28 de fevereiro – A justiça e a misericórdia se oscularam

A justiça e a misericórdia se oscularam

Há espíritos que fazem admiravelmente o bem por meio da severidade, e outros que o realizam, dentro da medida do razoável, pela brandura e suavidade. Uns imitam mais Nosso Senhor enquanto expulsava os vendilhões do Templo; outros, enquanto Ele perdoava Santa Maria Madalena.

 

28 de fevereiro a Igreja comemora a festa de São Romão, abade. Temos a comentar uma ficha biográfica tirada da obra de Daras, Les Vies des Saints.

Lutar corajosamente contra o demônio

São Romão, nascido em 399, na Borgonha, foi fundador de um famoso convento na região do Franco Condado. Desde jovem retirou-se para a solidão, sendo mais tarde seguido por seu irmão, São Licínio. Conta-se que levavam uma vida que consideravam de paz e felicidade, quando o demônio resolveu interrompê-la. Cada vez que se punham de joelhos para rezar, o demônio fazia cair sobre eles uma chuva de pedras cortantes, que os feriam e impediam de continuar. Ambos resistiram por algum tempo, mas, vendo que nada conseguiam, decidiram abandonar o retiro. Ao chegarem a uma aldeia, foram hospedados por uma pobre mulher que lhes perguntou de onde vinham. Não sem alguma vergonha, narraram toda a verdade.
— Vós deveríeis, disse a mulher, lutar corajosamente contra o demônio e não temer os embustes e ódio daquele que tão frequentemente foi vencido pelos amigos de Deus. Se ele ataca os homens, é por medo de que eles, por suas virtudes, subam ao lugar de onde a perfídia diabólica o fez cair.
Ao saírem dessa casa, consideraram a sua fraqueza e quão pouco haviam combatido. Voltaram sobre seus passos e, com orações e paciência, venceram o inimigo.

São Licínio era severíssimo e São Romão agia com brandura

Mais tarde, tendo já fundado numerosos mosteiros, os dois irmãos visitavam essas fundações com frequência. São Licínio era severíssimo, não perdoando o menor deslize. São Romão, ao contrário, era bem mais misericordioso.
Aconteceu que São Licínio, visitando um convento na Alemanha, encontrou na cozinha excessiva quantidade de legumes e peixes. Escandalizado com aquilo, fez cozinhar tudo junto para castigo dos monges. A comida saiu tão repugnante que doze religiosos deixaram a casa, não suportando a penitência. São Romão teve uma visão sobre esse acontecimento e, quando Licínio voltou, disse-lhe:
— Meu irmão, é melhor não visitar as ovelhas do que ir vê-las para dispersá-las.

 

Resposta de São Licínio:
— Não tenhais pena, meu caro irmão! Não é preciso purificar o campo do Senhor e separar a palha do bom grão? Os que se foram eram doze orgulhosos em quem o Senhor não mais habitava.
São Romão concordou. Mas daí em diante chorava tão profundamente, magoado com a partida dos monges, que Deus, atendendo suas preces, reconduziu mais tarde os doze recalcitrantes ao convento. A ele se apresentaram voluntariamente para fazer penitência.

Combatentes varonis

Nesta narração há uma série de fatos interessantes para considerar. Em primeiro lugar, encontramo-nos em face da admirável floração de Santos ocorrida depois da queda do Império Romano do Ocidente. Vemos dois irmãos que levam uma vida de grande santidade, num lugar ermo, em meio a uma natureza amena, bucólica, felizes sem os atrativos das coisas da cidade, nem do mundo.
Podemos imaginar, nas horas de oração, esses irmãos ajoelhados, rezando um ao lado do outro – assim os representaria uma iluminura –, Nossa Senhora aparecendo no alto e sorrindo para eles.

Então, um primeiro ato é o da felicidade eremítica e bucólica desses dois irmãos, que vivem numa atmosfera terrena encimada por um céu parecido com o ar diáfano daqueles firmamentos azuis de Fra Angelico.
Em seguida, vem a provação. O demônio, que lhes tem ódio, emprega um modo de castigá-los muito interessante: uma chuva de pedras cortantes. Eles, tão bonzinhos, tão direitinhos… vem uma chuva medonha de pedras cortantes e os molesta. Procuram, então, rezar direito, mas afinal de contas as pedras são muito sérias e eles resolvem sair.
Encontram, por fim, uma boa mulher que habita uma choupana no campo. Ela perdeu o marido, tem um filho que mora longe e de quem apenas recebe, de vez em quando, uma carta; com uma perna inchada, doente, reumática, reza o tempo inteiro e vive só para Deus.
Essa mulher, provada por sofrimentos e cheia de sabedoria, recebe os dois e, naturalmente, primeiro lhes oferece algo para comer, ajuda a curar alguma ferida causada pelas pedras e depois pergunta o que há. Fora está chovendo torrencialmente, eles estão abrigados na casinha da mulher e lhe contam o ocorrido. Ela suspira, põe os olhos num crucifixo e afirma:

— Irmãos, andastes mal…
E lhes diz a verdade.
Eles, compungidos, passam a noite em prece. Na manhã seguinte, voltam para o ermo e vão lutar contra o demônio. São dois guerreiros contra o maligno que emergem dessa atmosfera azul e rosa-claro, ouro rutilante, os quais, a partir desse momento, transformam-se em lutadores varonis. É a formação deles que assim se enuncia.
Esse era o ambiente e o modo pelo qual a graça operava nessa época. Portanto, não se trata de lenda, mas é o estilo da ação de Deus nesse período.

Os diferentes métodos devem ser utilizados de acordo com o sopro da graça

Depois – na ficha saltam-se vários anéis intermediários –, eles nos aparecem numa posição pomposa, majestosa. São dois Santos veneráveis, cuja fama de santidade reuniu em torno deles vários conventos que lhes obedecem. Tornaram-se patriarcas, provavelmente já de barbas brancas, mais sábios, mais provados na vida do que aquela mulher, derrotaram os demônios, enfrentaram os adversários, fizeram viagens perigosas passando por lugares onde havia feras, pontes mal construídas, bandidos, tempestades, tudo enfrentaram por causa de Deus Nosso Senhor. Estão no zênite de suas vidas, porém mais uma vez um episódio entre eles se dará.
Há uma certa medida de severidade e de brandura que deve ser utilizada de acordo com o sopro da graça e com o modo pelo qual o Divino Salvador quer conduzir os espíritos. Existem espíritos que só sabem fazer bem por meio da severidade suma, e realizam um bem admirável. Há outros espíritos que, dentro da medida do razoável, quase se diria que estão no extremo oposto: são muito brandos, muito suaves, e fazem bem pela sua brandura e suavidade. Uns imitam mais Nosso Senhor enquanto expulsava os vendilhões do Templo; outros enquanto Ele perdoava Santa Maria Madalena.
Começam a governar esses mosteiros. São Licínio visita um deles e, encontrando irregularidades, aplica uma correção severa. Entretanto a Igreja é multíplice, e São Romão tinha o espírito diverso de seu irmão.
Notem a sutileza e o conteúdo teológico interessantíssimo do fato: São Romão lamentou tal atitude e censurou São Licínio. Este deu-lhe uma resposta esplêndida, explicando tudo. São Romão, suspirando, concordou.

Severidade e doçura aliadas à força da oração

Mas a Providência quis que a misericórdia não saísse derrotada. Onde São Licínio tinha feito bem em expulsar, São Romão fez bem em pedir que voltassem. Este se pôs a chorar, e vê-se então o velho com as barbas brancas, numa atitude enternecida, pensando naquelas almas, as lágrimas cristalinas de olhos cristalinos, que correm ao longo de uma face alva e emaciada e chegam a cair no chão, enternecem o Anjo da Guarda e encontram eco diante de Nossa Senhora, a Qual, por sua vez, tem sempre audiência diante de Deus. Maria Santíssima pede. Resultado: os monges, que São Licínio com tão boa vassoura varrera, voltam. Não regressam como ele tinha varrido, mas emendados por uma ação que está para além das vias normais da graça: não é o corretivo de São Licínio, mas uma bela superação dele. A graça conseguiu a conversão daqueles que a justiça, a tão bom título e tão oportunamente, tinha castigado. Iustitia et pax osculatæ sunt, diz o Salmo (85, 11) – a justiça e a paz se oscularam. Aqui se poderia afirmar que a justiça e a misericórdia se oscularam. E termina assim, num encantador happy end, esta ficha.
Que São Romão nos consiga essa candura de alma, tão extraordinariamente agradável, para praticarmos a virtude. Mas que tenhamos também a compreensão dos métodos de São Licínio, e não apenas a ternura empregada por São Romão. E nos façam parecidos com eles: São Licínio nos dê toda a sua severidade; e São Romão, a sua doçura com sua força de oração, pois sem esta de nada lhe valeria a doçura.v

(Extraído de conferência de 28/2/1967)

28 de fevereiro – São Romão, doçura e força de oração

São Romão, doçura e força de oração

Pregar apenas a misericórdia e silenciar a justiça é tão errado quanto fazer o contrário, pois ambas as virtudes são necessárias para as almas. Dois irmãos santos, Romão e Lupicino, nos deram significativo exemplo de como a justiça e a misericórdia se harmonizam.

 

Em 28 de fevereiro, comemora-se a festa de São Romão, abade. A ficha biográfica que irei comentar é tirada do Pe. Édouard Daras, “Les vies des Saints”(1).

Chuvas de pedras cortantes provocadas pelo demônio

São Romão, nascido em 399 na Borgonha, foi fundador de um famoso convento na região do Franco Condado. Desde jovem retirou-se para a solidão, sendo mais tarde seguido por seu irmão, São Lupicino. Conta-se que levavam uma vida que consideravam de paz e felicidade, quando o demônio resolveu interrompê-la. Cada vez que se punham de joelhos para rezar, o demônio fazia cair sobre eles uma chuva de pedras cortantes, que os feria e impediam de continuar. Ambos resistiram por algum tempo, mas vendo que nada conseguiam decidiram abandonar o retiro. Ao chegarem a uma aldeia, foram hospedados por uma pobre mulher, que lhes perguntou de onde vinham. Não sem alguma vergonha, narraram toda a verdade.

“Vós deveríeis, disse a mulher, lutar corajosamente contra o demônio e não temer os embustes e ódio daquele que tão frequentemente foi vencido pelos amigos de Deus. Se ele ataca os homens, é por medo de que eles, por suas virtudes, subam ao lugar de onde a perfídia diabólica os fez cair.”

Ao saírem dessa casa, consideraram a sua fraqueza e quão pouco haviam combatido. Voltaram sobre seus passos e, com orações e paciência, venceram o inimigo.

Dois métodos diferentes no trato com as almas

Mais tarde, tendo já fundado numerosos mosteiros, os dois irmãos visitavam essas fundações com frequência. São Lupicino era severíssimo, não perdoando o menor deslize. São Romão, ao contrário, era bem mais misericordioso.

Aconteceu que São Lupicino, visitando um convento na Alemanha, encontrou na cozinha excessiva quantidade de legumes e peixe. Escandalizado com aquilo, fez cozinhar tudo junto para castigo dos monges. A comida saiu tão repugnante que doze religiosos deixaram a casa, não suportando a penitência. São Romão teve uma visão sobre esse acontecimento, e quando Lupicino voltou, disse-lhe:
— Meu irmão, é melhor não visitar as ovelhas do que ir vê-las para dispersá-las.

Resposta de São Lupicino:
— Não tenhais pena, meu caro irmão. Não é preciso purificar o campo do Senhor e separar a palha do bom grão? Os que foram eram doze orgulhosos em quem o Senhor não mais habitava. São Romão concordou. Mas daí em diante chorava tão profundamente, magoado com a partida dos monges, que Deus, atendendo suas preces, reconduziu mais tarde os doze recalcitrantes ao convento. E a ele se apresentaram voluntariamente para fazer penitência.

Num ambiente sereno, surge a provação

Aqui há uma série de fatos interessantes para considerar, e cada um deles, portanto, vai ter um comentário à parte. Em primeiro lugar, nos encontramos em face dessa admirável floração de santos, depois da queda do Império Romano do Ocidente. Vemos aqui dois irmãos que levam uma vida de grande santidade. E aparece esse episódio deles residindo no ermo, sem amolação nenhuma, sem ver nada das coisas da cidade, nem do mundo, numa natureza amena, bucólica, vivendo felizes.

Então podemos imaginar, nas horas de oração, os irmãos ajoelhados bem direitinho, um ao lado do outro — assim é que os representaria uma iluminura —, e rezando a Nossa Senhora que aparece no alto, sorrindo para eles. Esse seria o primeiro ato. É o ato da felicidade eremítica e bucólica desses dois irmãos que vivem numa atmosfera terrena, encimada por um céu parecido com o ar diáfano daqueles céus azuis de Fra Angelico, o qual poderia perfeitamente ter pintado essa cena.

Vem depois a provação. O demônio tem ódio deles e o modo de castigá-los também é muito interessante: a chuva de pedras cortantes. Sobre eles, tão bonzinhos, tão direitinhos, cai uma chuva medonha de pedras cortantes que os molesta. Os irmãos então procuram rezar direito, mas afinal de contas as pedras caem em tal quantidade que eles resolvem sair.

Lição de uma virtuosa mulher

Por fim, surge uma mulher, a qual é, naturalmente, uma boa mulher, que habita no campo, numa choupana. Ela perdeu o marido e tem apenas um filho, que é monge e reside num lugar distante, e de quem, de vez em quando, recebe uma carta; essa mulher é reumática, tem uma perna inchada, mas reza o tempo inteiro e vive só para Deus. Assim poderíamos imaginar a mulher, pois esse era o ambiente pitoresco da época, o modo pelo qual a graça operava. Não é lenda. É o estilo da ação de Deus naquele tempo.

Então a mulher, provada em dores e cheia de sabedoria, recebe os dois. Naturalmente, primeiro oferece a eles alguma coisa para comer. Ajuda a curar alguma ferida provocada pelas pedras. Depois pergunta o que há. Fora está chovendo torrencialmente, eles estão abrigados na casinha da mulher e contam para ela o ocorrido. A mulher suspira, põe os olhos num Crucifixo e diz: “Irmãos, mui errados andais!” E fala a verdade.

Compungidos, eles passam a noite em prece. Na manhã seguinte, voltam para o ermo e vão lutar contra o demônio. São dois cavaleiros, dois guerreiros contra o demônio, que emergem dessa atmosfera azul-claro, rosa-claro, ouro-rutilante, e que a partir desse momento se transformam em lutadores varonis. É a formação deles que assim se enuncia.

Severidade e brandura

Depois se saltam vários anéis intermediários, e eles nos aparecem numa posição pomposa, majestosa. São dois santos veneráveis, cuja fama de santidade reuniu em torno de si vários monges que lhes obedeciam. Eles são patriarcas, provavelmente já de barba branca, mais sábios e mais provados na vida do que aquela mulher, derrotaram os demônios, enfrentaram os adversários, fizeram viagens perigosas passando por lugares onde havia feras, pontes mal construídas, bandidos, tempestades, tudo enfrentaram por causa de Deus Nosso Senhor. Os dois estão no zênite da vida deles. Porém, mais uma vez, um episódio entre eles se dará.

Há certa medida de severidade e de brandura que deve ser utilizada de acordo com o sopro da graça, e com o modo pelo qual Deus Nosso Senhor quer conduzir os espíritos. Existem certos espíritos que só sabem fazer bem por meio da severidade suma, e realizam um bem admirável. Há outros espíritos que, dentro da medida do razoável, quase se diria que estão no extremo oposto: são muito brandos, muito suaves, e fazem bem pela sua brandura e suavidade. Uns imitam mais Nosso Senhor enquanto expulsava os vendilhões do Templo; outros O imitam mais enquanto perdoava Santa Maria Madalena.

De qualquer forma, ei-los que começam a governar esses mosteiros. E um deles, São Lupicino, muito severo, muito duro, vai ao mosteiro e faz o que todos os instintos de minha alma me pediriam para fazer, se estivesse em situação análoga: “Isso aqui não está direito? Está bem, eu vou ensinar.” É reto, rápido, não faz os outros perderem tempo, resolve as coisas diretamente e resolve mesmo. Erradica e põe fora. Está acabado.

Mas exatamente a Igreja é multíplice, e São Romão, o qual tinha o espírito diverso, começa a lamentar o que fez São Lupicino.

Notem a sutileza e o conteúdo teológico interessantíssimo do fato: São Romão começa a lamentar o que realizou São Lupicino e lhe faz uma censura. Este dá uma resposta à sua maneira, esplêndida, e explica tudo. São Romão dá um suspiro e concorda, teve boa-fé. Isso é verdade.

A justiça e a misericórdia se oscularam

Mas a Providência quis que a misericórdia não saísse derrotada. E onde São Lupicino tinha feito bem em expulsar, São Romão fez bem em pedir que os monges voltassem. Este se pôs a chorar. Vê-se, então, o velho com as barbas brancas numa atitude enternecida, pensando naquelas almas, as lágrimas cristalinas de olhos cristalinos que correm ao longo de uma face alva e emaciada, chegam a cair no chão e enternecem o Anjo da Guarda, encontram eco diante de Nossa Senhora, a qual, por sua vez, tem sempre eco diante de Deus. E Maria Santíssima pede pelos monges.

Resultado: o pessoal, que São Lupicino com tão boa vassoura varrera, volta. Mas não regressa como era quando foi varrido. Volta emendado por uma ação excepcional da graça, uma ação que está para além das vias normais da graça; que não é o corretivo de São Lupicino, mas é uma bela superação desse santo. A graça conseguiu a conversão daqueles que a justiça, a tão bom título e tão oportunamente, tinha castigado.

A justiça e a paz se oscularam, diz o Salmo(2). Aqui se poderia dizer que a justiça e a misericórdia se oscularam. E termina assim, num encantador “happy end”, esta ficha.

Que São Romão nos consiga um pouco dessa candura de alma; que no interior de nossas almas haja um pouco desse rosa-claro, desse verde, desse florilégio que é tão extraordinariamente agradável para carregarmos a virtude. E que tenhamos a compreensão dos métodos de São Lupicino, e não apenas a ternura para com os modos de agir de São Romão. Que ambos nos façam parecidos com eles. Que São Lupicino nos dê toda a sua braveza. E São Romão nos conceda sua doçura com sua força de oração; porque, sem sua força de oração, nada faria com sua doçura.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 28/2/1967)

1) Cf. DARAS, Édouard. Les vies des Saints. Volume II. 7ª edição. Paris: Louis Vivès, 1872. p. 465-471.
2) Cf. Sl 85, 11.

25 de fevereiro – Manteve-se sempre no caminho da virtude – Beato Sebastião de Aparício

Manteve-se sempre no caminho da virtude – Beato Sebastião de Aparício

Beato Sebastião de Aparício teve uma vida singular. Depois de uma existência muito simples e pobre, de um camponês arraigado na tradição de sua terra, embarcou para o México, naquele tempo lugar de aventura e riqueza, e ali se enriqueceu como agricultor. Depois se dedicou ao comércio, onde alcançou também um êxito extraordinário. Casou-se por duas vezes, tendo ficado viúvo, e em ambos os casamentos guardou a castidade perfeita com o consentimento da esposa.

Aos setenta anos ingressou como irmão leigo na Ordem dos franciscanos, onde permaneceu por vinte e oito anos. O antigo agricultor, comerciante, homem de aventuras e esposo passou a ser um capuchinho de barba branca tranquilo, gentil, ressumando vida espiritual, morrendo numa espécie de apoteose.

Em meio a esses zigue-zagues, sua alma manteve-se continuamente no caminho da virtude. É uma conjunção de vidas dentro das quais ele toma toda a personalidade de cada papel e, no fim, sublima-se no papel dos papéis: um simples irmão leigo franciscano, perfumando o convento, o México e, de algum modo, toda a América, com a beleza de sua vida.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/2/1966)
Revista Dr Plinio 263 (Fevereiro de 2020)

25 de fevereiro – Beato Sebastião

Beato Sebastião

A vida do Beato Sebastião de Aparício foi cheia de zigue-zagues, mas sua alma sempre se manteve  no sendeiro da virtude. O universo da santidade é muito mais ordenado, elevado e bonito do que todas as estrelas do céu, as belezas da natureza, as magnificências da arte. Sem santidade o mundo não teria sentido nem graça.

 

No dia 25 de fevereiro comemora-se a memória do Beato Sebastião de Aparício. Sobre ele diz Rohrbacher(1):

Apostolado do exemplo

Nasceu na Galícia, em 1502, de família humilde de simples camponeses. Viveu até rapaz como pobre empregado, entregando suas economias aos pais e santificando essa vida árdua com uma enorme piedade. Embarcou em 1532 para o México, onde enriqueceu utilizando seus conhecimentos de agricultura. Teve êxito também no comércio, mas abandonou a profissão por achá-la  perigosa para a salvação eterna, e voltou à lavoura.

Casou-se duas vezes e nos dois casamentos, com o consentimento das esposas, observou a continência. Dele disse o decreto de beatificação: A Providência não o enviou à América para lá cultivar ciências, nem tampouco literatura, a ele absolutamente estranhas, mas para instigar os novos cristãos, mediante o exemplo, à prática de uma profunda humildade e da perfeição.

Com a avançada idade de setenta anos, renunciou às abundâncias e riquezas  de que dispunha, distribuiu-as pelos fiéis e assim despojado de qualquer bem terreno entrou num convento de  franciscanos da estrita observância. Lá, esquecendo do que deixara no mundo, fez profissão como irmão leigo. A partir de então, persistiu na prática de maravilhosa penitência, de simplicidade de coração, de prece e de fé, de obras de misericórdia espiritual e física, até a idade de noventa e oito anos.

Colheu então o fruto de cooperação com a graça e do fiel e laborioso cumprimento dos deveres religiosos. Embora entrado na vinha na última hora do dia, recebeu o prêmio inteiro que o pai de família prometeu aos que entram nas primeiras horas.

Variedade, unidade, ordem

Costuma-se dizer, a respeito da vida dos santos, que elas são admiráveis por aquilo que têm de parecido e pelo que possuem de diferente. Pelo que têm de parecido  porque indicam a unidade da santidade e a união da obra de Deus. Por aquilo que possuem de diverso, porque a variedade é um elemento complementar da unidade e é fonte, junto com esta, de toda beleza.

Nem sempre se nota que a ordem está apenas na conjugação dos fatores unidade-variedade, mas encontra- se também na conjugação do modo pelo qual as diferenças se completam  harmonicamente, por sua vez reproduzindo a unidade. E podemos então não só nos edificar na consideração da beleza da unidade que há na vida dos santos, quanto na verificação da surpreendente diversidade e da ordem que essas diferenças mantêm entre si.

Todos os estilos e tipos de vida humana honesta e honrada acabam sendo santificados por um bem-aventurado que daquela forma chegou aos altares; e mostrando que Deus tem seus desígnios muito variados a respeito de todos. Quando o Criador quer e a alma corresponde, de fato daí nasce a santidade.

Diversas mudanças em sua longa vida

Vejam como a vida desse Beato é singular. Nasceu pobre, filho de camponeses. Entretanto, vivia com muita piedade, entregava suas economias aos pais, respeitava o domingo. Isso em 1502. Mas em 1532 houve uma mudança brusca em sua vida.

Depois de uma existência muito simples e pobre, de um camponês arraigado na tradição de sua terra, embarca, de repente, para o México que naquele tempo era um lugar de aventura, de riqueza.

Ele sai de uma vida muito ordenada e singela para o pleno tumulto de um quadro de existência completamente novo. Lá ele se enriquece como agricultor.

Nova mudança: entra no comércio, exercendo profissão profundamente diversa da agricultura, e também obtém um êxito extraordinário.

Mais outra mudança: deixa o comércio e volta à lavoura. Por quê? Pela dificuldade de enriquecer honestamente.

Todos sabem como é fácil roubar no comércio. Deixou o estado de solteiro e casou-se duas vezes; e, circunstância imprevista, guardando continência as duas vezes.

Quer dizer, castidade perfeita dentro do casamento. Uma vida toda  de aspectos singulares. O decreto de beatificação acentua o último momento de sua vida: já tinha setenta anos quando entrou
para um convento de franciscanos.

Alguém dirá: só uma pontinha de sua existência… Não, são vinte e oito anos de vida religiosa. Depois de ter dado zigue-zagues de toda ordem, caiu na grande estabilidade de uma ordem religiosa, na qual levou a vida de um religioso. Então, o antigo agricultor, o antigo comerciante, o antigo homem de aventuras, o antigo esposo passa a ser um capuchinho de barba branca tranquilo, gentil, ressumando vida espiritual e morre numa espécie de apoteose.

Perfumou o convento, o México e a América coma beleza de sua vida

Analisando esses zigue-zagues, vê-se que não foram sinuosidades de uma pessoa que andou quebrando a cabeça de todos os lados, nem a correria do gato louco, mas que tudo isto teve uma certa continuidade. Por exemplo, quando se tornou comerciante ele já era tão direito que preferiu deixar o comércio a roubar. Tendo resolvido se casar, teve razões tão elevadas que guardou a castidade perfeita no casamento, e por duas vezes.

A vida dele rolando de todos os lados, mas sua alma, no sendeiro da virtude, afinal chega ao fim. E aos setenta anos entra para o convento, onde permanece por mais vinte e oito anos, o que ninguém esperava. É uma conjunção de vidas dentro das quais ele toma toda a personalidade de um papel e depois passa para outra função; no fim se sublima no papel dos papéis: um simples irmão leigo franciscano, perfumando todo o convento e todo o México e, de algum modo, toda a América com a beleza de sua vida.

Então, compreende-se bem que Deus é admirável nos seus santos. Ele é o autor, a fonte, o modelo da santidade; e o meio para ganhá-la é Maria Santíssima, nossa Medianeira. Ele é admirável porque todos os santos têm algo de parecido e algo de diferente, e porque essas diversidades se ordenam de um modo lindíssimo.

Qualquer alma é um tesouro inapreciável

Comparemos este Beato, por exemplo, com São Simeão Estilita rezando continuamente no alto de sua coluna, anos e anos, empolgando toda uma cidade; com o Venerável Pio Bruno Lanteri lutando contra a polícia de Napoleão, ou com Santa Teresinha do Menino Jesus morrendo vítima do amor misericordioso, em Lisieux.

Essas variedades têm umas harmonias profundas, que são uma espécie de post-visão da unidade.

O universo da santidade é muito mais ordenado, elevado e bonito do que todas as estrelas do céu, as belezas da natureza, as magnificências da arte. É a santidade o centro do mundo.

Sem santidade o mundo não teria sentido nem graça, mesmo no que ele possui de mais belo.

Peçamos a Nossa Senhora, por intermédio desse Beato, que nos dê uma consideração, uma compreensão, um amor cada vez maior pela santidade.

De outro lado, nos conceda a vontade de nós mesmos sermos santos e contribuirmos com nossa alma para a beleza desse firmamento para o qual fomos criados.

Qualquer alma, a última das almas do último homem, é um tesouro inapreciável porque é uma estrela que a Providência quer que brilhe por toda a eternidade nesse firmamento de santidade que deve substituir no Céu os anjos caídos.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência de 24/2/1966)

24 de fevereiro – Santo Edelberto, Rei de Kent

Santo Edelberto, Rei de Kent

A história da conversão e santificação do primeiro rei católico inglês oferece a Dr. Plinio oportunidade de nos aconselhar a prática da prudência e da sabedoria semelhantes às exercitadas por Santo Edelberto, pelas quais seremos sempre capazes de escolher o bem e rejeitar o mal.

 

No dia 24 de fevereiro a Igreja celebra a festa de Santo Edelberto, Rei de Kent, na Inglaterra. Segundo nos relata o Martirológio, foi o primeiro dos príncipes dos anglos que se converteu ao cristianismo, pela evangelização do Bispo Santo Agostinho, em Canterbury, no ano de 616.

Os missionários do Papa recebidos com procissão

Sobre Santo Edelberto, diz Rohrbacher, na sua Vida dos Santos:

Em 596, o Papa São Gregório Magno enviou, sob a chefia de Santo Agostinho, um grupo de missionários à Inglaterra, então pagã. Aportando à ilha, os apóstolos fizeram saber ao Rei Edelberto de sua chegada e que lhes traziam uma mensagem de vida eterna. O soberano, que por intermédio de sua esposa já ouvira falar da religião católica, prometeu recebê-los numa entrevista pública.

Os monges chegaram em procissão, trazendo como estandarte uma cruz de prata e a imagem do Salvador pintada num quadro, entoando ladainha a Deus em prol da salvação deles e do povo pelo qual haviam se dirigido à Inglaterra. Mandou o soberano que se sentassem e eles começaram a lhe anunciar o Evangelho.

Prudente atitude do Rei Edelberto

Respondeu Edelberto: “As vossas palavras e promessas são belíssimas. Mas por serem novas e incertas, não me é dado aquiescer e deixar o que tenho observado há tão longo tempo com a nação dos ingleses. Todavia, como viestes de longe e como se me afigura perceber que desejais participar-me aquilo que julgais ser mais verdadeiro e melhor, em vez de vos opor obstáculo, vos recebemos bem e vos damos o que é necessário à vossa subsistência. Não vos impediremos de atrair para vossa religião todos quantos puderdes persuadir”.

Protegeu os cristãos, converteu príncipes e edificou igrejas

Cedeu-lhes, então, um abrigo na ilha que receberia, no futuro, o nome de Cantuária. Algum tempo depois, impressionado com o exemplo dos monges e com sua doutrina, o rei converteu-se e foi batizado. E dos vinte anos em que ainda viveu, dedicou-os à propagação da fé entre seus súditos, apoiado e exortado pelo pontífice Gregório Magno.

Protegeu os cristãos, levantou templos, fez leis admiradas e imitadas durante séculos, aplicou-se também à conversão dos príncipes vizinhos e conduziu dois deles ao cristianismo.
Faleceu Santo Edelberto em 606. Seu exemplo frutificou, pois nunca nação alguma deu à Igreja tantos reis santos quanto a Inglaterra.

Grandes figuras de fundadores da Idade Média

Aparecem-nos aqui duas grandes figuras de impulsionadores da Idade Média. Por essa breve e bela narração, podemos conceber o encontro de um insigne missionário, que é Santo Agostinho da Cantuária, com um extraordinário monarca fundador, Santo Edelberto.

Refiro-me a ele como fundador, porque da Inglaterra anterior à conversão pode-se dizer não passava senão de uma nação ainda em seus primórdios. Não havia uma civilização britânica, nem uma Inglaterra propriamente dita. Existiam apenas os germes da futura Inglaterra que, em contato com Santo Agostinho, floresceram e deram na nação em que ela se tornou posteriormente.

Magnífico preâmbulo de evangelização

A solenidade que o historiador nos descreve é, na verdade, maravilhosa. Podemos imaginar aquele rei e seus guerreiros semi-bárbaros, congregados na clareira de uma floresta, e, admirados uns, céticos outros, vêem chegando ao longe, entoando cânticos e ladainhas, Santo Agostinho com os seus monges e seguidores. Os enviados do Papa São Gregório Magno se aproximam, cumprimentam-se, são convidados a se sentar e começam as conversas entre apóstolos e futuros convertidos.

Sabedoria e simpatia

Percebe-se claramente a atitude ao mesmo tempo sábia e simpática do Rei Edelberto. Com efeito, embora se veja o coração dele tocado pela doutrina e exemplos de Santo Agostinho, ele responde com muita liberdade de movimentos e de palavras, dizendo: “Tudo o que vós nos dizeis é muito belo, mas não posso mudar de ideia tão depressa, abandonando as crenças que herdei de meus maiores. Desejo estudar melhor essas novidades que nos trazeis”.

Porém, ele o disse com notória benevolência e inclinação para aceitar o Evangelho, pois em seguida, ele agradece a Santo Agostinho e aos que o acompanhavam por terem vindo de tão longe para lhes falar, oferece-lhes um bom abrigo e lhes concede liberdade para pregarem e converterem à religião deles quantos o quisessem.

Ou seja, a posição dele em relação a Santo Agostinho revela um primeiro passo de sua alma em direção àquela verdade cujo precônio ele estava ouvindo naquele momento.

Confirmando essa sua intenção, ele facilita todas as coisas para a missão apostólica de Santo Agostinho, e este logo dá início à tarefa de evangelizar o povo e instaurar a religião católica na Inglaterra. Santo Edelberto, depois de examinar devidamente a nova doutrina, como homem consciencioso que era, abraçou-a de toda a alma. Converteu-se, tornou-se um modelo de soberano cristão, edificou igrejas, trouxe para o catolicismo outros príncipes ingleses e protegeu os súditos que foram acolhidos no grêmio da Santa Igreja Católica.

Pela ação da graça, discernimos a religião autêntica

O exemplo da conversão de Santo Edelberto nos faz deitar a atenção sobre um ponto que merece ser considerado. Trata-se de que, as condescendências primeiras que manifestamos em relação a alguma doutrina, revelam nossa simpatia: boa, quando para o bem; má, se tende para o mal.

Assim, quando alguém, de bom espírito, estranho à religião católica toma contato com esta, ver-se-á sob uma especial ação da graça, pela qual lhe é dada a possibilidade de vislumbrar — de propósito não afirmo que é dada uma certeza absoluta, mas um vislumbre — que ela tomou conhecimento da religião verdadeira. Donde, será bom todo movimento que essa pessoa faça no sentido de abraçar essa religião.

Pelo contrário, quando um católico trata com uma religião falsa, tem todos os elementos para se saber em presença de uma doutrina errônea. E, por conseguinte, todo movimento de simpatia para com tal doutrina será ruim.

Peçamos a Nossa Senhora, pelos rogos de Santo Edelberto, que nos conceda uma prudência e uma sabedoria semelhantes àquelas de que ele nos deu exemplo, e saibamos desse modo sempre escolher o bem e rejeitar o mal.

Plinio Corrêa de Oliveira (Extraído de conferência em 23/2/1966)

22 de fevereiro – AMOR, OBEDIENCIA E VENERAÇÃO PELA CÁTEDRA DE SÃO PEDRO

AMOR, OBEDIENCIA E VENERAÇÃO PELA CÁTEDRA DE SÃO PEDRO

A Cátedra de São Pedro lembra o supremo governo da Igreja Católica Apostólica Romana. Se as vicissitudes humanas podem dar a essa Cátedra brilho maior ou menor, ou até rodeá-la de trevas, ela é sempre a mesma. Nosso amor à Santa Igreja é absolutamente sem limites e acima de todas as coisas da Terra, e deve incidir de modo especial sobre a Cátedra de São Pedro, qualquer que seja o seu ocupante.

A respeito da festa da Cátedra de São Pedro, Dom Guéranger, em sua obra L’Année Liturgique, cita um trecho do Sermão 82 de São Leão Magno. Eis os dizeres deste Santo Pontífice:

A Providência preparou o Império Romano para a pregação do Evangelho

O Deus bom, justo e todo-poderoso, que jamais negou sua misericórdia ao gênero humano, e que pela abundância de seus dons forneceu a todos os mortais os meios de conhecermos o seu Nome, nos secretos desígnios de seu imenso amor, teve piedade da cegueira voluntária dos homens e da malícia que os precipitava na degradação, enviou o seu Verbo, que Lhe é igual e coeterno.
Ora, esse Verbo, tendo-Se feito carne, tão estritamente uniu a natureza divina à natureza humana que o abaixamento da primeira até nossa abjeção tornou-se para nós o princípio da elevação mais sublime.
Mas, a fim de difundir no mundo inteiro os efeitos desse favor, a Providência preparou o Império Romano e deu-lhe tão grandes limites que ele abarcava em seu vasto meio a universalidade das nações. Foi feita uma coisa muito útil à realização da obra projetada, que os diversos reinos formassem uma confederação de um império único, a fim de que a pregação geral chegasse mais rapidamente aos povos, unidos que já estavam sob o regime de uma só cidade.

Roma, dominada pelo demônio, foi conquistada por Cristo

o Autor de seus destinos, fizera-se escrava dos erros de todos os povos, no instante mesmo em que ela os tinha sob suas leis e acreditava possuir uma grande religião, porque não rejeitava nenhuma mentira. Mas quanto mais duramente foi dominada pelo demônio, mais maravilhosamente foi conquistada por Cristo.
Com efeito, quando os doze Apóstolos, após terem recebido do Espírito Santo o dom de falar todas as línguas, espalhados pelos quatro cantos da Terra, e que tomaram conta deste mundo onde deviam difundir o Evangelho, o Bem-aventurado Pedro, príncipe dos Apóstolos, recebeu como herança a cidadela do Império Romano, a fim de que a luz da verdade que se manifestava para a salvação de todas as nações se propagasse mais eficazmente, difundindo-se no centro desse Império sobre o mundo inteiro.
Qual a nação, com efeito, que não contava com numerosos representantes nessa cidade? Qual povo ignorava o que Roma ensinava? Era lá que deviam ser esmagadas as opiniões de Filosofia, dissipadas as vaidades da sabedoria terrestre, o culto dos demônios seria confundido, destruída enfim a impiedade de todos os sacrifícios, no mesmo lugar onde uma superstição hábil reunira tudo o que os diversos erros haviam produzido.

A unidade civil do Império Romano preparou a aceitação da unidade religiosa

 

 

A primeira ideia que aparece neste texto é de que a humanidade estava extremamente degradada, e Nosso Senhor Jesus Cristo, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, encarnou-Se, realizando por esta forma uma descida que era imensa – porque do mais alto dos Céus, do infinito, para uma condição degradada –, mas há uma correspondência entre o enorme dessa descida e a extraordinária ascensão que o gênero humano teve. Porque, assim como Deus Se humilhou imensamente encarnando-Se, nós fomos incomensuravelmente elevados pela Encarnação d’Ele.
Há uma expressão que diz: “Quanto maior a altura, tanto maior o tombo.” Aqui se poderia afirmar, salvadas as proporções: “Quanto maior o tombo, maior a altura.” Quanto mais Deus Se humilhou, tanto mais nós fomos prodigiosamente levantados por Ele. Então, vem acentuada aqui a imensa misericórdia do dia de Natal, que patenteia aos homens a elevação sublime e incompreensível da natureza humana pela união hipostática na Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. O segundo pensamento é o seguinte: esse favor da Providência só daria todos os seus resultados pela constituição do Império Romano. Porque era um Império enorme que continha, dentro de seu bojo, todas as nações da orla do Mediterrâneo e muitas outras ainda. Como se sabe, o Império Romano estendeu-se até o atual território da Inglaterra e um pouco o da Escócia; e que na linha sul ele tocou as lindes da Etiópia.
A África do Norte era povoada, fértil e intensamente latina no tempo dos romanos, e o poder destes afundou pela Pérsia adentro, tocando quase até na Índia. De algum modo, se podia dizer que o mundo conhecido era todo romano. Ou seja, houve uma unificação de incontáveis nações sob um só Império, e São Leão Magno mostra porque esta unificação serviu para a difusão do enorme benefício que houve, em que Cristo se Encarnasse e elevasse a natureza humana. Ele, então, dá algumas razões.
Uma razão, muito rapidamente mencionada, é ligada ao fato de que onde há um só Estado, sem fronteiras, cabe mais facilmente a ideia de uma só religião. E por causa disso a unidade civil do Império Romano preparava as mentes para a aceitação de uma unidade religiosa.

A Roma dos Papas

Depois ele desenvolve uma ideia mais viva, que é a seguinte: a cidade de Roma era como que um coração mantendo dentro de si, com movimentos de sístole e diástole, um sangue que circulava por todo o Império. Em Roma havia habitantes de todas as partes do Império, que ou ali moravam e exerciam influência sobre suas respectivas províncias, ou estavam sempre em viagem e assim levavam a influência de Roma para os últimos recantos.
De um modo ou de outro, Roma era como um coração que havia atraído para si pessoas de todo o Império, e depois mandava para longe funcionários, legionários e todo o aparelho administrativo e militar romano. De maneira que, cristianizando a cidade de Roma, estava conquistado o ponto estratégico para a cristianização do Império. Feita a cristianização do Império, estava potencialmente cristianizado o mundo.
Então ele explica que, por um desígnio soberano de Deus, Roma foi escolhida para ser a cidade do Papa porque era uma cidade estratégica, onde este benefício da salvação podia se tornar mais geralmente conhecido.
Daí vem a Cátedra de São Pedro, a qual se trata de venerar, posta no centro de influência do mundo inteiro, e que inoculou em todo o orbe a regeneração católica, a verdadeira Fé, disseminou a Igreja.
É bonito verificar como a Providência age de um modo político interessante. E eu não recuo diante da palavra “político”. Enquanto a Igreja era pequena e fraca, tornava-se necessário que a sede d’Ela fosse na mais importante cidade do mundo, para poder espalhar a sua influência. Mas depois que a Igreja se difundiu por todo o orbe, convinha que o Papa, tornado personagem humanamente poderosíssimo, não convivesse na mais importante cidade do mundo com o maior poder temporal, porque sairia fricção. E em certo momento, tornou-se necessário que Roma não fosse mais a capital política do mundo.
Então, Constantino deixou Roma e se transladou para Bizâncio. Atribuem alguns esta ideia a que exatamente o Imperador não incomodasse o papa, mas isso é um pouco discutido, porque Roma já não era capital do Império. A capital do Império era Milão, Ravena, e nunca mais Roma veio a ser a capital de um país que fosse uma potência internacional.
Nós tivemos a Roma dos Papas, que foi sempre um pequeno Estado temporal. Depois a carnavalesca Roma dos Saboias, capital do reino da Itália. Esta Roma foi capital de um Estado de alguma importância na Europa, mas não de um poder político e militar mundial. De uma influência cultural mundial, sim; de um poder político e militar mundial, não.

Amor sem limites ao papado e à Cátedra de São Pedro

 

 

Poderia começar a aparecer, então, uma espécie de opressão da Roma civil, poderosa, sobre a Roma religiosa. O que se passou? Ocorreu a coisa mais inesperada do mundo. Para tocar para a frente a obra de humilhação do Papa, a Roma dos Saboias foi uma Roma constitucional e depois se transformou numa república. Mas quando se fizeram as eleições, verificou-se que a maior influência eleitoral da Itália era o Papa. E hoje em dia, por detrás do governo democrata-cristão, é o Papa que governa.
De maneira que os papéis se inverteram e, em vez de ser a Roma civil que governa a Roma religiosa, nós temos, até certo ponto, a Roma religiosa que governa a Roma civil. E assim, o desígnio de que o papado fosse opresso pelo poder civil não ser realizou.
Será o melhor possível esse governo democrata-cristão? Uma coisa é verdadeira: se São Pio X estivesse no Sólio Pontifício, a Itália seria a nação mais bem governada do mundo. Quanto a isto não há dúvida!

Quando se fala da Cátedra de São Pedro, refere-se naturalmente ao móvel da cátedra. No fundo da Igreja de São Pedro há uma cátedra em bronze, feita por Bernini1, cercada de resplendores, recebendo por isso o nome de “a glória de Bernini.” Essa cátedra é oca e dentro se encontra o pequeno trono de madeira, que São Pedro usava em Roma, o qual até hoje se conserva para veneração dos fiéis e é exposto em certas ocasiões.

 

A cátedra simbolicamente lembra o poder, o papado, o pontificado, a continuidade dessa instituição, através de todos os homens tão diferentes que a têm ocupado. Recorda, então, o supremo governo da Santa Igreja Católica Apostólica Romana.
Se as vicissitudes humanas podem dar brilho maior ou menor, ou até rodear de trevas essa Cátedra, ela é sempre a mesma. O supremo governo da Igreja é a cabeça da Igreja. Quando se ama alguém, se ama sobretudo sua face, sua cabeça. Portanto, nosso amor à Santa Igreja Católica Apostólica Romana, que é um amor absolutamente sem limites e acima de todas as coisas da Terra, deve incidir especialmente sobre o papado e a Cátedra de São Pedro, qualquer que seja o seu ocupante. Porque esse é Pedro, a quem foram dadas as chaves dourada e prateada, a do Céu e a do poder indireto na Terra.
E a este Pedro nós osculamos, em espírito, os pés, como expressão de homenagem e de adesão. Porque em relação à Cátedra de São Pedro, nosso amor, nossa obediência, nossa veneração absolutamente não têm limites.v

(Extraído de conferência de 17/1/1966)

1) Gian Lorenzo Bernini (*1598 – †1680), arquiteto e escultor italiano.

22 de fevereiro – Misericórdia

Misericórdia

Na gloriosa corrente constituída pela Santíssima Trindade, Nossa Senhora e o Papado, este último vem a ser o elo menos vigoroso: porque mais terreno, mais humano e, em certo sentido, estando envolto por aspectos que o podem menoscabar.

Costuma-se dizer que o valor de uma corrente se mede exatamente pelo seu elo mais frágil. Assim, o modo mais excelente de amarmos essa extraordinária cadeia é oscular o seu elo menos forte: o Papado. É devotar à Cátedra de Pedro, em relação à qual esmorecem tantas fidelidades, a nossa fidelidade inteira!

Plinio Corrêa de Oliveira

22 de fevereiro -Cátedra de São Pedro

Cátedra de São Pedro

Uma lenda antiga nos conta que à beira de certo lago havia um rochedo que crescia à medida que as ondas o acometiam, de sorte a nunca ser submergido, ainda nas maiores tempestades. Hoje em dia, este rochedo é a Pedra, é a Cátedra de Pedro, que tem avultado com as revoluções, zombando das heresias, crescendo em vigor à medida que seus adversários crescem em rancor.

Há já vinte séculos, ela vem espargindo água benta sobre os adversários prostrados no caminho. (…) Neste mar revolto do século XX, naufragam homens, idéias e fortunas. Só ela continua e será “via, veritas et vita”, devendo ser aceita pela humanidade, para levantar um voo salvador sobre o próprio abismo que ameaça tragá-la…

Plinio Corrêa de Oliveira (Do “Legionário”, nº 130, de 15/10/1933)

22 de fevereiro -A Cátedra de Pedro é a coluna do mundo

A Cátedra de Pedro é a coluna do mundo

Vigário de Cristo na Terra sempre foi objeto do ardoroso enlevo de Dr. Plinio. Desde suas primeiras atividades públicas nas Congregações Marianas, ele defendeu nas páginas do Legionário, aquele a quem considerava “a coluna do mundo”: o Papa.

Por ocasião da festa da Cátedra de Pedro, que se comemora a 22 de fevereiro, Dr. Plinio comentava seu enlevo pela instituição do Papado:

“A festa da Cátedra de São Pedro é extremamente necessária, porque ela celebra o papado enquanto tendo uma cátedra infalível que se dirige ao mundo inteiro.

“A cadeira de São Pedro cuja estrutura foi quase toda conservada nos é guardada na Basílica de São Pedro, em Roma, onde está a Glória de Bernini. Ali existe uma cadeira de bronze na qual há uma portinhola que é aberta e se retira um bancozinho, considerado como tendo sido de São Pedro.

“Na nave central da Basílica de São Pedro, há uma imagem, de bronze escuro, que representa São Pedro, com as chaves nas mãos, sentado numa cátedra e com os pés à altura dos lábios dos fiéis. E os peregrinos que vão a Roma passam por lá e beijam um dos pés da imagem. O resultado é que, com o ósculo mil e mil vezes repetido, esse pé está desgastado. Parece-me ser o único exemplo da História em que ósculos destroem bronze.

“E, fato bonito, no dia de São Pedro revestem essa imagem com os paramentos pontificais, inclusive a tiara, como se fosse um Papa vivo, para identificar a magnífica e evidente solidariedade e continuidade que vai de São Pedro até o Pontífice de nossos dias.

“Devemos, em espírito, oscular o pé dessa imagem, para significar que osculamos o Papado, esse princípio de sabedoria ou de infalibilidade da autoridade que governa a Igreja Católica. E, por meio de Nossa Senhora, agradecer a Nosso Senhor Jesus Cristo a instituição desta cátedra infalível, que é propriamente a coluna do mundo, porque se não houvesse infalibilidade, a Igreja estaria destroçada e com ela o mundo ficaria perdido.

“Ela é o caminho para o Céu, e os homens não o encontrariam se não houvesse uma autoridade infalível para governar a Igreja.

“Não se pode ter uma fidelidade abstrata no papado. É preciso que ela seja concreta ao Papa atual, em toda medida em que ele é infalível, e tem o poder de governar e reger a Igreja Católica.”

 

 

(Extraído de conferência de 22 de fevereiro de 1964.)

22 de fevereiro – Elo entre o Céu e a Terra

Elo entre o Céu e a Terra

“Meu último pensamento seja de amor ao Papa”. Esta é a frase acrescida por Dr. Plinio — de próprio punho — em sua carteira de identidade católica.

Um dos principais pilares de sua espiritualidade era, sem dúvida, a profunda devoção que nutria em relação à Cátedra de Pedro, na pessoa do Romano Pontífice.

Esta devoção tornou-se de tal modo manifesta no decorrer de sua vida, que não seria dificultoso reunir um incontável número de páginas contendo considerações repletas de Fé e submissão acerca do Santo Padre, o Doce Cristo na Terra.

Por ocasião do dia do Papa — 29 de junho —, homenageando tão edificante devoção, Dr. Plinio traz em seu editorial excertos de conferências proferidas pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, nas quais ele manifesta seu entranhado amor ao Papado:

“Já em minha infância, eu percebia que deveria haver uma autoridade infalível, a qual ensinasse a todos, pois, caso isso não fosse assim, não haveria possibilidade de as pessoas pensarem do mesmo modo, e a vida seria um caos, indigna de ser vivida. Então nasceu em mim uma pujante veneração ao Papado e, consequentemente, ao Episcopado e aos outros graus da Hierarquia”.

Assim se manifestaria ele, dois anos mais tarde: “Tão grande é a fragilidade humana, que, inevitavelmente, cairíamos em erro, caso não houvesse um mestre infalível, o qual nos ensinasse toda a verdade.

“Imaginemos uma cidade com milhares de habitantes, onde cada um possuísse ao menos um relógio. Nesta cidade haveria milhares de relógios. De nada serviriam esses relógios caso não houvesse um relógio posto por Deus, chamado sol, pelo qual os homens pudessem saber a hora certa.

“Ora, à semelhança do sol que regra as horas, há um homem que, em matéria de fé e moral, não cai em erro. Este é o Santo Padre; de seus lábios abençoados só pode sair a verdade. Ele é o ‘relógio’ que regula a Humanidade; o Bispo dos bispos; o pastor dos pastores; o Rei da Igreja e de todas as almas. É a mais alta criatura que há na Terra. Não há rei, não há imperador, não há presidente da república, não há milhardário, não há nada, que valha tanto quanto o homem a quem Deus garantiu: ‘As portas do inferno não prevalecerão contra ti. Pedro tu és pedra e sobre essa pedra edificarei a minha Igreja’.

“Assim sendo, nós devemos ser cuidadosíssimos em amar o Papado acima de todas as coisas da Terra.

“Sem o Papado, a Terra seria um antro de confusão, de desordem e de horror.”

Com o decorrer dos anos, tal amor ao Papa evidenciou-se cada vez mais, como se pode verificar nas seguintes palavras de Dr. Plinio:

“Não é com meu entusiasmo dos tempos de jovem que eu me coloco hoje ante a Santa Sé. É com um entusiasmo ainda muito maior, pois à medida que vou vivendo, refletindo e ganhando experiência, compreendo e amo mais ao Papa e ao Papado.

“E este amor não é abstrato. Ele inclui um especial amor à pessoa sacrossanta do Papa, seja ele o de ontem, como o de hoje ou o de amanhã. Amor de veneração, amor de obediência.

“Insisto: amor de obediência. Pois desejo dar a cada ensinamento deste Papa, como de seus antecessores e sucessores, toda a adesão que a doutrina da Igreja me prescreve, tendo por infalível o que ela manda ter por infalível, e por falível o que ela ensina que é falível. Quero obedecer às ordens deste ou de qualquer outro Papa em toda a medida que a Igreja indica que sejam obedecidos. Isto é, não lhes sobrepondo jamais minha vontade pessoal, nem a força de qualquer poder terreno.”

O corolário dessa profunda devoção, cultivada cuidadosamente durante sua existência, foram as tocantes afirmações de Dr. Plinio, pronunciadas exatamente três meses antes de sua morte: 

“O mesmo amor que devoto a Nossa Senhora e a Nosso Senhor Jesus Cristo, também o possuo em relação ao Papado. Pois há um princípio segundo o qual uma corrente vale conforme seu elo mais fraco. Poderá uma corrente ter cem elos, cada um deles com o diâmetro do braço de um atleta, mas estarem presos a um outro elo muito delicado, essa corrente tem o valor do elo frágil.

“Ora, na corrente da tríplice devoção à Santíssima Trindade, à Maria e ao Papado, o elo mais frágil é o Papado, por ser o mais humano. Então, o modo mais vigoroso de amar a corrente inteira é oscular o elo mais fraco.

“Ao dedicar meu inteiro amor ao Papado, meu ato toma o sentido de quem replica ao adversário: ‘Vocês estão recriminando tais e tais debilidades do Papado. Pois ali vai meu ósculo, ali vai minha fidelidade.’

“Onde a infidelidade de alguns poderia tentar a fidelidade dos fiéis em sua totalidade, eu quero pôr a minha fidelidade inteira.”

Plinio Corrêa de Oliveira