O Pão dos fortes

A Sagrada Eucaristia é chamada Pão dos fortes. Na procissão de “Corpus Christi”, devemos querer glorificá-Lo e pedir que esse Pão comunique a sua força a todos, para obstarem a ação do demônio. Como seria bonito que, de trecho em trecho, a procissão parasse em um altar onde fosse dada uma bênção exorcística com o Santíssimo Sacramento!

 

A Solenidade de “Corpus Christi” é uma festa litúrgica instituída pela Igreja para comemorar, homenagear a presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento. Daí o nome “Corpus Christi”.

Reparação pelas blasfêmias proferidas por protestantes

Essa festa foi instituída pelo Papa Urbano IV, no século XIII, e teve um grande desenvolvimento no período da expansão protestante, como réplica à contestação feita por eles à afirmação de que Nosso Senhor está realmente presente na Sagrada Eucaristia, e com o intuito de estimular os católicos a oferecer uma reparação a Nosso Senhor por causa da blasfêmia que aquela heresia propugnava a esse respeito.

Com o curso dos tempos, e se tornando menos ativa a polêmica entre católicos e protestantes, essa nota polêmica da festa também diminuiu de carga e ela passou a ter como tônica a importância da devoção eucarística na vida espiritual dos fiéis. Cada vez mais a atenção dos católicos, no período que corresponde à História moderna e depois à História contemporânea, foi se concentrando nessa maravilha do amor de Nosso Senhor para com os homens, que é a sua presença real no Santíssimo Sacramento. No século XIX, a Igreja instituiu a Congregação do Santíssimo Sacramento, os sacramentinos, fundada por São Pedro Julião Eymard, especialmente para honrar continuamente o Santíssimo Sacramento na sua adoração perpétua.

São Pio X – já no século XX, portanto – instituiu a Comunhão para as crianças e deu forte impulso à Comunhão frequente, até mesmo quotidiana, para as pessoas que pudessem receber a Sagrada Eucaristia. Os congressos eucarísticos se espalharam por toda a Terra e, com essa irradiação da devoção eucarística, a festa de “Corpus Christi” tomou realce. É a própria glorificação de Nosso Senhor sacramentado.

Esta festa se celebra por meio de uma procissão nas ruas.

Compreendo que se possa dizer ao homem, premido por problemas pessoais, psicológicos e de toda ordem, vendo o mundo atormentado naufragando nas crises contemporâneas, que o mais importante é a adoração ao Santíssimo Sacramento. Entendo até que esse homem tire disso um proveito e invoque a Sagrada Eucaristia para não naufragar. A atenção dele está fortemente chamada para a sua condição de náufrago. E que, portanto, é preciso estabelecer uma relação entre sua situação e essa devoção. Do contrário, todas as conversas sobre a festa correm o risco de deixar o homem sem recursos, sem uma atração devida para um mistério tão augusto.

Tudo quanto dissemos a respeito dessa festa é perfeitamente verdadeiro. Entretanto, é como se, por exemplo, me mostrassem uma fotografia de uma árvore com tronco pujante, forte, mas na qual os galhos não aparecem. Aquilo é uma árvore verdadeira, forte; porém sem os galhos, só o tronco não dá ideia da árvore.

Bênção exorcística com o Santíssimo Sacramento

O que ficou dito é o tronco – realmente saboroso, venerável, perfumado – do assunto, mas esse tronco impõe uma irradiação para toda uma galharia.

Em primeiro lugar, a polêmica entre protestantes e católicos, tendo-se tornado menos acre, era o caso de perguntar se nisso não entrou moleza, tibieza da parte dos católicos, e se não se deveria tomar uma atitude que tornasse mais acerba essa polêmica. A festa de “Corpus Christi” até seria uma ocasião muito boa para isso. São só os protestantes? Naquele tempo, eles estavam no centro do panorama, porém, com o passar dos anos, toda espécie de heresias, de abominações se multiplicaram pela Terra como fruto do protestantismo. Este gerou seus filhos e com eles encheu a Terra. Assim, essa procissão não deveria ter um caráter contrário a todos esses filhos do protestantismo? Portanto, não deveria ser ainda mais polêmica?

Santa Genoveva, com o Santíssimo Sacramento, fez recuar os bárbaros que avançavam sobre Paris. Os bárbaros de nossos dias avançam e nós não podemos conceber essa festa como glorificação daquilo que é nossa arma para fazermos recuar os bandidos?

Eu sou entusiasta dessa festa e de tudo quanto foi dito a seu respeito, mas me sinto triste por ela ter sido privada desses complementos indispensáveis.

Para combater é preciso ter força. A Sagrada Eucaristia é chamada Pão dos fortes. Esse Pão dos fortes nós vamos levar pelas ruas para glorificá-Lo, fazendo um pedido para que Ele comunique a sua força a todos quantos se encontram na rua e para obstarem a ação do demônio.

Que coisa linda acrescentar uma intenção exorcística na bênção do Santíssimo Sacramento, dada no final da procissão! Como seria bonito que, de distâncias em distâncias, a procissão parasse em um altar onde fosse dada uma bênção exorcística com o Santíssimo Sacramento!

Por outro lado, é verdade que durante todo esse tempo a devoção ao Santíssimo Sacramento se desenvolveu muito. Mas não foi só ela. Cresceu muito também a devoção a Nossa Senhora. Não se deveria invocar muito mais a Santíssima Virgem ao longo das procissões, com cânticos louvando-A enquanto modelo da adoradora do Santíssimo Sacramento? Ela foi o tabernáculo vivo que abrigou Nosso Senhor até seu nascimento e que, depois da primeira Comunhão d’Ela, conteve-O até o momento de Ela morrer. Tudo isso precisa ser lembrado e é por meio d’Ela que devemos dirigir nossas preces ao Santíssimo Sacramento.

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 9/6/1982)

Maravilhas da presença eucarística

Em 1164, enquanto o Papa Urbano VIII residia em Orvieto, produziu-se não longe dali, na cidade de Bolsena, retumbante milagre: um sacerdote tentado por dúvidas sobre a presença real de Nosso Senhor na Eucaristia celebrava Missa, quando, no momento da Consagração, brotou sangue da Hóstia, molhando os corporais e a pedra do altar. O Santo Padre fez trazer os corporais a Orvieto, e decidiu estender à Igreja universal a Festa de “Corpus Christi”, em honra do Corpo de Nosso Senhor na Eucaristia . Foi por essa ocasião que São Tomás de Aquino compôs o belo ofício da Festa com o hino “Pange Lingua” e a seqüência “Lauda Sion”.

No dia 15 deste mês recordamos, uma vez mais, essa verdade de Fé da presença real de Jesus Cristo sob as aparências do pão e do vinho. Presença que perdura nas espécies eucarísticas, ao alcance  de todos os fiéis nos sacrários do mundo inteiro, e à qual era Dr. Plinio particularmente sensível. Certa feita, a um pequeno círculo de discípulos seus, comentava:

“Imaginemo-nos surpreendidos pela notícia de que Nosso Senhor Jesus Cristo vem aparecendo, todos os dias, no alto de uma colina nos arredores de São Paulo. Se assim é, interrompemos de imediato nossos afazeres e nos dirigimos a esse local bendito, pois não há outra atitude a tomar. Onde está Ele, lá estaremos nós.

“Ora, quantas e quantas vezes Nosso Senhor se acha imensamente mais perto! A dois passos, na capela de nossa sede, realmente presente nas espécies eucarísticas conservadas no sacrário! Tão perto, e não raro tão pouco visitado. Ao vermos uma capela com o Santíssimo, quase vazia, a pergunta que nos contrista o coração é esta: não poderia ter mais pessoas junto d’Ele, a todo momento? Pois não existe lugar onde esteja Jesus Eucarístico, do qual se possa dizer tão frequentado quanto seria razoável.

“Na verdade, importa haver almas imbuídas de tal sofreguidão eucarística que, sendo-lhes possível entrar um instante na capela, adorar o Santíssimo e sair, não o deixassem de fazer; ou que, ao passarem perto da capela, não deixassem de abrir a porta e fazer uma genuflexão do lado de fora; ou que, ao menos, quando fossem se deitar no fim do dia, pensassem: Nosso Senhor está dormindo nesta casa. Que alegria! Almas que sofressem, não de uma escrupulosa obsessão eucarística, mas de uma fome eucarística, um ardente desejo de estar aos pés do tabernáculo, adorando Jesus Sacramentado e com Ele convivendo, um minuto que seja.

Todos somos convidados a ter essa fome eucarística. Já nos terá acontecido: entramos na capela meio estabanados, damos dois  passos e, de súbito, nos colhe a profunda sensação. . . Alguém está aqui! Um silêncio especial nos envolve, circunda, penetra em nossa alma .  Olhamos e não vemos senão as paredes, o sacrário e os motivos eucarísticos neste esculpidos ou pintados. Dir-se-ia não haver mais nada. Porém…

“Estejamos certos: o que nesses momentos sentimos não é fantasia, imaginação ou associação de imagens em virtude de outras emoções de natureza semelhante, experimentadas em outras ocasiões. Não. Trata-se de um agir da graça. Algo que, acima de todas as capacidades de intelecção se faz sentir à nossa alma, de maneira tal que compreendemos ter Nosso Senhor nos dito uma série de coisas superiores a toda palavra! É a sua voz divina a ressoar em nossos corações. Deveríamos, pois, saber nos aproximar de Nosso Senhor Sacramentado, contentes, e em silêncio: Falai, Senhor, porque vosso servo Vos escuta.

“Tudo isso é imensamente sutil, insondavelmente belo, e constitui uma realidade que é um tesouro, uma estrada na vida de piedade aberta para nós na Primeira Comunhão. A todos, no dia em  que inauguramos nosso convívio com Jesus Eucarístico, ofereceu-nos Ele essa palavra, essa ação. Por isso mesmo, ao me deitar à noite, sempre que olho para a lembrança de minha Primeira Comunhão sobre o criado-mudo, lembro-me daquelas graças então recebidas . E novamente me encanto. . .”

Plinio Corrêa de Oliveira

Visita a Santa Isabel

Episódio sumamente rico em importantes aplicações para nossa vida espiritual, a Visitação de Nossa Senhora nos mostra como Santa Isabel, prima da futura Mãe de Deus, teve um conhecimento imediato de que o Messias se achava ali presente, encarnado no seio puríssimo de Maria. Ela o soube, não só por uma inspiração da graça, mas também por uma espécie de sentimento, de percepção do divino, excelentes, que a fizeram discernir a presença de Jesus.

Essa percepção, esse sentimento, cada católico deveria ter — em grau proporcionado — para amar todas as coisas que sejam segundo Deus, e para rejeitar aquelas que Lhe são contrárias.

A epopeia de Santa Joana d’Arc

Há lendas tão parecidas com a realidade a ponto de suscitar a pergunta: “Será, de fato, simples lenda?” Em sentido contrário, certas narrações históricas revestem-se de tantos aspectos surpreendentes que provocam uma desconfiança: “Mas isto é mesmo real?” Um dos mais expressivos exemplos do segundo caso é a vida de Santa Joana d’Arc: uma das maiores epopeias da História.

 

Se tomarmos em consideração tudo quanto os santos fizeram ao longo da História da Igreja, veremos quão superiores foram em relação a todos os homens que, habitualmente, são tomados por heróis.

Nesse sentido, comentaremos a vida de Santa Joana d’Arc, a famosa virgem de Domrémy, na Lorena.

Suscitada num momento providencial…

No início do século XV ainda não havia eclodido a Revolução protestante, e toda a Europa era católica. Porém, no século seguinte, a Inglaterra se tornaria protestante.

Naquele tempo, a França estava ocupada, em grande parte, pelos ingleses. Portanto, encontrava-se em jogo um ponto muito importante da História da Igreja: se os franceses não conseguissem expulsar os ingleses de seu território, no século seguinte a França corria o risco de ficar protestante; a filha primogênita da Igreja, a nação que deu tantos grandes personagens para a Esposa de Cristo, a França, teria sucumbido na decadência religiosa do protestantismo.

Prevendo isso, a Providência suscitou no vilarejo de Domrémy, ducado da Lorena, uma jovem pastorazinha, muito piedosa e santa, a qual era estimulada por vozes celestes para se apresentar ao Rei da França, a fim de reconquistar o território que os ingleses haviam tomado, e reintegrar à filha primogênita da Igreja os limites que historicamente lhe eram próprios.

Rei disfarçado de simples nobre

Para provar a autenticidade da missão providencial de Santa Joana, as pessoas da corte fizeram o seguinte:

Quando a jovem pastora se encontrou com o Rei pela primeira vez, ela entrou numa sala onde estava o monarca acompanhado de vários fidalgos.

Propositadamente, alguns fidalgos estavam muito bem vestidos, com roupas bastante caras; e o Rei, para disfarçar, usava trajes de um fidalgo mais pobre, secundário, para ver se ela, olhando os mais ricamente vestidos, achasse que um deles fosse o soberano. Se ela de fato tivesse uma missão divina, não se enganaria e reconheceria o Rei.

Ela entrou na sala e, instintivamente, foi em direção do fidalgo pobremente vestido, que, entretanto, era o próprio Rei. Ela adivinhou porque uma luz do Céu explicou-lhe quem era o monarca.

Uma frágil virgem com espada na mão!

A partir desse momento, Santa Joana d’Arc convenceu o Rei, que a nomeou chefe dos seus exércitos, colocando-a à testa dos seus melhores guerreiros. Ela, uma frágil virgem usando armadura, precedeu as tropas nos combates, e os franceses, que até então apanhavam dos ingleses, começaram a surrá-los. E os ingleses foram recuando diante das tropas a cuja frente estava a donzela de Domrémy. Santa Joana d’Arc lutava enfrentando homens enormes, com couraças formidáveis, naquele tipo de guerra em que a força pessoal do guerreiro era decisiva.

Imaginemos num combate de cavalaria um homenzarrão com uma lança, investindo com toda a força contra ela, querendo dar-lhe uma estocada no peito. E ela, frágil, derruba o homem.

Coroação do Rei

Naquele tempo, a França estava tão por baixo que o Rei não tinha tido coragem de ser coroado, porque achava, com certeza, meio ridículo promover uma coroação quando a maior parte do seu território estava em mãos dos ingleses. Mas, foram tais as vitórias de Santa Joana d’Arc que, antes mesmo de os ingleses estarem inteiramente expulsos da França, chegou o momento de ela ir com o monarca para Reims. Nessa cidade há uma catedral prodigiosa, com rendas de pedras e vitrais, onde os Reis da França, por um sacramental da Igreja, eram ungidos com o óleo contido numa ampola trazida por uma pomba na noite do batismo de Clóvis, primeiro Rei dos francos.

Santa Joana d’Arc, com os guerreiros do monarca, teve, então, a alegria de assistir à coroação do Rei da França, numa glória indizível. Ocupou ela um lugar de honra, numa das primeiras fileiras, e estava com o seu estandarte. Junto a ela havia as eternas sombras que vão atrás de cada pessoa: os invejosos. E um invejoso disse-lhe:

— O que faz aqui o vosso estandarte? É o estandarte de combate, e esta é uma festa…

Ela respondeu:

— Uma vez que ele esteve comigo na luta, bom é que esteja também na glória!

Devido a uma traição, Santa Joana é presa e entregue aos ingleses

Quando ainda restava uma parte da França para ser recomposta, a traição, imunda como uma serpente, se enroscou nela. O Rei tinha como aliado o Duque da Borgonha, cujo feudo era muitíssimo rico. Esse senhor feudal era um homem sem caráter, mas entrava com muito dinheiro para a guerra.

Em certo momento, as tropas começaram a combater e esse Duque foi dirigindo as coisas de tal maneira que Santa Joana d’Arc ficou cercada exclusivamente pelos guerreiros dele. Então, o Duque deu ordem de a prenderem e seus vassalos a venderam aos ingleses.

Processo da Inquisição

Como naquele tempo ainda não tinham caído em heresia, os ingleses entraram em entendimento com o Arcebispo de uma diocese francesa onde eles ainda dominavam, e acusaram-na de pacto com o demônio. Diziam que por essa razão ela havia conseguido tantas vitórias.

Realizaram, então, um processo cheio de mentiras, com o intuito de queimá-la viva.

Embora fosse analfabeta, durante o processo ela se defendeu como um advogado brilhante se defenderia. Mas, no fim das contas, Santa Joana d’Arc foi condenada à morte pelo tribunal da Inquisição por ter seguido vozes vindas do Inferno.

Tal era a Fé existente naquela época, que o problema todo não era de saber se ela tinha ouvido vozes — esta seria a questão que se levantaria hoje —, mas sim se as vozes vinham do Céu ou do Inferno.

Inútil tentativa de fugir

De tal maneira a santa queria ainda viver para realizar seu plano de salvar a França, que ela chegou, com risco de vida, a se jogar de uma torre, onde estava presa, para fugir e montar num cavalo a fim de continuar a luta contra os ingleses, julgando que com isso ela fazia a vontade de Deus. Ela se espatifou no chão! Deus não fez o milagre de ajudá‑la, nem as vozes a socorreram. Os ingleses a reconduziram à prisão.

Na hora suprema, uma prova atroz

Chega, afinal, a hora de sua morte. O carrasco entra no local onde ela estava presa, põe-lhe uma túnica infamante, toda embebida em matéria combustível para que o fogo ateasse logo nela, amarra-a numa carreta, aonde ela vai de pé, com as mãos atadas por trás, como malfeitora e para não poder fugir; através de ruas cheias de povo, Santa Joana d’Arc é conduzida ao lugar onde deveria ser queimada viva.

E, contra sua expectativa, a carretinha chegou à praça, tendo ela que descer e caminhar em direção à fogueira que ali estava. Deus, que estivera tão presente em todos os combates da santa e ajudou-a a defender-se no processo, nesta hora se fazia ausente.

Foi lida diante dela uma acusação cheia de falsidades, de misérias e de infâmias que ela não tinha cometido. É trágico o momento: ela é posta na fogueira, diante do tribunal que está ali assistindo.

Ela, a santa que tinha cumprido a missão dada por Deus de salvar o povo francês, por ordem de um Arcebispo, Cauchon, presidente de um tribunal, ia ser queimada com o infamante epíteto de bruxa.

Pode-se entrever a perplexidade no espírito dela:

“Como? Aquelas vozes não eram verdadeiras? Elas teriam mentido? A ajuda que Vós me destes, ó meu Deus, teria sido uma ilusão? É a Inquisição que me condena? Um tribunal eclesiástico, dirigido por um Arcebispo, composto por teólogos e homens de lei… Será que eu não me enganei, ó meu Deus?”

Há um mistério, mas as vozes não mentiram…

O fogo ainda não foi aceso, a santa está amarrada a uma pilha de lenha toda induzida em azeite para que o fogo arda depressa. Ela espera o momento último, no qual não haveria mais dúvida nenhuma de que compareceria perante o tribunal de Deus.

Foi ateado o fogo, o qual com certeza já atacava as carnes dela; as chamas vinham de baixo para cima e, portanto, a parte vital ainda não estava atingida. Quando Santa Joana d’Arc começou a sentir os estertores da morte, ela não deu um gemido de dor, pedindo misericórdia. Ao contrário, primeiro clamou por São Miguel e depois, como Nosso Senhor Jesus Cristo na Cruz, bradou com “voce magna”, com grande voz, que, com certeza, se ouviu pela praça inteira: “As vozes não mentiram! As vozes não mentiram!” Era mais uma manifestação de convicção da santidade de sua causa.

O fogo tomou conta do seu corpo e ela morreu com todas as dores de quem é queimado vivo. Mas até o último momento, ela bradava: “As vozes não mentiram! As vozes não mentiram!” Ou seja: “Há um mistério, mas eu morro contente porque faço a vontade de Deus!” O mistério se explicou.

Santa Joana d’Arc estava morta, mas as vozes não tinham mentido. E, lutadora até o fim, ela morreu batalhando, não simplesmente deixando-se matar, mas dando um brado que era um desafio, um protesto e o prolongamento da resistência francesa. Como quem dissesse aos franceses: “Continuai a lutar, porque as vozes, em cujo nome eu vos conduzi à vitória, vinham do Céu. O Céu vos dará, portanto, a vitória total”.

Esse testemunho, dado na hora da morte, é um supremo lance de heroísmo que vale mais do que a entrada triunfal em Reims, ao lado do Rei que ia ser coroado, a entrada gloriosa e heroica em Orléans, ou tudo o mais quanto ela realizou.

Um coração que vigia e proclama

Conta Monsenhor Delassus que as chamas devoraram o corpo de Santa Joana d’Arc, mas pouparam o seu coração. “Ter coração” não é ser sentimental, e sim ter fibra, têmpera, alma, amor das coisas elevadas e da missão sobrenatural que se possui. E se há alguém que teve coração foi Santa Joana d’Arc. Então houve o bonito fato: o corpo foi todo queimado, mas não o coração. Isso significava ainda um modo de dizer: “Eu morro, mas meu coração vigia e proclama: As vozes vieram do Céu”.

Vitória post mortem

A ofensiva que Santa Joana d’Arc tinha conduzido contra os invasores ingleses era tão tremenda, que eles não ousaram resistir ao pequeno exército francês que restara. Os franceses foram expulsando os invasores, a Inglaterra estava liquidada. Era o ímpeto dela que tinha derrubado o poderio inglês na França. Ela morreu antes de ver a muralha cair, mas “as vozes não mentiram!”

Em 1909, portanto 478 anos após a sua morte, os sinos da Basílica de São Pedro badalavam, anunciando uma magnífica cerimônia: São Pio X, afinal, ia beatificar Santa Joana d’Arc, e com ela proclamar que “as vozes não mentiram!”

Santa Joana d’Arc ficou o próprio símbolo da glória da França, um símbolo magnífico da glória da Igreja!

Coruscação do ideal

Fazer a vontade de Deus dando-Lhe glória de qualquer modo, decapitado ou queimado, pouco importa ao homem de ideal que expira; para ele o importante é que Deus esteja sendo glorificado.

Ideal! Que coruscação, que beleza de palavra!

Qual é o prêmio do idealista?

Os véus da morte descem sobre isto. Nosso Senhor fez promessas incríveis, carregadas de mistérios paradoxalmente luminosos. Por exemplo: “O irmão que salva seu irmão, salva sua própria alma e brilhará no Céu como um sol por toda eternidade”. Isso por salvar um! Quem, como Santa Joana d’Arc, evita que a França inteira caia na heresia, como brilhará no Céu? Como será esse sol em toda a eternidade?

Não se tem ideia de qual é a glória dos santos. Podemos imaginar com que afeto Deus se volta para uma Santa Joana d’Arc, a qual está com as marcas do sofrimento que a fogueira causou à sua alma e se apresenta, por assim dizer, pegando fogo diante d’Ele… E Ele lhe diz: “Vem minha eleita, minha escolhida, minha dileta! Goza, agora, de minha presença cheia de amor durante toda a eternidade!”

Nossa Senhora lhe sorri, a afaga, os anjos cantam, todas as almas do Paraíso se rejubilam porque aquela alma santa, portanto a alma com o mais alto dos ideais, o único ideal pleno e verdadeiro, chegou até o Céu. 

 

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferências de 29/5/1972, 20/10/1984 e 2/11/1991)

 

Caminho para a devoção eucarística

O devoto da Santíssima Virgem encontrará  no Coração de Maria o próprio Coração de Jesus, naquilo que este Coração tem de mais amoroso, mais terno e mais compassivo. Ora, onde mais se manifestam as finezas do Coração de Jesus é na Sagrada Eucaristia.

Assim, a devoção a Nossa Senhora leva natural e espontaneamente à devoção eucarística. E é aí — neste culto à Eucaristia, que só pode ser plenamente fervoroso com o culto mariano, pelo culto mariano e no culto mariano — que os católicos encontrarão o alimento de sua vida espiritual.

 

Graças de Pentecostes

Talvez não nos enganemos ao pensar que um dos primeiros ambientes da Terra inteiramente abençoado e sacrossanto, no qual a bênção e a unção próprias das coisas sobrenaturais não só se fez presente mas perdurou enquanto o edifício existiu; em cujo interior brilhou um imponderável católico que todas as realizações da Igreja trazem consigo — e que é a manifestação do Espírito Santo —, que ­esse lugar tenha sido, precisamente, o Cenáculo onde se deu o esplendoroso espargir das graças de Pentecostes…

Eucaristia

Ao recebermos o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo na Sagrada Eucaristia, devemos imaginá-Lo vindo à nossa alma da mesma forma como Ele entrava na casa dos doentes que ia curar: com afeto, semblante sereno, transbordante de bondade, disposto a ouvir e desejoso de fazer o bem. Em seguida, operava o milagre, concedia a graça.

Tal é o amor com que o Deus infinito olha para nossa alma e nos espera. É para tal intimidade que nos convida. Nunca seremos tão íntimos de alguém quanto de Nosso Senhor, na Sagrada Eucaristia!

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 15/9/1973)

Esplendores da piedade Eucaristica

Em sua divina sabedoria, a Igreja sempre soube fazer face de modo admirável aos ataques de seus adversários, mormente quando estes incidiram sobre valores fundamentais da piedade católica.

Ela assim procedeu, por exemplo, no século XVI, diante da heresia que negava a presença real de Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento.

A condenação desse erro no campo doutrinário, foi complementada por um surto de entusiasmo e fervor na celebração do culto eucarístico. Surgiram as grandes cerimônias e procissões em louvor ao Santíssimo Sacramento no mundo inteiro.

A data mais apropriada para tais manifestações de devoção era, sem dúvida, a festa de Corpus Christi, instituída na Idade Média. Ganhou ela, assim, um novo incentivo e um novo porte, revestindo-se de todas as pompas e riquezas que a Liturgia gerou especialmente para essa extraordinária forma de revanche aos ataques das heresias. Levar-se-ia triunfalmente pelas ruas o próprio Deus, presente na hóstia consagrada, como quem afirma: “Vamos proclamar desta forma nossa fé no Santíssimo Sacramento. Proclamamos tão ostensiva e magnificamente para sobrepujar a cacofonia do erro com as melodias, as fanfarras e a presença da população católica”.

E como não conservar na lembrança as procissões das quais participamos no entusiasmo de nossa alma, quando o bulício das agitações cotidianas cedia lugar à paz e quietude de um feriado religioso, onde o silêncio da rua era interrompido apenas pelos cânticos e invocações de louvor ao Santíssimo Sacramento!

As ruas artisticamente atapetadas de flores, formando desenhos de hóstias, cordeiros e outros símbolos eucarísticos, indicavam o trajeto da procissão. As calçadas apinhadas de gente enlevada e piedosa, que se ajoelhava à passagem do Divino Homenageado, conduzido pelo bispo ou sacerdote no seu ostensório de ouro cravejado de pedras preciosas, sob um dossel ou uma umbrela que lhe servia ao mesmo tempo de proteção e ornamento.

A cena se repete nos mais variados recantos da Terra, desde pequenas cidades interioranas até a Praça de São Pedro, em Roma, onde o próprio Sumo Pontífice leva o adorável Corpo de Cristo à frente de uma imensa multidão de fiéis que o seguem pelas famosas colunatas de Bernini, sob o repicar festivo dos sinos.

O mesmo se vê em ruas seculares de cidades européias

— como, por exemplo, Toledo e Sevilha, na Espanha — com requintes de solenidade e esplendor que só a piedade católica seria capaz de conceber para honrar dignamente a Sagrada Eucaristia.

Assim era também nas ruas da Viena imperial, onde as procissões em louvor do Santíssimo alcançaram um ápice de magnificência, na época em que o poder temporal se curvava diante do Rei dos reis e Senhor dos senhores.

Abaixo, o leitor poderá beneficiar-se com a narração de uma dessas esplêndidas celebrações, realizada na bela Capital austríaca em 1912, por ocasião do Congresso Eucarístico de Viena. Dela participaram o Imperador Francisco José à frente dos grandes dignitários do Império, tropas militares com suas bandas e fanfarras, e centenas de milhares de fiéis.

Às oito horas, a tropa já tinha tomado posição. O cortejo, composto exclusivamente de homens, saía do átrio da catedral de Santo Estevão, enquanto 150 mil mulheres e moças formavam-se em duas alas desde a catedral até a porta monumental que dava acesso ao palácio imperial.

Primeiramente avançam as paróquias de Viena, em seguida os magnatas húngaros, os tiroleses em número de oito mil, os bósnios, os tchecos, os moravos, os rutenos e os romenos. Eis a seguir as delegações estrangeiras: os franceses, os espanhóis, os italianos, os ingleses, os alemães, etc.

São onze horas e meia. O clero vai entrar em cena. Compõe-se de cinco mil sacerdotes e religiosos ordenados hierarquicamente: simples padres, párocos, monges de todas as Ordens, cônegos e, encerrando o bloco, duzentos bispos com capa, mitra e báculo.

Fanfarras de trompetes anunciam o terceiro cortejo — do Santíssimo Sacramento — atrás do qual seguirá o do Imperador-Rei. Na primeira linha estão escudeiros vestidos de vermelho rutilante; em seguida, militares da corte, com “panache” branco, montados em cavalos cinzas; os dragões e os hussardos. Ainda um esquadrão de cavalaria e eis que surgem os cardeais.

Fanfarras ressoam, sinos tocam por toda parte e — precedida por oficiais, camareiros e pelo grande marechal da Corte — penetra na Helden Platz (Praça dos Heróis), a carruagem da coroação de Maria Teresa, pintada por Rubens, atrelada por oito cavalos negros. A parte alta é quase toda de vidro e pode-se ver comodamente o legado papal, ajoelhado ante um altar no qual está o ostensório.

A chuva cessa por um momento e o sol deixa entrever alguns pálidos raios. Muitos caem de joelhos, sem se preocuparem com a lama. Aí então, num silêncio dos mais comoventes, passa o Deus da Eucaristia. Como Nosso Senhor deve ter abençoado estes humildes que se inclinam ante sua passagem, e ouvido os ecos de sua comovida piedade!

Depois da carruagem de Nosso Senhor, eis agora a do Imperador. Numa carruagem atrelada por oito cavalos brancos, trajando uniforme azul, Francisco José olha fixamente o Santíssimo Sacramento, que ele acompanha. A seu lado está o arquiduque herdeiro.

O cortejo termina por uma soberba cavalgada da guarda montada austríaca, da guarda montada húngara e pelas carruagens dos arquiduques. Desenvolve-se conforme o itinerário prescrito, mas é impossível celebrar a Missa, e mesmo dar a Bênção, no lugar onde está montado o altar. Uma feliz ideia é enunciada pelo legado papal: ele se volta em direção à multidão perfilada e seu carro percorre de novo a imensa praça. Através da vidraça da carruagem aparece nitidamente o prelado elevando o ostensório e abençoando a multidão. Todos ficam consolados por esta bênção suprema.

Precedendo ou seguindo o Santíssimo Sacramento, os bispos, os cardeais e o Imperador entram então na capela do palácio imperial, onde o cardeal legado celebra a santa Missa, à qual assistem piedosamente o Soberano e toda a Corte.

É uma hora da tarde: a imensa multidão se dispersa. Estão felizes por terem honrado a Sagrada Eucaristia, apesar da hostilidade dos elementos da natureza.

Uma dama austríaca dizia: “Nosso Senhor quer nos mostrar que é preciso fazer face às dificuldades para seguiLo”.

É um pensamento dos melhores. O Deus da Eucaristia quis permanecer o Deus escondido, mas, sem dúvida, quis receber estas homenagens dos grandes e dos humildes.

Na verdade, tais são as vinculações e as harmonias insondáveis estabelecidas por Deus na sua obra que isto é assim: o Santíssimo Sacramento — Jesus Cristo em corpo, sangue, alma e divindade, que se encontra no alto dos Céus cercado por legiões de anjos que O adoram ininterruptamente — desce para percorrer as ruas, para estar com os filhos dos homens e fazer sua alegria neste convívio com cada um de nós.

Assim como na Comunhão em que O recebemos no íntimo de nosso coração, Ele ali está, paterno, manso, cheio de bondade, e repetindo de um modo ou de outro a sua frase imortal: “Aprendei de Mim que sou manso e humilde de coração, e encontrareis paz para as vossas almas…”

A presença de Cristo entre os homens

Em palestra feita numa Quinta-Feira Santa, dia da instituição do Santíssimo Sacramento do Altar, Dr. Plinio salienta nosso dever de agradecimento a Jesus e a Maria por esse dom de valor infinito.

 

Hoje é o dia da instituição da Santíssima Eucaristia. Os senhores devem tomar em consideração a propósito da Santa Ceia, o seguinte pensamento que me ocorreu certa vez.

Uma pessoa que tivesse Fé e soubesse que Nosso Senhor Jesus Cristo era Deus, assistisse à sua Crucifixão e estivesse informada de que depois viriam a Ressurreição e a Ascensão, essa pessoa poderia se perguntar: “Depois da Ascensão, nunca mais virá Ele à Terra? Então, até o fim do mundo Ele estará ausente? Seria isto arquitetônico? Seria razoável, tendo Ele feito pela humanidade tudo quanto fez?”

Jesus Cristo imolou sua vida de um modo dolorosíssimo e resgatou todo o gênero humano. Ele quis condescender em contrair com os homens que Ele salvou essa relação tão especial, de ser Ele a cabeça do Corpo Místico, que é a Igreja. E quis, pela graça, estar continuamente com todos os homens até o fim do mundo, de maneira a, por ela, vir a ser a alma de nossa própria alma, o princípio motor de nossa vida sobrenatural. Poderia, então, haver deste lado tanta união com Ele e, uma vez Ele morto, uma tão completa, tão prolongada, tão irremediável separação? Seria possível que Jesus subisse aos Céus e cessasse assim a presença real d’Ele na Terra?

Tudo clamava pela instituição da Eucaristia

Não quero dizer que a Redenção e o sacrifício da Cruz impusessem a Deus, em rigor de lógica, a instituição da Sagrada Eucaristia. Mas pode-se dizer que tudo clamava,tudo bradava, tudo suplicava por que Nosso Senhor não se separasse assim dos homens.

E uma pessoa com senso arquitetônico deveria entrever que Nosso Senhor arranjaria um meio de estar sempre presente, junto a cada um dos homens por Ele remidos. De forma tal que, depois da Ascensão, Ele estivesse sempre no Céu, no trono de glória que Lhe é devido, mas ao mesmo tempo acompanhasse passo a passo a via dolorosa de cada homem aqui na Terra, até o momento extremo em que cada um dissesse, por sua vez: “Consummatum est” (Jo 19,30).

Como se faria essa maravilha?

Essa hipotética pessoa não poderia adivinhá-la, mas deveria ficar sumamente suspeitosa de que, de algum modo, ela se realizaria. De tal maneira está nas mais altas conveniências da qualidade de Redentor de Nosso Senhor Jesus Cristo — o qual é nosso Protetor, nosso Médico, nosso divino Amigo — que seria próprio d’Ele fazer por nós esse prodígio.

Eu creio que se eu assistisse à Crucifixão e soubesse da Ascensão, ainda que não soubesse da Eucaristia, eu começaria a procurar Jesus Cristo pela Terra, porque não conseguiria me convencer de que Ele tivesse deixado de conviver com os homens.

Presente em todos os lugares, em todos os momentos

Esse convívio verdadeiramente maravilhoso de Jesus Cristo com os homens se faz, exatamente, por meio da Eucaristia.

Em todos os lugares da Terra, em todos os momentos, Ele está realmente presente, nas catedrais opulentas e nas igrejinhas pobres. Quantas vezes, viajando em estradas de rodagem, encontramos umas capelinhas minúsculas, pobres, que dão para acolher apenas umas vinte ou trinta pessoas. Passamos por uma delas e comovemo-nos, pensando que nela Nosso Senhor Jesus Cristo esteve, está ou estará realmente presente — com toda a glória do Tabor, com toda a sublimidade do Gólgota, com todo o esplendor da Divindade — de tal maneira Ele multiplicou pela Terra a sua presença adorável!

Olhamos para as pessoas que encontramos numa igreja, e pensamos: “Nosso Senhor Jesus Cristo está presente neste homem que comunga. Naquele outro, estará ainda nesta semana, talvez hoje mesmo, talvez amanhã. Estará presente tantas e tantas vezes! Eis um homem que vai ser transformado, embora por algum tempo, num sacrário vivo. Muito mais do que num sacrário, porque o tabernáculo contém as espécies eucarísticas, mas não comunga”. Aí nós podemos medir bem a prodigiosa obra de misericórdia realizada por Nosso Senhor, com a instituição da sagrada Eucaristia. Tanto quanto a presença d’Ele tem um valor infinito, tanto assim também tem valor infinito o fato de Ele estar realmente presente sob as sagradas espécies por toda a Terra, e em todos os homens que queiram condescender em O receber.

É muito bom, também, imaginarmos as horas e horas e horas que Ele passa abandonado nos sacrários, adorado apenas por Nossa Senhora, pelos Anjos e Santos do Céu. Pensar nos homens ausentes e distantes, e Ele à espera de que um deles queira vir recebê-Lo. De tal maneira o Infinito se sujeita ao que é finito, Aquele que é a própria pureza e a própria perfeição, se sujeita às boas disposições e, mais ainda, às vezes às más disposições daqueles que bem mal O querem receber.

Enlevo e gratidão

Por pouco que se pense nisto tudo, nossa alma não pode deixar de transbordar de reconhecimento, de enlevo, de gratidão por aquilo que Nosso Senhor operou na Última Ceia. Só uma inteligência divina poderia excogitar a sagrada Eucaristia, poderia imaginar esse meio de estar presente por toda parte e de entrar em todos os homens. E só mesmo um Deus podia realizá-lo!

Por mais que essas verdades sejam sabidas, é imperioso que nós detenhamos sobre elas nossa atenção e, por intermédio de Nossa Senhora, demos graças enormes a Deus, pela instituição da sagrada Eucaristia.

Simplesmente agradecer “por intermédio” de Nossa Senhora?

Se é verdade que todo dom vindo do Céu para os homens foi pedido por Ela — porque sem seu pedido o dom não teria sido dado — é verdade que Nossa Senhora pediu a instituição da sagrada Eucaristia, e foi pelos rogos d’Ela que Nosso Senhor Jesus Cristo a instituiu. Portanto, não devemos utilizá-La apenas como intermediária desse agradecimento, mas devemos agradecer também “a Ela” a sagrada Eucaristia.

Devemos agradecer a Jesus, que condescendeu em instituí-la, e a Maria que, movida pela graça, pediu a Deus esse favor transcendentalíssimo, e o obteve para nós.

É este pensamento que não pode deixar de estar presente nos nossos espíritos nesta Quinta-Feira Santa.

A maravilha da Missa

Há um pensamento transcendental, que também devemos ter em vista hoje, e que diz respeito ao santo Sacrifício da Missa. Os senhores sabem bem que a transubstanciação se opera no próprio ato em que Nosso Senhor Jesus Cristo renova a sua Paixão. A essência da Missa, que é a renovação da Paixão e Morte de Jesus Cristo, está na transubstanciação, que é o prodígio pelo qual o pão e o vinho se fazem Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, pelas palavras sacramentais pronunciadas pelo sacerdote. A Missa, que é ao mesmo tempo oferecimento e imolação, é também o ato determinante da presença real de Jesus sob as espécies que depois se conservam nos sacrários. Então, aquele homem que estivesse presente no Calvário, depois do “Consummatum est”, depois que as santas mulheres receberam o corpo descido da Cruz, depois que Nossa Senhora chorou sobre Ele e foi embalsamado, depois que Ele foi levado até o sepulcro, depois que a Cruz ficou sozinha no alto do Gólgota e todo mundo foi embora — aquele homem ali solitário, com o espírito cheio de Fé, compreenderia ser aquela Cruz o símbolo de um ato que tinha que se re-

novar, de um ato que, pela mesma lógica, convinha enormemente que se multiplicasse.

Esse ato, de fato, se renovou de um modo prodigioso por toda a Terra, e continuará se renovando até o fim do mundo, na Missa.

Os teólogos dizem que o Sacrifício da Missa tem um valor tão inapreciável e infinito, ao pé da letra, que se em um determinado dia ela deixasse de ser celebrada, a justiça de Deus cairia sobre o mundo, dando-lhe fim.

Houve um pintor — não me lembro qual — que pintou um quadro muito bonito, representando a última Missa sobre a Terra. Mostra ele, no meio do caos e da desordem, um padre que celebra a Missa, oferecendo a Deus o Sacrifício do Altar. Nesse momento, estão todos os Anjos prontos para cair sobre a Terra para executar a justiça de Deus e desencadear o fim do mundo. Mas eles todos estão parados, ainda, à espera de que a última Missa tenha sido celebrada. Porque tal é a reverência de Deus Padre para com o sacrifício de seu próprio Filho, a Ele oferecido na Missa, que nem o desígnio de acabar com o mundo O faria precipitar sua mão, antes desse sacrifício ser concluído.

Sacerdócio e bondade de Deus

Nós devemos considerar ainda que a Quinta-Feira Santa foi o dia da instituição do sacerdócio. O poder de consagrar foi conferido aos apóstolos nesta ocasião. Houve nesse dia, portanto, três maravilhas, conexas entre si: o Sacrifício, o Sacramento e o Sacerdócio, às quais se deve juntar o insigne ato do lava-pés.

Entretanto, o dia da instituição da Eucaristia, que deveria ser um dia de alegria, um dia de júbilo, é um dia de júbilo misturado com tristeza. Tristeza por causa da Paixão que se aproxima. Tristeza por causa do ódio satânico que fervia em torno mesmo do Cenáculo, onde Nosso Senhor Jesus Cristo estava por essa forma consumando a sua obra. Tristeza por causa da tibieza dos apóstolos, da fraqueza daqueles que eram, entretanto, os primeiros e os mais imediatos beneficiários de todas essas maravilhas. Tristeza por causa do filho da perdição, que estava sentado entre os apóstolos e ia executar o crime nefando, o pior crime da História, o de vender por trinta dinheiros Nosso Senhor Jesus Cristo.

E Ele, sendo Deus, tendo conhecimento de todas as coisas que iam acontecer, entretanto não trepidou em acumular tantas maravilhas sobre as pessoas desses pobres miseráveis que daí a pouco iam fazer tudo quanto fizeram, e do traidor por excelência, que fez tudo quanto fez.

Os senhores estão vendo o que é a vocação. Os senhores estão vendo o que é a misericórdia de Deus, a qual nada consegue abalar ou demover. Jesus Cristo tinha intuito de construir o seu Reino sobre a Terra, tinha o intuito de fazer daqueles apóstolos os pilares desse Reino. De fato, Ele cumulou de dons esses apóstolos. Eles foram infiéis, mas esses dons não se perderam. Os apóstolos acabaram sendo fiéis e as intenções de Nosso Senhor Jesus Cristo acabaram se realizando.

Graça a pedir na Quinta-Feira Santa

Aqui nós temos um argumento para nos estimularmos no meio de nossas incontáveis fraquezas.

Quantas razões para nós batermos no peito! Quantas razões para considerarmos as nossas confissões apressadas, as nossas comunhões mecânicas e sem piedade verdadeira! Quantas razões para pensar nas mil ocasiões em que estivemos abaixo de nossa vocação!

Entretanto, Nossa Senhora continua a nos proteger, continua a nos ajudar, continua a nos conceder graças de toda ordem. Podemos esperar que Ela tenha a intenção misericordiosa de nos conservar como seus apóstolos para todo o sempre, para a criação do Reino de Maria, apesar de todas as nossas insuficiências, de nossas carências, de nos-sas infidelidades.

E assim devemos nos inclinar a seus pés e pedir que Ela nos trate como tratou os apóstolos e obtenha para nós um trato análogo da parte de Nosso Senhor Jesus Cristo. Quer dizer, pedir-Lhe que — fechando os olhos às nossas fraquezas e misérias passadas e presentes, e até mesmo àquelas que de futuro nós possamos ter — Ela queira não romper esse pacto de misericórdia que Ela estabeleceu conosco. Que Ela queira manter esse pacto e fazer chegar logo o dia mil vezes feliz em que nos confirme na fidelidade. E em que nós possamos, afinal, ser para Ela razão de uma alegria estável, permanente, durável, sólida e séria, por nossa grande fidelidade.

Esta é a graça que na Quinta-feira Santa devemos especialmente pedir.

São Fernando de Castela, incansável batalhador

São Fernando de Castela, incansável batalhador na reconquista espanhola, assim rezava: “Senhor, Vós que sondais os corações, sabeis que busco vossa glória e não a minha; não me proponho conquistar reinos perecíveis, mas difundir o conhecimento de vosso nome”.

Façamos nossa, essa bela prece, a fim de alcançarmos a virtude da despretensão: “Em todas as nossas ações de apostolado, Senhor, procuramos exclusivamente vossa glória e não a nossa. Não almejamos conquistar para nós um prestígio perecível, mas difundir o conhecimento da verdade de Nosso Senhor Jesus Cristo, isto é, da doutrina da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana!”

(Extraído de conferência em 29/5/1968)