Apelo ao píncaro de santidade

No dia 1º de novembro a Igreja celebra a festa de Todos os Santos, com a qual procura, ao mesmo tempo, louvar aqueles que já se encontram no Céu e impetrar sua intercessão em favor dos que ainda peregrinam neste mundo.

Com efeito, juntos a Maria Santíssima e aos coros angélicos, os bem-aventurados merecem o nosso culto e nos auxiliam, com suas preces, a alcançarmos nós mesmos a santidade para a qual fomos chamados. Um convite que, como sempre assinalou Dr. Plinio, não é privilégio de poucos, mas se estende a todos os homens. E esse anelo à perfeição se mostrará tanto mais necessário e intenso, quanto mais obstáculos lhe erga o mundo.

Em artigo intitulado “O primado da Santidade”, assim nos exortava Dr. Plinio:

“Tenho para mim como indiscutível que, se em nossa época materializada e devassa, surgisse novamente um São Francisco de Assis, sua personalidade se imporia à admiração universal de um modo muito mais definitivo e rápido do que em qualquer época passada.

“É certo que a virtuosa Idade Média, profundamente imbuída de espírito católico, estava muito mais apta a compreender devidamente o grande estigmatizado de Assis. Convém, no entanto, ponderar que, dado o próprio espírito católico e sua geral disseminação em todas as classes sociais, a sede de virtude, parcialmente saciada em cada indivíduo, era muito menos veemente do que nos dias desoladores em que vivemos.

“O homem — disse certo escritor pagão — é um anjo decaído. E, por mais que nele imperem os vícios e defeitos da decadência, há sempre no seu coração, consciente ou inconsciente, uma grande nostalgia do Céu.

“Se se perscrutar cuidadosamente qualquer coração humano, seja ele o de um santo, o de um sábio, o de um ignorante ou o de um detento de penitenciária, notar-se-á sempre a existência de sentimentos mais ou menos profundos, que anseiam por um grande ideal de pureza e de santidade.

“Enquanto viveu a civilização cristã, a vida era uma série de altruísmos que colaboravam para a felicidade coletiva. Repudiado o Catolicismo como lei suprema das relações entre homens e povos, a vida passou a ser uma série de egoísmos que se combatem. Daí o ‘homo homini lupus’ [o homem é o lobo do homem]. (…)

“Por mais que o homem desça abaixo de si mesmo, sempre será sensível à influência irresistível da santidade, que lhe aplacará as paixões e lhe serenará a tirania dos vícios, como a música de Orfeu domava as feras.” (Extraído do “Legionário” nº 96, de 21/4/1934).

Continuamente fiel ao seu pensamento, como nos é dado acompanhar nas páginas desta revista, outra coisa não se vê em Dr. Plinio que um apelo constante a que, pela misericordiosa intercessão de Maria e dos santos, alcancemos cada um de nós o píncaro da santidade.

 

Plinio Corrêa de Oliveira

Rainha de todos os Santos

Eleita pela Sabedoria divina como Soberana de todo o universo, Nossa Senhora é, por isso mesmo, Rainha de todas as ordenações dispostas por Deus nos vários âmbitos da Criação, de modo particular no que tange a natureza humana. E nesta, quando fiel à moral, a ordem corresponde à virtude e, portanto, a uma certa forma de santidade.

Pode-se dizer, pois, que a Senhora de todas as ordenações é, em conseqüência, a Rainha de todas as santidades que existiram, existem e ainda existirão, possuindo-as nos seus píncaros respectivos — “Regina Sanctorum Omnium”.

Plinio Corrêa de Oliveira

O comércio das almas na sociedade humana

Prosseguimos com a publicação de um artigo inédito, redigido em 1960 por Dr. Plinio. No fim do capítulo anterior, ele explicava como cada homem é influenciável por seus semelhantes, e procura  imitar alguns deles. Se admira e imita pessoas virtuosas, cresce em perfeição e aumenta sua semelhança com Deus, refletido no espelho de suas criaturas. Por isso, imitar e servir de exemplo são obrigações de cada homem, operações essenciais ao aperfeiçoamento das almas, inerentes à sua vida social. Dr. Plinio estende suas observações a esse respeito perguntando-se: como se dá esse comércio entre as almas? Em outros termos, qual sua parte na existência social dos homens? Vejamos a resposta.

 

Quando duas pessoas estão em contato entre si, por mais que sejam desiguais em inteligência, instrução, ou força de persuasão, estão em condições de exercerem recíproca influência uma sobre a outra. Maravilhoso instrumento para a expressão da alma Todas as nossas idéias, mesmo as mais abstratas, todas as nossas emoções, mesmo as mais subtis, são suscetíveis de uma expressão adequada, pela ação primordial da palavra em si mesma, completada e enriquecida pela inflexão da voz, pela expressão do olhar, pelos gestos, pela atitude do corpo, pelo porte, e até pela maneira de caminhar.

Virgílio nos diz que, pelo simples modo de andar, Dido se mostrava uma deusa: “et incessu patuit dea…”. O homem ainda acentua o poder de expressão de seu corpo por meio do traje e do ornato. Esse poder chega a ser tão grande que é considerado, às vezes, aliás erroneamente, como irresistível.

Quando essa transparência da alma em todo o modo de agir e de ser do corpo se torna nítida, e sobretudo quando tal transparência revela uma alma firme, clara, lógica, reconhecemos estarmos  em presença do que se chama uma personalidade. Ter personalidade, ser uma personalidade, é ter uma alma bastante desenvolvida para dirigir, influenciar, brilhar em todo o corpo material. É realizar, dentro do mero campo natural, como que uma transfiguração da matéria pela iluminação interior da alma, prefigura meramente natural, mas esplêndida em si mesma, da transfiguração sobrenatural, incomparavelmente mais radiosa e mais nobre que os corpos gloriosos terão no Céu, e de que Nosso Senhor, no Tabor, assim como alguns santos, nos deram uma visão sensível nesta terra de exílio.

O homem pode comunicar expressão aos seres inferiores

As formas, as cores, os sons, os odores, os sabores têm uma analogia – que não é meramente convencional —- com as disposições do espírito humano. E, por isso, as palavras que servem para designar estados da alma humana são correntemente empregadas para designar por analogia as propriedades de seres animais, vegetais ou minerais. Pode-se falar do cântico alegre de um pássaro, do aspecto risonho de um buquê de flores ou de um panorama, do mesmo modo pelo qual se fala do riso alegre de uma moça ou de uma criança. Pode-se falar da majestade de um rei, como da águia, ou do trovão. Os exemplos disso poderiam ser multiplicados quase ao infinito.

Pode o homem aplicar sua ação sobre os seres inferiores, comunicando-lhes uma determinada expressão. Assim, é indiscutível que as espécies animais domesticadas recebem como que certa  amenidade de comportamento, certa compostura, que as distingue das congêneres selvagens por diferenças muito semelhantes àquelas que distinguem o homem civilizado do bárbaro. Certos animais, como os gatos de Angorá ou os lulus da Pomerânia, tomam uma espécie de distinção evidentemente afim com os ambientes humanos em que vivem.

Uma ação do mesmo gênero pode também ser desenvolvida pelos homens sobre certas plantas, nas quais se distinguem as espécies selvagens e as cultivadas, antes diríamos, as “culturadas”. Certa  expressão de alma, o homem pode comunicá-la até a seres perfeitamente inanimados: quando faz, por exemplo, um quadro que terá uma expressão que de nenhum modo preexistiu na tela, no pincel e nas tintas.

E tal é a alma humana que o próprio do homem é comunicar uma tal ou qual expressão a todos os objetos de que se cerca. Porque somos feitos de alma e corpo, queremos que os objetos que nos servem ao corpo falem também à alma. Um móvel apenas cômodo é o que serve só ao corpo; um móvel elegante é o que serve também à alma. Um tecido resistente, agradável ao tato, adequado ao clima, satisfaz o corpo.

Mas a alma tem exigências próprias e pede que ele seja belo. Essas observações nos conduzem a uma noção essencial, que é a de “ambiente”. Os ambientes exprimem estados de alma Quando às vezes entramos numa sala, parece-nos sentir a personalidade de quem a decorou. Dizemos que tem ambiente. O que quer dizer aí “ambiente”? É a expressão de alma que, pelo jogo das formas e das cores, pela disposição e qualidade dos móveis, uma pessoa conseguiu comunicar a objetos materiais.

Nisto, como em tudo, o homem imita a Deus. Quando contemplamos certos panoramas marítimos; quando à noite olhamos para o céu, sentimos uma expressão de alma que se desprende deste mundo: é o ambiente criado por Deus, e pelo qual Ele se exprime a nossos sentidos.

Muito mais fácil ainda nos seria exemplificar com os sons, os perfumes, os sabores. Diz o Eclesiástico (31, 36) que o vinho, bebido moderadamente, alegra a alma e o coração. A Igreja se serve da música para formar nossa piedade. O aroma austero do incenso lhe parece adequado a ser respirado por nós na oração. Os seus moralistas, pelo contrário, sempre nos premuniram contra os perfumes voluptuosos e capazes de excitar a moleza e a luxúria. Consideremos agora o ambiente em relação com o fim essencial da contemplação, que é conduzir-nos a Deus.

Se os estados de alma são suscetíveis de se exprimirem assim, está implícito que as virtudes e os vícios também. Eles se manifestam com freqüência na face humana, na inflexão de voz, no gesto, no andar. Eles são suscetíveis de marcar com sua nota própria tudo quanto o homem faz e produz. A intemperança ou a temperança de um artista não se nota só no fato de explorar ou não o nudismo. O ritmo de uma música pode em si mesmo ser lascivo; como a combinação de certos perfumes; ou a complicação de certos sabores. A falta de siso não se exprime só pelo sentido das palavras, mas pelo desalinho do gesto, pela extravagância das linhas ou das cores de um traje, de um móvel, de um edifício.

Neste ponto, como em outros, o homem é sujeito a erro, e pode taxar de voluptuosas ou desatinadas coisas que só lhe parecem tais porque não está habituado a elas. Não obstante, uma certa volúpia ou extravagância pode estar realmente na coisa produzida por um homem voluptuoso ou extravagante. Qualquer que seja o ambiente, precisamente porque ele exprime um estado de alma, não pode ser moralmente indiferente: ou será bom, e favorecer á as almas na consideração e assimilação de Deus; ou será mau, e agirá em sentido oposto.

É isto o que se poderá dizer da honestidade ou desonestidade natural dos ambientes. Será lícito caminhar mais um passo, e falar em ambientes especificamente cristãos? Parece-nos que sim. A alma tocada pela graça adquire uma perfeição sobrenatural que por vezes se espelha na face. A hagiografia pulula de testemunhos a tal respeito. O que foi a Transfiguração senão isto? Ora, a pintura e a escultura podem exprimir algo de semelhante. E certos edifícios em que essas esculturas e vitrais se encontram têm com eles uma tal harmonia que parecem, à sua maneira, exprimir a mesma “irradiação” de uma alma misticamente unida a Nosso Senhor Jesus Cristo. O heroísmo dos cruzados foi tipicamente cristão, e, pois, diverso do heroísmo meramente natural de um legionário romano. É possível considerar o ambiente formado numa paisagem por um possante castelo medieval, sem ter a impressão de que algo de tipicamente cristão nos toca a alma?

Não queremos estender por demais este artigo. Por isso não fazemos senão assinalar que, pelos mesmos motivos pelos quais se poderia falar de um ambiente especificamente sobrenatural e cristão, poder-se-ia falar de um ambiente especificamente preternatural e diabólico.

A formação da “alma coletiva”

Quando a vida social das almas é regular e intensa num determinado grupo humano — uma família, digamos, ou uma sociedade —, constitui-se aí uma como que alma coletiva; ou seja, um conjunto  de convicções, algumas das quais prezadas como particularmente importantes; conseqüentemente, uma mentalidade coletiva, um estado de espírito comum, e exercendo uma influência especialmente forte sobre todos os membros. O vocabulário se define pelo uso mais insistente de certas palavras, ou expressões, que até tomam por vezes, dentro do grupo, uma tonalidade específica. Não é raro aparecerem também neologismos. De outro lado, o modo de trajar, de falar, de comportar-se, todas as preferências pessoais tendem a receber a marca dos princípios comumente aceitos, e especialmente dos que são dominantes. Por fim, o ambiente material se satura desta influência, e aos poucos o quadro físico — casa de família, sede social, etc. — vai sendo  transformado de maneira a exprimir ele próprio o espírito dominante.

Várias sociedades menores, formando entre si algo como uma sociedade de sociedades — um conjunto de famílias numa cidade, digamos — podem manter um comércio espiritual comum, que forma  o ambiente mais genérico, porém não menos afirmativo, da vida da cidade. O florescimento de um conjunto de vocábulos, de trajes, de hábitos locais, a produção de obras de artesanato marcadas pelo estado de espírito local, e até de influências artísticas nitidamente locais, tudo isto é o resultante de uma sociedade espiritual harmônica, definida e ativa.

Evidentemente, poderíamos subir assim da cidade à região, desta ao país, e deste por sua vez às grandes zonas de cultura e de civilização. Sem entrar no debate inesgotável sobre o sentido de “civilização”, de “cultura ”, de “estilo” artístico, chamemos aqui “cultura” social o estado de espírito coletivo, a “alma coletiva”, pelo menos enquanto fecundada e ordenada pelo trabalho intelectual, e enquanto existente como nota característica que marca também o trabalho intelectual; chamemos “civilização” o conjunto das instituições, leis, costumes, enfim todo o modo de ser coletivo, enquanto marcado pela “cultura”; e “estilo” as manifestações da arte enquanto marcadas pela “cultura”, e, pois, necessariamente afins com a “civilização”. Chamemos “ambiente” social a impressão de conjunto exercida sobre o observador pela ação harmônica da civilização, da cultura e do estilo, a transparência definida, forte, inequívoca, do estado de alma e dos princípios doutrinários que são o que aquela sociedade de almas tem de mais intrínseco.

Benefícios da sociedade de almas

Neste sentido, podemos e devemos dizer que o ambiente, a cultura, o estilo, a civilização, isto é, os bens intrinsecamente mais altos da sociedade humana, são o produto da vida social enquanto sociedade de almas. Esses bens são indispensáveis ao modo de ser habitual das almas, e justificam por si mesmos, independentemente de outros argumentos — todos legítimos, aliás — a existência da sociedade. Pois ninguém pode conceber um convívio humano que não tenda, por seu dinamismo próprio, a produzir esses bens. Nem condições normais de vida para a alma fora de tudo quanto se possa chamar ambiente, cultura, estilo e civilização.

Ainda no mesmo sentido, devemos dizer que a função contemplativa do homem nesta terra — aprendizado, prova e prenúncio de sua função eterna no Céu — normalmente se exerce com apoio no  ambiente, na cultura, no estilo e na civilização. Pois é com o auxílio de tudo isso que o homem melhor vê e mais adequadamente assimila ou rejeita os diversos aspectos do meio que o cerca.

Ainda nesta ordem de idéias, devemos acrescentar que a formação do ambiente, da cultura, do estilo, da civilização, embora produtos tipicamente espirituais, constituem objeto próprio da sociedade temporal. Pois é esta última noção que nos permitirá prosseguir em nossas reflexões, chegando a uma perspectiva muito ampla, das relações entre a Igreja e a sociedade civil.

Plinio Corrêa de Oliveira (Continua no próximo número)

Exemplo de despretensão

Nuno Álvares, santo português, foi um dos maiores guerreiros da História de Portugal, adornado pelo mais belo título que um militar podia usar: Condestável! É o Condestável Bem-aventurado.

Além de ajudar singularmente o Rei de Portugal a rechaçar as invasões mouras, Dom Nuno Álvares Pereira teve importante papel nas brigas, infelizmente numerosas, entre Castela e Portugal, dois povos quentes. Narra a História Portuguesa que ele conseguiu vitórias brilhantes.

Ao contrário de certos generais de ministério, que ficam a léguas do campo de batalha, enviando telegramas e mantendo comunicações telefônicas, ele era um batalhador que ia à frente de seus guerreiros!

Terminadas as guerras, e visto que se iniciava um longo período de paz com Castela, Nuno Álvares pediu licença ao Rei e fez-se religioso: entrou para a Ordem do Carmo.
Ele, o grande Condestável, venerado por todo o povo português, fez-se irmão leigo e tornou-se o porteiro do mosteiro.

(Extraído de conferência de 17/1/1986)

Madonna del Miracolo: altíssima obra de Contra-Revolução

Num mundo em que o demônio, através da impureza e do orgulho, vai arrastando as almas para a Revolução, Nossa Senhora nos comunica o gosto pela despretensão e pela castidade. Estas são considerações de Dr. Plinio ao analisar o quadro de Nossa Senhora do Miracolo.

 

Ocorreu-me a ideia de fazer um “Ambientes, Costumes e Civilizações”, procurando exprimir os imponderáveis existentes no quadro de Madonna del Miracolo, ou Nossa Senhora do Milagre.

A figura é muito semelhante à de Nossa Senhora das Graças, um pouco alterada.

Maria Santíssima está vestida como se trajavam as senhoras no tempo de sua existência terrena: uma túnica grande e uma capa. Esta é azul-celeste, a cor de Nossa Senhora; a túnica é de um discreto rosado, enquanto que nas imagens de Nossa Senhora das Graças costuma ser branca. Ela está com a fronte encimada por uma coroa, o que as imagens de Nossa Senhora das Graças geralmente não têm. Um círculo de doze estrelas serve a Ela de resplendor. É uma alusão à aparição de Nossa Senhora no Apocalipse. Como se pode notar, Ela não está esmagando a cabeça da serpente. Das suas mãos partem raios em abundância, que significam as graças por Ela concedidas.

Misto de grandeza e misericórdia

Sua fisionomia é discretamente sorridente. Maria Santíssima não está propriamente sorrindo, mas olhando para a pessoa que está ajoelhada diante d’Ela, de um modo muito afável, acolhedor, com uma enorme vontade de atender o pedido, de ajudar. Mas, ao mesmo tempo — e as coisas se completam bem —, Ela é muito régia, não só por causa da coroa, mas ainda que se Lhe tirassem a coroa. Notem o porte d’Ela. Tem-se a impressão de que é uma pessoa alta, esguia, muito bem proporcionada, e qualquer coisa de imponderável da consciência de sua própria dignidade aí transparece. Quer dizer, percebe-se que é uma Rainha, muito menos pela coroa do que pelo seu todo; enfim, pelo misto de grandeza e de misericórdia que d’Ela emanam.

Efeito apaziguador

Parece-me que o elemento mais tocante dessa imagem é algo de inexprimível, que, à primeira vista, não encontra sua explicação em nenhum elemento concreto do quadro. Não só por causa do sorriso, mas é um todo que vou tentar depois explicar; essa imagem trás consigo qualquer coisa de apaziguador. Quem olha para essa estampa tende a ficar apaziguado, serenado, tranquilizado, como quem tem as suas más paixões em agitação acalmadas, suas angústias favorecidas por uma distensão, por certa calma, como se ouvisse: “Meu filho, Eu dou jeito em tudo, Eu arranjo tudo, não se impressione, haverá um modo. Eu estou aqui ouvindo-o; você precisa de tudo, mas Eu posso tudo, e o meu desejo é de lhe dar tudo. Portanto, não tenha dúvida, espere mais um pouco. Mas super abundantemente você terá o que Eu quero”.

Acima de tudo, a imagem — a meu ver, este é seu elemento mais apaziguador e encantador — tem qualquer coisa indicando que Nossa Senhora Se oferece à pessoa que está diante d’Ela, dizendo-lhe: “Meu filho, Eu sou toda sua, você pode pedir o que quiser. Eu para você não tenho reservas, recuos, recusas e nem recriminações pelos seus pecados. Eu o estou olhando num estado de alma, numa disposição de ânimo, por onde você de Mim consegue tudo o que você pedir e muito mais ainda”.

A estampa deixa isso tudo em certo mistério; mas um mistério suave, diáfano, mais ou menos como o de um dia com céu muito azul em que se pergunta o que haverá para além do azul; não é um mistério carregado, de um dia nublado, onde se indaga o que existirá por detrás das nuvens. Maria Santíssima como que diz o seguinte: “Se você conhecesse o dom de Deus, se soubesse quanta coisa Eu tenho para lhe dar, e que maravilhas há em Mim… Eu transbordo do desejo de lhas conceder. Como você compreenderia bem o que Eu sou se quisesse abrir os olhos para essas maravilhas!”

Esse apaziguamento que Ela comunica é uma espécie de primeiro passo para a pessoa que queira se deixar maravilhar. Recebendo esta misteriosa ação da graça, ela começa a admirar e perguntar o que a imagem está exprimindo.

Felicidade da pureza e da despretensão

Ela exprime uma excelsa impressão de pureza que quase ofusca, mas não de um ofuscamento que machuca. É tanta pureza que, no início, nem nos lembramos bem de pensar nesta virtude; de tal maneira é pura que, por assim dizer, transcende a pureza.

Contemplando essa estampa, a pessoa não só admira essa pureza, mas ela lhe comunica algo do prazer de ser pura. Muitos têm a ilusão de que a felicidade está na impureza; essa imagem faz com que se compreenda a inefável felicidade que a pureza dá, perto da qual toda felicidade da impureza é lixo, tormento, aflição. Nossa Senhora está inundada de felicidade, a qual é inseparável de sua pureza.

Outra coisa é a humildade. Maria Santíssima está aqui como Rainha, mas em sua atitude Ela faz abstração de toda a sua superioridade sobre a pessoa que reza diante d’Ela. E trata-a como se fosse, não digo de igual a igual, mas uma pessoa que tem proporção com Ela; quando nenhum de nós, e nenhum santo, tem proporção com Ela. Nossa Senhora é completamente fora de proporção em relação a todo mundo; entretanto Ela se coloca assim tão acessível!

Além disso, percebe-se que se Lhe aparecesse Nosso Senhor Jesus Cristo, Ela está toda feita para se ajoelhar e adorar. Nada existe n’Ela que contenha uma repulsa a reconhecer o que é mais alto. Pelo contrário, uma alegria: “Que maravilha! Apareceu quem é mais do que eu”. Compreende-se, então, o modo enlevadíssimo de Maria Santíssima olhar para Aquele que é Filho d’Ela e, ao mesmo tempo, infinitamente mais do que Ela.

Debaixo desse ponto de vista, n’Ela há,  entre outros traços, uma comunicação do prazer da humildade, da despretensão.

Vemos, então, de um lado, a felicidade inefável da despretensão. E de outro, a felicidade inefável da pureza.

Maria Santíssima e a Contra-Revolução

Diante de um mundo que o demônio vai arrastando para o mal, pelo prazer da impureza e do orgulho, Nossa Senhora nos comunica o gosto pela despretensão e pureza, como que dizendo suavissimamente, sem pito nem recriminação: “Meu filho você não se lembra dos tempos primitivos de sua inocência? Não se lembra de como você era antes de ter pecado? De como havia coisas boas em você? Olhe para Mim, abra sua alma, Eu restauro tudo isso. Venha! No caminho que conduz a Mim só existe perdão, bondade e atração. Venha logo!”

Não é difícil estabelecer uma relação entre esses dois traços e a Contra-Revolução. Maria Santíssima está aqui apresentada, não no seu aspecto belicoso, esmagando a cabeça da serpente, mas no seu lado materno, enquanto Ela procura tirar, pelo sorriso, das garras da Revolução aqueles que esta vai vitimando. E dessa maneira fazendo uma altíssima obra de Contra-Revolução.

Um espírito que se deixa influenciar por essa imagem fica sumamente propício à admiração, a admitir a hierarquia das coisas mais altas sobre ele; e a querer, pela sua própria dignidade, que todas as coisas abaixo dele também estejam em hierarquia. É uma coisa inteiramente evidente; entra pelos olhos.

Debaixo desse ponto de vista, sem querer dizer que esta imagem seja a de Nossa Senhora da Contra-Revolução, porque seria forçar a nota, poderíamos afirmar, entretanto, que, para quem luta pela Contra-Revolução, o quadro é de uma altíssima expressão quanto a um dos aspectos da Mãe de Deus, na sua permanente Contra-Revolução, até chegar o fim do mundo. 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 20/1/1976)