Hosana

Passar por reveses, derrotas, angústias, ansiedades, ver-se à beira da extinção, diante de imensos perigos, enfrentar aparentes decadências e, entretanto, pela graça de Deus acabar vencendo — eis o sentido cristão da palavra “admirável”. Exemplo paradigmático, a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Os maiores milagres, os maiores êxitos, uma verdadeira aclamação como Rei em Jerusalém no Domingo de Ramos, e uma súbita e inesperada derrocada que desfecharia nas dores e aflições da cruz. Pouco depois, o espetacular triunfo da Ressurreição. Isto é ser, na inteira força do termo, admirável!

 

Plinio Corrêa de Oliveira

O mundo aos pés do Trono da Verdade

Já tivemos ocasião de publicar numerosos artigos nos quais Dr. Plinio manifesta seu amor ao Papado. E muitos outros ainda se seguirão, pois este era um de seus temas prediletos. Transcrevemos aqui um artigo para o “Legionário” em 1946.

 

As notícias provenientes da Cidade do Vaticano informam que o Corpo Diplomático junto à Santa Sé fez uma démarche coletiva para obter da Secretaria do Estado o privilégio de participar de Consistório em que vão ser concedidos os chapéus vermelhos aos Cardeais recentemente nomeados. A atitude dos diplomatas não terá sido tomada sem o consentimento, pelo menos tácito, dos  respectivos governos. 

Assim, pode-se considerar que quase todas as nações do mundo  quiseram expressamente estar presentes àquele ato, manifestando de modo delicado e nobre, seu agradecimento pela honra que o Papa Pio XII lhes concedeu, com a internacionalização ainda mais ampla do Sacro Colégio.

Por sua vez, este gesto vem demonstrar o alto grau de importância moral e política que todos os governos do mundo reconhecem ao Papado. 

Em toda a longa e gloriosa história do Vaticano, durante a qual tantas cerimônias brilhantes se desenrolaram sob o teto de Pedro, em nenhuma talvez, a universalidade da Igreja se tenha patenteado de modo mais evidente. Aos pés do Trono da Verdade, estarão os embaixadores de quase todas as nações do mundo. E, nos lugares reservados ao Sacro Colégio, figurarão lado a lado Cardeais europeus, americanos, asiáticos e africanos. 

Nunca se viu na História da Igreja, que a Púrpura cardinalícia cobrisse uma tão grande porção da terra. Dir-se-ia que a sombra do báculo de Pedro cresceu, que entre suas extremidades que vão de mar a mar, de monte a monte, dos Alpes ao Himalaia, fica o mundo inteiro. O quadro é de uma grandeza apocalíptica. É impossível não pensar nas lágrimas, no suor e no sangue, nas  fortificações, nas preces, na paciência e no heroísmo por meio do qual a Igreja ajudada por Deus chegou a tamanha glória. Quando se pensa nos primórdios do Catolicismo, comparado por seu Divino Fundador com o pequenino grão de mostarda, e se vê hoje que a copa da árvore é maior que os mais extensos desertos e as mais vastas nações, são todas as fibras católicas que vibram e se dilatam nos nossos
corações. 

Do esplendor desta magnifica realidade se desprende uma voz, porque os fatos falam. E esta voz, eco de outra Voz, nos diz com firmeza mais do que nunca: “non praevalebunt”! Do que adiantou a [tantos inimigos] investir contra a Igreja com uma fúria desabrida e ferina? Do que adiantou […] procurar infiltrar-se como um cupim silencioso e cheio de lepra, nas próprias fileiras dos católicos? “Non praevalebunt”. Não prevaleceram.

Está dito, porém, que as alegrias neste vale de lágrimas nunca serão completas. Uma sombra passa diante de nossos olhos. Se é tal, tão universal, tão incontrastável o prestígio da Igreja, como explicar que ela esteja à margem da Organização das Nações Unidas? Como explicar que, precisamente neste fastígio de sua universalidade, ela seja mantida à margem da universal organização dos povos? Se a circunda uma auréola de prestígio, é impossível não reconhecer que é no exílio, é fora de seu trono natural, que é a presidência das nações cristãs, é fora  de tudo isto, que nasce em torno dela este arrebol de glória. Extraordinária expressão de sua força, que brilha até mesmo no isolamento. Mas motivo não menos extraordinário para que temamos por esta humanidade que vê a Luz, mas que não se utiliza dela para “iluminar a casa inteira”, para iluminar e dirigir a sociedade universal das nações. […] 

Como de direito, o máximo de nosso filial afeto voa aos pés do Santo Padre. “Ubi Christus ibi Deus; ubi Ecclésia ibi Christus; ubi Petrus ibi Ecclésia” (Onde está Cristo, aí está Deus; onde esta a Igreja, aí está Cristo; onde está Pedro, aí está a Igreja). E só nos unimos a Deus em Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Homem e verdadeiro Deus. Só nos unimos a Jesus Cristo na Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana que é o próprio Corpo Místico do Senhor. E só estaremos unidos a Nosso Senhor Jesus Cristo, mediante uma união sobrenaturalmente forte, união de vida e de morte, à Cátedra de São Pedro. Onde está Pedro, aí está a Igreja de Deus. Dizem as notícias telegráficas que o Santo Padre pronunciará nesta ocasião um discurso de grande importância, seguido poucos dias depois de mais outro, igualmente importante. Aguardamos sua palavra com amor e confiança. Amor e confiança que, como de costume, se traduzem num inabalável propósito de adesão e submissão. 

Não há melhor meio de testemunhar amor ao Papa, senão obedecendo- lhe. E obedecer significa fazer aquilo com que estamos de acordo, e aquilo que por nossa própria vontade faríamos; significa aceitar como verdadeiro o que ele ensina e nós vemos que é verdadeiro, e o que ele ensina e a nossos olhos mortais pareceria fraco e errôneo. 

Plinio Corrêa de Oliveira (Excertos de artigo publicado no “Legionário”, nº 706, de 17/2/1946. Título nosso.)

IX Estação: Jesus cai pela terceira vez

Nesta meditação extraída de uma Via Sacra composta por Dr. Plinio em 1943, ele nos ensina a evitar uma concepção errada sobre uma importante virtude cardeal: na maior parte das vezes é mais  prudente recuar do que avançar.

 

Há mistérios que o vosso Santo Evangelho não narra. E entre eles eu gostaria de saber se me engano ao supor que essa vossa terceira queda foi feita, meu Senhor, para expiar e salvar as almas dos prudentes. 

A prudência é a virtude pela qual escolhemos os meios adequados para obter o fim que temos em vista. Assim, os grandes atos de heroísmo podem ser tão prudentes quanto os recuos estratégicos.

Se o fim é vencer, em noventa por cento dos casos é mais prudente avançar do que recuar. Não é outra a virtude evangélica da prudência. 

Entretanto… entende-se que a prudência é só a arte de recuar. E, assim, o recuo sistemático e metódico passou a ser a única atitude reconhecida como prudente por muitos de vossos amigos, meu Senhor. E por isto se recua muito… A realização de uma grande obra para vossa glória está muito penosa? Recuasse por prudência. A santificação está muito dura? A escalada na virtude multiplica as lutas em vez de as aquietar? 

Recua-se para os pântanos da mediocridade, para evitar, por prudência, grandes catástrofes. A saúde periclita?  Abandona-se, por prudência, todo ou quase todo apostolado, mediocriza- se a vida interior, e transforma-se o repouso no supremo ideal da vida, porque a vida foi feita, antes de tudo, para ser longa. Viver muito passa a ser o ideal, em vez de viver bem. 

O elogio já não seria como o da Escritura: “Em uma curta vida percorreu uma longa carreira” (Sab. 4, 13). Seria, pelo contrário, “teve longa vida, para o que teve a sabedoria de renunciar a fazer uma grande carreira nas vias do apostolado e da virtude”. Vidas longas, obras pequenas. E vossa prudência como foi, ó Modelo divino de todas as virtudes?

Quantos amigos tendes, que Vos conselhariam a renunciar quando caístes da primeira vez? Da segunda vez, seriam legião. E vendo-Vos cair pela terceira, quantos Vos não abandonariam escandalizados, achando que éreis  temerário, falto de bom senso, que queríeis violar os manifestos desígnios de Deus!? Que esse passo de vossa Paixão nos dê graças, Senhor, para sermos de uma invencível constância no bem, conhecendo perfeitamente o caminho do verdadeiro heroísmo, que pode chegar a seus limites mais extremos e mais sublimes sem jamais se confundir com uma vil e presunçosa temeridade. 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído do “Legionário”, de 18/04/1943)

Santa Bernadete Soubirous

Aos olhos de um século orgulhoso e cheio de incredulidade, Santa Bernadete Soubirous não passava de uma camponesa pequena e miserável, insignificante e pobre. Aos olhos da Providência, porém, ela era a escolhida para ser o arco através do qual um raio de sol das maravilhas divinas iluminaria o mundo inteiro.

Aceitando sua humilde condição e suportando o desprezo e o descaso de seus semelhantes, soube ela conduzir sua alma até os limites da sublimidade. E seu amor ao sofrimento, aceito como algo mais precioso que as próprias aparições de Lourdes, transformou-a numa das mais rutilantes estrelas do firmamento católico.

O ARCANJO DA ANUNCIAÇÃO

São Gabriel Arcanjo foi o embaixador escolhido para a Anunciação por causa de virtudes inerentes à sua essência. Eis o pensamento desenvolvido por Dr. Plinio nos presentes comentários.

No mês de março a Igreja celebra a Anunciação de Nossa Senhora e Encarnação do Verbo, um dos maiores mistérios da fé católica. Muito se tem falado de belos e profundos  aspectos desta festa, como, por exemplo, o maravilhoso significado da união da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade com a natureza humana, em ordem à Redenção do  mundo, ou a grandeza e a humildade de Maria, aceitando a sublime vocação de ser a Mãe do Criador. Menos ressaltada é a atitude do Arcanjo São Gabriel neste  acontecimento de primordial importância para a humanidade.

Creio, portanto, não ser sem interesse voltarmos um pouco nossa atenção para a figura e o papel do angélico portador da mensagem de Deus para a modesta Virgem de  Nazaré. Pelo teor da missão se percebe a magnitude do príncipe celeste Podemos ter uma certa ideia de quem é São Gabriel se considerarmos o valor da missão de que foi  incumbido pelo Altíssimo.

Com efeito, sendo os Anjos constituídos de uma natureza muito mais elevada que a nossa, as tarefas a que são prepostos têm relação direta com suas características e perfeições próprias, motivo pelo qual as funções angélicas não são assumidas por eles tão arbitrariamente como se faz entre os homens. Quer dizer, no nosso caso, ninguém    será, por exemplo, datilógrafo ou embaixador por natureza: na hora do aperto, um embaixador se avia como datilógrafo, e um datilógrafo, por relevantes interesses pessoais, acaba sendo bom embaixador.

No caso dos Anjos, pelo contrário, cada um está destinado a desempenhar uma função específica, de acordo com sua própria essência. Não se tratará, necessariamente, de  tarefas tão extraordinárias como a da Anunciação, mas das ordinárias dos Anjos no Céu em face de Deus.

Na aplicação desse princípio, houve uma decisiva razão de conveniência para se conferir a missão de anunciar a Encarnação do Verbo a São Gabriel: era ele o Arcanjo que, por sua essência, estava à altura dessa dignidade.

E, portanto, medindo o valor da incumbência dada a ele, podemos deduzir algo de sua glória, virtudes e esplendor. Que dizer dessa missão? Antes de tudo, é elevadíssima. É  a missão-chave na História da humanidade. Esse Anjo foi enviado a Nossa Senhora para revelar-Lhe a chegada da plenitude dos tempos, o fim do reino do demônio, o  esmagamento do domínio do mal, a remissão do gênero humano, a abertura das portas do Céu. O Anjo incumbido de pedir a Nossa Senhora seu consentimento para isso, e  de anunciar o mistério da Maternidade Virginal, esse Anjo portou a mais elevada mensagem que se possa ter transmitido em toda a História.

Segundo o ensinamento dos teólogos, os astros são movidos por Anjos. Procuremos imaginar a grandeza de um Anjo que mova, por exemplo, toda a Via Láctea. Que valor,  que força, brilho e categoria de espírito deve ter um Anjo desses! Agora, o que é mover uma poeira de estrelas como a Via Láctea, em comparação com o tocar a alma de  Nossa Senhora, com o agir sobre o coração imaculado d’Ela, transmitindo-Lhe essa mensagem única e obtendo sua adesão?

Não há comparação possível. Daí se compreende a excelsitude da missão e do missionário. Por outro lado, gradua-se a importância do mensageiro não só pela natureza da  mensagem, mas também pela importância respectiva de quem a mandou e de quem a recebe. Um rei que tem uma comunicação muito importante para alguém de categoria  superior, a envia por meio de um fidalgo da sua corte. Mas, se a mensagem for de menor alcance e o destinatário, uma pessoa comum, ele a mandará através de um  empregado qualquer.

Ora, a Santíssima Virgem era a Rainha do Céu e da Terra, a obra prima de Deus, destinada a ser Mãe do Verbo. Logo, somente um Anjo da mais alta dignidade poderia ser  escolhido para levar a Ela as palavras divinas. Mais uma vez, vemos por aí a estupenda grandeza do celeste mensageiro.

Senso hierárquico e exaltação da virgindade A partir desse sublime acontecimento, poderíamos deduzir também duas perfeições do espírito de São Gabriel, a meu ver muito salientes nos quadros de Fra Angélico que retrataram a cena da Anunciação.

Em primeiro lugar, um notável senso de hierarquia. Quando São Gabriel se dirigiu a Nossa Senhora, Ela ainda não era a Mãe de Deus. Passou a sê-lo no momento em que aceitou a comunicação e, em conseqüência, a milagrosa e fecunda intervenção do Espírito Santo. Como, por natureza, os Anjos são superiores aos homens, até o instante em que a Virgem pronunciou o “fiat”, São Gabriel estava se dirigindo a alguém que lhe era inferior, embora A estivesse convidando para ser sua Rainha.

De outro lado, a mensagem trazida por ele significava uma tal predileção de Deus por Nossa Senhora que A situava acima do paralelo com qualquer Anjo, por mais elevada  que fosse a categoria deste, incluindo São Gabriel. Donde o singular senso de hierarquia que o vemos manifestar, e que Fra Angélico expressa de modo inexcedível nos seus  afrescos: é o Anjo imbuído de um respeito profundo e de uma entranhada veneração por Nossa Senhora,  como quem toma a superioridade de sua própria natureza e a põe abaixo, por causa dessa grandeza da missão de Maria. Por sua vez, Nossa Senhora responde ao Anjo também inclinada e com toda a deferência, porque Ela recebia a  mensagem de Deus e porque, como criatura humana, era inferior ao Anjo.

O episódio tem o perfume de um mundo de respeito mútuo, de superioridades recíprocas, nas quais Nossa Senhora acaba sendo incomparavelmente maior do que o Anjo,  indicando bem o senso de hierarquia incluído nesse ato.

E, cumpre frisá-lo, senso de hierarquia e de disciplina oposto ao non serviam (não servirei) de Satanás. Muitos teólogos afirmam que o demônio se revoltou contra Deus  porque não quis reconhecer o Verbo encarnado como objeto de sua adoração, e menos ainda aceitar uma mera criatura humana como sua rainha. Parece ter sido este o  ponto que exacerbou ao extremo o seu orgulho e polarizou de forma irrefreável o movimento de insubordinação que grassava no seu espírito em relação à vontade divina.

São Gabriel fez o contrário. Cheio de adoração e amor a Deus, foi portador dessa mensagem que colocava, sob certo ponto de vista, o reino angélico abaixo do reino humano.  Colocado diante de sua nova Rainha, tão inferior a ele por natureza, dobrou- se como o mais respeitoso e venerador dos súditos e cortesões. A esse alto senso de hierarquia  podemos acrescentar outro aspecto: uma como que castidade celestial. Ao se dirigir à Virgem das Virgens para anunciar que Ela será Mãe sem deixar de ser virgem, São  Gabriel faz uma esplendorosa exaltação da virgindade, além de revelar uma espécie de obra-prima de pureza realizada por Deus: diante desse fato tão imenso da  Encarnação, Nosso Senhor resolveu violar todas as regras da natureza para salvar a virgindade perfeita de Nossa Senhora, e conferiu uma nova glória ao gênero humano,  fazendo d’Ela a Esposa do Divino Espírito Santo e Mãe de um Filho gerado milagrosamente, sem concurso de homem.

São Gabriel estava, assim, incumbido de trazer à Terra a mensagem que é uma das maiores glorificações da castidade já conhecidas na História. Não será difícil  compreender, portanto,  a ligação toda especial com a virtude da pureza que esse Arcanjo deveria ter.

Senso de hierarquia, de disciplina, humildade, vinculação com a pureza e a virgindade, virtudes do embaixador divino, contrárias ao orgulho e à “sensualidade” do demônio, inimigo irreconciliável de Deus e de Nossa Senhora. A velha serpente foi pisada e esmagada de modo avassalador nesse sublime mistério da fé cristã. E se um Fra Angélico  acrescentasse na sua  pintura o detalhe da cabeça do demônio sob os pés de São Gabriel, retrataria um fato profundamente real.

Pedir a humildade, a pureza e o amor a Nossa Senhora Dessas breves considerações podemos inferir que motivos não nos faltam para pedirmos a São Gabriel que interceda por nós junto a Nossa Senhora e ao Sagrado Coração de Jesus, a fim de alcançarmos essas duas graças tão indispensáveis para nossa perfeição espiritual: primeiro, a de  termos genuíno senso de hierarquia, humildade sincera, intenso amor à superioridade (ainda que aqueles que sejam mais do que nós em certos aspectos, sejam menores por vários outros); em segundo lugar, a graça de possuirmos o gosto ilibado da pureza, da castidade, enquanto princípio, valor moral, e não apenas como predicado físico.

Humildade e pureza que, sem dúvida, são dois dos traços distintivos da santidade específica de São Gabriel. Sabe-se que os Santos e os Anjos são chamados a favorecer os católicos, obtendo-lhes o fortalecimento nas virtudes peculiares com que eles mais glorificam a Deus. São Francisco nos alcança o espírito de pobreza; Santo Inácio, a lógica soberana, inflexível e incomparável dos Exercícios Espirituais; São Bento, o gosto da liturgia e da contemplação.

E assim por diante, o que os Anjos e os Santos mais têm, mais eles dão.

Se São Gabriel espelha as mencionadas virtudes em tão alto grau, ele foi posto por Deus para obtê-las em favor dos mais necessitados. Não deixemos, portanto, de recorrer a  esse extraordinário intercessor que nos foi dado pela Providência, rogando-lhe conceder-nos a mesma veneração, o mesmo entranhado respeito e amor que ele manifestou por sua Rainha e Senhora, Maria Santíssima, Mãe do Verbo Encarnado.

 

Caro Christi, caro Mariæ; sanguis Christi, sanguis Mariæ

Desde o primeiro momento de sua concepção, Jesus começou a adorar o Pai Eterno, o Divino Espírito Santo e a alimentar-Se dos elementos que o santíssimo e  virginalíssimo corpo de sua Mãe Lhe proporcionava. Nossa Senhora tinha consciência inteira do que se passava em seu interior, e sentia a sublimação de seu sangue que  estava sendo transformado n’Ele.

 

Antes da Santíssima Virgem Maria saber que seria Mãe do Redentor e Esposa do Divino Espírito Santo, tudo n’Ela se orientava nesse sentido. Não que Ela aspirasse ser a  Mãe do Messias, mas a fim de que Ele viesse logo.

“Mandai o Messias, mandai o Messias…”

As orações de Nossa Senhora para a vinda do Messias devem ter acelerado muito essa chegada, pois Ela é onipotente em suas súplicas. A partir do momento em que Deus A criou, Maria Santíssima teve conhecimento da situação da humanidade e começou a rezar para vir logo o Salvador.

Com o nascimento d’Ela levantou-se, portanto, como que uma coluna de fumo odorífero de cor maravilhosa, de movimentação encantadora e ao mesmo tempo majestosa na  presença de Deus. Era a oração de Nossa Senhora que subia do Coração Imaculado d’Ela até o trono do Criador, pedindo: “Mandai o Messias, mandai o Messias…”

A Virgem Maria possuía tanta admiração e adoração pelo Messias o qual devia vir, que se acredita – a meu ver com muito fundamento – ter Ela pedido para ser escrava da  Mãe d’Ele e poder, assim, servi-La de todos os modos, como uma forma indireta de servir o próprio Salvador.

Essa oração também foi ouvida, como acontecerá com tantas  preces de Nossa Senhora, mais até do que Ela esperava. Segundo a narração do Evangelho, a Anunciação se deu sem preparação extraordinária.

A Santíssima Virgem estava muito normalmente rezando naquele claustrozinho da casa d’Ela, quando apareceu um Anjo e A saudou: “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo” (Lc 1, 28). Com certeza, na medida em que isso se pode entender de puros espíritos, ele se inclinou profundamente diante d’Ela.

A Santíssima Virgem julgava-Se indigna

Isso dito por um Anjo! Os Anjos são seres de uma beleza, de um esplendor incomparável. Podemos calcular a impressão que isso deve causar, ainda mais para uma pessoa humílima como Nossa Senhora.

Foram surpresas sobre surpresas: Por que um Anjo vai aparecer para Ela? Por que A saúda reverentemente? Por que Lhe faz esse elogio? Depois, surpresa ainda maior: Maria Santíssima tinha pactuado com São José de ficar sempre virgem. E Ela vê que o Anjo lhe fala de um Filho ao qual deverá dar o nome de Jesus.

Ora, Nossa Senhora estava longe de imaginar que o Messias seria Filho d’Ela e, para se manter longe dessa suposição, tinha uma razão que em sua psicologia era invencível: a indignidade d’Ela. Sendo Ela  tão indigna – pensava –, estava claro que não era para Ela que viria isso. E chega a revelação de que Ela – com sua promessa de virgindade – dará à luz um Filho chamado Jesus e, com certeza, o Anjo quando pronunciou esse santíssimo nome reluziu num esplendor muito maior.

Talvez as miríades de Anjos que deveriam encher, nesse momento, o pequeno claustro da casa de Nossa Senhora também tivessem indicado, de algum modo, a festiva  presença deles, anunciando o nome de Jesus. Então Ela perguntou como isso seria possível, pois fizera o voto de permanecer sempre virgem.

O Anjo deu a  entender que isso não seria impedimento, porque para Deus não há obstáculos e, portanto, Ela não se preocupasse, pois seria assim, desde que Ela consentisse. O bonito está nisto: que Ela consentisse. E Maria Santíssima deu aquela resposta perfeita: “Eis a escrava do Senhor, faça-se em Mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). Deu-se, então, a Encarnação do Verbo de Deus, e naquele momento Ela sentiu-Se Esposa do Divino Espírito Santo.

É uma situação tão colossal, tão fabulosa que ninguém imagina bem o que seja. Houve muitos santos que tiveram revelações do Espírito Santo, a quem Ele manifestou-Se de  algum modo. Isso não é nada em comparação com o fato de Se tornar Esposa do Espírito Santo!

Início do processo da Encarnação

Quer dizer, houve um determinado momento em que o Espírito Santo se manifestou a Nossa Senhora tão profundamente que gerou n’Ela um Filho. Se tudo quanto os  Santos sentiram na hora da manifestação do Divino Espírito Santo fosse somado, não daria nada em relação ao momento em que Ela, sendo uma criatura humana, passou a  ser a Esposa do Divino Espírito Santo, por toda a eternidade.

Essa situação gerou, necessariamente, tanta felicidade, tanta intimidade, tanto fogo dentro da alma d’Ela, que nós não podemos conceber, e teve como resultado o início do processo da Encarnação.  Ou seja, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade Se encarnou no claustro d’Ela e, desde o primeiro momento da concepção, começou a adorar o Pai Eterno, o Divino Espírito Santo e a alimentar-Se dos elementos que o santíssimo e virginalíssimo corpo de sua Mãe Lhe proporcionava.

Nesses atos simultâneos, na medida em que Ele Se nutria, o seu Corpo ia tomando consistência e também a união da alma d’Ela com Ele ia aumentando. Nesse período da gestação, a intimidade entre Ele e Ela, seus colóquios, como se amaram, são coisas inefáveis. É algo superior a toda cogitação!

Pensarmos que tudo quanto rezamos no “Veni Creator Spiritus” deu-se com a Santíssima Virgem em grau superlativo!

“Veni, Creator Spiritus, mentes tuorum visita”. Considerem o que significa pedir que o Divino Espírito Santo visite as nossas mentes. A entrada d’Ele e sua ação em nossas  mentes, o que é uma coisa dessas?! “Imple superna gratia quæ Tu creasti pectora”: Os corações que Tu criaste, enche com a tua graça superior”.

“Qui diceris Paraclitus, donum Dei altissimi…”: Tu que és chamado o Paráclito, dom de Deus altíssimo… “Fons vivus, ignis, caritas, et spiritalis unctio”: Fonte viva da graça e  de todos os bens espirituais que a pessoa possa ter, e unção espiritual.

Essa presença do Espírito Santo nos enche de graça e de unção espiritual.

A gruta de Belém se torna mais augusta que qualquer outro palácio

Mas como essa presença é  tênue, leve, pequenina, em comparação com a de Nosso Senhor em Nossa Senhora!

Imaginem esse ato de comunhão perpétuo – no sentido de que será durante todo o período da gestação –, em que Ele está dentro d’Ela e vai Se nutrindo do sangue puríssimo d’Ela, e a carne do Homem-Deus vai cada vez mais se constituindo. Ela sabe disso, tem a consciência inteira do que se passa em seu interior e sente a sublimação de seu sangue que está sendo transformado n’Ele.

Diz-se “caro Christi, caro Mariæ; sanguis Christi, sanguis Mariæ: a carne de Cristo é a carne de Maria; o sangue de Cristo é o sangue de Maria”.

Assim, no corpo d’Ela vai se modelando o d’Ele. Aí se dão certos fenômenos, como o da hereditariedade, por onde Ele herda elementos de sua Mãe, tornando-Se parecido  com Ela, e a inter- relação entre os dois vai aumentando de intimidade, à medida que vai se definindo essa semelhança.

Imaginem, quando o processo está terminado e Nosso Senhor prestes a manifestar-Se aos homens na noite de Natal, até que ponto a intimidade, a relação mútua entre Eles  é grande!

Naturalmente, à medida que no Presépio de Belém a complementação da geração d’Ele vai se tornando perfeita, tudo anuncia em volta de Nosso Senhor que Ele está para   nascer, e a gruta vai ficar augusta com nunca nenhum palácio ficou. Os Anjos enchem aquele ambiente, há uma respeitabilidade,  mas, ao mesmo tempo, uma doçura, um amor, uma confiança inexprimíveis.

Só no Céu ter-se-á uma ideia exata do que foi a gruta de Belém naquela noite. Chega, por fim, a hora bendita entre todas as horas como Maria é bendita entre todas as  mulheres. Por um modo de fazer que só Deus sabe,  Aquela que era a Porta do Céu e sempre Virgem Se torna Mãe de Deus. Porque a maternidade se completa quando Maria  Santíssima dá ao mundo o Filho que Ela gerou. Afinal, aparece na manjedoura o Filho de Deus vivo.

Os olhares se entrecruzaram

Um artista comum representa o Menino Jesus como uma criança que ainda não tem consciência muito completa de si, batendo um pouco as perninhas, os bracinhos numa posição bonita, mas que não é diretamente racional; são mais ou menos movimentos reflexos. E Nossa Senhora, com o olhar profundamente sábio, santo, etc., observando-O   analisando-O. Mas não é essa a realidade das coisas. Como Ele, desde o seu primeiro instante de ser, refletiu e refletiu…

Ao seu lado, pouco favorecido e ignorante aquele que foi o mais inteligente dos homens: São Tomás de Aquino! Pobre, rústico e bárbaro quem foi o mais civilizado dos  homens – digamos que tenha sido São Luís! E daí  para fora, diante do Menino, o mais lúcido, mais fino, mais nobre, mais casto e mais piedoso de todos.

Ele olhou-A no momento em que Ela O viu, os olhares se entrecruzaram, mas Ele A olhou com mais lucidez do que Ela a Ele. Porque Ele era Ele. Nós devemos fazer a pergunta: Que fisionomia Jesus fez ao ver a Mãe que Deus Lhe tinha dado? Ele já A conhecia, mas com os olhos humanos observava-A com a análise amorosa,  completamente embevecida, etc….

Então podemos imaginá-La sentindo-Se assim analisada, querida, sem a mínima timidez porque Nossa Senhora era puríssima, perfeita, nunca tinha tido a menor falha, em nenhum ponto, jamais deixara de crescer e progredir em toda a medida do necessário. Enfim, Eles se  olham e Eles se reconhecem e cada um vê o outro pela primeira vez.

Que momento de afeto deve ter sido esse! Eu acho que não é possível imaginar. 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 2/7/1995)

Escrava do Senhor

Na Anunciação, Nossa Senhora ouviu a mensagem do Anjo e procurou logo o seu significado profundo. Recebida a explicação, Ela imediatamente entendeu e deu a resposta: “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em Mim segundo a tua palavra”.

Ela notou que era preciso um consentimento d’Ela, e disse: “Sou escrava d’Ele, faça-se o que Ele quiser. E, segundo a tua palavra, aceito!”

Isso se realizou na singeleza diáfana da narração evangélica, representada no luminoso quadro de Fra Angelico, naquelas duas arcadas de uma casinha simples, limpinha, onde Nossa Senhora está sentada e São Gabriel A saúda.

Entretanto, aquele ato de vontade teve mais firmeza, aquele ato de inteligência mais nitidez do que tudo quanto se possa encontrar no universo. Nesta força de alma nota-se a inocência de Quem, sendo Filha diletíssima do Pai Eterno, era destinada a ser a Mãe de Deus Filho e Esposa do Divino Espírito Santo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 21/5/1981)

Ideal de humildade e elevação

Em seu Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, São Luís Grignion de Montfort salienta que os devotos de Nossa Senhora terão especial apreço pelo Mistério da Encarnação, pois desta forma “imitam a dependência em que Deus Filho quis estar de Maria. Dependência que transparece particularmente nesse Mistério no qual Jesus Cristo se torna cativo e escravo no seio de Maria Santíssima, aí dependendo d’Ela em tudo” (cap. 8, art. 1, § IV). Exímio nessa imitação do divino exemplo, Dr. Plinio deixou-nos estes comentários expressos numa Festa da Anunciação do Senhor.

 

Ao comemorarmos data de tão precioso significado, devemos considerar que Jesus Cristo tornou-se Escravo de Nossa Senhora desde o momento em que Ela, diante do convite apresentado por São Gabriel, aceitou de dar à luz o Messias, e o Espírito Santo então concebeu em seu claustro materno o Verbo encarnado.

Elevada acima de todos os anjos e santos

A Santíssima Virgem tornou-se, assim, Esposa do Divino Espírito Santo a um título muito particular, e passou a receber d’Ele orientações, diretrizes, atos de amor, de consolação, “flashes” (por assim dizer) de uma sublimidade indizível. Graças essas em estreita relação com os vínculos que o próprio Jesus, naquele seio puríssimo, mantinha com sua Mãe. Estabelecia-se, assim, um maravilhoso convívio no qual Nossa Senhora era, ao mesmo tempo, a Filha predileta do Pai Eterno, a Mãe admirável do Verbo humanado e a fidelíssima consorte do Espírito Santo.

Tudo isto foi concedido a Nossa Senhora em virtude do fato da Encarnação. Quer dizer, no instante em que Ela concebeu o divino Filho, tornou-se objeto dessa assombrosa promoção (se pudéssemos empregar o termo), por onde foi elevada a uma condição incomparavelmente superior à de todos os anjos e santos reunidos, o que significa uma perfeição tão imensa que escapa à nossa capacidade de imaginá-la.

O ideal de toda alma humilde

Porém, cumpre ressaltarmos essa verdade: se quisermos crescer na virtude, no amor a Deus, na devoção à Santíssima Virgem, devemos pedir a Nossa Senhora a graça de conhecer, intuir, avaliar tanto quanto é possível à debilidade do intelecto humano, a santidade d’Ela. Se assim o fizermos, cresceremos nós mesmos em santidade. E, portanto, em humildade, sem a qual não há autêntico progresso espiritual.

Para a alma humilde, disposta a obedecer seus legítimos superiores, afeita à admirar os que merecem admiração, amante da modéstia e da discrição, para essa alma, digo, o ­ideal nesta vida é fazer-se escrava de amor da Santíssima Virgem, imitando ao primeiro Escravo d’Ela, Jesus.

Ideal todo particular, pois é o de ser aos pés de Maria — conforme escreveu São Luís Grignion — um vermezinho e miserável pecador, a quem Deus dá a vida e a tira, concede saúde ou permite a doença. Somos completamente dependentes d’Ele, para tudo quanto de nós deseje.

Mas, que felicidade para nós ao pensarmos: “Somos tão minúsculos perto do Criador e, contudo, quanto mais reconhecemos nossa pequenez, mais nos unimos a Ele e mais Ele nos acolhe em seu Sagrado Coração!”

E assim, correspondendo a esse ideal de humildade, servidão e amor, estreitamos nossa união com Deus, com Maria e a Santa Igreja.

Como gota de orvalho transformada em sol

Pensemos, nesta festa da Anunciação, nas glórias concedidas a Nossa Senhora, nos esplendores de perfeição aos quais Ela foi exaltada como Filha do Pai Eterno, Mãe do Verbo encarnado e Esposa do Espírito Santo.

Pensemos, igualmente, como dessas magníficas alturas Ela olha para nós e acompanha com incansável solicitude materna a vida de cada um de seus devotos. Estejamos certos de que a Virgem nos considera com bondade e insondável clemência; obtém-nos o perdão de nossas misérias e fraquezas; dirige, em nosso favor, um irresistível sorriso à Santíssima Trindade, dizendo:

“Meu Pai, meu Filho, meu Esposo. Vejam estes que vos amam no mundo: tenham compaixão deles, ajudem-nos a serem inteiramente aquilo para o que foram criados, a se tornarem fiéis como verdadeiros escravos de amor, fazendo sempre a minha vontade, que é a vossa, Trindade beatíssima.”

Essa é a mais valiosa graça que devemos suplicar a Deus, pelas mãos de Nossa Senhora, nessa festa da Anunciação e Encarnação do Verbo. Tornarmo-nos esses servos amorosos e fiéis, imitadores de Jesus em sua obediência à Mãe, unidos à Santa Igreja a exemplo da própria Virgem Santíssima, de modo a sermos como ela, assim como a gota de orvalho sobre a qual incide o raio solar assemelha-se a um minúsculo sol.

A gota é linda, pura, encantadora. O raio do astro soberano que a toca, a faz brilhar inteira. Mas, o que é a gota em relação ao sol? Pois muito maior, a perder de vista, é a desproporção entre Nossa Senhora e cada um de nós. Porém, podemos e devemos pedir que, como gotas de orvalho, humildes e pequenos, puros e fortes, sejamos um reflexo d’Ela; e que do entusiasmo de nossa humildade, pureza e fortaleza emane um constante ato de amor, obediência e servidão à Rainha do Universo, à Mãe do Verbo de Deus feito carne.

Plinio Corrêa de Oliveira

Anunciação de Nosso Senhor

Admirados ficamos ao pensar que, por um momento, o destino da humanidade inteira pendeu da resposta afirmativa de uma donzela. E o “sim” que Ela deu, abriu caminho para o Redentor que, por assim dizer, batia às portas do mundo. Abriu caminho para a salvação, para as graças de Deus, para a regeneração dos homens.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Preparando a alma para a Semana Santa

Ao nos aproximarmos da Semana Santa, devemos ter uma compreensão clara de seu significado e do bem que a Igreja tem intenção de nos obter durante esses dias. Dr. Plinio, com entranhada piedade, nos aponta como participar das comemorações da Paixão de modo atento, devoto e esperançado.

 

Sem prestar atenção nas coisas, nada se faz bem feito. Por exemplo, um pintor que não presta atenção na pintura, não faz nada que preste. Fixar a atenção aonde deve e mantê-la ali durante o tempo necessário, é condição para que a pessoa faça qualquer coisa de bom.

Essa verdade se aplica, sobretudo, para aquilo que há de mais importante: os atos de piedade pelos quais a pessoa se volta para Deus, pede-Lhe graças e as recebe. É preciso saber recolher essas graças e aproveitá-las, agindo na linha em que elas indicam.

Tudo isso supõe muita seriedade. E para termos essa seriedade bem atenta durante o importantíssimo período do ano litúrgico onde os católicos comemoram a Paixão e Morte de Cristo, a Compaixão de Nossa Senhora e a Ressurreição de Nosso Senhor, apresentarei algumas noções a respeito dessas comemorações.

As consequências do pecado original

Quando Adão e Eva pecaram, como consequência, perderam os dons preternaturais: ficaram sujeitos à morte, a tormentos, a doenças, a dores, a indisposições, etc. Sua inteligência tornou-se mais limitada e perderam o domínio que tinham sobre os animais, desde o tigre ou leão mais feroz até o menor inseto. Qualquer mosquitinho pode nos perturbar; antes do pecado isso não sucedia com Adão.

O estudo e o trabalho, quer o manual, quer o intelectual, tornaram-se difíceis. Para a mulher, a gestação passou a ser frequentemente acompanhada de incômodos de saúde, e o dar à luz um filho, dolorido. E há uma série de outros castigos causados pelo pecado original.

Porém, isso não é nada em comparação com o seguinte. Como o pecado cometido tinha uma gravidade infinita, ficaram fechadas para o homem as portas do Céu. E, além de padecer nesta Terra, o homem corria grave risco de ir para o inferno.

Porque, depois do pecado, o homem ficou com tendências para o mal, com muita dificuldade em praticar o bem, como demonstra o episódio de Caim e Abel.

Caim e Abel

Adão e Eva tiveram muitos filhos; entre outros, Caim e Abel. Este era o predileto, bem apessoado, bom, dedicado e amava a Deus. Caim, pelo contrário, era um homem irascível, de mau gênio e invejoso.

O Gênesis não narra detalhes, mas eu imagino que a história de Caim e de Abel tenha se dado do seguinte modo:
Certa ocasião, Abel ofereceu um sacrifício a Deus: colocou frutos sobre um altar e ateou fogo a fim de consumi-los em louvor de Deus, tendo-se evolado bonita fumaça em direção ao céu.

Caim fizera também um altar, sobre o qual pusera frutas podres, e a fumaça que subira era feia. Vendo que o sacrifício de Abel era aceito por Deus e o dele rejeitado, ficou com inveja do irmão e, tomado de ódio, matou-o.

Podemos imaginar quanto Adão e Eva sofreram com isso. Nunca haviam visto uma pessoa morta, e estavam agora diante do cadáver do filho predileto. E dirigiram seus olhos para Caim, que estava com uma cara péssima, pois cometera um homicídio, um pecado que clama ao Céu e brada a Deus por vingança.

E era um homicídio com terrível agravante, pois se tratava de fratricídio.

Amaldiçoado por Deus, Caim começou a cumprir o castigo que o Criador lhe impôs: andar por toda parte sem poder parar. De tempos em tempos, Adão e Eva viam Caim meio desvairado passar, e talvez dizer-lhes: “Eu não posso parar, tenho que andar, andar, andar, porque matei meu irmão…” E novamente se afundava pelo mato.

Para salvar o gênero humano, a própria Segunda Pessoa da Santíssima Trindade veio à Terra

Mas Deus queria salvar o gênero humano, e para isso era preciso que alguém resgatasse o pecado de nossos primeiros pais. A Segunda Pessoa da Santíssima Trindade deveria encarnar-Se e sofrer tudo quanto Nosso Senhor Jesus Cristo padeceu, para que até o fim do mundo ficassem abertas as portas da graça e do Céu para o homem.

E os fiéis à comunicação de que viria um Salvador, um Messias, ficaram esperando e, em cada nova geração, eles se perguntavam: “Virá o Messias? Será o filho de um de nós?” E passaram-se milhares de anos quando, afinal, numa manhã, uma Virgem estava rezando e o Anjo Gabriel Lhe aparece, dizendo-Lhe que Ela era cheia de graça, perfeita aos olhos de Deus.

O Messias nasceria d’Ela e, em última análise, perguntava-Lhe se concordava com isso. Sua resposta foi um assentimento sublime:
“Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra.”

Naquele momento, o Divino Espírito Santo interveio em Nossa Senhora e o Verbo se encarnou e habitou entre nós.

Previsão do atroz sofrimento

Em todo presépio bem feito, o Menino Jesus aparece sorrindo, afável, como uma criança que está encantada em ver sua Mãe — que Mãe! Pode-se imaginar o encantamento d’Ela em ver seu Filho, com “F” maiúsculo; que coisa incomparável! —, mas com os braços abertos, em forma da Cruz.

Quer dizer, Ele vinha à Terra ciente de que era para padecer o sofrimento da Cruz. Jesus sabia tudo que iria sofrer em todos os dias de sua vida, para salvar os homens. Ele foi o ápice dos profetas, o Profeta perfeito; não só previa o que acontecia, mas fazia o que previa.

Há composições muito bonitas — São José era carpinteiro — que representam Jesus, já adolescentezinho, trabalhando com o pai. Em certo momento, Ele apanha dois pedaços de madeira formando uma cruz e fica, sozinho, contemplando-a.

Outras mostram Nossa Senhora, na casa de Nazaré, olhando, por uma porta entreaberta, Nosso Senhor Jesus Cristo, que está numa sala vizinha rezando com os braços abertos em cruz, compreendendo e pré-sofrendo o que viria.

Início da vida pública

Ele passou trinta anos de vida particular na oração, no recolhimento, junto com São José e Nossa Senhora. E nesse período faleceu São José, que é o Patrono da boa morte, porque morreu tendo Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora alentando-o. Portanto, não se pode ter melhor morte do que a dele.

Certo dia, Jesus se despede de Maria Santíssima, a qual compreende que Ele vai para a sua vida pública. Não será mais a vida do lar, mas a do mundo; Ele vai começar a pregar, fazer milagres, converter pessoas, bem como suscitar um entusiasmo e uma veneração indizíveis, que se manifestarão no Domingo de Ramos.

Mas também vai despertar a inveja, o ódio. Muitos viram-No chorar pela morte de Lázaro e depois, chegando diante de seu sepulcro, dar a ordem: “Lázaro, venha para fora!” Lázaro levantou-se, provavelmente ainda todo enfaixado com as tiras com que os judeus envolviam os mortos, e desfez-se daquilo.

Coisa fantástica, pois afirma a Escritura que Lázaro estava havia quatro dias na sepultura e, conforme disse Marta, já devia estar cheirando mal. Nosso Senhor mandou-o sair da sepultura, e ele assim o fez em condições de perfeita saúde.

Podemos calcular a alegria de suas irmãs e o entusiasmo dos que seguiam a Nosso Senhor! Mas houve também ódio a Nosso Senhor, porque Ele era santo e pregava a virtude. Os maus odeiam o bem, a virtude, e a quem faz milagres para propagar o bem e a virtude.

Movidos por esse ódio, os maus combinaram entre si de matar Jesus.

Nosso Senhor celebra a Páscoa e chora sobre Jerusalém

Afinal, chega o momento. Era Páscoa, e Nosso Senhor vai com os seus ao Cenáculo, a fim de celebrá-la. Ele institui a Sagrada Eucaristia e depois, com os Apóstolos, se dirige cantando, como era costume entre os judeus, para um lugar onde pudessem fazer oração.

Chegam assim ao Horto das Oliveiras, depois de ter passado por um local do qual viam de longe o templo e a cidade de Jerusalém, sobre a qual Jesus havia chorado. Ele sabia perfeitamente que aquele templo seria destruído, e também a cidade, a respeito da qual fez uma linda comparação: quantas vezes procurou reunir sua população em torno d’Ele, como a galinha faz com os pintainhos. Entretanto, eles não quiseram e veio o castigo.

O lance mais pungente da Paixão

Começou, depois, a Paixão de Nosso Senhor, com sofrimentos inenarráveis. A meu ver, o mais doloroso ocorreu quando Ele se encontrou com Nossa Senhora, porque A viu sofrer tudo quanto um coração de mãe pode padecer naquela situação, no meio daquela canalha vil. Ela sabia que Jesus estava sendo conduzido para a morte e seguiu-O, fidelíssima, até o cimo do Calvário, onde ficou aos pés da Cruz até o momento de Ele morrer.

No alto da Cruz, quando os estertores das piores dores O atormentavam, Nosso Senhor fez ainda um ato boníssimo, convertendo o bom ladrão, que se chamava Dimas, e dizendo-lhe: “Hodie eris mecum in paradiso — Tu estarás comigo hoje no Paraíso”. Foi a primeira canonização, e a Igreja o saúda como São Dimas. Ele havia sido um ladrão, um bandido, mas abria-se agora a era da misericórdia.

Os últimos sofrimentos

Recentemente, médicos estudaram o que Nosso Senhor deve ter sofrido na Cruz. Cada um de seus pulsos foi transpassado por um cravo, e não havia um suporte embaixo dos pés, como em geral os crucifixos apresentam. Seus pés também estavam atravessados por um cravo, que os prendia diretamente no madeiro da Cruz.

Antes de ser crucificado, Nosso Senhor havia perdido bastante sangue, mas no alto da Cruz perdia muito mais. Quando sentia falta de ar, a fim de respirar melhor, Ele se elevava apoiado nos cravos das mãos e dos pés, sofrendo com isso dores atrozes.

Nesse terrível tormento Jesus ainda disse: “Mulher, eis aí teu filho!”, “Filho, eis aí tua Mãe.” Essas palavras indicavam um grande perdão, porque São João Evangelista havia dormido no Horto das Oliveiras.

O fato é que São João, a partir daquele momento, passou a ser especialmente filho de Nossa Senhora. Ele era parente muito chegado de Maria Santíssima, porque a mãe dele era prima d’Ela. Mas não era filho. Filho ele se tornou quando Nosso Senhor disse-lhe: “Filho, eis aí tua mãe.” Aquele que horas antes fugira, recebia agora a maior graça que se pode imaginar.

E no auge das dores, Jesus exclamou: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” Ele sabia que não estava abandonado; era um clamor, pois seu sofrimento havia chegado ao auge. Depois inclinou a cabeça e expirou.

No alto da Cruz, Nosso Senhor tinha presente cada ato que praticamos

Nosso Senhor tinha ciência de tudo, do presente, passado e futuro, porque era o Homem-Deus. Conhecia todas as pessoas e, portanto, cada um de nós individualmente. No alto da Cruz, Ele teve em vista todos os pecados por nós cometidos, todos os nossos atos de virtude, minhas palavras neste auditório e os que estão me ouvindo. E ofereceu seus sofrimentos e sua vida por cada um de nós individualmente.

Jesus abriu o Céu para nossas almas. Continuamente nos concede graças, sua misericórdia desce sobre nós. Ele vem ao nosso coração por meio da Sagrada Comunhão. Sua Mãe está rezando o tempo inteiro no Céu por nós, como nossa Advogada.

O problema central de nossa vida…

Caso pequemos, arrependemo-nos imediatamente e, por meio de Maria Santíssima, peçamos a Ele que nos perdoe. Se for um pecado mortal, precisamos ir logo nos confessar para que essa mancha repugnante e horrível se apague de nossas almas, a fim de voltarmos à graça de Deus.

E devemos nos compenetrar de que o problema central de nossa vida consiste em praticarmos cada vez mais atos de virtude e sermos imitadores de Nosso Senhor Jesus Cristo, pela intercessão de Maria. E, por outro lado, calcarmos aos pés o demônio, recusando as solicitações para o pecado que ele nos faz para o pecado. E, confiando em Nossa Senhora, poderemos dizer: “Non peccabo in aeternum – Não pecarei eternamente”.

Para que tudo isto não se apague das almas dos meus ouvintes — recordem-se de como o beneficiado tende a se esquecer do benefício recebido —, é preciso rezar a Nossa Senhora, pedindo-Lhe que isso não aconteça. E que Ela lhes dê as graças necessárias e superabundantes a fim de não pecarem mais. Desse modo, suas vidas transcorrerão na contínua amizade de Deus e de Nossa Senhora, até o momento bem-aventurado em que entregarem suas almas a Deus e subirem para o Céu.

Esta é uma introdução para esses dias de meditação.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído  de conferência  de 2/3/1991)