Exemplo de despretensão

Nuno Álvares, santo português, foi um dos maiores guerreiros da História de Portugal, adornado pelo mais belo título que um militar podia usar: Condestável! É o Condestável Bem-aventurado.

Além de ajudar singularmente o Rei de Portugal a rechaçar as invasões mouras, Dom Nuno Álvares Pereira teve importante papel nas brigas, infelizmente numerosas, entre Castela e Portugal, dois povos quentes. Narra a História Portuguesa que ele conseguiu vitórias brilhantes.

Ao contrário de certos generais de ministério, que ficam a léguas do campo de batalha, enviando telegramas e mantendo comunicações telefônicas, ele era um batalhador que ia à frente de seus guerreiros!

Terminadas as guerras, e visto que se iniciava um longo período de paz com Castela, Nuno Álvares pediu licença ao Rei e fez-se religioso: entrou para a Ordem do Carmo.
Ele, o grande Condestável, venerado por todo o povo português, fez-se irmão leigo e tornou-se o porteiro do mosteiro.

(Extraído de conferência de 17/1/1986)

São João Batista

Um dos meios mais belos de conhecer algo do Imaculado Coração de Nossa Senhora consiste em contemplar a vida de São João Batista.

Ele foi santificado no seio materno, assim que ouviu a voz de Maria saudando Santa Isabel.

Vê-se que, naquele momento, a Mãe de Deus comunicou misteriosamente o espírito d’Ela à criatura chamada a preparar os caminhos do Messias. E tudo quanto São João Batista realizou e cumpriu foi uma decorrência desta graça inicial que ele recebeu ainda antes de nascer. Graça esta que, pelos rogos de Nossa Senhora, foi constantemente intensificada, até atingir o auge na hora em que ele morreu.

Então podemos ver São João Batista enquanto asceta austero, enquanto pregador do Cordeiro de Deus que viria, e depois como herói que enfrenta Herodes e morre como mártir, sublime de grandeza e de serenidade. São facetas do espírito de Nossa Senhora.

 

Santa Germana Cousin – Segurança sobrenatural

Há determinadas figuras que nasceram para nos dar o exemplo da segurança sobrenatural em si mesma.

Assim vemos Santa Germana Cousin, pobre, órfã de mãe, escrofulosa, magérrima, com a mão direita deformada, desprezada por todos, até por seu próprio pai. Ela poderia, levada pela vergonha, procurar fugir ou ser uma pessoa revoltada. Entretanto, portou-se com extrema dignidade e levou sua vida na segurança de quem tem um valor: ela é batizada, filha de Deus.

A segurança, a paz e a tranquilidade fundadas na Fé desta Santa pastora, diante de uma situação própria a acabrunhar, nos ensinam que o nosso grande título, a grande razão de nossa ufania é de sermos católicos.

Que Santa Germana nos dê a graça dessa enorme segurança de que nosso verdadeiro e único título de glória é sermos filhos da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 15/6/1967)

Santa Germana Cousin

Num século habituado aos prazeres e deleites da vida, onde o sofrimento e a dor eram considerados com repugnância e horror, despontou radiosa uma alma de extrema humildade, colidindo estrondosamente com os preconceitos de seu tempo: Santa Germana Cousin.

Comentarei a vida de Santa Germana Cousin, a virgem de Pribac, que vivera em fins do século XVI.

Assim narra-nos uma ficha com sua história:

“Se houve uma vida triste, inútil e miserável aos olhos do mundo, foi a da Bem-Aventurada Germana Cousin. Uma mão paralisada, uma saúde detestável, nenhuma instrução, um cajado para dirigir ovelhas, a guarda de alguns carneiros, enfim, a morte aos vinte e dois anos, eis o que compôs para o mundo a vida de Germana.

“No estábulo, um recanto pobre da casa, estava seu quartinho: um cubículo de cinco pés de comprimento, sob uma escada. Algumas ramagens de videira como leito, e, como alimento, um pouco de pão e de água era bastante para esta miserável escrofulosa. Sua faina diária era guardar o rebanho da família. E as estações do ano lhe fizeram sofrer muito no que elas têm de mais rigoroso.

“Sua paciência era inalterável, ela não possuía outra resposta às injúrias e aos maus-tratos que de todo lado caíam sobre ela quando voltava para casa, trazendo o rebanho e levando-o para o estábulo. A sua única resposta era calar-se e retirar-se a seu pequeno cubículo”.

Diante de uma vida como essa, quais ensinamentos poderiam ser hauridos para o benefício das almas?

Dois notórios contrastes sucederam-se durante a vida de Santa Germana. Tendo nascido no século XVI, houve uma flagrante divergência entre o pecado dominante deste século e a vida levada por ela, como também a diferença entre as dificuldades da vida terrena que sofrera, em relação à glória sobrenatural pela qual esteve cercada no final de sua existência e sobretudo no Céu.

Por um lado, constata-se um século profundamente marcado pela Renascença, carregando seus pendores defeituosos, que se entregava cada vez mais desbragadamente às pompas mundanas, aos prazeres da vida e a uma ambição pela glória terrena. Embora sendo menos vil que a dominante ambição pelo dinheiro no mundo contemporâneo, não deixava de ser censurável, por possuir um aspecto laico, voltado apenas para o amor-próprio pessoal, desconsiderando a glória celeste que é a única glória à qual o homem deve tender.

Temos então um século de vanglória, centrado no que há de passageiro, transitório e terreno, e que, inconscientemente, faz dessa vanglória um de seus ídolos.

Em meio a este ambiente, nasce uma santa venerada por toda a posteridade por ter sido o contrário da vanglória, levando uma vida pautada pelas maiores humilhações possíveis. Não podendo prestar serviços, pois possuía péssima saúde, Santa Germana era vista com extraordinária crueldade pelos seus mais próximos, maltratada e desprezada com uma raiva irracional que o homem de espírito pagão nutre contra quem apresente qualquer inferioridade intelectual ou física. Ela tinha conjugadas ambas as inferioridades, e era também iletrada.

“De um lado, as pessoas caçoavam da simplicidade dela e de sua devoção. Ela não conhecia nada, exceto o doce nome de Jesus, seu Salvador, e tinha muito cuidado de não se entristecer com seus sofrimentos, com sua miséria, e de pedir a Deus que lhe libertasse, ainda mesmo quando o poder divino, multiplicando os milagres em torno dela, parecia disposto a atender todos os seus desejos”.

 “Ela veio ao mundo paralítica da mão direita e atingida por uma escrofulose. Sua mãe fora levada pela morte logo após seu nascimento. Germana teve que passar toda a sua vida sob a autoridade de uma madrasta que a detestava, maltratava e conservava afastada de seus irmãos e irmãs. Seu pai, Lourenço Cousin, não tinha por sua filha nenhuma espécie de ternura, pouco se inquietando por seus sofrimentos”.

Embora sendo uma pessoa de mínima instrução, que nunca dera provas de grande inteligência, além do aspecto físico tão depauperado e desprezível aos olhos do mundo, esquecida pelo próprio pai e perseguida pela madrasta incessantemente, comprouve à Providência reunir em torno da vida de Santa Germana todas as razões de humilhação imagináveis, para cumulá-la ainda mais de alegria na vida eterna.

Rios que se abriam, neves que davam flores…

“Chegada a hora da Santa Missa, a Bem-Aventurada deixava seu cajado e sua roca, abandonando seu rebanho à guarda do Divino Pastor. Em Germana, a confiança era como uma luz sobrenatural que jamais fora iludida; esta lhe inspirava uma certeza sobre-humana que era posta a serviço de um amor heroico.

“O rebanho, sempre muito bem guardado, mesmo na entrada da floresta de Bocogne, onde foi várias vezes deixado, jamais teve uma ovelha desgarrada, nem o menor prejuízo causado aos campos vizinhos. O que há de mais, o rebanho estava florescente e não havia em toda a aldeia um rebanho mais belo nem mais numeroso.

“Nosso Senhor multiplicou os milagres nas mãos de sua caridosa serva, como Ele outrora havia multiplicado entre as suas mãos divinas. Mas esta explicação não veio ao espírito de todos. Acusaram-na de roubar pão da casa de seu pai, e sua madrasta não foi a última a conceber tais suspeitas. Um dia deu-se conta, ou julgou notar que Germana levava em seu avental um certo número de pedaços de pão que não lhe tinham sido dados. Imediatamente tomou um bastão e pôs-se a correr atrás de Germana. Seu furor contra o suposto roubo lhe fez vituperar todas as injúrias que lhe vieram ao espírito. Dois habitantes de Pribac que a viram, tomados de piedade pela pobre menina ameaçada, apertaram o passo com o desígnio de tomar a defesa dela. Quando chegaram perto da pastora, fizeram-lhe abrir o avental e ele não continha outra coisa, senão um magnífico buquê de belíssimas flores, espargindo um perfume delicioso. Jamais os jardins de Pribac tinham produzido flores semelhantes! Não era uma estação de flores, pois estava-se durante um rigoroso inverno…

“Um dia, Santa Germana não podendo ir à igreja sem atravessar um riacho, o qual, de tal maneira se tinha enchido à noite, tornara-se intransponível, e quando duas testemunhas esperavam para ver o desaponto dela, sem se deter um só instante Germana pôs o pé e as águas se retiraram e fizeram para a humilde pastora de Bocogne o que outrora o Jordão havia feito para a Arca da Aliança e para os filhos de Israel. Os camponeses que estavam lá ficaram tomados de temor e como que fora de si mesmos. Ficaram muito tempo com o olhar fixado sobre Germana que se distanciava a toda pressa, e olhavam para ela e para o riacho que continuava a correr”.

Surge então outro aspecto de Santa Germana, os milagres que se realizaram em grande quantidade à sua volta, comprovando sua autêntica virtude. Milagres dos quais dois são clássicos, um de separar as águas, como sucedeu ao povo hebraico quando transpunha o Rio Jordão, com a Arca da Aliança. O outro milagre faz lembrar o famoso fato da vida de Santa Isabel da Hungria quando levava pão aos pobres. Ocorreu que um cortesão veio a exprobrá-la, perguntando o que trazia em suas mãos, ao que ela respondeu-lhe: “São rosas”, e abrindo o avental notou que de fato o que havia ali eram rosas… Milagre magnífico, semelhante ao realizado por Santa Germana quando os pães transformaram-se num lindo buquê de flores.

Milagres como esses poderiam ser uma forma de Santa Germana dar-se conta de sua própria grandeza e orgulhar-se dela. Não obstante, ela foi um modelo indubitável de humildade, mesmo após a enorme fama de santidade intensamente propagada a seu respeito.

Despretensão, a condição para a santidade

Aos familiares dela não foi dado ver as qualidades extraordinárias que possuía. Mesmo consciente dos milagres que lhe eram atribuídos, a madrasta a perseguiu maldosamente por uma suspeita de roubo, absolutamente infundada.

Mas Germana, possuidora de extraordinário equilíbrio, preferiu permanecer em seu estado a pedir a cura que a privaria de suas humilhações, fazendo possivelmente com que não tivesse alcançado a extraordinária santidade a que chegou. Bem poderia ela ter-se utilizado dos milagres para dizer a sua madrasta: “Não percebe quem sou, e que valho sozinha mais do que toda a aldeia de Pribac e as redondezas somadas? Em determinado momento a senhora pode vir a precisar de mim para algum milagre; porém, tratando-me dessa forma, jamais lhe atenderei. E quando adoecer gravemente? Aqui está quem poderá curá-la. Portanto, respeite-me”.

Ela poderia intimidar por essa forma o ambiente em que vivia, pois todos se curvariam ante suas ameaças. Entretanto, continuando a aceitar todas as humilhações que de início lhe foram impostas pela Providência, Santa Germana recusou o aroma inebriante de seus próprios milagres e das homenagens que lhe eram prestadas, para manter-se fiel até o fim.

Protetora do Papado

Pode-se imaginar essa notícia penetrando nos palácios, nos conventos, nas rodas da alta burguesia, e transmitindo a todos os que ouviam, um convite a confiar nas orações dela. Mas vinha juntamente uma afirmação: “É ouvida por Deus a oração daquele que não tem vanglória, pois ela afasta o homem de Deus. Se te queres unir a Deus, abandona a vanglória”.

Uma mensagem como esta, era uma pregação da humildade contrária ao orgulho característico do século XVI, uma pregação da virgindade contrária à concupiscência efervescente que haveria de culminar na Revolução Francesa.

“Germana foi invocada a favor de Pio VII e mais tarde de Pio IX. A dupla libertação desses dois Soberanos Pontífices seguiu-se de perto ao pedido que foi a ela feito”.

Socorrendo a Igreja em terríveis aflições, pedindo por Pio VII e posteriormente por Pio IX,  Santa Germana transforma-se em protetora da mais gloriosa das instituições existentes na Terra: o Papado. Essa foi a grandeza à qual Deus elevou-a.

Mansidão ou… combatividade?

Para o católico de nossos tempos há alguma lição a ser tirada da edificante vida de Santa Germana?

Adaptadas às circunstâncias do mundo de hoje, devemos observar as mesmas virtudes que por ela foram praticadas. O católico de nossos dias deve ser altivo, batalhador, cônscio de seu valor, não esquecendo, porém, de representar perante seu século as virtudes de Santa Germana Cousin. Muitas vezes negado, malvisto, isolado e perseguido, ele vê constituírem-se em torno de si as inimizades mais gratuitas, enquanto desfazem-se as mais fundadas amizades. Ele tem de lutar de peito aberto contra as potências de sua época, remando contra a maré montante dos vícios e desvios de seu tempo. Não raras vezes torna-se ele objeto de desprezo, senão de ódio. Também Santa Germana era objeto de injúrias pessoais, as quais ela humildemente aceitou.

Ante as injustiças particulares recebidas, devemos recebê-las com mansidão. Entretanto, quando a glória de Deus é tocada, devemos defendê-la como leões. E ao tratar-se de problemas do amor-próprio ou de reivindicações pessoais, devemos ser mansos como cordeiros.

Teremos imitado, então, a nosso modo, as virtudes de Santa Germana, ora inclinando a cabeça perante as humilhações, ora defendendo a glória de Deus como guerreiros.

A pastora transformada em rainha

“Uma noite, dois religiosos surpreendidos pela escuridão se viram obrigados a deter-se numa floresta vizinha para esperar lá a aurora. No meio da noite eles foram acordados por cânticos admiráveis, os seus olhos se abriram, e eles viram uma luz das mais esplendorosas dissipar as trevas. Em alguns instantes essa luz se tornou mais brilhante que o sol. Rodeado por essa luz, um conjunto de virgens apareceu por cima da floresta; elas se dirigiam para Pribac, cantando cânticos maravilhosos. A visão não desapareceu, senão para aparecer uns instantes depois; eram as mesmas virgens que vinham em sentido oposto; elas circundavam uma nova companheira que tinha acabado de juntar-se a elas e que levava sobre a fronte uma coroa de flores nova. Desaparecendo a visão uma segunda vez, deixou os religiosos encantados e conversando sobre o que eles tinham visto e ouvido. 

“Na manhã seguinte, Lourenço Cousin, pai dela, não a vendo aparecer como de costume — Germana sempre matinal e ativa — foi ao alto da escada, chamando-a. Aproximou-se e a pastora dormia o seu último sono.

“Havia quarenta anos que o corpo de Germana repousava no campo santo. O coveiro de Pribac, tendo um dia que preparar uma fossa, se pôs ao trabalho no mesmo lugar onde tinha escavado a da Bem-Aventurada. No primeiro golpe de pá ele levantou uma pedra, mas imediatamente se deteve e deitou um brado; ele tinha diante de si um cadáver que parecia todo recente e o instrumento tinha penetrado na carne incorrupta do cadáver.

“Hoje, seus restos mortais são venerados num relicário cercado de ouro e de luzes. Mais de quatrocentos milagres foram atestados por processos verbais              

Amigas do homem, as belas e poéticas florestas da França foram o ambiente escolhido pela Providência para o lindo milagre da aparição dos coros das virgens.

Dois frades de hábito, sandálias, bordão, com alvas e longas barbas a emoldurar-lhes o rosto, realizavam uma longa viagem a pé, rezando recolhidamente. Exauridos pelo esforço, ao cair da noite dormem na própria floresta, tranquilos, à espera de que venha o dia. Alinhados no chão, protegidos pelas árvores, repousam o merecido sono dos justos.

Aparece então uma luz extraordinária nos primeiros raios da manhã. Eles despertam e indagam-se: o que será? Veem passar uma névoa como que de cristal: é um coro de virgens que atravessam a floresta sem dificuldades em ultrapassar os obstáculos materiais, e desaparecem sobre as montanhas. Passado algum tempo as virgens voltam, trazendo uma a mais, agora sem escrofulose e sem humilhações. E, como nos contos de fada, a pastora transformou-se em rainha, cercada por todas as outras princesas. Caminham alegres para o Céu para receber então a coroa de glória.

“Deposuit potentes de sede et exaltavit humiles” , o orgulho fora castigado, enquanto a humildade ia ser coroada no Céu.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/8/1973)

 

São João Batista

Suscitado para predispor as almas a receberem o Divino Salvador, São João Batista “abatia as colinas e preenchia os vales,,, ou seja, calcava aos pés o orgulho e eliminava a impureza. Foi, além disso, um magnífico exemplo de destemor, ao exprobrar a impiedade e o pecado do rei Herodes. Esse homem que de tal modo abatia a sensualidade, lutava contra o orgulho,  cortava o caminho aos ímpios e servia de modelo de penitência, era digno de ser o precursor de Nosso Senhor Jesus Cristo!

O Magnificat, hino de sabedoria, humildade e grandeza

Único cântico que se sabe proferido por Nossa Senhora em sua vida terrena, o “Magnificat” despertava na alma de Dr. Plinio enlevadas considerações que ele, em mais de uma ocasião, comprouve-se em transmitir a seus jovens discípulos. Como essas, que abaixo transcrevemos.

 

Entoado por Nossa Senhora no encontro com Santa Isabel, o “Magnificat” é um maravilhoso hino inspirado pelo Altíssimo, é Deus cantando sua própria glória pelos lábios da mais amada das suas filhas. É, também, uma linda mensagem, coerente, lógica e séria, que Ele transmitiu a todos os homens de todos os séculos, pela voz virginal de Maria.

O cântico se inicia com a palavra “Magnificat” do latim “magnus”, isto é, grande para enaltecer Aquele que é a Grandeza personificada, reconhecendo que Deus merece este superlativo de louvor e de honra na sua glória extrínseca, passível de crescimento, por haver realizado n’Ela, Virgem bendita, o cumprimento da maior e mais alvissareira promessa divina feita à humanidade: a Encarnação do Verbo.

A exultação em Deus, seu Salvador

Então a alma d’Ela se apressa em extravasar o seu sentimento de profunda gratidão, proclamando como o Senhor assim se revelava o magno por excelência.

Em seguida, vem a alegria: “Et exsultavit spiritus meus in Deo salutari meo” (“E o meu espírito exulta!”).

Exultar é sentir um júbilo intenso, e não uma qualquer satisfação, como a que poderia experimentar alguém se soubesse que os seus investimentos renderam um pouco além do esperado. Esta seria uma alegria pequena, perto daquela que se exprime pela palavra “exultação”.

Por isso Nossa Senhora a emprega, para significar como seu espírito transbordou de gáudio em relação a Deus, o seu magnífico Salvador.

Essa felicidade se mostra tanto mais intensa quanto, conforme o pensamento que se completa no versículo seguinte, Ela considera a sua pequenez e vê como Deus a salvou de modo extraordinário, super-excelente, não só fazendo d’Ela a Mãe do Verbo Encarnado, mas dispondo que Ela tivesse em toda a existência de Nosso Senhor Jesus Cristo o papel admirável que sabemos.

Legítima alegria por ter sido engrandecida

Depois de afirmar a sua exultação, a Santíssima Virgem manifesta então o motivo dessa imensa alegria: “Quia respexit humilitatem ancillae suae – porque Deus olhou para a humildade da sua Serva”. Em conseqüência dessa atenção do Senhor para com Ela, “ecce enim ex hoc beatam me dicent omnes generationes”, eis que “todas as gerações”, isto é, todos os homens até o fim do mundo, vão por sua vez enaltecê-La, chamando-A “bem-aventurada”.

“Quia fecit mihi magna qui potens est” – porque me fez grande Aquele que é poderoso”. Percebe-se aqui, mais uma vez, o gáudio de Maria por ter sido objeto de um especial desígnio do Onipotente: Ela, tão humilde, tornou-se grande pela força d’Ele.

Há, nessa passagem, um interessante ensinamento que deve ser considerado.

Alegrando-se com a grandeza divina, Nossa Senhora ao mesmo tempo se alegra com o fato de ter sido também engrandecida por uma condescendência d’Ele, e sabe que essa sua magnitude Lhe valeria o louvor e a devoção das gerações vindouras. É uma glória única, que a cobre de felicidade, e pela qual, cheia de reconhecimento, agradece a Deus.

Ora, essa atitude de Nossa Senhora aceitando, auferindo e amando a própria excelência, demonstra como é legítimo nos alegrarmos com a grandeza que Deus eventualmente nos conceda. Desde que, a exemplo de Maria, esse júbilo esteja alicerçado no amor a Ele, compreendendo que essa glória estabelece uma relação mais íntima entre nós e o Criador.

Eis outra importante lição a ser colhida do “Magnificat”.

O temor se divide em servil e reverencial. O temor servil é aquele que tem, por exemplo, um escravo ao fazer a vontade de seu dono pelo receio de sofrer duros castigos se não obedecer. O temor reverencial é aquele que alguém demonstra em relação a outrem, não por medo das penalidades que lhe possa infligir, mas por respeito e veneração pela superioridade dele, por não querer ultrajá-lo nem violar a obediência que deve a ele.

Um exemplo maravilhoso de temor reverencial encontramos nas ardorosas palavras que Santa Teresa de Jesus dirige a Nosso Senhor: “Ainda que não houvesse Céu, eu vos amara; ainda que não houvesse inferno, eu vos temera”. Quer dizer, ainda que Deus não lançasse à geena aqueles que se revoltam contra Ele, por temor de Deus experimentavam, antes de serem tocados pela graça e se converterem.

Pode-se supor, por exemplo, que São Paulo na via de Damasco não tivesse temor de Deus. Mas, atingido por um raio, ele caiu do cavalo, perdeu a visão, e logo ouviu a voz de Nosso Senhor que o interpelava. Quando se levantou, era outro homem, tornando-se o grande Apóstolo dos gentios. Era uma extraordinária ação da misericórdia divina muito provavelmente a rogos de Maria estendendo-se sobra uma alma que até então não temia a Deus.

Queda dos soberbos e exaltação dos humildes

“Fecit potentiam in brachio suo, dispersit superbos mente cordis suis – Manifestou o poder do seu braço, e dissipou aqueles que se orgulhavam nos pensamentos do seu coração”.

“Et sanctum nomen eius – E o Seu Nome é Santo”. Quer dizer, “Deus agiu assim para comigo, e procedeu santamente”. Essa fabulosa obra que o Senhor realizava na sua serva, vinha marcada pela infinita perfeição com que Ele modela tudo quanto sai de suas mãos onipotentes.

Misericórdia para os que temem a Deus

Após ter manifestado de tal maneira a grandeza de Deus e a sua própria, Nossa Senhora evoca o aspecto de bondade: “Et misericordia eius a progenie in progenies, timentibus eum – e a misericórdia d’Ele se estende de geração em geração, sobre aqueles que O temem”.

Significa que o fato de Deus A ter feito tão grande redunda num benefício e numa obra de misericórdia de que se aproveitarão todos os homens ser Ele quem é e pelos infinitos títulos que Ele possui acima de nós, temeríamos não fazer a vontade d’Ele. É essa a forma altíssima e nobilíssima do temor reverencial.

Então, aos que amam a Deus com um amor tal que até O temem não apenas por causa do inferno, mas sobretudo por não querer desagradá-Lo na sua infinita santidade -, para estes se abre a inesgotável misericórdia de Deus: “et misericordia eius a progenie in progenies, timentibus eum”. Cumpre salientar que, muitas vezes, a bondade divina não se prende a essa restrição, superando-se em requintes de solicitude até mesmo para com homens que pouco ou nenhum

Entendamos o que significa “manifestar o poder de seu braço”. Trata-se de uma metáfora, pois Deus, puro espírito, não possui braço. Este, porém, é no homem o membro pelo qual ele mostra a sua força e executa os decretos de sua inteligência e de sua vontade. Então, ao se referir ao “braço de Deus”, Nossa Senhora nos faz ver como Ele age energicamente em relação aos soberbos e orgulhosos, àqueles que se fecham para a ação da graça e não O temem nem O amam nos seus corações. Para com esses, Deus manifesta o poder de seu braço.

O pensamento se completa no versículo seguinte: “Deposuit potentes de sede, et exaltavit humiles – Depôs de seus tronos os poderosos, e exaltou os humildes”.

Por meio da Encarnação do Verbo, Deus quebrou o poder com que o demônio e seus sequazes neste mundo atormentavam os bons. Então, depôs aqueles de seus tronos, e exaltou a estes que eram perseguidos.

Alguém poderia objetar: “Mas, Dr. Plinio, não foi o que aconteceu. Deu-se o contrário! Anás, Caifás, Pilatos e congêneres, todos se achavam nos seus tronos, perseguiram e mataram Nosso Senhor!”

É verdade. Mas essa história não está narrada até o fim. Porque depois de Jesus ter sido morto, aconteceu precisamente o que aqueles poderosos queriam evitar: Ele ressuscitou, triunfando sobre a morte e sobre todos

os seus algozes. Com Ele, triunfava a Santa Igreja, venciam os Apóstolos e Nossa Senhora, os humildes até en-

tão desprezados. E para todo o sempre, serão estes glorificados e exaltados, enquanto Anás, Caifás e Pilatos serão mencionados com vitupério e horror. Então se comprovou a veracidade do dito: “deposuit potentes de sedes, et exaltavit humiles”.

Essa ideia ainda prevalece na seqüência do cântico: “Esurientes implevit bonis, et divites dimisit inanes – Cumulou de bens os famintos, e despediu os ricos com as mãos vazias”.

Nossa Senhora não pretende fazer aqui uma alusão aos recursos materiais ou financeiros. Ela se refere, antes de tudo, aos que se acham na carência de bens espirituais, aos indigentes das dádivas celestiais. A esses pobres de espírito que, humildemente, suplicam essas graças, Deus os atende na abundância infinita de sua misericórdia. Pelo contrário, aos “ricos”, àqueles que se julgam inteiramente satisfeitos no seu orgulho, Deus os despede de mãos vazias, isto é, sem torná-los partícipes do tesouro de seus dons sobrenaturais.

Em Maria, cumpre-se a promessa feita a Abraão

Por fim, Nossa Senhora volta à ideia central que inspira esse hino maravilhoso: “Suscepit Israel puerum suum: recordatus misericordiae suae – Tomou cuidado de Israel, seu servo, lembrado da sua misercórdia”.

Quer dizer, o Povo Eleito receberia em breve o Messias há milênios prometido, a Quem Deus enviaria ao mundo, recordando que

sua misericórdia assim havia disposto. Daí a conclusão: “Sicut locutus est ad patres nostros, Abraham et semini eius in saecula – Conforme tinha dito a nossos pais, a Abraão e à sua posteridade para sempre”.

A promessa feita a Abraão, fundador da raça hebraica, e aos descendentes dele ao longo dos séculos, de que o Salvador nasceria de sua progênie, acabava de ser cumprida. Nossa Senhora já trazia em seu claustro materno o Esperado das nações. Ela, uma filha de Abraão, daria à luz o Filho de Deus.

E assim o “Magnificat”, esta joia inapreciável, este maravilhoso cântico de sabedoria, humildade e grandeza, muito harmoniosamente se encerra pensando na Encarnação do Verbo, como o fizera na primeira estrofe.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Operando maravilhas…

A alma medieval era encantada por todas as formas de maravilhoso, mesmo as mais diversas… Há um fato na vida de Santo Antônio de Pádua, típico deste gracioso medieval:

Estando certa vez num povoado marítimo — o qual era repleto de hereges — Santo Antônio dispôs-se a fazer uma pregação sobre a onipotência divina. Como ninguém vinha escutá-lo, voltou-se para o mar e disse: “Já que não há aqui ninguém que queira ouvir a palavra de Deus, vós, puras criaturas, vinde ouvir-me a fim de ser confundida a indocilidade destes ímpios”. Logo surgiram milhares de peixes, os quais, pondo a cabeça para fora da água, pareciam prestar grande atenção na pregação de Santo Antônio. Ao fim de sua exortação, deu-lhes a bênção e despediu-os. Diante de tal milagre, todo o povo converteu-se.

Que maravilhosa a alma de Santo Antônio, tão humilde e cheia de fé: no desprezo a si próprio ele vê, no fundo, um desprezo à palavra de Deus; e, para reparar a ofensa feita a Deus, com toda simplicidade, opera um milagre extraordinário. Este foi o espírito intrínseco da Idade Média, e mais ainda da Igreja Católica.

Quando os homens tiverem esta fé ardente, veremos maravilhas ainda maiores.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 21/1/1974)

Santo Antônio

A hagiografia e iconografia católicas nos apresenta Santo Antônio de Pádua como um varão de extrema placidez e de uma ordenação de alma que se reflete, até mesmo, nas harmoniosas dobras de seu hábito franciscano.

A invariável compostura da veste é uma espécie de sismógrafo da ordenação de sua mente extraordinária. Rosto quase imberbe, nariz de um adunco muito bonito, com algo de ave de rapina. No arcado das sobrancelhas, uma delicadeza, uma precisão e uma força que se encontram expressas, sobretudo, no olhar. São olhos de quem já passou por todos  os desencantos, de quem conhece o pecado original e seus efeitos, assim como a Satanás, suas pompas e suas obras.

Tudo está analisado com raro discernimento. Na ponta dos lábios delgados, tem ele prontas as respostas que fizeram dele o magnífico defensor da fé contra as heresias. Em toda a sua pessoa  resplandece a pureza, a castidade e a serenidade do santo que tanto realizou a favor da glória de Deus.

Plinio Corrêa de Oliveira

Arca do Testamento e Martelo dos hereges

Uma deformada devoção a Santo Antônio — favorecida pelas imagens dele muito difundidas — o apresenta como bobinho, casamenteiro, festeiro. Entretanto, o verdadeiro Santo Antônio histórico foi o maior conhecedor da Sagrada Escritura em seu tempo, pregador extraordinário e grande polemista que derrotava os hereges.

 

No dia 13 de junho se comemora a festa de Santo Antônio de Pádua, Confessor e Doutor da Igreja. Chamado “Arca do Testamento” e “Martelo dos hereges”. Franciscano. Século XIII.

Fisionomia séria, olhar imperioso e majestoso

Nesse dia as igrejas em todas as nações do Ocidente, pelo menos, enchem-se de fiéis para comemorar a festa de Santo Antônio de Pádua. E por toda parte as imagens de Santo Antônio estão sendo expostas para objeto da veneração dos fiéis.

Este fato me faz lembrar que, estando em 1950 em Pádua, tive ocasião de me documentar a respeito de como era Santo Antônio. E na Basílica de Pádua se mostra um quadro pintado por Giotto, que passa por ser o mais próximo, mais provavelmente representativo da pessoa de Santo Antônio. E se trata, então, de uma pessoa de corpo hercúleo, pescoço taurino, forte, de expressão fisionômica séria, olhar imperioso e majestoso.

Comprei, então, algumas fotografias dessa imagem. As fotografias formavam um maçozinho, que se vendia na entrada da igreja.

E, ao mesmo tempo, comprei uma estampa retirada de uma das pilhas iguais, que eram vendidas às pessoas que iam à basílica, e que representava Santo Antônio não conforme a probabilidade histórica do quadro de Giotto, mas de acordo com uma concepção que figura nas imagens comuns.

Essa estampa representava um homenzinho imberbe, coradinho, com o Menino Jesus no braço, com um ar de quem não entende muito o que está fazendo com o Divino Infante; o Menino Jesus também com uma fisionomia de quem não entende muito o que está fazendo no braço de Santo Antônio, sorrindo os dois, um para o outro, como a dizer: “Desculpe, aqui deve haver algum equívoco. Vamos nos aturar algum tempo.”

Na fisionomia de Santo Antônio, nada havia que falasse do Doutor da Igreja, nada que representasse o homem tido como o maior conhecedor do Novo e do Antigo Testamento, no tempo dele, porque ele sabia as passagens mais raras, mais excepcionais, mais ignotas de todos e tirava delas efeitos de pregação extraordinários. E Santo Antônio é conhecido como o “Martelo dos hereges”, como polemista, homem capaz de discutir, de entrar em debate com os hereges, de achatá-los. Não havia ninguém como ele, e tudo isso coberto ainda com os milagres que completavam sua pregação e faziam com que ele fosse o terror dos hereges.

Tudo isso passou e ficou um Santo Antônio, eu quase diria, ecumênico: bonzinho, bobinho, casamenteiro, festeiro, que arranja questõesinhas. Quer dizer, o verdadeiro Santo Antônio histórico, como se encontra no Céu e como é apontado pela Igreja para nosso modelo, desapareceu quase completamente, para ficar uma imagem que dá apenas um aspecto de Santo Antônio: os muitos favores e graças que ele concede, mas representando uma figura física que nada tem a ver com ele e, sobretudo, com a sua fisionomia moral.

Conquista Orã e defende o Rio de Janeiro

Santo Antônio, além de ser o “Martelo dos hereges” e a “Arca do Testamento”, é venerado como o Patrono das Forças Armadas. E a razão disso, entre outras, está no fato de que Santo Antônio, em certa ocasião, foi objeto de um ato de devoção especial da parte de um almirante espanhol. Uma esquadra espanhola sitiava a cidade de Orã, na Argélia, e não havia meio de conseguir resultado eficaz. Então, o almirante dirigiu-se a uma imagem de Santo Antônio, colocou o chapéu de almirante sobre ela, deu-lhe as insígnias de comando e pediu-lhe que investisse contra Orã. Os mouros fugiram inesperadamente e, interrogados, disseram que tinha estado entre eles um frade vestido com o chapéu do almirante e que tinha ameaçado Orã com o fogo do Céu, e por causa disso, eles tinham achado mais prudente ir embora.

Este aspecto do “Martelo dos hereges”, que ao mesmo tempo incute terror aos mouros e se apresenta a uma cidade infiel ameaçando-a com o fogo do Céu, tudo isso foi abolido. Não se conhecem e não se ressaltam esses aspectos nessa espécie de devoção milagreira que se tem a ele. Vemos, por aí, a lamentável deterioração da devoção aos Santos em nossos dias. Quer dizer, como eles já não representam, nessa legenda popular criada em torno deles, a verdadeira santidade.

Quem, por exemplo, comentará a respeito da vida de Santo Antônio o seguinte fato ocorrido no Rio de Janeiro?

O Rio de Janeiro encontrava-se cercado pelos calvinistas franceses e estava quase completamente rendido, pois a cidade já não tinha meios de resistir. Os frades, então, tomaram a imagem de Santo Antônio, desceram com ela do morro, colocaram numa pilastra que se encontrava ali, e a simples exibição da imagem, de um modo maravilhoso, comunicou tal ardor na cidade que grande número de jovens se alistaram. Foi possível reorganizar a resistência aos franceses que, depois de pouco tempo, foram embora.

De maneira que o Rio de Janeiro não se tornou calvinista, e talvez com repercussão em toda a História da América Latina e, consequentemente, em toda a História da Igreja, por causa dessa ação simbólica da presença maravilhosa de Santo Antônio.

Missão de mostrar o lado combativo, polêmico e contrarrevolucionário de cada Santo

O fato de episódios como esses não serem contados nem comentados leva-nos a verificar duas realidades: em primeiro lugar, como é lamentável essa torção que a vida dos Santos sofreu.

Entretanto, por outro lado, como é admirável a vocação dada por Nossa Senhora àqueles que têm, por missão, restaurar todas essas coisas e mostrar os próprios Santos no seu aspecto combativo, guerreiro, polêmico e contrarrevolucionário, que a Revolução tanto gostaria de esconder e disfarçar.

Nessas condições, devemos pedir a Santo Antônio uma graça especial: Ele que soube ameaçar a cidade de Orã com o fogo do céu, nos faça esse favor de se apresentar em algum lugar do mundo, e ali nos obter, em determinado momento, uma graça que tenho em mente, mas prefiro não dizer qual é.

Esta graça é o melhor pedido que podemos fazer a Santo Antônio por ocasião de sua festa.         v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 12/6/1965)

O papel da Eucaristia no mundo moderno

Diante de uma falsa concepção de modernidade, amplamente difundida em nossos dias, onde encontrar o equilíbrio que salvará o mundo hodierno? Dr. Plinio, por ocasião de um Congresso Eucarístico nos remotos anos 50, evidencia para seus ouvintes que a salvação só pode vir da Eucaristia.

 

Na linguagem corrente, “mundo” é o conjunto de toda a humanidade, ou o globo em que vivemos. Porém, “mundo” traz consigo um sentido mau, ele pode ser considerado como um reino das trevas, que tem Satanás por príncipe.

O que entendemos por “mundo moderno”?

Muitos são os sentidos que contém a palavra “moderno”. “Mundo moderno” pode ser considerado o mundo de hoje em relação ao de ontem, sendo que o de hoje não exclui o de ontem, pois foi graças ao de ontem que o de hoje existe.

Porém, por vezes a palavra “moderno” é empregada com o sentido de oposição ao passado.

Todavia, este termo tem um sentido ainda mais sutil e recôndito, e é este sentido que me cabe analisar.

Nós não poderíamos dizer que tenha se modernizado um país onde vigorasse o regime de separação entre a Igreja e o Estado, e este passasse ao regime de união; mas, muita gente dirá que se modernizou outro que passasse da união para a separação. Ninguém diria que passar do divórcio para a indissolubilidade do vínculo conjugal é modernizar; mas muita gente acha que passar da indissolubilidade do vínculo conjugal para o divórcio é modernizar.

Orgulho, sensualidade e modernidade

Nós temos então uma certa ideia de modernidade, em virtude da qual se entende que tudo quanto é laicismo, tudo quanto é igualitarismo, tudo quanto é conceder aos instintos do homem a liberdade de se divertir e de se satisfazer como entenderem, isso é verdadeiramente moderno.

De tal modo esse conceito existe e é ativo, que vós o podeis observar na vida contemporânea. Ela se transforma constantemente; a todo momento, um costume muda, uma instituição toma novo aspecto, outra instituição morre para dar lugar a alguma coisa de novo; observai todas essas mudanças, e, na sua quase totalidade, vós vereis nas transformações que se deram um progresso da ideia de igualitarismo, um progresso do princípio de laicismo, um progresso da sensualidade.

Observai na vida doméstica: a todos os momentos as barreiras que separam os pais dos filhos se atenuam, a autoridade do marido decai, a liberdade dos filhos cresce. E cresce para quê? Para que os filhos cumpram melhor o seu dever? Cresce para que sejam mais castos? Cresce para que eles sejam mais esforçados? Ou cresce, pelo contrário, para que eles tenham maior liberdade em fazer tudo quanto bem entenderem, de se atirarem às diversões imodestas, desonestas, de satisfazerem a sua sede de prazer, de romperem os grilhões de uma obediência indispensável que deve vincular os filhos aos pais?

Observai as relações entre as classes sociais. A todo momento mudam-se os trajes, e estes tendem a nivelar e equiparar as classes; a todo momento mudam-se as maneiras, e essas mudanças significam uma diminuição do respeito dos mais moços aos mais velhos, do homem à mulher, dos alunos aos seus mestres. De todos os lados, minguam as forças da autoridade, as forças da hierarquia, as forças da ordem, roídas por um movimento incessante, gradual, mas profundo, roídas por essa tendência imensa para o nivelamento, que acaba tendo no laicismo a sua expressão mais completa. Porque o homem, depois de não ter querido, na Terra, superior de nenhuma espécie, também não quer um superior no Céu, não quer saber de Deus, e, então, organiza a sua vida precisamente como se Deus não existisse.

O perigo da má concepção de modernidade

Este é o terrível fenômeno o qual mina a própria população católica, e no espírito do brasileiro — tão acomodatício, infelizmente — conduz a essa situação monstruosa: somos uma população de esmagadora maioria católica, as estatísticas indicam uma quase unanimidade de católicos no Brasil, mas se nós examinarmos a vida pública brasileira, a moralidade existente nela é como se Deus não existisse. Se nós examinarmos a nossa vida doméstica, veremos que cada vez mais ela vai sendo como seria se Deus não existisse. E, entretanto, as igrejas continuam cheias, os atos do culto continuam concorridos. É um fato indiscutível que todos se dizem católicos na ocasião do recenseamento!

Como explicar isto senão pela corrosão silenciosa, discreta, muda, terrível como uma lepra, feita por esse estado de espírito de organizar o mundo abstraindo de Deus, de conceber tudo ao signo da revolução e da desordem, de organizar tudo com base na sensualidade, o que é a própria desorganização?

E eu vos pergunto, minhas senhoras e meus senhores: se esta Nação, tão bela e tão digna de um melhor presente, se contorce neste momento numa das mais graves crises da História, não porque lhe faltem as condições materiais de existência, não é por que lhe falta aquela moralidade? Não é por que lhe falta aquela coerência da Fé com as atitudes práticas?

“Modernidade”, traço decisivo de nossa época

Assim definidos os vários sentidos da palavra “moderna”, nós podemos perguntar qual vem a ser o papel desta modernidade dentro do mundo moderno.

E nós poderíamos dizer que se no mundo a mentalidade dita moderna não conquistou tudo, ela é a grande força propulsora de quase todos os acontecimentos, a grande nota característica do momento. Ela é também o grande perigo, o traço forte e decisivo da época em que nós vivemos.

Onde buscar a salvação para o mundo moderno?

Mas, também é verdade que neste mundo — cada vez mais dominado pelo espírito acima descrito — há Alguém Eterno, Onipresente: Nosso Senhor Jesus Cristo. Presente em todos os sacrários da Terra, nos sacrários de ouro do Brasil e dos templos da Cristandade. Este Alguém, cuja presença não se percebe com os sentidos da carne, está presente na Sagrada Eucaristia. Ele é o grande Apóstolo do mundo contemporâneo, como de todos os tempos. E Ele fala constantemente às almas, ensinando-lhes pela linguagem muda — mas, infinitamente eficaz — que é a linguagem de Deus. Fala-lhes constantemente sobre a necessidade de o homem se opor às coisas que constituem a sua miséria, a sua degradação. Fala-lhes da necessidade de caminhar rumo a outro sentido, de se converter a Deus Nosso Senhor de todo o coração.

Por meio da Eucaristia Deus multiplica suas maravilhas

Minhas senhoras e meus senhores, neste mundo moderno terrível, dá-se o que sempre acontece quando se desafia a Deus. Deus multiplica as maravilhas, e, ao mesmo tempo em que a iniquidade vai chegando ao seu auge, nós notamos frutos admiráveis da Sagrada Eucaristia, frutos da graça, frutos que dão no apostolado um resultado incomparável. Enquanto multidões caminham para o prazer e para o vício, enquanto multidões silenciam diante do mal e se acovardam, vão se tornando, por toda parte, mais numerosas as almas que, elevadas por um anelo de perfeição absoluta, de ortodoxia completa, de obediência inteira à Igreja Católica, renunciam a tudo, dispostas a tudo enfrentar para afirmar apenas a doutrina da Igreja.

Eu me lembro, neste momento, da figura angélica de Santa Maria Goretti. Nesta época em que as praias são tomadas pelo neopaganismo que estadeia toda a corrupção da civilização moderna, uma virgenzinha entrega a sua vida com toda a resolução para não perder aquilo que tanto ama: sua virgindade. Quando se tem uma alma verdadeiramente eucarística, aprende-se a amar a virgindade como o dom mais precioso da vida.

Santa Maria Goretti é um fato culminante, será um fato único?

A Eucaristia faz de frágeis crianças, grandes heróis!

Eu me lembro, por fim, de um fato impressionante, ocorrido atrás da cortina de ferro, e noticiado pelo “L’Osservatore Romano”.

Os comunistas tinham invadido uma aldeia onde havia uma igreja católica. Alguns meninos ouviram dizer que, a horas tantas, eles iriam entrar na igreja, arrombar o sacrário e profanar as Sagradas Espécies.

Era noite, nevava, o luar brilhava de modo admirável. A igreja estava na solidão, e enquanto os fiéis dormiam em suas casas, a agonia se aproximava: o recinto sagrado vai ser assaltado. Nosso Senhor estará sozinho neste “Horto das Oliveiras”? Não, durante a noite inteira, três meninos, que pulam pela janela aberta, estão dentro da igreja.

Quando os comunistas entraram, uma das crianças tentou detê-los inutilmente a caminho do altar, e morreu massacrado. Outro defendeu a mesa da Comunhão, e morreu também. O terceiro pôs-se sobre o altar, cobrindo o sacrário com o próprio peito. O que fizeram, então, os bárbaros sacrílegos? Mataram este sacrário vivo antes de arrombar o sacrário de ouro, tão menos precioso do que aquele.

Por fim, apanharam as Sagradas Espécies e as profanaram. O inferno, certamente, exultou, mas muito mais exultou o Céu pelo sangue desses três pequenos mártires derramado na igreja, de modo não menos glorioso do que o dos mártires que derramaram seu sangue na arena do Coliseu.

Uma das maiores vitórias de todos os tempos

Aí está, como vedes, a ação da Eucaristia no mundo moderno. No momento em que a iniquidade está chegando ao seu cúmulo, a graça e a misericórdia chegam também ao seu auge. À fortaleza do vício e do mal, Deus opõe uma indômita fortaleza do bem. O triunfo da Igreja Católica se dará no mundo moderno. Esse triunfo se dará certamente pelo embate gigantesco entre as pequenas forças do bem e as enormes forças do mal, mas nós veremos talvez, e, a meu ver, provavelmente nos próprios dias em que existimos, nós veremos este fato com que a Igreja há de marcar uma das maiores vitórias de todos os tempos, e essa vitória será a vitória da Sagrada Eucaristia, fonte de graça aberta para o mundo por intermédio da intercessão de Nossa Senhora que, rezando sempre a Jesus Eucarístico, consegue para nós as graças de que nós precisamos.

A salvação vem da Eucaristia, por meio de Maria 

O papel da Sagrada Eucaristia no mundo moderno faz-me pensar em Nossa Senhora. Como não se pode falar em triunfos sem pensar em Maria Santíssima — Ela é a Medianeira necessária —, eu posso afirmar que um dos mais preciosos dons concedidos por Nosso Senhor, através da Sagrada Eucaristia, é a devoção a Nossa Senhora.

Esta devoção, tão característica e radicada em nossa Terra de Santa Cruz, há de salvar o Brasil. v

 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência pronunciada na solene sessão da ­Semana Eucarística de Campos dos Goytacazes, em 23/4/1955)

Revista Dr Plinio 147 (Junho de 2010)