo também em nossos dias. Como se persegue a Igreja? Atentando contra os seus direitos ou trabalhando para dela afastar as almas. Todo ato pelo qual se afasta da Igreja uma alma, é um ato de perseguição a Cristo. Toda alma é, na Igreja, um membro vivo. Arrancar uma alma à Igreja é arrancar um membro ao Corpo Místico de Cristo. Arrancar uma alma à Igreja é fazer a Nosso Senhor, em certo sentido, o mesmo que a nós nos fariam se nos arrancassem a menina dos olhos.
Se queremos, pois, condoer-nos com a Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, meditemos sobre o que Ele sofreu nas mãos de seus algozes, mas não nos esqueçamos de tudo quanto ainda hoje se faz ara ferir o Divino Coração. E isto tanto mais quanto Nosso Senhor, durante sua Paixão, previu tudo quanto se passaria depois. Previu, pois, todos os pecados de todos os tempos, e também os pecados de nossos dias. Ele previu os nossos pecados, e por eles sofreu antecipadamente. Estivemos presentes no Horto como algozes, e como algozes seguimos passo a passo a Paixão até o alto do Gólgota.
Arrependamo-nos, pois, e choremos. A Igreja, sofredora, perseguida, vilipendiada, aí está a nossos olhos indiferentes ou cruéis. Ela está diante de nós como Cristo diante de Verônica. Condoamo-nos com os padecimentos dela. Com nosso carinho, consolemos a Santa Igreja de tudo quanto ela sofre. Podemos estar certos de que, com isto, estaremos dando ao próprio Cristo uma consolação idêntica à que Lhe deu Verônica.
Indiferença para com Deus
Comecemos pela Fé. Certas verdades referentes a Deus e a nosso destino eterno, podemos conhecê-las pela simples razão. Outras, conhecemo-las porque Deus no-las ensinou. Em sua infinita bondade, Deus se revelou aos homens no Antigo e Novo Testamento, ensinando-nos não apenas o que nossa razão não poderia desvendar, mas ainda muitas verdades que poderíamos conhecer racionalmente, mas que por culpa própria a humanidade já não conhecia de fato.
A virtude pela qual cremos na Revelação é a Fé. Ninguém pode praticar um ato de Fé, sem o auxílio sobrenatural da graça de Deus. Essa graça, Deus a dá a todas as criaturas e, em abundância torrencial, aos membros da Igreja Católica. Essa graça é a condição da salvação deles. Ninguém chegará à eterna bem-aventurança, se rejeitar a Fé. Pela Fé, o Espírito Santo habita em nossos corações. Rejeitar a Fé é rejeitar o Espírito Santo, é expulsar de sua alma a Jesus Cristo.
Vejamos, agora, em torno de nós, quantos católicos rejeitam a Fé. Foram batizados, mas no curso do tempo perderam a Fé. Perderam-na por culpa própria, porque ninguém perde a Fé sem culpa, e culpa mortal. Ei-los que, indiferentes ou hostis, pensam, sentem e vivem como pagãos.
São nossos parentes, nossos próximos, quiçá nossos amigos! Sua desgraça é imensa. Indelével, está neles o sinal do Batismo. Estão marcados para o Céu, e caminham para o inferno. Em sua alma redimida, a aspersão do Sangue de Cristo está marcada. Ninguém a apagará. É de certo modo o próprio Sangue de Cristo que eles profanam quando nesta alma resgatada acolhem princípios, máximas, normas contrárias à doutrina da Igreja. O católico apóstata tem qualquer coisa de análogo ao sacerdote apóstata.
Arrasta consigo os restos de sua grandeza, profana-os, degrada-os e se degrada com eles. Mas não os perde. E nós? Importamo-nos com isto? Sofremos com isto? Rezamos para que estas almas se convertam? Fazemos penitências? Fazemos apostolado? Onde nosso conselho? Onde nossa argumentação? Onde nossa caridade? Onde nossa altiva e enérgica defesa das verdades que eles negam ou injuriam? O Sagrado Coração sangra com isto. Sangra pela apostasia deles, e por nossa indiferença. Indiferença duplamente censurável, porque é indiferença para com nosso próximo e sobretudo indiferença para com Deus.
Coincidência ou conspiração? Quantas almas, no mundo inteiro, vão perdendo a Fé? Pensemos no incalculável número de jornais ímpios, rádio-emissões ímpias, de que diariamente se enche o orbe. Pensemos nos inúmeros obreiros de Satanás que, nas cátedras, no recesso da família, nos lugares de reunião ou diversão, propagam idéias ímpias. De todo este esforço, quem há de admitir que nada resulte? Os efeitos de tudo isto estão diante de nós. Diariamente, as instituições, os costumes, a arte se vão descristianizando, indício insofismável de que o próprio mundo se vai perdendo para Deus.
Não haverá em tudo isto uma grande conjuração? Tantos esforços, harmônicos entre si, uniformes em seus mé- todos, em seus objetivos, em seu desenvolvimento, serão mera obra de coincidências? Onde e quando, intuitos desarticulados produziram articuladamente a mais formidável ofensiva ideológica que a história conhece, a mais completa, a mais ordenada, a mais extensa, a mais engenhosa, a mais uniforme em sua essência, em seus fins, em seu evoluir?
Não pensamos nisto. Nem percebemos isto. Dormimos na modorra de nossa vida de todos os dias. Por que não somos mais vigilantes? A Igreja sofre todos os tormentos, mas está só. Longe, bem longe dela, cochilamos. É a cena do Horto que se repete. (…) Incontável falange de almas tíbias E entre nós? Esta Fé que tantos combatem, perseguem, atraiçoam, graças a Deus nós a possuímos. Que uso fazemos dela? Amamo-la? Compreendemos que nossa maior ventura na vida consiste em sermos membros da Santa Igreja, que nossa maior glória é o título de cristão? Em caso afirmativo e quão raros são os que poderiam em sã consciência responder afirmativamente estamos dispostos a todos os sacrifícios para conservar a Fé?
Não digamos num assomo de romantismo, que sim. Sejamos positivos. Vejamos friamente os fatos. Não está junto de nós o algoz que nos vai colocar na alternativa da cruz ou da apostasia. Mas todos os dias, a conservação da Fé exige de nós sacrifícios. Fazemo-los? Será bem exato que, para conservar a Fé, evitamos tudo que a pode pôr em risco? Evitamos as leituras que a podem ofender? Evitamos as companhias nas quais ela está exposta a risco? Procuramos os ambientes nos quais a Fé floresce e cria raízes? Ou, em troca de prazeres mundanos e passageiros, vivemos em ambientes em que a Fé se estiola e ameaça cair em ruínas?
Todo homem, pelo próprio fato do instinto de sociabilidade, tende a aceitar as opiniões dos outros. Em geral, hoje em dia, as opiniões dominantes são anticristãs. Pensa- se contrariamente à Igreja em matéria de filosofia, de sociologia, de história, de ciências positivas, de arte, de tudo enfim. Os nossos amigos, seguem a corrente. Temos nós a coragem de divergir? Resguardamos nosso espírito de qualquer infiltração de idéias erradas? Pensamos com a Igreja em tudo e por tudo? Ou contentamo-nos negligentemente em ir vivendo, aceitando tudo quanto o espírito do século nos inculca, e simplesmente porque ele no-lo inculca?
É possível que não tenhamos enxotado Nosso Senhor de nossa alma. Mas como tratamos este Divino Hóspede? É Ele o objeto de todas as atenções, o centro de nossa vida intelectual, moral e afetiva? É Ele o Rei? Ou, simplesmente, há para Ele um pequeno espaço onde se O tolera, como hóspede secundário, desinteressante, algum tanto importuno? Quando o Divino Mestre gemeu, chorou, suou sangue durante a Paixão, não O atormentavam apenas as dores físicas, nem sequer os sofrimentos ocasionados pelo ódio dos que no momento O perseguiam. Atormentava-O ainda tudo quanto contra Ele e a Igreja faríamos nos séculos vindouros. Ele chorou pelo ódio de todos os maus, de todos os Arios, Nestórios, Luteros mas chorou também porque via diante de si o cortejo interminável das almas tíbias, das almas indiferentes que, sem O perseguir, não O amavam como deviam.
É a falange incontável dos que passaram a vida sem ódio e sem amor, os quais, segundo Dante, ficavam de fora do inferno porque nem no inferno havia para eles lugar adequado. Estamos nós neste cortejo? Eis a grande pergunta a que, com a graça de Deus, devemos dar resposta nos dias de recolhimento, de piedade e de expiação em que vamos entrar agora.
Plinio Corrêa de Oliveira (Transcrito do Legionário, nº 764, de 30/3/1947. Título e subtítulos nossos.)
Semana Santa
Sob o peso da Cruz, o Divino Redentor suportava o fardo das nossas fraquezas, padecendo por nós todas as suas dores. Que esta verdade incite a profunda gratidão de nossa alma e nos seja motivo de ilimitada confiança. Pois quem se viu resgatado por preço tão imenso, embora pouco mereça, deve esperar que esse Sangue preciosíssimo se derrame sobre ele para regenerá-lo e salvá-lo, despertando em seu coração o movimento que o reconduza ao caminho da virtude e o leve, finalmente, ao Céu.
A Paixão trajada de pulcro
Desde os remotos tempos de minha juventude tocaram-me de modo muito particular as celebrações da Semana Santa. Recordo-me, por exemplo, de assisti-las na Igreja de Santa Ifigênia (então a Catedral provisória de São Paulo), onde me colocava junto ao coro e, lá do alto, contemplava as cerimônias se desenvolverem, enquanto a música sacra ungia o ambiente com seus acentos de dor e contrição.
Aquele conjunto de movimentos e cânticos se me apresentavam com uma majestade santa, uma grandeza divina e incomparável, cumulando minha alma de veneração, respeito e desvelo religioso. Em última análise, através do cerimonial, dos símbolos e personagens, a graça agia no meu interior, fazendo-me compreender a sublime beleza com que a Igreja rememora o trágico e glorioso fato da Redenção.
Tais sentimentos se intensificaram quando tive ocasião de conhecer as célebres procissões da Paixão realizadas na Andaluzia, notadamente as de Sevilha, talvez as mais belas do mundo. Ainda os menos sensíveis e os afeitos a ritos singelos não podem negar um elogio ao esplendor dessas celebrações.
Sob dosséis recamados de ouro e prata, cintilantes à luz de centenas de velas, desfilam os passos das várias Confrarias, cada qual excedendo-se no brilho, na compenetração e devoção com os quais reverenciam os sofrimentos do Homem-Deus. E embora uma crítica rigorosa não deixasse de ver, nestes ou naqueles pormenores, nestas ou naquelas imagens, certas concessões aos exageros do renascentismo, isto não impede que nos entusiasmemos diante do maravilhoso ornando as dores de Jesus e de sua Mãe Santíssima, recordadas em verdadeiros espetáculos esculturais e cenográficos.
Por ruelas e becos, às vezes tendo ao fundo a silhueta da famosa torre da Giralda, vão passando lentamente aqueles penitentes cuja identidade se refugia sob o distinto anonimato de suas lindas vestimentas: a grande túnica e o capuz pontiagudo, no meio do qual apenas se percebe o olhar sério e contristado do que caminha junto ao andor.
E como a procissão monumental lucra em percorrer aquelas vielas centenárias, tortas, traçadas sem planos nem medidas! É o que lhe confere vida e expressão de alma! Ela morreria ou perderia muito de sua beleza se tivesse de atravessar largas avenidas, povoadas de prestigiosos hotéis, bancos e lojas de luxo.
Não, é por entre as ladeiras e ruas estreitas que se apresentam em todo o seu esplendor aquelas obras de escultura magnificíssimas, a profusão de rendas, os mantos de veludo bordados a ouro, as jóias e coroas ricamente lavoradas, os lindos candelabros, os andores cobertos de flores vermelhas “éclatantes”, como só lá existem, e que combinam de maneira perfeita com as imagens da Paixão, como se quisessem dizer a Jesus: “Meu Senhor, se me fosse dado estar convosco na Via Dolorosa, aos vossos pés eu teria posto cravos. Os mais rubros cravos de Andaluzia para vossos pés divinos!”
É o pulcro, o belo oferecido a Nosso Senhor como ato de reparação. E nessa atitude só podemos ver nobreza e seriedade de espírito, cercando de ornato a dor multiplicada pela dor: ora é o Filho de Deus carregando sua Cruz, ora flagelado e coroado de espinhos, ora posto diante de seus algozes sem ter como se defender. Jesus humilhado e grandioso, isolado na sua inocência, suportando no silêncio o gravame de nossos pecados.
E a procissão continua o seu lento caminhar, deixando à sua passagem um rastro de tristeza e maravilhamento.
Plinio Corrêa de Oliveira
São Teófanes e os peculiares esplendores da Igreja no Oriente
Pertencendo a uma das mais nobres famílias do Império Bizantino, Teófanes abandonou todas as suas riquezas e dirigiu-se para um mosteiro, do qual se tornou abade. Um imperador adepto da seita dos iconoclastas lançou-o num calabouço, onde permaneceu por dois anos sofrendo horríveis privações e chicotadas. Depois foi exilado para a Samotrácia e ali entregou sua bela alma a Deus.
Temos para comentar uma ficha biográfica a respeito de São Teófanes, abade, que me dá a oportunidade, antes mesmo de entrar na consideração da vida deste Santo, de analisar a expressão, o valor simbólico e o efeito que o nome produz para se considerar o indivíduo.
Um nome que evoca teofania: a manifestação de Deus
Um homem comum, da vida corrente, que se chamasse Teófanes poderia nos dar a impressão, antes de conhecê-lo, de alguém pertencente ao que se costuma chamar classe média baixa, de um jeito extremamente anacrônico dentro dessa classe, vestido à conservador, com um colarinho engomado alto e amarelado, uma gravatinha pequenininha ensebada, tossindo abundantemente, com os óculos à meia distância entre a ponta e o topo do nariz, com uma vozinha roufenha, magrelinho e pretensioso. Esse poderia ser, segundo nossa imaginação, o Sr. Teófanes.
Para a sensibilidade de certas pessoas, o nome “Teófanes” tem qualquer coisa de glacialmente sentencioso, hirto. Entretanto, o sentido etimológico da palavra é lindo, porque teofania é a manifestação de Deus. Ora, um homem chamado Teófanes deveria ser uma pessoa maravilhosa, ter um jeito de Anjo celeste, herói, um São Miguel Arcanjo, algo assim. Mas os conceitos variam e os nomes acabam tomando essa conotação pejorativa.
Contudo, quando se pensa num Abade Teófanes, já a coisa muda completamente. Porque abade é um título que evoca um homem meio misterioso, isolado, colocado acima de seus monges, com pouca comunicação, em geral, com os outros homens, e correspondendo à frase que uma revista de História, a qual li outro dia, punha nos lábios de Moisés: “Senhor, fizestes de mim um homem solitário e poderoso.” É bem a ideia que faço de um abade: poderoso na ordem espiritual, mas solitário. Todo vestido com um grande traje beneditino preto, com aquelas pregas que se desdobram, um capuz que vira um pouquinho para trás, um bastão na mão e um ar cheio de ideias, de pensamentos, que fala pouco, mas domina toda uma comunidade de cenobitas, todos eles em silêncio ou entoando o cantochão, em longos corredores com arcadas regulares, e que voltando para as celas rezam de novo, fazem iluminuras e trabalhos de pesquisas inimagináveis.
O abade mantém na abadia uma atmosfera de bom gosto, de luta guerreira, de polêmica e, ao mesmo tempo, de recolhimento e de silêncio que dá todo o perfume da Idade Média e, mais ainda, do antigo monaquismo do Oriente, mosteiros gregos situados em montes de nomes fabulosos, em ilhas do Mediterrâneo onde os Apóstolos ensinaram, em colinas da Terra Santa onde Nosso Senhor fez milagres, etc. Essa é a ideia que me dá um Teófanes abade, e me incentiva a conhecer sua biografia.
Membro de uma das mais nobres famílias do Império Bizantino
Teófanes, nascido em Constantinopla, pertencia a uma das mais nobres famílias do Império Bizantino. Perdendo seu pai aos três anos de idade, foi educado pelo próprio Imperador Constantino Coprônimo.
Casou muito jovem ainda, praticamente obrigado, com uma jovem patrícia. Mas ambos, de comum acordo, fizeram voto de continência perpétua. Seu sogro, vindo a descobrir isso mais tarde, encheu-se de furor, pois desejava herdeiros que entrassem no gozo da imensa fortuna do genro. Queixou-se assim ao imperador e este enviou Teófanes para Sísico com o título de Intendente Real dos Trabalhos Públicos no Helesponto e na Lísia. Aí o Santo encontrou um monge que o iniciou nos caminhos da contemplação e Teófanes abandonou o mundo, recolhendo-se a um mosteiro, onde veio a ser abade.
Que coisa linda: um dignatário da corte imperial de Constantinopla! Para pensar nisso é preciso imaginar aqueles basileus, aqueles imperadores de Constantinopla hirtos, com aquelas caras de ícones, todos rodeados de pérolas, com ar sentencioso, com uma mão que ensina ou com uma vara toda de marfim, com uma imagem de ouro de São Miguel em cima, e olhando para todos os séculos, imóveis sobre um fundo de ouro.
Podemos imaginar como era o palácio imperial em Constantinopla, junto às margens poéticas do Bósforo e à Basílica de Santa Sofia, onde o Imperador Coprônimo educou Teófanes.
Teófanes é um homem puro que se casa com uma moça pura; e os dois, coisa ainda mais rara, resolvem guardar a castidade perfeita.
O Imperador intervém e manda esse homem para uma espécie de exílio dourado. Ele vai com um título meramente administrativo, mas pomposo – todos os títulos bizantinos eram pomposos –, para essa região exercer suas funções. Imaginem como era uma cidade de província daquele tempo: pequena, com um pequeno palácio destinado ao representante do imperador, com um tronozinho, sendo a miniatura – mas que miniatura! – do fausto imperial, e Teófanes movendo-se dentro daquilo diante de um povo genuflexo.
Abandona tudo e vai para o deserto
Entre os que vão falar com Teófanes aparece um monge vindo de algum deserto, de onde saiu levando consigo todos os silêncios daqueles pores de sol incandescentes, daquelas montanhas torradas pelo Sol, ou batidas por um vento tremendo, daquelas contemplações caracteristicamente orientais, com aqueles olhos enormes olhando para um firmamento lindíssimo e rezando. Esse monge sai de repente de seu isolamento, vai para a cidade e encontra Teófanes.
Pode-se imaginar a conversa dos dois:
— Teófanes, o que te adianta gozar essas coisas da Terra? Vejo em ti que és um homem puro, Deus te chama para uma pureza maior. Deixaste as delícias da carne, deixa, ó Teófanes, os outros deleites, pois maiores maravilhas te aguardam.
E Teófanes pergunta:
— Pai santo, o que farei?
— Vai comigo ao deserto, onde os varões amados de Deus se separam de tudo quanto é do mundo e vivem exclusivamente na familiaridade do Senhor.
Então, Teófanes deixa tudo e vai para o deserto. Isso é ambiente, isso é vida, isso é história.
Após fazer promessas de benefícios, o Imperador o ameaça
Anos depois, quando Leão, o Armênio…
Que lindo nome para um imperador! Todas essas coisas em Constantinopla têm um outro jeito. Há uma coisa mais banal do que um homem chamado Leão? Há coisa mais comum do que um homem ser um armênio? Mas “Leão, o Armênio”, Imperador de Constantinopla, é uma coisa que se destaca de uma série de outras por vários imponderáveis. O Imperador Leão, o Armênio, que traz consigo os luxos e os mistérios da Armênia para o trono de Bizâncio, é uma coisa muito mais evocativa.
Continua a ficha:
Leão, o Armênio, renovou a perseguição às santas imagens…
Era a heresia dos iconoclastas, que quebravam as imagens nas igrejas, uma forma ancestral de protestantismo e de progressismo.
…e soube que Teófanes gozava de alta consideração entre os ortodoxos.
Ortodoxos aqui somos nós, católicos, porque não tinha ainda havido o cisma.
Querendo atraí-lo à sua causa, chamou-o à Constantinopla. Quando ele ali chegou, recebeu uma carta do soberano: “Vossas disposições pacíficas me fazem crer que aqui viestes para confirmar com vossos votos minhas opiniões sobre esse problema. Esse, aliás, é o meio certo de obter meus favores e de conseguir para vós, vossos parentes e vossos mosteiros, todas as graças que estão ao alcance do imperador conceder…”
Portanto, todas as que existem, porque o Imperador de Constantinopla era onipotente.
Se, ao contrário, vos recusardes a aquiescer comigo, incorrereis em minha indignação e dela sentireis todo o peso, vós e vossos amigos.
É bem claro, o Armênio. No meio de frases amáveis, a coisa é suborno ou tiro.
Jogado num calabouço
Teófanes, que nunca se intimidara com promessas ou ameaças, assim respondeu:
“Idoso e enfermo como estou, tenho cuidado em não ambicionar as coisas que desprezei por Jesus Cristo, em minha juventude, quando me era fácil usufruir das coisas do mundo.”
Linda resposta. “Você me oferece o que eu desdenhei quando podia gozar? Você pensa em me comprar com essas coisas, agora que não estou em idade de gozá-las? Oh!” Vê-se o Armênio minguar…
“Quanto ao meu mosteiro e aos meus amigos, coloco sua sorte nas mãos de Deus. Quanto ao mais, se acreditais assustar-me com vossas esperanças como se assusta uma criança com as varas, vos enganais. Porque, embora não tenha forças para caminhar e esteja sujeito a numerosas outras enfermidades corporais, espero que Jesus Cristo me dará coragem de sofrer pela sua causa todos os suplícios aos quais poderíeis me condenar.”
Tudo dito, está acabado. Quer dizer: “Seus subornos não me interessam, suas ameaças não me fazem recuar. Está feito seu balanço, ó Leão, o Armênio.” É um Teófanes, a manifestação de Deus através da boca de um homem.
Encolerizado, o imperador enviou Teófanes a um calabouço, onde o Santo permaneceu por dois anos, sofrendo horríveis privações. Chegaram, um dia, a dar-lhe trezentos golpes de chicote.
Num velho enfermo, hein!
Saindo da prisão, exilaram-no na Samotrácia, onde ele morreu a 12 de março de 817.
Aqui está a história de São Teófanes. Nós podemos imaginar a Samotrácia e São Teófanes morrendo. Talvez embaixo de uma palmeira, ao ar livre, assistido apenas por um auxiliar. Mas na hora em que ele morreu, uma bola de fogo subiu ao céu, e na cidade tal viram isso e comentaram: “Morreu Teófanes, o virtuoso…” Ou algo nessa linha. Seria o desfecho legendário e simétrico dessa história. Com isso nos familiarizamos um pouco com os esplendores peculiares que a Igreja teve no Oriente.
Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 17/3/1971)
Revista Dr Plinio 252 (Março de 2019)
Oração: Ação de graças pelo sofrimento recebido
Ó minha Mãe, eu Vos agradeço por me terdes dado esta ocasião de sofrer por Vós, e Vos digo: quero esta dor! Eu a desejo porque Vós assim o quereis; e a desejo durante o tempo que Vós quiserdes! Ajudai-me na minha debilidade para que eu possa carregar esta cruz como Vós entenderdes. Eu a osculo como Nosso Senhor a osculou no momento de colocá-la sobre os ombros, porque desejo tudo sofrer.
Eu ficaria desolado se minha vida fosse sem cruz. A vida sem cruz é uma vida sem Vós e, portanto, aceito a cruz de todo o coração. Tenho a alegria de receber este sofrimento em união convosco e para Vos agradar.
Dai-me, ó Mãe, o amor e o senso da cruz!
Plinio Corrêa de Oliveira (Composta em 5/12/1967)