Santa Maria Goretti, alma verdadeiramente eucarística

Santa Maria Goretti manifestou a lucidez com que a virgem católica compreende e ama a sua pureza, sem necessidade de aulas, e que leva uma menina a enfrentar qualquer brutamonte, resistindo até quando está por morrer.

Aquela figura angélica entregou a sua vida com toda a resolução, para não perder o que ela amava mais do que a luz de seus olhos e a própria existência: a virgindade, a qual se aprende a amar como o dom mais precioso da vida, quando se tem uma alma verdadeiramente eucarística.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 23/4/1955 e 24/7/1981)

O Carmo: do Antigo Testamento ao triunfo do Imaculado Coração de Maria

Ao entrar certo dia na Basílica do Carmo, Dr. Plinio pousou acidentalmente o olhar sobre uma parede na qual nunca antes tinha prestado atenção. E ali, inscritas, se lhe depararam estas palavras do Profeta Elias: “Zelo zelatus sum pro Domino Deo exercituum” (“Eu me consumo de um zelo incendiado pelo senhor Deus dos exércitos” — III Reis 19,10).

Sentindo de imediato consonância com essa fogosa declaração, Dr. Plinio refletiu: “Eis aí! Quem se torne zeloso, mas de um zelo ar dente, por Aquele que é o Senhor Deus dos exércitos, este preencherá por inteiro as exigências do amor de Deus”. E cresceu-lhe no espírito sua afinidade de longa data com a Ordem do Carmo, que pode ser considerada a Ordem profética por excelência, da qual Santo Elias é aclamado como Fundador. Dela, aliás, Dr.  Plinio fazia parte efetivamente, pois era membro de sua Ordem Terceira — o ramo dos leigos vinculados ao Carmo. Foi, inclusive, diversas vezes o Prior e Mestre de noviços do Sodalício Virgo Flos Carmeli. Além disso, Dr. Plinio exerceu, por 20 anos, a função de advogado da Província Carmelitana Fluminense, que englobava São Paulo. Todos esses são dados significativos a se ter em vista, na leitura de seus  comentários abaixo transcritos, sobre Aquela que é a “Flos Carmeli”, a Flor do Carmelo, cuja festa se celebra em 16 de julho.

Virgem fez ver à multidão ali reunida uma seqüência de quadros representando os Mistérios do Rosário. A cada nova cena desenrolada no céu, mostrava-se Ela sob algum título com que os fiéis habitualmente A invocam. E foi assim que, na visão dos Mistérios Gloriosos, Ela surgiu como Nossa Senhora do Carmo, cuja festa a Igreja celebra no dia 16 de julho.

Como tudo o que Maria Santíssima realiza tem sua razão de ser, haverá sem dúvida um nexo entre essa manifestação de Nossa Senhora do Carmo, os Mistérios Gloriosos e a mensagem de Fátima que Ela, naquela ocasião, revelava. Parece-me de grande interesse, portanto, procurarmos aprofundar essa relação, considerando também a especial beleza que ela encerra.

O termo Carmo corresponde ao Monte Carmelo, no Oriente. Ali, segundo uma tradição muito respeitável — e há todos os motivos para admiti-la como verdadeira —, o Profeta Elias reuniu um grupo de discípulos e com eles constituiu a Ordem do Carmo, em louvor da Virgem Mãe que deveria vir, e na espera d’Ela.

Portanto, o primeiro filão de devoção a Nossa Senhora, séculos antes de Ela nascer, foi formado pelos filhos do Profeta Elias que A aguardavam. E Santo Elias representa o extremo dessa devoção, porque, como é doutrina comum na Igreja, ele deverá lutar no fim do mundo contra o Anticristo, o último inimigo de Nosso Senhor e de sua Mãe Santíssima. Elias constitui, portanto, uma espécie de ponte entre o início e o fim da devoção a Nossa Senhora na história da humanidade.

É de se supor que, nos seus primórdios, essa devoção se desenvolveu e perseverou em meio a toda espécie de dificuldades e objeções. Pois surgiu no tempo em que o povo eleito cada vez mais se fechava à sua própria missão, ao seu próprio espírito, e, por isso, haveria de ter repulsa a esse veio carmelita que prenunciava a Virgem Mãe, assim como depois os hereges de todos os tempos tiveram ódio à devoção a Nossa Senhora.

Provavelmente, os eremitas do Monte Carmelo, representantes das primícias do amor à Santa Mãe de Deus, foram perseguidos, malvistos, caluniados e silenciados. Apesar disso, e na humildade de sua situação, previam o advento de Nossa Senhora.

E eles tinham razão, pois Ela veio. E não só veio, mas recebeu a maior glorificação que poderia ser tributada a uma mera criatura: tornou-se a Esposa do Divino Espírito Santo, encarnando-se n’Ela o Verbo, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.

Ao término de sua sublime existência terrena, Maria teve uma morte extremamente suave: uma separação da alma e do corpo efetiva e completa, mas de tal maneira delicada que a Igreja, na sua linguagem incomparável, dá ao passamento de Nossa Senhora o nome de “dormição”. Pouco depois, por desígnio e obra de Nosso Senhor Jesus Cristo, a Santíssima Virgem ressuscitou e foi levada aos Céus em corpo e alma. Assim recebeu Nossa Senhora outra glorificação: uma ressurreição à maneira da de Jesus, e uma Assunção também comparável à Ascensão d’Ele. Aliás, na linguagem de outrora, Nossa Senhora da Assunção é igualmente chamada de Nossa Senhora da Glória, para significar o incomparável brilho de que se revestiu o seu ingresso no Paraíso celeste.

Esse desfecho da vida terrena de Nossa Senhora pode ser tomado como o término da história do Carmo do Antigo Testamento (embora já se estivesse, rigorosamente falando, no Novo Testamento). Aqueles carmelitas tiveram a alegria e a insigne honra de cultuar a Santíssima Virgem em carne e osso, e não através de imagens. Nada impede presumirmos que Nossa Senhora subiu ao Monte Carmelo e ali se colocou à frente de seus filhos e devotos, em horas de inefável convívio. As hipóteses piedosas, inteiramente razoáveis, que a esse respeito se podem fazer, são inúmeras.

Com a Assunção de Nossa Senhora e sua glorificação no Céu, essa etapa da existência da Ordem carmelitana findou-se de modo magnífico, esplendoroso. Fica estabelecida uma relação entre o Carmo e a glória: a devoção perseguida, fiel, profética, luta até o momento em que é confirmada por Deus, e passa a reluzir no mais alto do Céu, na pessoa da Virgem Mãe.

Depois, recomeça a história do Carmo. A Ordem, existente apenas no Oriente Próximo, desenvolveu-se um tanto, mas tem-se a impressão de que os cristãos daquela região, nos primeiros séculos, não lhe deram grande importância, privando-se dos benefícios que ela poderia lhes trazer. Esta atitude para com o Carmo foi uma entre tantas infidelidades da Cristandade oriental, que terminou castigada pelas invasões sarracenas, as quais, entre outras calamidades, provocaram a fuga dos carmelitas para o Ocidente.

A Europa, toda católica, cheia de fé, empreendia as Cruzadas para a libertação dos Lugares Santos. Nesse continente os frades do Carmo começaram a vaguear, como membros de uma Ordem quase desconhecida, mal-admirada e à beira do desaparecimento. A família religiosa de Elias parecia um tronco seco e velho, fadado a se desmanchar em pó.

Era o instante esperado por Nossa Senhora para fazer florescer, no alto da ressecada vara, uma flor: São Simão Stock. Esse inglês de reconhecida virtude havia sido eleito para o cargo de Geral da Ordem. Todavia, não exercia uma autoridade efetiva sobre seus súditos, pois o Carmo ainda não possuía uma estrutura jurídica coesa e uniforme, capaz de conservar um espírito, promovê-lo e transmiti-lo à posteridade. [Situação que se prolongava depois de o Papa Inocêncio IV ter aprovado a regra dos “Irmãos de Nossa Senhora do Monte Carmelo”, em 1245.]

A virtude compensava, porém, a falta de autoridade. Rezando a Nossa Senhora com muito fervor, São Simão implorou-Lhe não permitisse o desaparecimento da Ordem do Carmo. Em meio a essa aflitiva situação, a Virgem Santíssima apareceu a seu bom servo [em 1251] e lhe entregou o escapulário, para se usar sobre a roupa.

Naquela época os servos usavam uma túnica como traje civil. Sobre ela punham uma túnica menor, que indicava, pela cor e por características peculiares, a identidade de seu senhor. O escapulário do Carmo era semelhante a essa pequena túnica. Nossa Senhora, portanto, entregava a São Simão Stock uma libré própria aos servos d’Ela, para ser usada por todos os carmelitas, e prometia: “Aqueles que morrerem revestidos dele, não sofrerão o fogo do inferno”. Quem usa piedosamente o escapulário do Carmo, receberá a graça da perseverança final e será libertado do purgatório no primeiro sábado após a morte. [Esta promessa abrange também os fiéis que usarem o pequeno escapulário, recebido em singela cerimônia das mãos de um padre carmelita ou de outro sacerdote que tenha a faculdade de o impor. Para se beneficiar do privilégio sabatino, o fiel deve cumprir uma condição — como a recitação diária de um terço —, a critério do sacerdote.]

A partir dessa misericordiosa intervenção da Mãe de Deus, a Ordem carmelitana refloresceu e conheceu outros períodos de glórias, acentuando por toda a Igreja Católica a devoção à Santíssima Virgem. No suceder de esplendores iniciado então, nasceram três sóis, para não citar senão eles, que hão de reluzir por todo o sempre no firmamento da Igreja: Santa Teresa, a Grande, São João da Cruz e Santa Teresinha do Menino Jesus.

Retenhamos, então, a grandiosidade da história do Carmo: uma alternância de glórias e infortúnios conducentes a um adelgaçamento que faz prever o desaparecimento. Mas acontece uma intervenção de Nossa Senhora, que salva e dá incomparavelmente mais do que se tinha antes. A prosperidade no Ocidente será muito maior do que a verificada na Ásia.

A par de sua insondável bondade, Nossa Senhora, ao intervir, mostrava também a confiança que se deve ter n’Ela, bem como seu papel central na obras que ama de modo especial. Ainda que estas cheguem ao ponto de tudo parecer perdido, devem esperar o momento que Ela se reserva para agir. Como dizia certo pensador católico, as grandes intervenções da Providência são precedidas de situações dramáticas, de modo a tornar clara a inutilidade de qualquer socorro humano. Uma vez provado o fracasso dos homens, e na própria hora da desolação e do caos, Deus intervém, e Nossa Senhora se faz presente.

Lição de confiança ainda mais necessária em vista do que ocorreu depois: enquanto a Ordem fundada por Santo Elias conhecia novos brilhos e novas glórias, a Cristandade que a acolhera tornava-se presa de um inexorável processo de ruína, que se acelerava no decorrer dos séculos. Até que, em 1917, numa colina de Fátima, Nossa Senhora censurou a decadência, recriminou o mundo pela torrente de pecados em que estava imerso, e anunciou os castigos que haveriam de cair sobre a humanidade, caso esta não se arrependesse e se emendasse de suas faltas. Depois, exprimindo-se com as famosas palavras que guardamos em nossas almas, fez a promessa do Reinado d’Ela: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!”

E aqui voltamos à consideração daquele vínculo ao qual nos referíamos no início deste artigo: no ápice das aparições em que Nossa Senhora proclama a efetivação de sua realeza, sob a forma do triunfo do seu Coração Imaculado, Ela aparece revestida do traje de sua mais antiga devoção — a do Carmo. E, desse modo, realiza uma síntese entre o historicamente mais remoto, o mais recente — o culto ao Imaculado Coração de Maria — e o futuro glorioso, que é a vitória e o reinado desse mesmo Coração.

Eis várias das razões pelas quais a festa de Nossa Senhora do Carmo nos é muito grata a todos os filhos  e devotos da Santíssima Virgem.

Fátima e Nossa Senhora do Carmo

Em Fátima, a Virgem Maria também apareceu com as características de Nossa Senhora do Carmo. Que relação existe entre a mensagem de Fátima e a Ordem do Carmo? Essa questão é abordada por Dr. Plinio, com base no texto de uma revelação recebida por Santa Teresa de Ávila.

 

Gostaria de apresentar alguns traços da revelação de Fátima que a diferenciam de outras revelações anteriores.

Castigo por causa da imoralidade e da irreligião dos povos

Eis um traço muito curioso: é a única revelação que conheço, de tal maneira admitida, aceita e acatada em meios católicos e até pela hierarquia eclesiástica, a qual trata não só de um tema moral — porque isso é frequente em várias revelações —, mas tira derivações desse tema moral para o campo político, numa ilação que tem muito de comum com a doutrina que posteriormente tentamos expor no livro Revolução e Contra-Revolução.

O plano de ideias que Nossa Senhora apresenta para os homens é que há uma crise moral prodigiosa, a qual é, no fundo, uma crise religiosa; e essa crise religiosa e moral vai desembocar numa catástrofe política. Essa catástrofe política que Ela profetiza qual vai ser? A Rússia espalhará seus erros por toda a Terra. É um castigo por causa da imoralidade e da irreligião dos povos. Quer dizer, há um nítido conteúdo político.

Outro aspecto curioso que não encontrei ainda em nenhuma outra revelação — não digo que não houve, pois não pretendo ter conhecido todas —: Nossa Senhora Se mostra em três invocações sucessivas: com as características de Nossa Senhora de Fátima, mas também como o Imaculado Coração de Maria e como Nossa Senhora do Carmo.

Por que essas invocações? Encontramos fundamento para isso na própria revelação. Ela declara o seguinte: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará.” O que quer dizer que Ela quer ter um triunfo que vai ser uma enorme efusão de graças, porque o coração aí significa a bondade e a vontade, e o triunfo d’Ela vai se realizar depois de um castigo tremendo, por uma efusão de graças enorme. É o Reino do Coração d’Ela que Maria Santíssima anuncia.

Por causa disso, Ela como que referenda a devoção ao Imaculado Coração de Maria, apresentando-Se com essas características numa de suas visões. É para se compreender, para dar um estímulo à devoção ao Imaculado Coração de Maria.

Uma Ordem religiosa nos últimos tempos

Mas por que Ela Se apresenta como Nossa Senhora do Carmo numa das aparições?

Isto é muito menos claro. Que relação tem a invocação do Carmo com os tempos vindouros, em que seu Coração vai triunfar? Há alguma tarefa, alguma missão do Carmo dentro disso?

Essa pergunta nos interessa muito, tomando em consideração que quase todos nós somos terceiros carmelitas1. Há revelações muito impressionantes feitas a Santa Teresa de Jesus, que se encontram nas boas biografias desta Santa carmelita, e que dizem algo a esse respeito. São os parágrafos 12, 13, 14 e 15 das obras de Santa Teresa de Jesus, tomo I, Livro da Vida, capítulo 40. É algo oficial e documentado.

Parágrafo 12:

Fazendo uma vez oração com muito recolhimento, suavidade e paz, parecia-me estar rodeada de Anjos e muito perto de Deus. Comecei a suplicar a Sua Majestade pela Igreja. Foi-me, então, dado a entender o grande proveito que havia de fazer uma Ordem nos últimos tempos, e com que fortaleza seus filhos haviam de sustentar a Fé.

Uma Ordem que, como veremos, parece ser a própria Ordem do Carmo, à qual Santa Teresa pertencia e que por prudência e modéstia ela não queria mencionar. Haveria um tempo em que a Ordem do Carmo teria filhos que lutariam pela ortodoxia com muito denodo.

Parágrafo 13:

Quando certa ocasião rezava junto ao Santíssimo Sacramento, apareceu-me um Santo cuja Ordem esteve um tanto decaída.

Ela era exatamente a reformadora da Ordem do Carmo, que estivera muito decaída.

Tinha nas mãos um grande livro. Abriu-o e deu-me a ler as seguintes palavras escritas em letras grandes e muito inteligíveis: Nos tempos vindouros, florescerá essa Ordem, haverá muitos mártires.

Então, é um incremento de luta pela ortodoxia, martírio e florescimento dessa Ordem.

Religiosos com espadas nas mãos

Parágrafo 14:

Outra vez, durante Matinas, no Coro, vi diante de meus olhos seis ou sete religiosos dessa Ordem, com espadas nas mãos.

Notem que se tratam de espadas, símbolo da luta.

Significava isso, penso, que hão de defender a Fé, porque mais tarde, estando em oração, fui arrebatada em espírito e pareceu-me estar num vasto campo onde lutavam muitos combatentes e os desta Ordem pelejavam com grande fervor; tinham os rostos formosos e muito incendidos. Venciam deitando por terra numerosos inimigos e matando outros. Tive a impressão de que a batalha era contra hereges.

Parágrafo 15:

Ao glorioso Santo de que falei acima, tenho visto várias vezes. Tem me dito diversas coisas, agradecendo a oração que faço por sua Ordem e prometendo encomendar-me ao Senhor. Não assinalo a Ordem para que não se desagradem as demais. O Senhor declarará os nomes, se for servido que se saibam. Cada Ordem, ou cada um de seus membros deveria esforçar-se para que, por seu meio, fizesse o Senhor tão ditosa sua religião que em tão grande necessidade, como agora tem a Igreja, pudesse servir. Felizes as vidas que se sacrificarem por tão nobres causas.

Vemos aqui mencionar uma Ordem, provavelmente a do Carmo, que terá uma grande batalha pela Fé nos tempos futuros. Ora, até esse momento, não chegou essa batalha; a Ordem do Carmo não fez isto até agora.

E Nossa Senhora nos fala, precisamente, de grandes perseguições, de grandes lutas, de grandes martírios na revelação de Fátima.

E ali a Santíssima Virgem Se mostra com as características de Nossa Senhora do Carmo. Parece haver entre tudo isso uma relação para a qual eu chamo a atenção a fim de prezarmos cada vez mais nossa condição de irmãos da Ordem Terceira do Carmo, e compreendermos o que há de providencial nessa pertencença à família carmelitana.  v

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 13/5/1965)

 

1) Dr. Plinio e os mais antigos membros do Movimento por ele fundado pertenciam ao Sodalício Flos Carmeli, da Basílica Nossa Senhora do Carmo, em São Paulo.

 

Vingou a honra da Santa Igreja

São Leão II aprovou as atas do Terceiro Concílio de Constantinopla para condenar a falta daquele que, no dizer deste Papa Santo, “tentou destruir a imaculada Fé com uma profana traição”.

Este Santo Pontífice teve a dificuldade tremenda de viver no tempo em que de um antecessor seu, Honório I, se podia dizer isso, e em relação ao qual o Concílio tomou uma atitude de condenação.

Com isso, São Leão II combateu a heresia, vingando assim a honra da Igreja. Porque a heresia não pode permanecer em nenhum lugar, mas sobretudo no interior da Igreja  Católica, que é por excelência a montanha sagrada da verdade e do bem, que repele de si aquele que dentro dela toma a defesa do erro e do mal.

A Santa Igreja tem muita misericórdia e não expulsa de si quem reconhece que anda mal, bate no peito e pede perdão. Mas aquele que afirma que o bem é o mal e o mal é o  bem, e que luta, dentro da Igreja, para disseminar o mal, a este a Igreja expulsa horrorizada.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 3/7/1965)

Santa Maria Madalena – Contemplação unida à penitência

Depois de arrepender-se, Santa Maria Madalena passou a representar claramente duas virtudes unidas: a contemplação e a penitência.

Ela representou a contemplação, por distinção com sua irmã, no famoso episódio em que Nosso Senhor disse a Marta: “Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada” (Lc 10, 42). Então, ela passou a representar a pura contemplação, não tanto unida à vida ativa, mas enquanto estado inteiramente contemplativo.

Ao mesmo tempo, por seu arrependimento enorme e sua fidelidade ao pé da Cruz, e pelo fato de ter sido a primeira a ter notícia da Ressurreição de Nosso Senhor, ela não representou apenas a contemplação, mas a penitência na sua glória, no estado do maior perdão, da maior intimidade com o Divino Mestre. A tal ponto que, com o exemplo de sua vida e de outros Santos, alguns teólogos pretenderam afirmar que o estado de penitência – uma penitência séria, profunda – é ainda mais bonito que o de inocência.

Plinio Corrêa de Olveira (Extraído de conferência de 22/7/1965)

Revista Dr Plinio 256 (Julho de 2019)

São Pedro e São Paulo – Arautos de Nosso Senhor Jesus Cristo

As figuras dos grandes Apóstolos Pedro e Paulo, como as retrata a iconografia católica, sugere a Dr. Plinio os comentários transcritos a seguir, pontuados de devoção e enlevo por esses baluartes da Igreja, os quais — juntos — confessaram com seu martírio a fé inabalável no Filho de Deus.

 

Certa feita, mostraram-me a fotografia de uma iluminura que representava o enterro de Nossa Senhora. Em linguagem piedosa, dá-se o nome de “dormição” (dormitio em latim) ao passamento de Maria Santíssima, a fim de significar que sua provável morte foi como um doce e aprazível sono. Seja como for, a ilustração apresenta o sepultamento da Mãe de Deus, cujo caixão é conduzido pelos Apóstolos, de modo saliente por São Pedro e São Paulo. E sobre estes cabe um comentário.

Vigor e venerabilidade próprios ao chefe da Igreja

São Pedro aparece como um ancião venerável, resoluto, de barba branca, abundante, caudalosa, voltada para a frente, indicando vigor e mais hombridade do que se fosse direcionada para baixo. O pintor o imaginou calvo, com uma moldura de cabelos formando tufos copiosos nas laterais do rosto. Tudo nele indica vitalidade, não possuindo as características rugas da velhice. Sua face é quase corada, rósea. É o grande São Pedro que ainda deverá lutar tanto pela Igreja Católica. Assim, à robustez da juventude ele alia a venerabilidade da idade madura, cujo aspecto respeitável é bem expresso pelo artista, dando-lhe o tônus conveniente ao primeiro Papa, chefe da Igreja.

Resolução e força de São Paulo

São Paulo, por sua vez, parece ser bem mais moço que São Pedro. Forte, sua fisionomia transpira resolução: o que ele deseja fazer, executa. Percebe-se nele o homem que percorrerá as regiões em torno do Mediterrâneo, enfrentando imensos perigos. Por exemplo, certa vez, para fugir dos que o perseguiam, ele desceu de um sobrado por uma cesta amarrada a uma corda, e se afastou correndo a fim de não ser capturado e morto. Noutra circunstância, estando num navio, sobreveio uma tempestade que fustigou a embarcação e os tripulantes durante vários dias, até naufragarem perto de uma ilha à qual todos chegaram sãos e salvos.

No martírio de São Pedro, a homenagem ao Papado

Os dois Apóstolos são vistos inundados de glória, participando do triunfo da Santíssima Virgem e, sobretudo, empenhados em exaltá-La. Sabe-se que esses dois atletas, arautos de Nosso Senhor Jesus Cristo, padecerão juntos o martírio e morrerão no mesmo dia.

Presos pelos romanos pagãos, sofreram diversos suplícios. São Pedro foi crucificado de cabeça para baixo, o que devia significar um doloroso processo de morte, pois o sangue, atraído pela lei da gravidade, aflui ao cérebro e não tarda em produzir derrame ou apoplexia. A crucifixão poderia ser feita por meio de cordas que amarravam o corpo à cruz, ou por cravos que pregavam no madeiro as mãos e os pés dos condenados, como sucedeu com Nosso Senhor Jesus Cristo.

Os que crucificavam o Príncipe dos Apóstolos não tinham ideia de quanto, procedendo daquele modo, prestavam homenagem ao Papado. Disse o Divino Mestre ao primeiro Papa: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18).

Para São Paulo, a celeste coroa de justiça

De outro lado, sendo cidadão romano, São Paulo pereceria pela espada. Prestes a ser decapitado, talvez tenha se lembrado de suas magníficas palavras, as quais me comprazo em recordar por muito admirá-las: “Bonum certamen certavi, cursum consummavi” (2Tm 4, 7) — “combati o bom combate, completei o circuito da carreira inteira que eu deveria percorrer”. Era uma alusão aos que disputavam corridas no circo romano. E acrescenta: “Guardei a fé. Resta-me agora receber a coroa de justiça que o Senhor justo juiz, me dará” (2Tm 4, 7-8).

Vale notar a extrema beleza do modo pelo qual a Providência guia as almas. São Paulo revela aqui a certeza de que ele não tem perdão a pedir, porque já está perdoado de tudo, tendo levado uma vida ilibada após a sua conversão. Nisto ele demonstra uma extraordinária segurança. Em linguagem contemporânea, dir-se-ia que São Paulo lança um “cheque” para o Céu: Resta-me agora receber a coroa da justiça. Senhor, Vós prometestes vossa glória a quem combatesse o bom combate e percorresse a carreira inteira que deveria percorrer. Eu o fiz. Agora, dai-me o vosso prêmio!”

Difícil não apreciar este modo varonil de se exprimir, próprio de um homem de fé que crê em Nosso Senhor Jesus Cristo, na Santa Igreja, e por isso não tem dúvida alguma de que será recompensado.

O carrasco cortou-lhe a cabeça e esta — segundo uma bonita lenda — ao cair no chão saltou três vezes. Em cada lugar do solo tocado pela venerável cabeça do Apóstolo teria nascido uma fonte. Donde o local em que houve este milagre ser chamado de “tre fontane”: as três fontes.

Objetos de inimaginável perdão

Frisamos o que há de imensamente belo no trato da Providência com os homens. Tal sobressai quando uma pessoa possui grande vocação e, apesar de suas infidelidades, a graça continua a lhe fazer insistências extraordinárias. Pode a alma se encontrar numa lamentável situação, mas o chamado de Deus conserva todo o frescor primitivo. Disso constitui a vida dos dois Apóstolos excelente exemplo.

O olhar de Jesus para São Pedro, durante a Paixão, é característica manifestação desse misericordioso procedimento divino. O Redentor teve pena dele, fitou-o e São Pedro, então receoso e pusilânime, passou a ser outro.

São Paulo, o Apóstolo das Gentes, confessa ter entrado para o colégio apostólico como um ente abortivo, depois de ter perseguido brutalmente a Igreja. Chegou a ser cúmplice do martírio de Santo Estevão, tendo vigiado as vestes daqueles que apedrejaram o primeiro mártir do cristianismo (AT 7, 58; 8, 1). Ora, em determinado momento este homem é convertido de modo extraordinário e levado por Nosso Senhor ao deserto, onde recebe graças que não foram concedidas a nenhum outro apóstolo. Quer dizer, Jesus o chamou do fundo da ignomínia e lhe deu aquele dom incomparável.

É uma tão sublime lição em meio a tantos perdões, e um tal perdão ao lado de tantas lições, que nossa pobre cogitação não alcança medi-los…

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências  em 20/7/1988 e 22/11/1991)

Em defesa do Beato Gaspar de Bono

Um exemplo característico de Revolução tendenciosa foi o que ocorreu em muitos meios católicos: não se ensinava claramente uma doutrina errada, mas por omissões que se inserem num coro de meios tons, meias verdades, os temperamentos foram se habituando a uma postura mole, de entreguismo, desarmando toda a linha de defesa da ortodoxia.

 

Perfeição cristã e belos feitos de guerra

Gaspar de Bono nasceu em Valência, em 1530. Seu pai, tecelão e, mais tarde, amolador de facas, era homem de vida religiosa profunda. Sua mãe, cega aos quarenta anos, era pessoa de grande paciência e resignação. Todas as manhãs o casal assistia à Missa e oferecia a Deus o seu dia; e, enquanto o marido trabalhava, a mulher meditava ou tecia. Desse casamento nasceram quatro filhos, e a um deles, Gaspar, os pais destinaram uma melhor educação, pois perceberam na criança dons excepcionais.

De fato, o jovem era dotado de grande inteligência, além de encanto pessoal. Seguindo o exemplo dos pais, era piedoso, sendo recebido muito cedo como terceiro dominicano. Adolescente, começou a trabalhar com um comerciante de seda, que custeou seus estudos. Mas a Providência encaminhou Gaspar para servir como soldado do Imperador Carlos V. E este jovem foi um extraordinário exemplo da união entre piedade e coragem, perfeição cristã e belos feitos de guerra. Jamais, como militar, o ouviram jurar em vão pelo nome de Deus, coisa comum entre seus companheiros; as visitas das damas as mais honradas lhe eram suspeitas; desagradavam-lhe as companhias menos dignas. Após o cumprimento de seus deveres, ia para as igrejas, hospitais e outros locais de devoção, onde consagrava sua alma a Deus e seu corpo a seu príncipe.

Corajoso e valente no manejo da espada

Devotíssimo da Santíssima Virgem, recitava todos os dias sua Ladainha, tendo devoção particular a Sant’Ana, São José, São Vicente Ferrer e às almas do Purgatório. Mas ninguém pense que por isso seu temperamento fosse estranho ou arredio. Era um dos mais belos e gentis jovens do exército e dos melhores nas armas, corajoso e valente com sua espada, que ele só empunhava pela honra de Deus e defesa de seu rei.

Foi assim que, em certa ocasião, estando com uma pequena companhia, foi atacado pelo grosso da cavalaria inimiga. Vendo que não podia enfrentá-la, foi-se retirando lentamente, procurando ao menos matar alguns adversários para enfraquecê-los. Não percebeu assim um fosso profundo, oculto por pedras, nele caindo – e seu cavalo também sobre ele. Bastante ferido, foi atingido ainda por três golpes de alabarda de um soldado contrário. Sentindo a morte próxima, recorreu à Santíssima Virgem, prometendo-lhe ingressar na Ordem de São Francisco de Paula, se fosse salvo. E o foi milagrosamente. Voltou a Valência e foi recebido naquela família religiosa, aos 35 anos de idade.

Grande humildade e invulgar mortificação

Na nova via, logo veio a se destacar como exemplo para os demais sacerdotes. Extraordinariamente virtuoso, chegou a extremos na prática da humildade, de uma invulgar mortificação, e do dom da conversão de pecadores empedernidos. Morreu em 1604, enquanto rezava uma Ave-Maria. Foi beatificado por Pio VI, em 1786. Chegou a Geral de sua Ordem, onde era muito respeitado.

Um seu contemporâneo e biógrafo assim o descreve:

“Quando jovem ele era extraordinariamente belo, de estatura mediana e de corpo muito bem proporcionado; quando mais idoso, tornou-se um pouco curvo, o que lhe deu um porte mais grave, e moderava sua extrema humildade e atitude recolhida, porque frequentemente tinha as mãos juntas e os dedos cruzados entre seu grande rosário.

“Sua fisionomia era clara, suave, agradável, mas muito alegre, mesmo quando atingiu idade avançada. Sua fronte era alta, os olhos azuis, nem grandes, nem pequenos, alegres e vivos, mas calmos e discretos; as sobrancelhas arqueadas e entremeadas de fios brancos que, em sua juventude, eram louros; o nariz bem proporcionado, um tanto aquilino, a boca mediana, de lábios bem visíveis; a barba muito espessa, toda branca, com alguns fios dourados; suas mãos eram longas e brancas, seu andar pausado e solene; ele gaguejava um pouco; sua compleição era sanguínea e colérica. Era, sem dúvida, um dos mais veneráveis anciões então conhecidos.”(1)

Biografia bem redigida, porém não isenta do sentimentalismo romântico 

Esta é uma ficha mais inteligente do que muitas hagiografias que por aí se encontram. Quem a redigiu teve o cuidado de fazer do Beato uma descrição quase de uma ficha policial de nossos dias. Dir-se-ia ser uma espécie de fotografia do tempo em que não havia fotografia. Tem todos os pormenores da fisionomia do Beato, descritos com muita vivacidade, de maneira que, por assim dizer, percebe-se sua alma por detrás da descrição.

De outro lado, trata de sua vida de um modo bastante completo, quer dizer, contando que ele foi um guerreiro; e não omite que foi um guerreiro eficaz. Porque normalmente as fichas impregnadas de um hagiografismo meio dulçoroso, ao tratar do santo como guerreiro, diriam apenas assim: “O santo mancebo foi também durante algum tempo um guerreiro”. E passariam adiante. Ou omitiriam que ele foi guerreiro, para dar a ideia de que um Santo jamais brande a espada, porque toda violência é intrinsecamente má e o católico é incapaz do uso da força a serviço de suas ideias. É uma concepção efeminada e sentimental do católico.

Não se pode dizer que essa ficha seja inteiramente sentimental, romântica. Entretanto, tal é a presença sutil do sentimentalismo romântico, que o texto descreve longamente o Beato como religioso, trata bastante da vida de piedade dele; porém não fala de nenhum dos seus feitos de arma, a não ser um em que ele faz o papel de derrotado e recebe um milagre, o qual lhe serve de ocasião para deixar a carreira das armas.

A combatividade militar é integrante da virtude de um santo

Ora, nós teríamos gostado de uma ficha que dissesse tudo quanto diz, mas que nos mostrasse esse Beato como um guerreiro valente, não só na retirada, mas no ataque, matando alguns, contando o caso de dez inimigos que ele fendeu com uma espadagada, bem como de um avanço em que ele se pôs a risco, esteve na iminência de ser morto, não no recuo, mas porque se meteu no meio dos adversários; então Nossa Senhora o socorreu fazendo aparecer um Arcanjo terrível que, por sua vez, expulsou outros tantos inimigos.

Assim, nós apreciaríamos ver a combatividade militar elogiada como integrante da virtude de um Santo. A Escritura, portanto o Espírito Santo, descreve assim Judas Macabeu, por exemplo.

Aqui não. Vê-se que por um esforço de objetividade hagiográfica o biógrafo chega até o limite da objetividade inteira, porque conta um caso muito bonito. O herói não é só aquele que ataca, mas o que recua também.

Até há uma forma especial de heroísmo em perseverar e continuar inteiramente corajoso, apesar da adversidade. Mas com tanto adocicamento da vida dos Santos, nós gostaríamos de outra coisa. E percebe-se que deve ter havido material para isso.

Altar ideal para se venerar um Santo

Qual é o corolário disso? O Beato Gaspar foi um frade da Ordem de São Francisco de Paula. É improvável que se tenham construído em louvor dele capelas em alguma igreja, por ser Beato. Mas, enfim, uma capela na igreja da Ordem dele é muito provável que tenham feito.

O normal seria que houvesse um nicho com a imagem dele e atrás uma pintura, um mosaico, dando vários aspectos da sua vida. Se isso fosse feito de acordo com o espírito católico integral, apresentaria alguns aspectos do Beato com toda a sua doçura, sua bondade, etc. E um outro aspecto dele combatendo, na hora de cravar a espada num adversário que estaria caindo.

Isso teria que ficar num altar para, ao pé desse quadro, pedirmos a virtude da fortaleza. Não pode ser que, na hora de manifestar a coragem e defender o bem, um católico esteja aquém de um guerreiro que luta pelo mal. Pelo contrário, se o católico tem razões sobrenaturais para oferecer sua vida, ele precisa exceder os combatentes do mal, dos quais o mais audacioso deve ser um tímido diante de um verdadeiro católico.

Mas acontece que essa figura do Beato no ato de liquidar um adversário haveria de produzir, em senhoras ou mocinhas que se preparam para a primeira Comunhão, algum arrepio sentimental.

Formação que adocicava o lado combativo dos Santos

Há dez ou quinze anos atrás, em muitos seminários se entendia que para o indivíduo se tornar autêntico padre precisaria não ser inteiramente varonil. Para um padre fazer um sermão elogiando isso, era preciso ter uma formação que os seminários não davam.

Então, vemos que mesmo numa ficha objetiva, bem feita sob vários aspectos, que contém dados verdadeiramente edificantes, úteis para nossa vida espiritual, entra a irradiação de todo um estado de espírito, um modo de ser que, durante muito tempo, dominou – pelo menos na América do Sul – a piedade de largos setores da sociedade católica; não sei bem como é na Espanha, na Itália, em Portugal.

De tal maneira que, como um abismo atrai outro abismo, no tempo em que a influência da Igreja e do clero se exerciam, grosso modo, num sentido reto, em que então um senso combativo poderia ter levado essa influência à vitória, entretanto desenvolviam sua atividade com fermentos que adocicavam completamente essa influência, e a tornavam pouco capaz de atingir a vitória que estava ao seu alcance.

Surge a combatividade a serviço do mal

E à medida que essa influência vai se exercendo num sentido mau, começa a aparecer uma posição combativa e agressiva nesses mesmos ambientes, mas então já a serviço do mal, a teologia da violência, que é o extremo oposto dessas omissões. E é a tese de que o padre, a freira, devem ser violentos, terroristas, para aplicar a justiça social, a qual é um corolário do Evangelho e que, portanto, é preciso ser imposta até mesmo pela violência. Portanto, um abismo vai atraindo outro abismo.

Esse estado de espírito inimigo de toda polêmica, de todo combate, de toda violência teve ainda sua responsabilidade num aspecto dessa crise dramática. Quando o neomodernismo, ou seja, o progressismo começou a renascer com uma insolência maior, teria sido facílimo esmagá-lo. Não se esmagou por quê? Porque o grande número dos homens que detinham o poder tinha essa mentalidade. Eles achavam que não se deve esmagar nada. No plano ideológico das censuras e das penas canônicas, da coragem eclesiástica de punir, ainda que não seja por meios materiais, eles reagiam com a mesma moleza que fica insinuada nesse horror à exercida em termos militares.

Então, nós tivemos crescendo, crescendo, crescendo a onda da violência e os adversários naturais – que não eram homens que quisessem a violência – não reagindo, porque foram educados na escola da não-violência. Então, compreendemos como foi possível a tão poucos se tornarem tão numerosos e fazerem tanto. Ainda é esse estado de espírito responsável por essa ordem de coisas.

Bigrafias mutiladas pela Revolução tendenciosa

Então nós vemos aqui os zigue-zagues da Revolução, afetando a vida de piedade, desenvolvendo-se no campo da vida espiritual de enorme número de católicos. Mais uma vez notamos o fenômeno de Revolução tendenciosa. Porque não está dada aqui uma doutrina errada, nem dito de modo positivo: o católico não deve ser um soldado corajoso. Até está afirmado de algum modo o contrário. Mas há omissões que se inserem num coro de meios tons, meias verdades, as quais acabaram insinuando essa posição e habituando os temperamentos a uma postura mole, de entreguismo, desarmando toda a linha de defesa da ortodoxia, antes mesmo de o adversário erguer a cabeça. Quando o inimigo ergueu a cabeça, as linhas de defesa estavam quase todas adormecidas.

Poder-se-ia fazer uma objeção: “Mas Dr. Plinio, isso é verdade apenas em parte, porque esses mesmos que o senhor disse serem contrários à energia eclesiástica, quando se trata de atacar a ortodoxia são extremamente enérgicos.”

Respondo: Não é uma contradição, mas está na lógica do preguiçoso. Nessa posição entra muito do vício capital da preguiça. E a psicologia do preguiçoso é precisamente esta: ele concorda com tudo e tem preguiça para tudo; entretanto, para com aquele que quer convencê-lo de não ser preguiçoso, deseja obrigá-lo a se mexer, ele agride sem preguiça.

Tomem um homem que está numa cama dormindo agradavelmente. Acordam-no e lhe dizem:

– Há divertimento.

– Não quero.

– Tem trabalho.

Ele dorme mais profundamente ainda.

– Faça uma oração!

Ele desmaia.

Procurem levantar o homem. Ele se ergue e dá um tapa, porque estão lhe tirando de sua preguiça. Esta é a lógica do preguiçoso.

Inúmeras vezes nós quisemos que essa gente combatesse. É claro que nos agrediam, pois estávamos tirando-os da lógica da preguiça.

Alguém me dirá: “O senhor não comentou a vida do Beato. O que fica da vida dele para nós?”

Fica, antes de tudo, uma defesa do Beato que foi apresentado de modo mutilado. E também uma defesa contra tantas hagiografias mutiladas que por aí se apresentam.             v

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/8/1972)

Revista Dr Plinio 244 (Julho de 2018)

 

1) Não dispomos dos dados bibliográficos da obra citada.

Sede devotos do meu Imaculado Coração…

Sempre que me refiro a Nossa Senhora, tenho muito em vista a devoção ao Imaculado Coração de Maria.

Ao adorarmos o Sagrado Coração de Jesus temos em consideração não só a afetividade, a bondade, mas toda a personalidade moral e todo o conjunto de virtudes d’Ele. Assim também o culto de hiperdulia que prestamos ao Coração Imaculado de Maria abarca e exprime seu afeto, sua bondade, sua misericórdia de Mãe, bem como sua pureza e todas as virtudes excelsas que Ela possui num grau inconcebível por nós.

O quadro presente em meu apartamento representa Nossa Senhora no seu resplendor, tendo atrás de Si uma série de luzes fulgurando, como que emanadas principalmente da cabeça, e constituindo uma espécie de auréola. Maria Santíssima está segurando seu Imaculado Coração e o apresenta para os homens, como quem diz: “Ele é vosso, Eu vo-lo dou se Me pedirdes”.

Portanto, é um convite à prece ao Imaculado Coração d’Ela, feito por Ela mesma: “Sede devotos do meu Imaculado Coração e recebereis graças incontáveis”.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 27/2/1992)

Revista Dr Plinio 243 (Junho de 2018)

“Sede perfeitos como o Pai Celeste”

São Cirilo de Alexandria viveu no século V e combateu a heresia de Nestório. Naquela ocasião, estabeleceu-se a clássica distinção entre os ortodoxos, que professavam a divindade da Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo e a consequente Maternidade Divina de Maria, e os heterodoxos, que afirmavam haver em Cristo duas pessoas, sendo ­Nossa ­Senhora mãe apenas da pessoa humana. Como sói acontecer, entre essas duas correntes havia os tais pseudo-equilibrados, que julgavam ser melhor não discutir, pois irritaria o adversário, tornando mais difícil a possibilidade de conversão. Esses se voltavam contra São Cirilo porque ele combatia os hereges.

Essa raça de almas corresponde ao dito na Escritura: “Se fosses frio ou quente Eu te aceitaria, mas como és morno, estou para vomitar-te de minha boca” (Ap 3, 16). São os que mais atrapalham a causa católica, pois o melhor dispositivo de proteção do erro não está entre aqueles que o professam, mas sim entre os que dizem professar a verdade, mas nas suas táticas protegem o erro.

Essa posição intermediária atrai mais a cólera divina do que a definida posição contrária.

Se devemos ser perfeitos como nosso Pai celeste é perfeito (cf. Mt 5, 48) e se é legítima a jaculatória “Sagrado Coração de Jesus, tornai meu coração semelhante ao vosso”, então devemos também ter náusea e horror daqueles de quem o Pai Celeste e o Coração de Jesus têm náusea e horror.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 8/2/1966)

Coração Sapiencial e Imaculado de Maria

A principal alegria de Nosso Senhor durante a vida terrena estava numa lâmpada acesa na casa de Nazaré: o Coração Sapiencial e Imaculado de Maria, cujo amor excedia o de todos os homens que houve, há e haverá até o fim do mundo.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 7/4/1984)