A exaltação da Santa Cruz

Em todos os episódios da Paixão, nota-se o desejo de humilhar Nosso Senhor. A Cruz, de modo especial, representa as humilhações que Ele sofreu. Ela é a primeira das humilhações que, até o fim do mundo, todos os católicos haverão de sofrer por Nosso Senhor Jesus Cristo.

Por esta razão, a Cruz foi tomada como sinal de honra de tudo quanto há de mais sagrado e de mais santo, pois a honra não consiste em não sermos humilhados, mas, isto sim, em receber a humilhação com ufania.

Ter presente a contínua exaltação da Cruz é a graça que devemos pedir na festa da Exaltação da Santa Cruz.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de Conferência de 14/9/1965)

Glorifiquemos a Cruz com ufania!

Dr. Plinio nunca deixou de denunciar um catolicismo sentimental que se afasta da Cruz, pretendendo que os cristãos vivam uma vida de langor que não segue as vias do Divino Mestre. A festa da Exaltação da Santa Cruz, comemorada a 14 de setembro, deu-lhe certa feita o ensejo para uma dessas importantes admoestações.

 

A cruz era um instrumento de suplício, usado na antiguidade, que representava uma ignomínia para toda pessoa que fosse crucificada. Era uma vergonha tanto para o sentenciado como para sua família.

Os cidadãos romanos não eram sujeitos à crucifixão, por isso São Paulo, tendo direito às honras de cidadão romano, foi em seu martírio decapitado e não crucificado.

A cruz representou o auge de todas humilhações sofridas por Nosso Senhor

Nosso Senhor recebeu tremendas humilhações durante sua vida terrena. Essas correspondiam a um ódio crescente contra ele, e desfecharam na maior de todas as humilhações possíveis, que foi o  sacrifício da Cruz.

Durante a Paixão, a intenção de humilhar a Nosso Senhor ficou evidente, por exemplo, na coroação de espinhos, na túnica de irrisão com que O cobriram e na cana que lhe puseram na mão à guisa de cetro.

As pessoas que O maltratavam revelavam o desejo de atormentá-Lo na sua Alma Santíssima, e não apenas no seu Corpo Puríssimo.

Sendo por fim crucificado, Nosso Senhor Jesus Cristo sofreu uma humilhação tremenda, pois com esse tipo de morte proclamava-se que Ele era um bandido, um ladrão, do mesmo gênero que os dois outros facínoras com os quais Ele foi crucificado.

E é neste sentido que a cruz não foi uma humilhação a mais, mas foi o auge de todas as outras humilhações que Ele sofreu durante a sua existência terrena. A cruz inaugurou também todas as  humilhações que até o fim do mundo os católicos haveriam de sofrer por causa de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não há um só católico bom que não tenha sido humilhado por causa de sua fidelidade a Nosso Senhor. Mas isso é uma honra, é exatamente uma das bem-aventuranças: ser perseguido por amor a Jesus Cristo.

Nós, católicos, sofremos essas humilhações e havemos de sofrê-las até o fim do mundo, porque a impiedade nunca cessará de ultrajar a Deus.

Símbolo de glória, para reivindicar a honra de Jesus Cristo

Mas a honra de Deus, a honra de Nosso Senhor Jesus Cristo foi reivindicada pela Igreja. Os católicos adotaram a Cruz como um símbolo de glória, como o símbolo de quanto há de mais sagrado e  santo, e assim tivemos as três manifestações características dos tempos de Fé: a Cruz colocada no alto das coroas; a Cruz como sinal heráldico dos mais nobres galardões das famílias da alta  aristocracia e a Cruz colocada como insígnia das condecorações.

Foi uma exaltação da Cruz o que se deu, para revidar aquela humilhação, e revidá-la com ufania cavalheiresca, com ufania sobrenatural. A honra consiste em receber a humilhação com ufania O aparecimento da Cruz a Constantino na Ponte Mílvia e a promessa: “Com este sinal vencerás!”, significava isto: a Cruz se levantava no céu e ia definitivamente se incorporar ao horizonte do  undo, humilhando por sua vez os ímpios e os demônios.

E ao mesmo tempo, a Cruz passaria a ser o sinal da honra dos católicos. Nossa honra não consiste em não sermos humilhados, mas consiste em receber a humilhação com ufania, gabando-se da humilhação e, mais ainda, com espírito de desafio. Em face daqueles que nos humilham, nós revidamos como cavalheiros e proclamamos com ufania ainda maior a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

A exaltação é a proclamação da glória da Cruz com ufania

Exaltação é propriamente isto: é a proclamação da glória da Cruz, com tal ufania que aniquila as humilhações que o adversário procura mover contra Cristo. Daí vem a palavra exaltar. “Exaltare”, de  ex (em direção a) e “altus” (alto), levar para o alto, ou seja, pôr no alto aquilo que estava humilhado, que estava rebaixado.

A exaltação da cruz é a glorificação da Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

A causa de Deus precisa ser defendida com espírito de Cavalaria. Portanto, se alguém injuria a Cruz diante de nós, devemos redarguir com energia. Porém, não como quem defende a própria honra, porque honra pessoal é coisa muito insignificante, mas como quem defende a honra de Nosso Senhor Jesus Cristo. O amor pela contínua exaltação da Cruz, com esta espécie de espírito de cavaleiro, que está lutando continuamente pela glória da Cruz, é a graça que devemos pedir na festa da Exaltação da Santa Cruz.

Plinio Corrêa de Oliveira

A exaltação da Santa Cruz, em nós e fora de nós

Cada um tome sua Cruz e siga-Me”. Nestas palavras de Nosso Se- nhor estava, para Dr. Plinio, a chave da felicidade humana. Só quem amorosamente aceita as cruzes que Deus lhe envia, encontra paz de espírito. Tema apropriado para este mês em que se comemora a exaltação da Cruz por excelência – a de Cristo.

 

A exaltação da Santíssima Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo é uma das mais belas festas da Igreja, como título e como significado.

Consideremos, antes de tudo, o que a palavra “exaltação” traz consigo.

Segundo a linguagem comum, impregnada de pieguice, o indivíduo exaltado é aquele que facilmente se irrita, derramando sua bílis sobre os outros. A verdadeira exaltação, porém, nada tem a ver com o mau gênio. Do latim “exaltere”, significa tornar-se alto, elevar-se, subir.

A exaltação da Santa Cruz de Nosso Senhor é, portanto, a festa pela qual a Igreja recorda e proclama aos olhos do mundo que ela ergue o símbolo da Redenção acima de todas as coisas, colocando-o na sua devida e suprema altura.

O auge das humilhações sofridas por Jesus

Este louvor se reveste de grandeza e de júbilo ainda maiores, quando consideramos que a cruz, originalmente, era um instrumento de suplício usado em toda a antiguidade, que representava a ignomínia e a vergonha para toda pessoa que sofresse a pena da crucifixão.

Por isso, ao ser pregado na cruz, Nosso Senhor Jesus Cristo sofreu tremenda humilhação. Esta equivalia a dizer que Ele morria como um bandido, um ladrão, equiparado aos dois facínoras com os quais foi crucificado no alto do Gólgota.

Neste sentido, a cruz representa o auge de todos os desprezos e escárnios que Jesus padeceu na sua vida pública, sobretudo nos trágicos dias da Paixão. Essas humilhações correspondiam ao desejo dos algozes de acrescentar aos tormentos físicos um martírio moral, ainda mais doloroso. Então, a coroa de espinhos, a túnica de bobo, a cana à guisa de cetro, as bofetadas, etc., na intenção de atormentar a alma adorável de Nosso Senhor, e não apenas o seu corpo santíssimo.

Mas, sendo verdade que a Cruz de Nosso Senhor foi o ápice de todas as humilhações sofridas por Ele, ela é também o começo de todos os desprezos que até o fim do mundo todos os católicos haveriam de suportar em nome do Filho de Deus. Porque a impiedade não se desarma nunca. Ela visa sempre menosprezar e abater a autêntica moral cristã. Raros, se não inexistentes, são os católicos que não tenham sido humilhados, de uma forma ou de outra, por causa de sua fidelidade a Jesus Cristo. O que constitui, aliás, uma bem-aventurança, pois significa ser perseguido por amor à justiça divina, contra a qual continuamente se erguem os ímpios.

Cumpre, porém, frisar que a Cruz de Cristo, e as cruzes que por Ele carregamos, são igualmente símbolos de nossa honra. Esta consiste em recebermos a humilhação com ufania, gabando-se dela. Mais: com um espírito de desafio. Em face daqueles que nos injuriam, proclamamos com brio e júbilo ainda maiores o supremo símbolo de nossa religião. O que corresponde inteiramente à ideia de exaltação: manifestar a glória da Cruz, com uma altaneria que esmague os ultrajes que os adversários procuram fazer a Cristo.

Vem a propósito recordar que essa ufania já fora ratificada nos primeiros séculos do Cristianismo quando, às vésperas da batalha de Ponte Mílvia, o Imperador Constantino teve uma visão da Cruz, circundada pelas palavras: “In hoc signo vinces — com este sinal vencerás!” Era um anúncio de que a Cruz se levantava no céu e iria ficar definitivamente no horizonte do mundo, humilhando por sua vez os maus.

Essa galhardia é o que falta ao católico piegas. Este, diante de qualquer humilhação, mostra uma cara preguiçosa, baba e foge. Enche de vergonha a causa que deveria proteger. Nossa religião precisa ser defendida com espírito de luta e, portanto, se alguém injuria a Cruz em nossa presença, devemos redarguir com destemor e bravura. Não como quem resguarda a própria honra, mas como quem responde pela honra infinitamente mais preciosa de Nosso Senhor Jesus Cristo e, em união com a d’Ele, a da Santíssima Virgem.

No alto das torres e das coroas

Paralelamente, essa honra do Homem-Deus é também reivindicada pela Igreja. E, por causa disto, os católicos tomaram a Cruz como sinal de distinção, como símbolo de tudo quanto há de mais sagrado e santo. E o colocá-la no alto de todas as coisas foi uma preocupação constante da Civilização Cristã. Vieram então as manifestações características dos tempos de Fé: a Cruz encimando as elevadas torres das igrejas e catedrais; a Cruz no topo das coroas de reis e imperadores, ou adornando os mais nobres galardões das famílias da primeira aristocracia, ou servindo de insígnia nas condecorações. E quando se queria significar a magna importância de um documento, iniciava-o com uma cruz. Enfim, em tudo quanto o homem concebia de supremo, estava a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, trazendo consigo a ideia de que, entre todas as maravilhas por Ele operadas neste mundo, o mais admirável e o mais adorável era o ter sofrido e morrido naquele instrumento de vergonha. Trazendo consigo, ainda, o revide a essa humilhação, um revide cavalheiresco e sobrenatural a exaltação da Santa Cruz!

A Cruz glorificada em nosso interior

Outro ensinamento há, porém, que encontramos na Cruz.

Nosso Senhor Jesus Cristo é o Redentor do gênero humano. Ele tinha de redimi-lo aceitando a morte. Por isto suportou a agonia no Horto das Oliveiras e os flagelos da Paixão, caminhou até o alto do Calvário e se deixou crucificar, a fim de cumprir a missão que O trouxe ao mundo.

A partir desse momento, a Cruz tornou-se a afirmação dos sofrimentos, dos tormentos e das dificuldades que o homem aceita para realizar os desígnios de Deus sobre ele na terra. Então enfrenta tudo, a exemplo de Nosso Senhor, para seguir a superior vontade divina. Tal é a lição que nos dá a Cruz: abraçar a dor, o sacrifício, o holocausto, num ato de fidelidade do homem à sua própria vocação.

Fidelidade esta que implica não só na luta de uma vida inteira para que a religião católica vença e a Cruz de Nosso Senhor seja elevada sobre todas as coisas, como também na vitória em nossos combates interiores. Com efeito, continuamente travamos uma batalha dentro de nossas almas, na qual se opõem virtudes e pecados. Este antagonismo redunda num atrito e numa fricção interna que, em determinados momentos, chega a ser pungente. Pois bem, esta luta, é preciso que a olhemos de frente, e que tenhamos sempre a iniciativa audaciosa de derrotar o pecado. Esta batalha é, de certo modo, a glorificação da Cruz de Nosso Senhor dentro de nós.

A verdadeira alegria está na Cruz

Essa consideração encerra um importante corolário.

Desde os primórdios do cristianismo, os homens se batizaram à sombra da Cruz, casaram-se sob a proteção dela, a colocaram no melhor lugar de seus lares, e, chegados ao derradeiro instante de suas vidas, morreram olhando para ela. Quer dizer, a Cruz tem marcado toda a existência do católico. É mais uma expressão da ideia

fundamental de que o cotidiano terreno foi feito para o sofrimento e para o heroísmo. E quem fala em heroísmo, fala em cruz.

A verdadeira alegria da vida não consiste em desfrutar prazeres grandes ou pequenos, em ter fartura no comer e no beber, nem qualquer outra espécie de conforto. A autêntica satisfação da vida é aquela sensação de limpeza de alma que se possui quando fitamos de frente a nossa cruz e dizemos “sim” a ela. Desse modo, agimos como Nosso Senhor Jesus Cristo que, sem esperar a chegada do sofrimento, previu-o e se dirigiu ao lugar onde haveria de encontrá-lo. Ele se entregou porque quis, e, com passo valoroso, carregou sua Cruz até o cimo da montanha onde seria imolado. Portanto, evitemos a ilusão das alegrias efêmeras, e muitas vezes falsas, que nos prometem as diversões mundanas, as vaidades e os êxitos temporais, porque não constituem a verdadeira essência de nossa existência. “Mititia est vita hominis super terram” a vida do homem é um constante combate, dizia o santo Jó . Como afirmamos, a essência da vida é uma luta dentro e fora de si, aceitando o sofrimento de frente e fazendo dele a sua alegria. Isto é verdadeiramente a exaltação da Cruz em nós.

E não há católico sincero que não seja um ardoroso amigo da Cruz. Que, confiante na misericordiosa assistência de Maria Santíssima, não compreenda e não fique feliz em saber que as dificuldades e penas ocupam parte saliente no seu peregrinar por esta terra de exílio. É conhecendo e aceitando essa condição de batalhador contra seus próprios defeitos, assim como contra a impiedade -, é unindo-se aos méritos infinitamente preciosos da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, que ele abrirá para si as portas da eterna bem-aventurança.

Imitemos Aquela que mais amou a Cruz

Tudo o que acabamos de considerar constitui o espírito de cruz, pelo qual se concebe crucificadamente todas as coisas, pelo qual batalhamos e vencemos, pois os grandes guerreiros da vida foram os que se revestiram desse espírito, desse amor à Cruz, dessa naturalidade no sofrimento, que caracteriza o genuíno filho da Santa Igreja e seguidor de Cristo.

Para adquirirmos esse espírito, nada melhor poderíamos fazer do que suplicá-lo a Nossa Senhora, pedir-Lhe que nos conceda o amor que Ela mesma teve à Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Podemos imaginar, sem ferir os ensinamentos da ortodoxia católica, que passados os tormentosos dias da Paixão, vividas as alegrias da Ressurreição e após a gloriosa partida de Jesus deste mundo duas grandes felicidades restaram a Nossa Senhora na terra: uma, a da presença de seu Divino Filho na Eucaristia; outra, a meditação da Cruz. Que pensamentos, que cogitações e preces fazia a Co-Redentora nas suas horas de solidão e recolhimento, recordando o patíbulo em que se imolou o Cordeiro de Deus?! Quanto Ela reverenciou aquela cruz! Quanto Ela a honrou! E que meditações sublimíssimas Ela fez aos pés do Madeiro, no próprio instante em que nele morria o Salvador! E a que alto grau, inimaginável, elevou-se n’Ela o espírito de sofrimento o espírito de cruz -, tornando-se para nós um luminoso exemplo de alma crucificada! Então, devemos pedir a Maria, em nome dessas meditações solitárias d’Ela diante da Cruz, nas quais talvez Ela tenha tido em vista a cada um de nós, esse mesmo espírito de cruz. Que nos incuta esse respeito, essa admiração e esse entusiasmo pelo verdadeiro sofrimento e, mais ainda, esse desejo heroico de sofrer, que é o característico do verdadeiro católico. Numa palavra, roguemos a Ela a graça dessa contínua exaltação da Santa Cruz em nós, para a exaltarmos continuamente fora de nós.

Errata: Por um problema técnico, no artigo de agosto desta seção faltaram as duas últimas linhas: “… segundo a promessa que fiz em Fátima o Meu Coração Imaculado triunfou!”

 

Plinio Corrêa de Oliveira

 

Zelo pela glória de Maria

O nome é o símbolo de uma realidade psicológica, moral, espiritual, contida na pessoa e, por causa disso, o nome de Nossa Senhora, como o santíssimo Nome de Jesus, deve ser considerado como a afirmação da glória e dos predicados interiores d’Ela.

 

A  Festa do Santíssimo Nome de Maria é uma especial manifestação de glória de Nossa Senhora. Não se trata apenas do nome de Maria, mas de algo que está por detrás do nome. Os antigos consideravam o nome como uma espécie de símbolo da pessoa, e durante bastante tempo se difundiu muito o uso das iniciais, que são uma espécie de símbolo do nome.

Simbolismo do nome

O nome é o símbolo de uma realidade psicológica, moral, espiritual, mais profunda contida na pessoa e, por causa disso, o nome de Nossa Senhora, como o santíssimo Nome de Jesus, deve ser considerado simbólico da virtude excelsa, da missão, enfim, de tudo aquilo que a Santíssima Virgem é verdadeiramente. O nome de Maria é a afirmação da glória e dos predicados interiores d’Ela.

Comemorando esse nome, festejamos a glória que Nossa Senhora teve, tem e terá no universo, e a glória que Ela possui no Céu. Quanto a esta glória não é preciso dizer nada; já está tudo dito: Ela é a Rainha de todos os Anjos e Santos, colocada incomensuravelmente acima de todas as criaturas, de maneira que, na ordem criada, Ela é o cone para o qual tudo converge, sendo nossa medianeira junto a Deus Nosso Senhor.

A glória que Ela com isso tem é simplesmente inexprimível; é uma decorrência de sua condição de Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Entretanto, na Terra também Nossa Senhora deve ser glorificada. O normal seria que a Virgem Maria fosse venerada na Terra e seu nome santíssimo glorificado de modo inexprimível.

Indignação por ver a Rainha não ser reconhecida no papel que Lhe compete

Imaginemos um mundo imbuído do espírito de São Luís Grignion de Montfort, uma Cristandade na qual os discípulos desse Santo fossem o sal da terra e dessem realmente o tom da piedade mariana; então compreenderemos como a glória de Nossa Senhora no mundo seria incomparavelmente maior do que é hoje.

Vemos Maria Santíssima tão glorificada pela Santa Igreja, e essa glória nos parece imensa, mas não é nada em comparação com a que Ela deveria ter no mundo, uma glorificação dentro do espírito de São Luís Grignion de Montfort.

Essa glória de Nossa Senhora nós a devemos amar ardentemente, porque é insuportável que Ela não receba toda a glória a que tem direito. É simplesmente a coisa mais odiosa, mais execrável que o vício, o crime, a Revolução, a maldade dos homens, o demônio, enfim, consigam diminuir a glória que a Santíssima Virgem deva receber dos homens.

Em relação à glória de Nossa Senhora nós deveríamos ser zelosos como filhos na casa de sua mãe. Imaginem se um de nós poderia sentir-se bem, quando vê recusarem a ela as atenções que lhe são devidas. Como podemos estar contentes na Terra, sujeita ao reinado de Maria Santíssima, vendo serem recusadas as honras e as atenções a que Ela tem direito?

Isto deve ser para nós uma ocasião contínua de pesar. Muito mais do que pesar, de indignação enorme por ver a Rainha não ser reconhecida por todos no papel que Lhe compete.

Peçamos a Nossa Senhora, tão injuriada pelos homens em nossos dias, que aceite o nosso desagravo por tantas ofensas que Ela está continuamente recebendo! E que Ela disponha nossas almas para uma reparação completa.

Necessidade de uma reparação digna

Nós devemos juntar a isso uma outra consideração. Precisaríamos pensar como a nossa reparação deveria ser, e fazer um exame de consciência perguntando-nos se a nossa reparação estará à altura. E, portanto, se não precisaríamos também oferecer uma reparação pela deficiência de nossa reparação. Porque não podemos, sem maior cerimônia, rogar a Nossa Senhora perdão pelo que fizeram os outros, sem pedir perdão pelo que fazemos nós também. Seria como se nos aproximássemos do trono d’Ela sem culpa, como se fôssemos ilibados e os outros carregados de culpa. Não posso me aproximar do trono d’Ela sem lembrar do que eu faço. E, portanto, pedir a Ela que também aceite uma reparação pela chocha reparação de seus pobres reparadores.

Como seria uma noção plena de tudo quanto Ela é? Não é apenas uma noção teórica, mas prática, viva, concreta, que se deve ter. E, depois, nos perguntarmos se durante todas as horas do dia, em todas as ocasiões – quando estamos trabalhando, vendo uma revista, lendo um livro, ou fazendo qualquer outra coisa –, o zelo pela glória de Deus e de Nossa Senhora verdadeiramente nos devora. Ou se há ocasiões em que somos fracos, chochos, e nossos interesses pessoais, nossas questões de amor-próprio, nossos problemas de mil suscetibilidades e de coisas desse gênero, interferem e empanam o zelo que nós devemos ter pela glória de Maria Santíssima.

Porque se esses problemas interferem e empanam, e se pensamos demais em nós e pouco n’Ela, nossa reparação não será tão plena como deveria ser.

Então, aqui aparece mais uma vez a oportunidade de recorrermos aos nossos Anjos da Guarda e aos nossos Santos protetores, pedindo que eles se unam a nós para dar à nossa reparação um valor que, de si, ela não tem, para que nossa reparação seja adequada, reta e que, de fato, satisfaça a todos nós.

Sugiro, portanto, que rezemos para sermos perfeitos reparadores. Levando essas disposições ao altar de Nossa Senhora, tenho a maior esperança de que isto tenha como consequência que Ela nos dispense abundantes graças, e que o sorriso d’Ela receberá, se não a nossa reparação, pelo menos a nossa humildade, a qual nós podemos e devemos levar aos pés d’Ela.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 12/9/1964)

Mãe de Deus e nossa

A devoção à Santíssima Virgem foi, durante toda a vida de Dr. Plinio, a estrela que o guiou em meio a inúmeras “procelas”. Acompanhemos alguns comentários que deixam transparecer o que sempre transbordou de seu coração: a confiança em Nossa Senhora.

 

Devemos tomar em consideração que a “batalha” a ser enfrentada por cada homem no decorrer de sua vida, é verdadeiramente uma dura batalha. Mas essa batalha pode ser ganha por uma razão fundamental: é que ninguém luta a sós.

O que significa não lutar a sós?

A necessidade de uma ajuda sobrenatural

Temos em nosso auxílio uma proteção sobrenatural, sobre-humana, que é a proteção de Nossa Senhora.

A Ela foi dado conhecer a alma de cada homem de uma forma que ninguém jamais conheceu. A Santíssima Virgem vê até o mais íntimo da alma de cada um de nós, com tal amor, bondade e desejo de ajudar, que isso A levou a consentir nos padecimentos pelos quais seu Divino Filho passou.

Como Nosso Senhor era filho de Nossa Senhora e do Divino Espírito Santo, o Padre Eterno pediu o consentimento d’Ela para a consumação da Paixão de seu Divino Filho. O Padre Eterno não quis fazer algo sem atender ao consentimento d’Ela.

A pergunta feita por Ele a Nossa Senhora possivelmente foi a seguinte:

“Esse Filho, a quem quereis tanto e que é o Filho do próprio Espírito Santo, vai ser morto para a salvação de todo o gênero humano. Vós quereis entregá-Lo para a salvação da humanidade? Se quiserdes, Ele sofrerá como nunca ninguém antes, nem depois d’Ele, terá jamais sofrido. Uma enormidade de tormentos e de aflições se abaterá sobre Ele. Mas se Vós quiserdes, Ele não passará por essas dores, mas os homens não se salvarão e irão para o Inferno. Quereis?”

E Ela respondeu: “Quero!”

Respondeu tendo em vista cada homem, seus pecados e ingratidões.

Para que fôssemos limpos de nossos pecados e resgatados da culpa original, o Filho d’Ela padeceu enormes  tormentos, também para que tivéssemos a força necessária para nossa “batalha” no decorrer da vida.

Sempre que pedirmos a proteção d’Ela, obteremos

Nunca nos faltarão as forças, pois sempre que peçamos a proteção d’Ela, obteremos.

É preciso pedir, pois é insuficiente cobrar a Deus: “Vós prometestes que a tentação nunca seria maior do que as forças para combatê-la, porém agora eu não tenho forças”. A resposta de Deus será: “Esforce-se apenas um pouco que o resto virá”.

Além de esforçar-se é preciso pedir forças a Nossa Senhora.

Portanto, é preciso ter em relação a Ela uma devoção comparável à de São Luís Grignion de Montfort, compreendendo que Ela é medianeira de todas as graças, e todos os pedidos feitos ao Padre Eterno Lhe são agradáveis quando feitos por meio da Santíssima Virgem.

Quando Deus atende a um pedido feito por qualquer homem, Ele o faz através de Nossa Senhora, porque o pedido foi endossado e feito por Ela. Esta é a causa pela qual somos atendidos.

Há uma oração lindíssima — a qual recomendo rezarem — que recorda o desvelo e a mediação de Nossa Senhora para com todos os homens: é o Memorare (Lembrai-vos).

A lindíssima oração do Memorare

“Lembrai-Vos, ó piíssima Virgem Maria…”

Cada palavra tem sua aplicação. O que quer dizer, “piíssima”? Piedosa, tem como superlativo piedosíssima. Mas resume-se dizendo “piíssima”. “Piedosa”, neste caso, não quer dizer rezar muito, mas sim, ter largamente piedade e compaixão dos outros. Poder-se-ia dizer: “Lembrai-Vos, ó compassivíssima Virgem Maria”, que tem muita compaixão, que perdoa muito.

“…que nunca se ouviu dizer…”

A oração começa por essa afirmação, “nunca se ouviu dizer”, ou seja, em nenhum tempo ou lugar, em toda a Terra, alguém, tendo pedido alguma coisa a Ela, foi desamparado.

“…que tendo alguém recorrido à vossa proteção, implorado a vossa assistência, reclamado o vosso socorro, fosse por Vós desamparado…”

Ou seja, “quem, pedindo vossa proteção, implorando que Vós o acompanheis, que olheis para ele, que o sigais, Vós sempre atendeis. Lembrai-Vos disso no meu caso, para que não seja eu a primeira exceção na história de vossa glória.” É uma linda proclamação. Em nenhuma época do mundo a Virgem Maria deixou de atender àqueles que pedem a Ela, em nenhum caso, em nenhuma circunstância.

Se alguém tem a infelicidade de pecar, ou de possuir um vício, ou uma atitude moral — ou imoral — que se repete, não há problema: basta rezar e pedir, porque Nossa Senhora acabará tendo pena.

“Animado eu, pois, com tal confiança, a Vós, ó Virgem entre todas singular…”

Quer dizer: “Vós sois mais Virgem do que todas as virgens, sois a Santa Virgem das virgens”. Pois Ela está para as virgens como as virgens estão para as que não são virgens. Nenhuma virgem do mundo teve a virgindade d’Aquela que foi virgem, antes, durante e depois do parto.

Como pôde Nosso Senhor ter nascido sem violar a virgindade de sua Mãe?

É um mistério que a Onipotência de Deus pode fazer facilmente.

“…como a Mãe recorro e de Vós me valho…”

É como dizer: “Eu me dirijo a Vós como a minha mãe”.

Há algo emocionante, que não raras vezes se dá: os feridos no campo de batalha durante uma guerra padecem, muitas vezes, durante horas e horas, com dores, sangrando, sentindo fome, sede e cansaço. Ficam abandonados. Naturalmente, nesse apuro eles gritam. A maior parte dos gritos é pela mãe! São homens às vezes que perderam a mãe quando eram pequeninos, porém, na hora da morte, é pela mãe que eles bradam.

Ninguém é capaz de amar tanto a alguém, quanto uma boa mãe ama o seu filho.

Mesmo sendo o último dos homens, não há problema, pois Nossa Senhora é a mais alta e a mais excelsa de todas as mães. A compaixão d’Ela vale mais do que os castigos merecidos por nossos pecados. Se nossos pecados são um abismo, a compaixão de Nossa Senhora é uma montanha muito maior do que esse abismo.

“…e gemendo sob o peso dos meus pecados, me prostro aos vossos pés…”

O Memorare é, por definição, a oração de um pecador. Por isso a oração termina dizendo: “…gemendo sob o peso de meus pecados me prostro aos vossos pés”. É um pecador que está gemendo sob o peso de seus pecados, mas posto aos pés da Virgem Santíssima. Portanto, se temos a desgraça de estar em pecado, não deixemos de rezar essa oração com confiança, porque é a oração do pecador: “E gemendo sob o peso dos meus pecados me prostro aos vossos pés”.

“Não desprezeis as minhas súplicas, ó Mãe do Verbo de Deus humanado…”

O coração da mãe está sempre aberto para perdoar e afagar o filho.

“Minha Mãe — Vós sois a Mãe de Jesus Cristo, o Verbo que se fez homem, mas a minha também —, não desprezeis as minhas súplicas. Elas bem podem ser desprezadas, pois são súplicas, por si mesmas, inválidas. Porém, não as desprezeis, porque sou vosso filho e um filho pode pedir isso a sua mãe.”

“…mas dignai-Vos de as ouvir propícia…”

Tem-se a impressão de que Nossa Senhora vai se inclinar bondosamente e ouvir a oração.

“…e alcançar o que Vos rogo. Assim seja.”

O que se está pedindo? Pode ser a emenda de um defeito, de um vício, a aquisição de uma virtude. Tomando em consideração tudo quanto a Igreja ensina sobre Nossa Senhora, temos todos os motivos para crer que Ela vai obter o que rogamos. Devemos pedir tudo à Santíssima Virgem com muito empenho e ardor, mas, sobretudo algo que sobremaneira A agrada: a graça de sermos bons.

O que Ela quer de nós é que estejamos na graça de Deus e cheguemos ao Céu.  Pedir forças para nossa salvação é pedir aquilo que as santas mãos de Maria estão transbordando para nos conceder.

Nossa Senhora é a Onipotência Suplicante

Pelo que foi dito sobre Nossa Senhora, conclui-se que a devoção a Ela é de suma importância. Se Deus é tão perfeito, tão supremo, e nós, homens, tão insignificantes, caso não houvesse uma ligação entre Deus e os homens — que é Nossa Senhora — Ele não nos ouviria. A Justiça, a Pureza, a Santidade d’Ele, postas em contato com as misérias humanas, Lhe causariam horror.

Mas Ele mesmo, com suma bondade, criou vínculos que nos atariam a Ele. Encarnando-se no claustro virginal de Maria Santíssima, Ele se fez homem. Sendo Nossa Senhora Mãe espiritual de todos os homens, pedindo a Ele por nós, Ela assemelha-se a uma mãe que pede a um irmão, em benefício do outro. O irmão não pode resistir. Desta forma, Nossa Senhora é chamada pelos teólogos: “Onipotência suplicante”.

Ela suplica. Porém, sendo sua oração sempre atendida, ao mesmo tempo em que suplica, é onipotente.

É notório que ela atende ao que pedimos. Desta forma, nós, que não mereceríamos ser ouvidos por Deus em nossos pedidos, por causa d’Ela acabamos por merecer.

Mãe de compaixão sem limites

Torna-se muito clara a doutrina acima exposta, tomando em consideração, por exemplo, uma mãe que tenha dois filhos: um filho juiz e um criminoso. Se coubesse ao filho juiz julgar o que é criminoso, a boa mãe certamente se dirigiria ao juiz e diria: “Meu filho, sei que tu és juiz e a ti cabe aplicar a justiça. Os defeitos deste teu irmão são tais que merecem a pena de morte. Entretanto, em justiça — tu, juiz, me deves a vida — poupai a vida deste meu filho que merece a morte, por pedido daquela que te deu a vida”.

A maior das prerrogativas de Nossa Senhora é ser Mãe de Deus. Tudo aquilo que um filho possa dar à sua mãe, Deus deu a Ela.

O valor da súplica de Nossa Senhora é tão grande que os teólogos afirmam: todas as orações de todas as criaturas devem passar por Nossa Senhora, caso contrário, não chegam a Deus. De modo que — dizem eles — se todos os anjos e santos do Céu pedissem algo a Deus sem ser por intermédio d’Ela, não seriam atendidos. Entretanto Nossa Senhora, pedindo sozinha, é atendida.

Essa é a Mãe de uma doçura sem nome e uma compaixão sem limites. Uma mãe que tem tanta pena de seus filhos que, na hora de um filho ruim ser julgado, obtém para ele a salvação.

Aos pés da cruz, intercedendo pelo bom ladrão

É célebre a tocante passagem do Evangelho na qual Nosso Senhor crucificado está entre dois ladrões. Estes últimos conversavam entre si, e o mau ladrão blasfemava contra Nosso Senhor.

O bom ladrão replicou: “Nós merecemos o castigo que estamos sofrendo e por isso vamos morrer. Mas Este é um justo e não merece tal suplício. Por isso, não fales mal d’Ele”.

Pediu a Deus perdão pelos pecados que cometeu.

Jesus disse a ele: “Tu, hoje, comigo estarás no Paraíso”.

Foi a primeira canonização da História! “Hodie mecum eris in Paradiso”.

Nossa Senhora estava aos pés da cruz. Certamente Ela estava rezando pelos ladrões. Nosso Senhor, do alto da cruz, recebeu essa oração e deu graças extraordinárias a ambos. Um deles, por ser ruim as rejeitou; o outro, porém, correspondeu a elas e pediu perdão. A graça da conversão que o bom ladrão recebeu foi tão abundante que Nosso Senhor, ao descer para o limbo a fim de levar para o Céu as almas dos justos que lá se encontravam, levou também a alma dele.

Eu julgo que, se não fosse a oração de Nossa Senhora, nada teria acontecido.

Assim é possível compreender a importância da devoção a Nossa Senhora. Tal devoção é leve, cheia de esperança, de perdão e de afeto materno; constitui a alegria de nossas almas. Sem a devoção a Nossa Senhora, nossa vida de católico seria soturna.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 21/9/1991 e 3/3/1992)

 

Natividade de Maria: aurora de esperança para as almas

Alegrias e sofrimentos sucedem-se na existência humana. E se as primeiras são sempre bem-vindas, estes últimos raramente são aceitos ou mesmo compreendidos. Afinal, quem não estremece diante da dor?

As duas festas marianas celebradas no mês de setembro, a Natividade da Virgem Maria e Nossa Senhora das Dores, entremeadas pela Exaltação da Santa Cruz, nos trazem preciosa lição a respeito.

A Igreja, Mestra infalível da verdade, ao nos propor a celebração da Santa Cruz, enaltece sua beleza e importância, sem negar as dores que a acompanham. “Pai, tudo é possível para Ti. Afasta de mim este cálice! Mas seja feito não o que Eu quero, porém o que Tu queres”(1)., foi a exclamação de angústia do Homem-Deus ao suar sangue na perspectiva de tudo o que sofreria.

Esta pungente oração, repleta de filial submissão, fora precedida por outra, introduzida por estas palavras: “Pai, chegou a hora. Glorifica o teu Filho, para que teu Filho Te glorifique…”(2)

O próprio Verbo encarnado, que após a última Ceia proclamara assim a certeza de que sua Paixão e Cruz manifestariam sua própria glória e a do Pai, sentiu pavor e angústia(3) ao considerar a enormidade dos padecimentos físicos e morais pelos quais deveria passar.

Se a perfeitíssima natureza humana do Homem-Deus, de tal maneira convicta da necessidade de seu sacrifício, tremeu diante da dor, o que dizer da nossa, tão frágil e insegura?

Sem dúvida, necessitamos, ainda mais do que o Redentor, de alguém que nos dê forças para levar com ufania a cruz que a Providência nos destinou. E esse alento podemos encontrar na filial meditação da Natividade de Maria feita por Dr. Plinio: “Quantas vezes a alma deste ou daquele está em luta, com problemas, contorcendo e revolvendo dificuldades! A pobre alma nem se dá ideia de quando virá o dia bendito em que uma grande graça, um grande favor vai acabar com seus tormentos, com suas lutas e, afinal de contas, proporcionar-lhe um grande progresso na vida espiritual.

“Há aqui o nascimento — a natividade, num sentido especial da palavra —, irrupções de Nossa Senhora em nossas almas. E na noite das maiores incertezas, das maiores trevas, de repente, Maria Santíssima aparece e começa a quebrar as dificuldades com que nós nos defrontamos. Ela desponta como uma aurora a representar algo de novo em nossa vida espiritual.

“Isso nos deve dar muita alegria e muita esperança, com a certeza de que a Santíssima Virgem nunca nos abandona. E nas ocasiões mais difíceis Ela nos visita, sua presença como que irrompe entre nós, resolve todos os nossos problemas, cura nossas dores, dá-nos a combatividade e a coragem necessárias para cumprir nosso dever até o fim, por mais árduo que seja, e arma nosso braço na luta contra o adversário.”(4)

Plinio Corrêa de Oliveira

1) Mc 14, 36.
2) Jo 17, 1.
3) Mc 14, 33.
4) Conferência de 8/9/1963.

Uma santa imperatriz virgem abala duas heresias

Dr. Plinio dava grande importância à sociedade temporal, a qual deve secundar a obra da Igreja. Santa Pulquéria, sendo Imperatriz do Império Romano do Oriente, ocupou o mais alto cargo na esfera temporal e contribuiu possantemente para o esmagamento das heresias de Nestório e de Eutiques.

 

A  respeito da Imperatriz Santa Pulquéria, virgem, temos alguns dados biográficos extraídos de diferentes fontes(1).

Um dos mais belos episódios da História

Ao lado de São Cirilo de Alexandria em sua luta contra Nestório, no triunfo da Mulher sobre o antigo inimigo, aparece-nos a admirável figura de uma mulher, de uma santa que foi, durante quarenta anos, o terror do inferno, e por duas vezes, em nome da Rainha do Céu, esmagou a cabeça da serpente odiosa.

Num século de ruínas, encarregada aos quinze anos da direção do Império, Pulquéria deteve por sua prudência, por sua energia, as convulsões internas, enquanto que, ­pela única força dos Salmos divinos — que ela entoava com ­suas irmãs, virgens como ela —, continha os bárbaros.

Vejam que coisa linda! Bizâncio, capital deslumbrante, amável, com as suas suntuosas igrejas, seus palácios, seus estádios, suas escolas, seu luxo! Ali se encontrava instalada uma imperatriz que canta os Salmos com suas irmãs virgens e, por essa forma, rechaça os bárbaros que invadiam o Império, e protege aquele reduto da Cristandade contra toda deterioração.

Este coro da Imperatriz com suas irmãs virgens, cantando Salmos para a proteção do Império, é um dos mais bonitos episódios que a História possa ter apresentado à consideração humana.

Grande devota de Nossa Senhora

Enquanto o Ocidente agitava-se nas convulsões da última agonia, o Oriente encontrava no gênio da sua Imperatriz a prosperidade dos mais belos dias.

Vendo a neta do grande Teodósio consagrar suas riquezas privadas para multiplicar, nos seus muros, as igrejas dedicadas à Mãe de Deus, Bizâncio aprendia com ela o culto a Maria, que devia ser a sua salvaguarda em tantos dias maus. E valeria do Senhor, Filho de Maria, mil anos de misericórdia e de compreensível paciência.

Com efeito, o Império Romano do Ocidente estava caindo, devido aos bárbaros que o invadiam. Mas, nos quarenta anos de governo de Santa Pulquéria, aquela torrente de bárbaros, por razões que os historiadores nem chegam a afirmar inteiramente, não desceram até Bizâncio, cidade que era tão ou mais rica do que Milão, ou Ravena, ou Roma, então meias capitais do Império Romano do Ocidente.

Santa Pulquéria foi saudada pelos Concílios gerais como a guardiã da Fé e o sustentáculo da unidade.

Segundo São Leão, a parte principal em tudo que neste tempo se fez contra os adversários da Verdade Divina, foi Santa Pulquéria. Diz esse grande Papa que duas palmas estão em suas mãos, duas coroas sobre sua cabeça, porque a Igreja lhe deve a dupla vitória sobre a impiedade de Nestório e de Eutiques, que, embora divididos no ataque, visavam o mesmo fim: a negação da Encarnação e do papel da Virgem Mãe na salvação do gênero humano.

Num século cheio de santos, ela abalou duas heresias e foi considerada o principal fator para esmagá-las, apresentando, portanto, alguns aspectos por onde nos faz lembrar Nossa Senhora que, sozinha, esmagou as heresias em todo o mundo.

Grande devota da Mãe de Deus, Santa Pulquéria construiu numerosas igrejas dedicadas a Ela, em Bizâncio, o que fez retardar especialmente a queda do Império, porque a devoção a Maria Santíssima é o meio para perpetuar a vida e evitar qualquer espécie de morte.

Elogiada pelo Papa São Leão Magno

“É a vós que se deve a supressão dos escândalos suscitados pelo espírito do mal. Graças ao vosso esforço toda a Terra está presentemente unida na mesma confissão de Fé.” Foi com essas palavras que o Papa São Leão prestou homenagem à Imperatriz Pulquéria, digna neta de Teodósio, o Grande.

Tinha ela sido batizada por São João Crisóstomo em Constantinopla e, muito nova ainda, fizera voto de virgindade juntamente com duas irmãs menores.

Quando morreu Acab, seu pai, foi proclamada Augusta tendo apenas quinze anos, e passou a governar sob tutela de Teodósio II, dois anos mais novo do que ela.

Em 414 assumiu todas as responsabilidades do governo, raras vezes vendo-se tanta prudência aliada à tamanha precocidade.

Quando Teodósio II chegou aos vinte anos, Pulquéria concorreu para que ele desposasse Atenaís, filha de um filósofo pagão de Atenas. Batizada com o nome de Eudócia, esta princesa acabou por perseguir a cunhada porque exercia influência sobre Teodósio, obrigando-a que se retirasse da Corte.

Pulquéria manteve-se afastada durante três anos até que, em 450, São Leão pediu-lhe encarecidamente que viesse em auxílio da ortodoxia ameaçada.

Condenado pelo Concílio de Éfeso, em 431, o Patriarca Eutiques tinha, por fim, caído nas boas graças do Imperador, e a heresia triunfava, então, com a sua pessoa na sede de Constantinopla.

Bastou que Pulquéria aparecesse na Corte para acabar com tais abusos, e conseguir que o Concílio de Calcedônia condenasse o eutiqueísmo e seus adeptos.

Entretanto, deu-se a morte de Teodósio e o afastamento de Eudócia, o que tornou Pulquéria senhora absoluta do Império, nessa altura ameaçado por Átila.

A fim de estabilizar sua autoridade, Pulquéria decidiu casar-se com o General Marciano, oito anos mais novo do que ela. Marciano respeitou seu voto de virgindade, perseguiu os partidários de Nestório e de Eutiques, e obrigou Átila a afastar-se das fronteiras.

Santa Pulquéria faleceu em 453.

Santos ocupavam o mais alto cargo no campo espiritual e no campo temporal

Sem dúvida, é uma lindíssima vida, toda cheia de ensinamentos e observações que se prestam a mais alguns comentários.

Em primeiro lugar, o papel importantíssimo que tem para os costumes e para a Religião o fato de que as pessoas altamente colocadas deem um bom exemplo, e que os detentores do poder público atuem de maneira a impor a Religião e os bons costumes. Esse elogio feito pelo Papa São Leão é decisivo a esse respeito.

“É a vós que se deve a supressão dos escândalos suscitados pelo espírito do mal. Graças ao vosso espírito, toda a Terra está presentemente unida na mesma confissão de Fé.”

Uma determinada mulher consagrada a Deus subiu ao trono imperial, deteve as rédeas do governo e um cargo que dava uma influência sobre os costumes de todo o Império, e soube utilizar-se bem desses meios que a Providência colocou em suas mãos. Por causa disso a Igreja, tendo no momento um Papa santo e, portanto, capaz das maiores coisas em beneficio dela, proclamou, pela boca do Pontífice, todo esse imenso beneficio que a Santa Pulquéria se deveu.

É verdade que a Religião precisa ser servida, antes de tudo, por sacerdotes, por Papas santos, mas um Pontífice santo reconhece que não basta isso; é necessário haver nos postos importantes da vida civil gente que ame a Igreja com todo o coração, com a preocupação única de servi-la e mais nada. A prova disso encontra-se neste fato: no mais alto cargo espiritual da Terra havia um Papa santo, mas a Providência não teria feito todo o bem que fez se não tivesse existido também uma santa no mais alto cargo temporal.

Isso mostra como os fiéis, sob a inspiração e orientação do bom clero, têm um papel próprio e importantíssimo na obra de estruturação da Civilização Cristã.

De outro lado, vemos como Santa Pulquéria, durante sua vida inteira, só cogitou do serviço de Deus.

Parece que nesta vida tão admirável houve um fato desconcertante: por que razão Santa Pulquéria quis que Teo­dósio II desposasse Ate­naís, filha de um filósofo pagão de Atenas? Essa narração ­será verdadeira? Em rigor, não é impossível que houvesse uma razão justa para isso. O fato concreto é que o heresiarca Eutiques obteve várias vitórias por causa disso.

E mais uma vez se vê o mesmo princípio: sai do poder uma imperatriz boa, entra outra má, tudo se arruína; de tal maneira os cargos da sociedade temporal são importantes para a realização da obra de Nosso Senhor Jesus Cristo.

É interessante notar o que se conta nessa ficha a respeito de Átila. Quando ele veio da Hungria para invadir o Império Romano do Ocidente, não se dirigiu imediatamente a este, mas desceu e ameaçou o Império do Oriente. Ali ele foi derrotado, e só então se dirigiu para o Império do Ocidente, onde produziu devastações tremendas que deixaram esse Império todo abalado, combalido, para cair debaixo de outros choques que não tardariam a vir.

Eis o efeito da presença de uma imperatriz santa servindo de “para-raios” e afastando inimigos terríveis, de maneira que o Império do Oriente veio a cair mil anos depois da queda do Império do Ocidente.

Devemos pedir a Santa Pulquéria que obtenha para nós a graça de compreendermos e fazermos compreender essas verdades, e de exercermos a nossa tarefa na sociedade temporal com ardor renovado, porque entendemos bem como isso está dentro dos planos da Providência.

(Extraído de conferências de 10/9/1965 e 10/9/1966)

 

1) Não dispomos dos dados bibliográficos das obras citadas por Dr. Plinio nesta conferência.

O brilho de Luís XIV

Embora tenha proporcionado à França esplendor e elegância, Luís XIV introduziu no país a frivolidade e a leviandade, as quais se desenvolveram no tempo de Luís XV e passaram a ser quase tóxicos, que prepararam a Revolução Francesa. O único modo de consertar isso era abrir-se à influência do Sagrado Coração de Jesus, que teria posto a Europa nos seus trilhos, evitado a Revolução e dado início a uma Contra-Revolução admirável.,

 

Quem lê a vida de Santa Margarida Maria Alacoque fica com a impressão de que o relacionamento do Sagrado Coração de Jesus com Luís XIV não foi publicado por inteiro. Mas o Sagrado Coração de Jesus fez uma tentativa comovedora de converter o Rei da França. O que teria acontecido se ele se tivesse aberto à graça, convertido inteiramente e ficado um santo?

A grandeza de São Luís IX e a de Luís XIV

Luís XIV já estava com Versailles construída, a corte montada, a etiqueta feita e com o aparato resplandecente dentro do mundo: ele era o “Rei-Sol”! O que teria acontecido com esse “sol” se ele se abrisse para um outro “Sol” maior, que eram os dardos de amor do Sagrado Coração de Jesus na alma dele? Com essa grandeza, o que teria acontecido?

O que há em Luís XIV diferente de São Luís é o seguinte: São Luís tinha uma verdadeira grandeza no seu aspecto físico — não era dos homens mais altos do seu tempo, mas um varão de alta estatura segundo os padrões de sua época; além disso, muito bem apresentado, possuía um caráter quase de herói mítico. Ele poderia ser quase uma figura wagneriana como apresentação física, sem ser propriamente um Tarzan. Mas era um homem com aquela força francesa, que é elástica, destra, não esmaga, mas ágil e sabe ferir.

De outro lado, São Luís continuamente foi acrescentando alguma coisa à grandeza dos seus antepassados, de maneira que talvez tenha sido, como manifestação de esplendor, em relação aos predecessores, aquele que possuiu mais esplendor. Não digo dos sucessores, nem de todos os anteriores.

Há uma coisa que contrasta com Luís XIV e chama a atenção. São Luís era grande por uma espécie de naturalidade; sua grandeza era um fato, como pode ser num outro a saúde. Não havia uma programação de ser tão grande quanto possível em todas as direções, mas o desejo de ser inteiramente o que é, com autenticidade, e com o propósito marcado de deixar ver aquilo que ele é.

Em São Luís não existia nada daquilo de esticado que há em Luís XIV, o qual dá a impressão de que está continuamente levando ao auge a manifestação da sua grandeza, o que é, a meu ver, um lado desagradável da grandeza do “Rei-Sol”.

Outra coisa desagradável é procurar aliar uma espécie de boa apresentação natural, de maneira a fazer admirar-se a si próprio, como homem muito bem apessoado. Consideração esta que parece ter sido inteiramente alheia a São Luís, o qual não procurava enfeitar-se, fazer-se bonito, mas sim adornar-se como um rei deve se apresentar.

Se fica mais bonito uma coroa em que a base é mais alta ou menos alta; e se tal cor de tal pedra preciosa para pôr na coroa vai bem com a cor dos olhos, etc., são considerações que eu acho que não passaram pela mente de São Luís. Com Luís XIV não garanto nada! Ele pode ter feito combinações nem sei de que gênero! Cor da peruca para combinar com a pele, etc.

Moedas guardadas como medalhas

E, coisa desagradável, vê-se em Luís XIV a fruição que ele tem da sua própria grandeza, sem nenhum medo de se deixar inebriar por ela. Não se percebe ascese nesse rei. Ele bebia o líquido delicioso da própria grandeza a largos haustos, sem preocupação.

E em São Luís se nota a ascese procurada, o medo humilde da fraqueza humana que busca se embriagar com a glória, o evitar aparecer. Isso fazia com que ele sempre pudesse ornar-se e manifestar um tanto mais a grandeza que possuía, mas nunca se inebriava com a delícia do papel que estava realizando. Pavão fazendo roda ele não era. Em Luís XIV existe muito do pavão fazendo roda.

Creio que em São Luís a santidade dava um quilate à grandeza dele que a de Luís XIV não tinha. E que era exatamente uma espécie de sacralidade maior do que todos os tufos, perucas, plumas e enfeites de Luís XIV. E que tudo muito bem considerado fazia de São Luís, no fundo, um rei superior. Mas é por uma maior participação de Deus.

Há um fato tocante: das antigas moedas francesas, as que têm menos valor na Europa são as do tempo de São Luís IX. Porque o povo as guardava como medalhas e, assim, tornaram-se muito comuns. Isso corresponde a um verdadeiro plebiscito.

Pode-se imaginar a quantidade de moedas que Luís XIV deve ter mandado cunhar com sua efígie. Pois bem, foram fundidas. E as de São Luís guardadas como medalhas pelo camponês pobre que às vezes passava necessidade, não comprava um remédio ou um pão, mas conservava a moeda do Rei santo consigo. Existe aí uma coisa qualquer que não sei exprimir bem, mas que toca o coração: “hic taceat omnis língua!”(1)

Qual é a primeira nação da Europa?

Não obstante, em defesa de Luís XIV poderíamos considerar o seguinte.

As comunicações entre os povos europeus foram se tornando cada vez mais fáceis e frequentes, à medida que o banditismo — legado ainda dos bárbaros que se estendeu mais ou menos até o fim da Idade Média — ia se tornando mais raro nas estradas.

Com a diminuição dos riscos, aumentou muito a circulação de pessoas entre os países e, consequentemente, foi-se aprimorando o sistema de hotéis, dando origem a algo à maneira de turismo.

O intercâmbio das nações tornou-se mais frequente, trazendo consigo a comparação e a pergunta pontiaguda: Qual é a primeira nação da Europa?

Naturalmente estabeleceu-se entre os países uma rivalidade cuja noção o homem pragmático de hoje não tem mais, e que era a seguinte: cada um afirmava a superioridade de um determinado padrão humano, de uma determinada luz de alma, de uma forma de cultura. Houve uma espécie de luta para tomar uma forma de influência, e fazer prevalecer no mundo aquele tipo de perfeições divinas.

De maneira que não era tanto a procura da primazia financeira ou militar, mas a de um certo tipo de alma, que se pareceria com uma luta dos Anjos na presença de Deus.

A Alemanha, nessa época, já possuía uma grandeza militar vista como um traço de alma; não era a supremacia militar, mas a do espírito militar, como uma das componentes do espírito europeu.

Essa luta chegou ao seu auge no tempo em que Luís XIV foi rei. E ele teve o desejo imenso de fazer vencer o charme, a elegância, a glória, a língua e o esplendor franceses.

A cada rei competia tomar parte nessa porfia e levar a grandeza de seu povo ao máximo. A Luís XIV cabia, portanto, a missão providencial de levar o esplendor da França a esse auge. Isso é uma coisa que não se pode discutir.

Então, sentindo-se ele um homem pessoalmente muito dotado, tinha a obrigação de pôr esses dotes a serviço desse papel. Ora, tratando-se de uma porfia, e não de um simples resplandecer — com São Luís IX era um resplandecer, não uma porfia —, compreende-se algo de esticado que havia na obra de Luís XIV.

Ademais, uma porfia muito dura, com rivais difíceis de vencer. Por onde se vê que Luís XIV deitou o corpo numa coisa que tinha um sentido. Ele batalhou pela difusão da cultura francesa, como um rei guerreiro lutaria pela expansão dos exércitos franceses. Quer dizer, ele foi na difusão da cultura o que Napoleão da legenda teria sido na expansão do Império francês sobre o resto da Europa.

Assim, naquilo que apreciei com severidade não desaparece a censura, porque se vê que essa missão ele a exerceu sem virtude; mas se percebe também que se ele tivesse tido virtude, seria de um tom diferente de São Luís.

Em meio ao esplendor e à elegância…

Há um ponto onde se nota particularmente a falta de virtude de Luís XIV. Com o favorecimento das estradas, o cosmopolitismo começava a nascer. E com o cosmopolitismo, a procura de um padrão universal válido igualmente para todos os povos. Vê-se que Luís XIV não teve virtude para compreender que uma Rússia e um Pedro, o Grande, deveriam continuar a ser o que eram, e se aperfeiçoarem naquela linha.

Na sua expansão, o “Rei-Sol” insinuava que aquilo era um padrão universal que todos deviam imitar. Ele considerava que o ser imitado por todos era o auge dessa porfia. Ora, tal porfia não precisava ter esse auge, mas que todos se inspirassem ali para melhorar características próprias, conservando os regionalismos. E Luís XIV quis acabar com os regionalismos nacionais e de fato os eliminou.

Não obstante, no sentido cultural Luís XIV encheu a França da luz dele, e transformou toda a vida meio burguesona da França, de maneira a todo o país ficar luzidio de uma certa luz de Versailles.

Uma coisa característica: no reinado dos Valois havia em Paris o Louvre, com aquela corte muito bonita, mas fora dela uma cidade completamente comum, uma maçaroca de casas com uma ou outra igreja bonita. Não tinha o esplendor de vida que Luís XIV lhe deu, que inspirou nos franceses o desejo de cada um adornar a sua existência com uma beleza, uma distinção, proporcionada a seus meios, fazendo com que a França inteira ficasse uma nação luzidia, solar, que ela não era anteriormente.

As vistas panorâmicas desenhadas de Paris, do tempo dos Valois, representam um casario com muitos restos do pitoresco medieval, mas, de si, era uma montoeira de burgueses. Os nobres moravam em casas um pouco acasteladas, mas feias, sem brilho. Levavam uma vida mais rica do que o plebeu, mas não com o esplendor que depois a existência dos nobres teve.

Luís XIV inaugurou uma coisa na qual a nação inteira se sentiu interpretada e subiu até ele. Foi um regente de orquestra que fez com que o último francês, do último recanto, começasse a tocar seu instrumento à maneira do rei, como se ele dissesse aos franceses: “França sou eu, França sois vós. Entrai na minha orquestra e a França inteira fará ouvir seu som no mundo!” E foi o que aconteceu. Resultado: a atração enorme de gente indo para a França, e a expansão desse brilho por todo o orbe.

…introduz-se a frivolidade

Por outro lado, Luís XIV inseriu nesse mundo de elegâncias a frivolidade.

O Príncipe de Krue, um grande militar da corte austríaca que frequentava muito a corte francesa e era famoso pelo seu espírito, deixou memórias nas quais ele conta que, em sua juventude, quando entrava um grande marechal num salão, era o ornato do ambiente e a conversa toda se acendia. Mas, estando envelhecido, quando ele entrava era o funeral do salão. Porque ele trazia consigo a glória, a seriedade, a força. E a frivolidade detestava isso. Segundo ele, tinha iniciado o reino das mulheres na França. Tudo na França começou a tomar um caráter feminino.

Sem dúvida, o “Rei-Sol” colocou a força e a grandeza na ordem do dia, mas uma força e uma grandeza tão brilhantes que não se podia concebê-las no infortúnio, na dor, na tristeza, na seriedade. E com isso entrou na França uma identificação entre charme leve, frivolidade e cultura, que intoxicou os reinados seguintes.

Isso tudo começou do século XVII para o XVIII. Luís XIV pôs as premissas, e no tempo de Luís XV houve seu desenvolvimento normal. Preparava-se a Revolução Francesa. Então, a frivolidade, a leviandade francesa, uma porção de coisas encantadoras seriam quase uns tóxicos!

Como consertar isso? De que modo um pregador poderia dizer essas coisas ao rei, e fazer com que ele as entendesse? Há muitas coisas aqui que nenhum homem descreve. Mas uma influência do Sagrado Coração de Jesus era o único fato que poderia acertar isso, colocaria a Europa nos seus trilhos e evitaria a Revolução Francesa. Teria começado uma Contra-Revolução admirável!

Situação da Europa: uma coisa de cortar o coração!

Poderíamos imaginá-lo com a majestade do Sagrado Coração de Jesus. Mas, então, de um rei também sofredor, penitente, expiante dos seus próprios pecados em público, e fazendo penitência descalço, como fez São Luís! Este teve compunção dos pecados que não cometeu; e Luís XIV não se arrependeu dos pecados que praticou…

Então, na Sexta-Feira Santa, a magnificência que teria sido ver Luís XIV carregar uma cruz às costas, para pedir perdão de sua péssima vida e, diante do povo, penitenciar-se. Introduzir esse ornamento incomparável, a Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo, que é a tristeza e até a derrota dentro da vida dele.

Creio que, até do ponto de vista arquitetônico, se entrasse a fundo uma geminação daquilo que houve com o senso da cruz, teria saído qualquer coisa como nós não imaginamos, mas podemos ter uma ideia comparando o lado de fora de Versailles com a capela. A capela de Versailles não é muito homogênea com o restante do palácio. Ela é muito mais bonita do que Versailles.

Aquele teto ligeiramente gótico da capela de Versailles, com uma nota à qual não se pode recusar certa impressão de tristeza, de doçura régia, tranquila, contemplativa, algo que se faz em torno do Sacrifício da Cruz que se renova sempre, diante de um rei que sofre aflições, de uma rainha que é uma infeliz, isso teria acabado marcando Versailles. O próprio Luís XIV deveria fazer isso, e o que se passava na alma dele depois transporia para fora; era preciso tê-lo conhecido penitente, para poder imaginar o tônus cultural que daí sairia.

Ele daria o tônus, até sem querer. Afinal de contas, é o espetáculo de um homem a quem a Providência incumbiu a tarefa de — por uma ação de presença, e por vê-lo viver nesta grande e mundial cena humana que era a corte dele — dar o curso ao pensamento de todo um continente. Mais do que um filósofo, um “maître-à-penser” na linha Ambientes e Costumes, o que eu considero muito mais importante do que um “maître-à-penser” na linha puramente racional.

Visitando a Europa nesta minha última viagem, comecei a conferir todas essas visões, e nasceu uma grande tristeza.

Por exemplo, a Praça de Siena. Eu desejei a vida inteira vê-la. Cheguei numa ocasião em que eram relativamente poucos os turistas, porque já estávamos no começo do outono e essa gente quer saber do verão. Apesar disso, havia muito mais turista do que eu quereria. O resultado é que a Praça de Siena me dava a impressão de invadida por uma ralé, não digo intelectual nem social, mas como estofo de espírito. Não havia um espírito elevado ali.

Quando fomos visitar o Palácio Municipal por dentro, que é muito bonito. O tempo inteiro eu pensava: se Luís XIV e seus sucessores tivessem sido fiéis, se a Europa tivesse sido católica, o que se teria irradiado deste Palácio com suas ogivas, sua capela, seu salão, suas pinturas… O que foi cortado na obra de Deus!

Então, a flagelação de Nosso Senhor Jesus Cristo na Europa é uma coisa de cortar o coração! Como é de cortar o coração ver a Torre de Belém vazia, um esqueleto do qual saiu toda a carne, e colocada ali à beira do Tejo. Lindo esqueleto, mas um esqueleto: aquilo está morto.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 27/4/1989)
Revista Dr Plinio 222 (Setembro de 2016)

 

1) Do latim: Aqui toda língua emudeça.

 

Nossa Senhora de Coromoto

Harmonia augusta, nívea e maternal.

A insondável majestade e a infatigável solicitude materna de Maria Santíssima se unem e reluzem aos nossos olhos, salientadas nesses comentários de Dr. Plinio a uma bela imagem de Nossa Senhora de Coromoto, Padroeira da Venezuela, cuja festa é comemorada em 8 de setembro.

Ao contemplarmos essa linda imagem de Nossa Senhora de Coromoto, notamos de imediato o proporcionado do conjunto que com ela estabelece a base e a cadeira. Esta última possui um espaldar alto que sobrepuja a cabeça da Virgem, e apresenta em seu topo um arco singelo, porém elegante, semelhante a um dossel.

Majestade e intimidade

Trata-se de um detalhe interessante, pois ele frisa a ideia de que Maria Santíssima tem perfeita noção da própria majestade e, sendo a Rainha do Céu e da Terra, condescende em manifestar tanta bondade para conosco.

Por sua vez, a base, um tanto elevada, encontra-se numa proporção muito amena com a imagem, situando-a numa altura que transmite a noção da intimidade — repassada de sacralidade — que Nossa Senhora deseja estabelecer com seus devotos. Cumpre observar, entretanto, que a base e o dossel são apenas elementos auxiliares para visualizarmos o conjunto.

Nas laterais aparecem quadriláteros superpostos, encimados  por dois triângulos que insinuam vagamente duas colunas, com seus capitéis, de uma hipotética catedral cuja abóbada seria representada pelo arco. Embora tais figuras geométricas pudessem ter sido concebidas de modo mais artístico, se fossem retiradas o conjunto perderia em expressão.

Brancura nívea

A qualquer hora do dia, a primeira impressão causada pela imagem é de uma brancura tal que se diria ser feita de uma matéria desconhecida nesta Terra. Ao substantivo “brancura” convém acrescentar o adjetivo “nívea”, que pode parecer exagerado, mas seria uma exceção permitida pelo rico vocabulário da língua portuguesa. Ele realça, exprime melhor esse tipo de brancura que admiramos na imagem de Nossa Senhora de Coromoto: brancura nívea.

Sobretudo à noite sente-se estar em presença de um material que teria vindo, por exemplo, da lua. Não da lua explorada pelos astronautas, mas da lua cantada em versos de poesia…

Escrínio da vida divina

Esta brancura nívea indica como a Virgem Santíssima está penetrada, repleta da graça de Deus. Realça uma transparência do Criador na alma de sua criatura eleita. Nas horas noturnas,  naturalmente, tudo isso resplandece  de modo mais acentuado. E não apenas porque a alvura se destaca no contraste com as sombras. Esta seria uma explicação verídica, mas evidente. O fato é que, de dia, tem-se a impressão de que o mármore reflete a brancura; e à noite, de que nele habita uma luz, causando-nos a sensação de que, se apertássemos aquela matéria da qual a imagem é feita, dela jorraria luz em estado líquido.

Mais ainda. A própria psicologia da personagem (no caso, Nossa Senhora) é imaculadíssima, puríssima, toda constituída para viver dentro desse níveo, que seria uma espécie de “substância” existente no Céu.

A meu ver, a primeira nota de majestade e grandeza que dela emana é um reflexo da participação de Nossa Senhora num outro mundo e da presença dentro d’Ela da vida divina, que A coloca acima de comparação com qualquer outra mera criatura.

Insondável solicitude materna

A partir dessas impressões iniciais, realçadas pela iluminação noturna, analisemos outras.

Maria Santíssima tem consciência de todos esses aspectos de sua pessoa, e demonstra estabilidade através da posição e atitude calmas, de quem se sente perfeitamente em ordem e não se acha impelido por pressa alguma. Para a imagem, o tempo como que não existe: Nossa Senhora passaria séculos acomodada onde está. É o que, com profundo respeito, se pode chamar “felicidade de situação”.

De outro lado, percebe-se que a Santíssima Virgem tem dupla atenção: uma para seus valores internos e celestes, e outra, minor, para a pessoa que d’Ela se aproxima. Dir-se-ia que Ela é toda solicitude materna, e não nota, porque não o quer, a extrema inferioridade de quem se ajoelha a seus pés. Maria não se compara com o filho que vem lhe apresentar uma súplica, dirigir-lhe uma
prece. Assim, a Mãe de Deus eleva o devoto à categoria d’Ela, sem analisá-lo: “Você tem culpa ou não; é bom ou ruim”. Apenas diz: “Você existe e, portanto, tenho misericórdia. O que deseja?”

Nesta imagem transparece muito essa bondade maternal de Nossa Senhora, e a pergunta que dirige ao fiel —  “O que deseja?” — é discernida no olhar e na leve inclinação da cabeça para frente, significando seu extremo desvelo e a disposição de atender até os nossos menores pedidos.

 

Brancura nívea que indica
como a Santíssima Virgem se
acha repleta da graça de Deus,
situando-A acima de qualquer
outra mera criatura

Breve história de Nossa Senhora de Coromoto

Nossa Senhora de Coromoto é a Padroeira da Venezuela, venerada de modo particular na cidade de Guanare, onde apareceu há 354 anos. Quando os espanhóis chegaram a essa região, em 1591, um grupo de índios da tribo dos Coromotos decidiu abandonar sua terra e fugir para a selva próxima ao rio Tucupido, dando as costas à evangelização que a Igreja Católica começara a empreender entre eles.

Seis décadas mais tarde, num dia de 1652, o cacique Coromoto e sua mulher atravessavam uma corrente de água quando viram uma Senhora de extraordinária beleza, levando nos braços um menino igualmente esplendoroso. A Senhora lhes disse no seu idioma: “Dirijam-se à casa dos brancos e peçam que lhes derramem a água sobre a cabeça (o batismo), para que possam alcançar o céu”.

Algum tempo depois, um espanhol chamado João Sanchez viajava por aquela mesma região quando o cacique Coromoto lhe vem ao encontro, relata a visão que tivera da bela Senhora e as palavras que dela ouvira.

João Sanchez combinou com o índio o necessário para que toda a tribo fosse instruída na doutrina cristã e recebesse as águas do batismo. De fato, vários indígenas foram batizados, não porém o cacique, o qual, acostumado à liberdade dos bosques, não conseguia se adaptar ao novo regime de vida. Junto com sua família, retornou à existência na selva.

Entretanto, no dia 8 de setembro de 1652, sábado, Nossa Senhora aparece novamente para o índio na sua choça, em presença da sua mulher, sua cunhada Isabel e um sobrinho desta. O cacique pega o arco e a flecha para matá-la. Tendo a Virgem Maria se aproximado, Coromoto larga o arco e tenta agarrá-la. Mas, no exato momento em que ia ser tocada, Nossa Senhora desaparece, deixando nas mãos do índio um pergaminho com sua imagem. O sobrinho da cunhada Isabel saiu correndo para avisar a João Sanchez do sucedido. Este, com mais dois companheiros, dirigiu-se ao local da aparição e recolheu a preciosa relíquia.

No dia seguinte, acompanhado por alguns de seus índios, o cacique tentou uma fuga para os montes. Contudo, ao embrenhar pelo bosque foi mordido por uma cobra venenosa. Vendose imortalmente ferido e conhecendo nisto um castigo do Céu pela péssima conduta que tivera diante da excelsa Senhora, começou a se arrepender, suplicando em altas vozes que lhe administrassem o santo batismo. A divina Maria, que tanto fizera pela conversão dos índios e seu cacique; Ela, canal de todas as graças, alcançou para o moribundo a regeneração pelas salvadoras águas batismais. Por especial providência de Deus, passava por ali um católico da cidade de Barinas, que imediatamente o batizou. O cacique recomendou aos índios que se mantivessem com os brancos e, resignado, em meio a acerbas dores, rendeu o último suspiro.

Atualmente, o pergaminho com a imagem, encerrado num belíssimo relicário de ouro, brilhantes e pérolas, encontra-se no Santuário Nacional Nossa Senhora de Coromoto, erguido no lugar da segunda aparição, e inaugurado com a solene Eucaristia presidida pelo Papa João Paulo II, em 10 de fevereiro de 1996.

No caráter virginal e na extrema delicadeza dos traços da mãe e do filho está presente a noção de uma insondável misericórdia para conosco.

Nascimento da criatura perfeita

Por que a Igreja festeja especialmente o Santo Natal de Nossa Senhora? Porque Ela foi tão grande que a data de sua entrada no mundo marca uma nova era na história do Antigo Testamento, a qual podemos dizer que se divide, sob este ponto de vista, em duas partes: antes e depois da Santíssima Virgem.

Porque, se o Antigo Testamento é uma longa espera do Messias, esta espera tem dois aspectos: os milhares de anos pelos quais a Divina Providência permitiu que esta expectativa se espichasse e, depois, o momento abençoado em que Deus resolveu fazer nascer Aquela que obteria o advento do Salvador.

O nascimento de Maria Santíssima é a chegada ao mundo da criatura perfeita que encontra plena graça diante de Deus, da única pessoa cujas orações têm o mérito suficiente para acabar com a espera e fazer com que, afinal, os rogos, os sofrimentos de todos os justos e a fidelidade de todos aqueles que tinham sido fiéis conseguissem aquilo que sem Nossa Senhora não se teria obtido.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 8/9/1966)